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Papel e estratégias do professor

No documento O (in)sucesso (re)escrito a cada momento (páginas 47-51)

Os professores têm um papel importante naquilo que pode ser o perpetuar ou o mitigar da situação dos alunos vulneráveis, pois “modelam consciente ou inconscientemente os conteúdos em função do suposto nível” dos mesmos (Van Zanten, 1996: 288 in Seabra, 2009: 97). De facto, e a despeito de uma melhor progressão do aluno nas melhores turmas – o que demonstra como a segregação escolar tem efeitos perversos -, o professor tende a balancear a sua pedagogia, consoante se depare com turmas homogéneas ou heterogéneas. Assim, por muito boa vontade que o professor tenha no desenvolvimento de mecanismos de integração na interação com os alunos de grupos mais descapitalizados, a concentração exagerada de alunos oriundos desses grupos numa turma ou escola – segregação escolar –, irá dificultar a conceção pedagógica inclusiva desse docente (Van Zanten, 2005). Na turma heterogénea, o professor adapta o programa e o ritmo à média do grupo com que se depara, enquanto numa turma homogénea – no caso da turma constituída por alunos oriundos de uma variante cultural

podendo salvaguardar os alunos da aparente exclusão escolar a curto prazo, não os irá proteger de uma possível trajetória marginal no futuro - além de não desenvolverem planos académicos de um nível superior.

O próprio número de estudantes por sala de aula influencia a capacidade do professor em corresponder aos anseios de cada aluno em particular. As turmas alargadas aumentam a probabilidade da implementação de um modelo autoritário de ensino, o que diminui a afeição escolar (Bernstein, 1961). Alguns professores, não obstante a necessidade de cumprir os pressupostos delineados no programa curricular, permitem-se desenvolver, perante os alunos, uma forma de discurso horizontal. Este conceito desenvolvido por Bernstein (1996 in Bourne, 2003) – em contraponto com o de discurso vertical -, comprova como o professor consegue delinear um estilo de comunicação menos rígido e mais comum, aproximando-se dos referenciais culturais dos seus alunos. O discurso horizontal pressupõe um tipo de comunicação mais segmentada, dependente do contexto e que mantém implícitos os seus significados. Por outro lado, o discurso vertical é mais coerente, explícito estruturalmente e organizado de forma sistemática e hierárquica. Este último discurso é, como se pode deduzir, o mais frequente no sistema de ensino, acabando por prejudicar as classes dominadas – não portadoras das perceções, das rotinas, das vivências e das experiências exigidas pelo ambiente escolar. Porém, alguns professores, não descurando a componente vertical que o sistema escolar exige, incorporam no seu estilo pedagógico elementos horizontais que permitem ao aluno – social e culturalmente vulnerável – compreender a utilidade escolar. É esse o exemplo prático de pedagogia visível radical demonstrado Bourne (2003) e já acima mencionado.

O professor tende, naturalmente, a discriminar os alunos. Tem preferência por aqueles que expressam uma maior predisposição à incorporação dos saberes escolares por si veiculados (Gorard, 2010). A discriminação é relativizada quando esta se coloca no campo da preferência pela companhia do bom aluno fora do contexto da sala de aula – nos corredores, por exemplo. Por outro lado, a discriminação é assumida negativamente quando, na sala de aula, o docente opta por dar a palavra a esse aluno (“cliente ideal”), ignorando a participação de outros. Há muito tempo que se fala numa “discriminação inconsciente” do professor em relação a alunos de origens populares (Gomes, 1987: 39), sendo que os classificam como indisciplinados por natureza e acabam por depositar neles parcas expetativas de sucesso escolar. Assume-se, deste modo, que aquela imagem polarizada com que os indivíduos entram no espetro escolar é não só reproduzida em desigualdades escolares, mas também fortalecida, em certa medida, pela interação que professores e alunos têm no contexto escolar. A Escola, ao invés de inverter a lógica das desigualdades sociais, tem propensão a reproduzi-las no seu universo, através do trabalho pedagógico exercido pelo professor no seu domínio. A avaliação que este faz do aluno não remete apenas para a aptidão escolar e as competências cognitivas, mas também para os aspetos comunicacionais. Assim, quando os estudantes não captam a

na sala de aula, ou seja, tentam passar “entre os pingos da chuva” no horário letivo, tentando impossibilitar a descoberta dessa inaptidão comunicativa por parte do professor (Pitsoe & Letseka, 2013; Sullivan, 2002).

Vale, porém, salientar o grau de autonomia que Neves (2011) confere ao docente no que diz respeito à relação que este mantém com os seus alunos de origens sociais mais desfavorecidas. Segundo a autora, o professor pode incorporar na sua pedagogia uma vertente familiar – onde os afetos são palavra de ordem - ou uma vertente pública – da separação entre as emoções humanas privadas e a necessidade de instruir formalmente. Uma terceira via diz respeito a uma vertente intermediária, onde as interações irão sempre depender do cunho identitário e pessoal de cada aluno e do professor.Ao último é exigida, quer a capacidade de transmissão do arbitrário cultural dominante escolar, quer, simultaneamente, um certo grau de condescendência para com os alunos menos capazes de adquirir e acompanhar esse desígnio cultural que lhes é estranho. Bourdieu (1989) chama de “estratégias de condescendência” a esta capacidade de adaptação do professor à heterogeneidade de variantes culturais familiares dos estudantes com que se depara diariamente na sala de aula.

Se à escola é pedida uma comunicação recorrente com a família, ao docente exige-se que trabalhe para melhorar as competências e a confiança do aluno, fazendo com que este desenvolva hábitos autorregulatórios, benéficos para a sua carreira escolar, no presente, e para a sua carreira profissional, no futuro – tendo em conta que uma trajetória positiva numa instituição, facilitará a integração na instituição seguinte (Pajares, 2005; Walgrave, 2000).

Capítulo 4

Autonomia e grupo de pares

No documento O (in)sucesso (re)escrito a cada momento (páginas 47-51)