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CAPÍTULO 4 PARTICIPAÇÃO NA AQUISIÇÃO DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS

4.2 ANÁLISE E RESULTADOS

4.2.2 Categoria 2 – O agricultor e o mercado

4.2.2.4 Participação nas compras públicas

Para facilitar a adesão da estratégia da venda para a alimentação escolar, com os agricultores familiares, o PAA constituiu-se numa referência pedagógica importante para a elaboração dos projetos de venda para o PNAE.

Ficou claro nas entrevistas que a execução do PAA e do PNAE são bastante parecidas em alguns municípios. Os agricultores chegam até a ter dificuldade de diferenciar os dois programas. Isso ficou evidente nos depoimentos, pois o período das entrevistas coincidiu com o período de transição de novas regras de execução do PAA. Os entrevistados, ao se referirem

23 Para Durkeim a educação consiste numa socialização metódica da nova geração pelas gerações

à comercialização para o PNAE, algumas vezes citavam regras do PAA. Isso acontece, principalmente, quando a prefeitura, ou outro órgão local intermedia o processo de elaboração do projeto de venda para o agricultor familiar. Esta dificuldade de identificar as diferenças entre os dois Programas ficou evidente na entrevista feita com T2, quando perguntado se vende para o PAA:

Acho que são os dois. É, porque eu acho que o PAA tem da prefeitura e tem o que a Conab compra também, tem prefeitura que tem o PAA sem ser da Conab, deve ser por isso, não sei, pode ser (T2).

S1 não vende para o PAA, mas acredita que a cooperativa, com a qual ele comercializa sua produção, deve participar do PAA. G1 não comercializa seus produtos para o PAA, embora o seu cônjuge tenha referido vender leite para um laticínio, por meio da associação, e não sabe informar o destino final dos produtos deste laticínio.

Em relação aos programas públicos de comercialização (PAA e PNAE) ressalta-se que há algumas diferenças quanto ao acesso do agricultor individual. A Resolução nº 26/2013 (BRASIL, 2013a) permite a participação do agricultor familiar individual na venda para o PNAE. O objetivo dos mercados institucionais é, entre outros, incentivar a participação do agricultor familiar em processos formalizados de comercialização, para oportunizar a profissionalização do segmento da agricultura familiar para a entrada no mercado aberto. Para isso, quanto mais organizados, maior é a possibilidade de se fortalecerem. Tanto o PNAE quanto o PAA incentivam a organização dos agricultores familiares em grupos formais (cooperativas) para diminuírem custos, melhorar a competitividade e se fortalecerem enquanto rede. A Resolução CD/FNDE nº 38/2009 (BRASIL, 2009c), anterior à vigente, permitia a comercialização de agricultores individuais que não estavam formalmente constituídos em cooperativas com DAP jurídica, desde que formassem um Grupo Informal e fossem representados por uma entidade articuladora.

No entanto, na evolução do processo de compra da agricultura familiar para a alimentação escolar, constatou-se que as realidades de execução do PAA e do PNAE são diferentes, a começar pela obrigação de execução do PNAE nos 5.570 municípios, os 26 estados, o Distrito Federal e as escolas federais e, consequentemente, a obrigação da compra da agricultura familiar nos mais variados contextos de evolução das organizações de agricultores familiares, contando com a obrigação de compra em regiões que sequer existem cooperativas e associações criadas. Neste contexto, e considerando que mais de 70% dos municípios têm menos de 20.000 habitantes, com realidades de organização da agricultura

familiar muito diversificadas, a possibilidade de os agricultores familiares individuais também passarem a participar do PNAE, como fornecedores com contratos individuais, tornou o processo de compra da agricultura familiar factível para a maioria dos pequenos municípios brasileiros.

Embora existam mais de 4,5 milhões de DAP`s familiares emitidas, há somente cerca de 3 mil DAP`s jurídicas e concentradas, geograficamente, em algumas regiões. Por isso, a possibilidade de participação do agricultor familiar individual foi incorporada na Resolução nº 26/2013. Nessa perspectiva, não há justificativa para impedir a participação do agricultor individual, cuja pequena produção tem condições de atender a escola próxima a sua propriedade, principalmente ao considerar que a quantidade de DAP`s jurídicas ainda é pequena e há um número grande de agricultores familiares não cooperativados com possibilidade de participar de chamadas públicas realizadas por escolas ou prefeituras de pequeno porte.

Embora o desenho do PAA tenha inspirado, no contexto do PNAE, a inclusão da obrigação da aquisição de produtos da agricultura familiar na alimentação escolar, os dois Programas têm finalidade diferenciadas. Enquanto o PAA tem como propósito a promoção da SAN e o fortalecimento da agricultura familiar, o PNAE contribui para a SAN ao promover ações que garantam a qualidade da oferta do alimento saudável, adequado, seguro, condizente com os hábitos e a cultura alimentar local e a promoção de hábitos alimentares saudáveis aos escolares. Para a garantia dessas ações, as características da organização jurídica do fornecedor são irrelevantes, conquanto que o processo de compra também contribua para a promoção da sustentabilidade.

No Quadro 9 são apresentadas as informações sobre o vínculo dos entrevistados com o PAA e o acesso ao programa de crédito destinado a agricultura familiar:

Quadro 9 - Acesso ao PAA e ao PRONAF

Entrevistado Comercialização para o PAA Acesso a crédito específico para a agricultura familiar

G1 Não (vende leite para um laticínio, mas não sabe o destino)

PRONAF G2 Não (vende leite para um laticínio,

mas não sabe o destino)

PRONAF G3 Não (vende leite para um laticínio,

mas não sabe o destino)

PRONAF S1 Não, mas acredita que a cooperativa

que ele comercializa sua produção deve participar.

Não acessa o PRONAF porque não tem outorga do uso da água.

S2 Não PRONAF

B1 A associação já apresentou projeto de venda – ainda não foram chamados para assinar o contrato

Os associados já acessaram o PRONAF, mas o crédito está suspenso – inadimplência no município. B2 A associação já apresentou projeto

de venda – ainda não começou a vender.

PRONAF

B3 A associação já apresentou projeto de venda – ainda não vendeu

PRONAF

T1 Não Não

T2 Vende para o PAA PRONAF

S3 Não informou Não soube informar

S4 Vende para o PAA PRONAF e Mais Alimentos S5 Vende para o PAA PRONAF e Mais Alimentos Fonte: Pesquisa de campo, (2014).

Os agricultores entrevistados vendem parte de sua produção às associações e cooperativas dos quais são associados, sem saber exatamente o destino de sua produção (se a associação tem contratos com o PAA, por exemplo). A comercialização da sua produção, via

associação, faz parte da renda familiar da maioria dos agricultores familiares entrevistados, junto com a comercialização direta para a alimentação escolar e a venda em feiras livres.

Os agricultores também referiram acessar o programa de crédito específico para a agricultura familiar, o PRONAF. Segundo os depoimentos, o PRONAF tem possibilitado aos agricultores comprarem insumos e montar alguma infraestrutura mínima na propriedade, para comercializarem com os programas públicos.

G1 e G3 acessaram o PRONAF para comprar gado. O leite produzido é vendido para um laticínio e para uma cooperativa, respectivamente, mas não sabem qual é o destino do leite.

G2 acessou PRONAF e utilizou o crédito para infra-estrutura de produção da propriedade, quando receberam a escritura da propriedade do Incra:

Nós estamos mais ou menos estruturados com o dinheiro do PRONAF (G2).

S1 não usa PRONAF porque não tem a outorga do uso da água. Critica a burocracia para a comprovação da propriedade da terra.

S4 usou o crédito do PRONAF para comprar carro para o transporte e irrigação de sua produção. S5 acessou o crédito para comprar caminhonete e realizar uma obra na propriedade. T2 acessou o PRONAF para comprar gado. Vendeu o gado e comprou um trator. O último recurso que acessou foi investido na aquisição de mais gado. T2 mora em uma região onde foram assentadas 20 famílias. Dessas, somente 3 vendem seus produtos para a alimentação escolar.

B1 informou que a associação já acessou o PRONAF, mas, no momento, o crédito para os agricultores está suspenso porque há agricultores inadimplentes no município.

O banco está colocando a maior dificuldade para liberar PRONAF. Agora, quando chega um cidadão que faz um empréstimo de 100 mil, 150 mil, ele tem dinheiro disponível. Para o pequeno (B1).

B3 informou que os agricultores da associação acessam o PRONAF, embora tenham ficado um tempo sem acessar, por causa da inadimplência de outros agricultores, mas depois de normativo publicado recentemente pelo governo federal que anistiou, sob algumas condições, dívidas dos agricultores familiares, foram novamente liberados para acesso ao crédito.

Antes de vender para a alimentação escolar, S2 informou que vendia para a CEASA de outro município, mas que não tinha produção suficiente para se manter na CEASA.

S3 informou que a composição da renda da família é a venda para o PNAE, para mercados localizados no município e para munícipios vizinhos. A renda de S4 é composta pela venda para o PNAE, para o PAA, para as cozinhas das indústrias localizadas no município e para consumidores que procuram na propriedade.

Na composição da renda familiar, os agricultores entrevistados, com filhos em idade escolar, contam, ainda, com os recursos do Programa Bolsa-Família. Essa informação foi referida pelos agricultores entrevistados do nordeste e norte.

B1 informou que os associados recebem bolsa família (33 famílias) e não vendem para o PAA. Segundo o agricultor, a proposta de venda para o PAA da associação foi cadastrada pela prefeitura, mas não foram chamados para assinatura do contrato. B2 informou que a associação vai começar a participar do PAA. Por enquanto vendem para o PNAE, na feira local e dos municípios vizinhos. A maioria das famílias da associação recebe bolsa família.

B3 informou que a renda das famílias da associação é constituída pela venda no PNAE, a comercialização na feira e o Bolsa Família. T1 informou que, antes de vender para a alimentação escolar, vendia seus produtos na rua, feiras e em outros municípios. T2 informou que a renda da família é composta pela venda para o PAA, para o PNAE, o benefício do bolsa família e a venda, sob encomenda, para o supermercado. S5 informa que a renda da família consiste na venda para o PNAE, a comercialização para a feira local, para o mercado e a renda da plantação de fumo. Também vende para o PAA, mas, este ano de 2014, os contratos não foram assinados.

T1 não recebe o benefício do Programa Bolsa-Família e explica:

Nem procurei, eu acho que quem tem uma renda deixa para os outros (T1).

A resposta de T1 é reveladora do entendimento com relação ao verdadeiro objetivo do Programa Bolsa-família.

Além disso, T1 informou que nunca acessou o PRONAF e explica o porquê:

Ela (a esposa) não deixa, ela tem medo de dever, ela não gosta de dever nem uma balinha (T1).

A agricultura familiar não se caracteriza, estritamente, pela produção para o autoconsumo e por métodos artesanais de cultivo. A maioria dos agricultores familiares

dispõe de poucos meios para investimento, mas explora, quase sempre de forma intensiva e eficiente, os recursos de que pode lançar mão.

A participação dos agricultores nos programas institucionais não os impede de buscar outras vias de comercialização, tais como feiras livres e redes locais de mercado etc. A diversificação da produção dos agricultores incentivada pelo PNAE contribui para as feiras semanais nas cidades, pois há excedente de produção dos agricultores locais. Espera-se, inclusive, que os agricultores aumentem e diversifiquem a sua produção para incentivar a criação de feiras públicas da agricultura familiar, em cada município. Assim, a valorização da compra local incentiva os agricultores familiares a produzirem os alimentos para atender a comunidade.

Esse tipo de comercialização traz benefício para a alimentação da comunidade local, com a oferta de produtos mais frescos, que sofreram menos com transporte, armazenagem e conservação, com a possibilidade da comunidade conhecer os produtores dos alimentos. As feiras livres contribuem para a segurança alimentar da comunidade com o incentivo ao consumo de alimentos frescos como frutas e hortaliças, incentiva a produção local, aquece a economia, gera renda para o agricultor familiar, aproxima e cria laços de comprometimento entre o produtor e o consumidor de alimentos. Melhora, assim, a qualidade da alimentação da comunidade e promove a segurança e soberania alimentar.

Essa medida é um bom recurso para a reconexão entre o consumo e a produção de alimentos. Não é desejável que o apoio do PAA e do PNAE reproduza uma relação de dependência, mas que funcione como um propulsor da criação de possibilidades locais de mercado.