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CAPÍTULO 4 PARTICIPAÇÃO NA AQUISIÇÃO DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS

4.2 ANÁLISE E RESULTADOS

4.2.4 Categoria 4 Percepção e avaliação do agricultor familiar sobre a participação

4.2.4.3 Significado e sentido para a família

A estratégia da aquisição da produção da agricultura familiar para alimentação escolar fortalece as organizações produtivas locais, incentiva as relações de cooperativismo, a produção orientada para a demanda e, em consequência, o dinamismo econômico local.

Quando perguntado o que achava da participação da agricultura no PNAE, a avaliação de G3 é a seguinte:

Eu achei que foi uma oportunidade boa que eles trouxeram para nós aí, porque antes, às vezes, não tinha para onde você vender, as vezes você nem produzia, não ia produzir uma banana além da despesa, porque ia perder. É uma renda a mais não é... (G3).

S2 avalia que a vantagem da venda para alimentação escolar é a renda certa. Antes de vender para o PNAE, vendia seus produtos somente em um mercado privado.

Para quem acreditou que as coisas realmente funcionariam, isso foi um negócio muito bom que o Governo Federal criou, eu dou nota 1000 para isso, porque através disso vem muitos recursos,... (S2).

Então, isso é uma oportunidade excelentíssima que o Governo deu para o pequeno produtor rural, porque já é uma venda garantida. (S2).

G1 informou que a renda, antes da comercialização para o PNAE, era pequena e incerta:

A renda, aqui, era de galinha mesmo e, um pouco de leite que vendia, essa era a renda que tínhamos (G1).

Não. Não produzia. Então, as frutas perdiam todas no quintal, porque nós não dávamos conta de consumir. Aí, quando saiu o projeto, eu acho que para nós é tão interessante, porque a renda do agricultor, nós da roça, é tão pequena, e você transformar aquilo que ia perder em renda, eu achei muito objetivo, tem gente que fala assim "é loucura, você já está velha, fica mexendo com isso, colher acerola, o tanto que o trem pinica". Mas eu vejo o resultado lá na frente (G1).

Figura 41 - produção de mexerica de G1. Figura 52 - produção de banana de T1.

Soares (2011) destaca, em seu estudo do PAA, em relação à comercialização de alimentos para o PNAE, os aspectos relacionados à sustentabilidade. A partir do fornecimento de alimentos pelo PAA, para o PNAE, a alimentação escolar passou a contribuir para o desenvolvimento da região. O Programa possibilitou uma nova alternativa de produção e comercialização para os agricultores envolvidos, aumentando a renda do segmento produtivo. Essa afirmação pode ser confirmada pelo depoimento de G1:

Essa ampliação (cozinha) que nós temos feito aqui são todas com esses dinheiros dessa venda, de nós termos conseguido ampliar a cozinha (G1).

A minha expectativa é grande de comprar um carro com o dinheiro dessas polpas, se Deus abençoar e der tudo certo, aí, se não houver nenhuma barreira, nós vamos. Vamos juntando daqui, dali, nós conseguimos comprar esse freezer, nós compramos uma despolpadeira mais recente, que, então, eu estava despolpando era com o liquidificador, aí, compramos aquela despolpadeira bem pequenininha, mas já tem ajudado muito, facilita bastante. Então, espero que dê tudo certo (G1).

Figura 63 - despolpadeira de G1. Figura 74 - produção de polpas de frutas de G.1

Fonte: Autora. Pesquisa de Campo (2014). Fonte: Autora. Pesquisa de Campo, (2014).

Na mesma linha, o depoimento de G2, quanto ao que mudou para a família depois que começaram a vender para a alimentação escolar, deixa claro a relevância do Programa:

Nossa, totalmente. Deus me livre, ai de nós se não fosse ela, a renda que nós temos, o preço de mercado que eles pagam, porque para você vender para outro, que nem [...] estava falando, a escola paga quase três reais o quilo de banana, eles querem pagar seis reais a caixa da banana, enquanto você vende dois quilos para escola, eles querem pagar uma caixa dá trinta quilos a seis reais (G2).

Quando perguntado sobre qual o significado da comercialização da produção, para alimentação escolar, para as famílias dos agricultores, registrou-se os seguintes depoimentos:

Olha, foi bom, porque já entra dinheiro para que nós acudirmos umas coisas que, as vezes, não dávamos conta (G3).

Para mim foi bom porque é um comércio que eu não tinha, eu batia muito para vender, você vai num supermercado, vai em um atravessador que tem muita gente na cidade que às vezes pega para vender também. Então, eu consumi mais a mercadoria, é um mercado certo, nós entregamos, sabemos que demora um mês ou dois, mas recebemos. Você vai na feira vende picadinho, um pouco para um, um pouco para outro, ás vezes até fiado, uns pagam outros não pagam, o que tem de dinheiro esparramado. Tem que largar de mão, você vai atrás de R$ 3,00, R$ 5,00 R$ 10,00? Não vai (T1).

Para mim está muito ótimo, desde quando começou, ajudou demais os produtores, eu mesmo tenho muito que agradecer nessa parte porque me ajudou muito, que anterior nós não tínhamos essa oportunidade de nós produzirmos e entregar os produtos nossos. Nós não tínhamos. E mais quando começou foi muito bom, desenvolveu muito, inclusive para mim aqui desenvolveu muito, a entrega das coisas melhorou muito, demais mesmo (T2).

Os agricultores relatam satisfação ao terem acesso seguro ao mercado do PNAE. Garantir a venda e a valorização de seus produtos é assegurar a sua própria valorização enquanto categoria social.

É que é bom, porque vendemos em um preço final, não é? O lucro é maior. Não tem atravessador. O lucro que era para o atravessador... (S4).

Positivo, eu acho que se tivesse feito isso aí, muitos não tinha saído da agricultura, muitas famílias teriam ficado... Nós estávamos conversando, ali, sobre isso ai, ela disse “mãe, como é bom esse projeto, também, de conseguirmos, de ter onde vender, saber que aquilo ali é garantido, não precisa correr, de ir atrás”. É pouco, se eles pudessem pegar mais, e tem um limite de cada agricultor (S4).

Além do aumento da renda, os agricultores relataram como ponto positivo o aumento de trabalho. Pelos relatos, as possibilidades de trabalho no campo eram pequenas. Não havia para quem vender a produção. Hoje tem mais motivos para dedicar tempo e trabalho na terra, porque há mercado garantido. Aprender a valorizar o trabalho e a sua produção tem sido aprendizagem relatada por agricultores familiares. Valorização da categoria e satisfação com a ressignificação do trabalho. Os agricultores produziam para subsistência. Depois da possibilidade de comercialização com a prefeitura, os agricultores tem mais motivação para o trabalho.

Uma rendinha a mais para nós, um pouco mais de serviço. Tanto o serviço como a renda melhorou muito (S5).

S5 relata também a valorização do seu produto no mercado:

Era menos. Não era muita coisa. Eu comecei a produzir mais quando saiu esse negócio da Conab. PAA. Então, eu comecei a produzir verdura depois que entrou

isso aí... Consegue valorizar mais o que temos, conseguimos vender por um preço melhor (S5).

O acesso aos alimentos, mediado pelo programa, auxiliou à desconstrução de conceitos preestabelecidos e à ressignificação do assentado, como categoria social, e de seu lugar no desenvolvimento regional. Niederle, Almeida e Vezzani (2013) destacam as relações e as reconexões entre produtores e consumidores e as ressignificações de ambos. Os autores citam que, em pesquisa realizada em assentamentos rurais com acesso ao PAA, observaram, em alguns contextos específicos, a contribuição do PAA para o reconhecimento da importância desses atores no abastecimento alimentar local, incitando a construção de novos arranjos organizacionais e laços de solidariedade.

Os agricultores referem novo significado para o seu trabalho ao participar do abastecimento da alimentação escolar. Também demonstram motivação para seguir produzindo alimentos e novo sentido para o trabalho no campo, na medida em que são incluídos nas ações públicas locais para fornecimento de alimentos para a comunidade.

Elas gostaram muito (as professoras). E quando elas iam a .... (nome do município) já falava para o...(responsável pela alimentação escolar na secretaria de educação) , foi bom demais, para mim eu dei muito graças a Deus nessa parte, me ajudou muito, me deu muita força, investimento, força de coragem trabalhar em tudo, com gado, porco, a galinha, a horta e a moição, a cana.” “Teve muita força, aquela animação mesmo de trabalhar (T2).

O que caracteriza a agricultura familiar é o pleno exercício que envolve mais que o aprendizado de um ofício e a gestão da propriedade rural e do capital. Desenvolvido a partir do trabalho de toda a família (ao qual o jovem se incorpora desde criança) este patrimônio possui um duplo conteúdo social: ele é a base material de um negócio mercantil e a própria organização da vida familiar e sua manutenção se fundamentam sobre ele (ABRAMOVAY, 1998).

Nessa direção, a declaração de G2 quanto ao que mudou para a família depois que começaram a vender para a alimentação escolar, confirma o argumento de Abramovay:

Se não fosse, nós termos dado conta de permanecer por esse caminho, porque se não fosse, não dava para sobreviver (G2).

Não tinha renda (antes de vender para a alimentação escolar) ... trabalhava era em outro lugar... Depois que nós adaptamos com a escola, largou, que nós dedicamos aqui, porque lá vai aos poucos melhorando, nós conseguimos fazer a casa. Agora, nós estamos lutando pela energia (G2).

Eu nasci e criei na roça, passava tudo quanto é dificuldade, porque o pai plantava, colhia, nós só comprávamos roupa de vestir e roupa de cama de ano e ano, toda colheita que o caminhão encostava e levava é que nós íamos lá e comprava, agora hoje temos essa oportunidade. Passava o tempo todinho, o ano todinho esperando uma colheita. Quando não

dava nada. Agora, essa oportunidade, tem esse benefício do Governo, eu acho que temos que aproveitar mais (G2).

O mercado estabelecido pelas compras públicas não resolve todos os problemas estruturais que enfrentam as comunidades rurais. Mas não se pode negar a sua importância como um fator determinante para desencadear processos de construção da cidadania É necessário capacitação de agricultores e agentes implicados para que construam novas redes, além das compras públicas. Anjos e Becker (2014) destacam a possibilidade de romper o véu de invisibilidade oficial de indivíduos e comunidades tradicionais que hoje se orgulham de participar como fornecedores de alimentos para populações em situação de insegurança alimentar e para a alimentação escolar do seu município. Muitos destes indivíduos não possuíam nem mesmo documentos, antes de participarem dos programas de compras institucionais e hoje estão inseridos em redes locais ou regionais de comercialização.

Os agricultores são reconhecidos, pela gestão, como protagonistas para o sucesso da compra local para alimentação escolar. Algumas prefeituras têm valorizado o conhecimento dos agricultores e os identifica como atores importantes para a mobilização local, e começam a enxergar os agricultores familiares como parceiros na execução de políticas públicas. G3 informou que não participa de atividade pedagógica na escola, mas já foi chamado para falar sobre a sua participação como fornecedor do PNAE na Câmara Municipal:

Teve uma reunião uma vez, não foi na escola, foi na Câmara municipal, aí tiveram as falas lá, eles pediram a minha fala, que eu estava entregando, o que eu achava, foi onde eu falei (G3).

Na perspectiva durkheimiana, a educação aparece como uma estratégia social definida, que tem por fundamento conduzir o processo de socialização, imputando valores e sentimentos que atendam às necessidades coletivas. Em sentido mais amplo, o processo educativo proporcionado pelo PNAE enseja mudanças importantes na perspectiva de vida da família. Os depoimentos de G2 e B1 apontam a dimensão dessas mudanças:

Agora, nós aqui tudo, que nem o (nome do esposo) falou, vou investir mais na Merenda Escolar, vou vender essas vacas, porque a metade do leite da vaca volta para elas mesmo. O custo é muito alto. Para mim a Merenda Escolar é tudo (G2). Antes, aqui, era tudo barraco de barro. Então, devagarzinho nós estamos melhorando a situação. E, no caso, nós queremos, se Deus abençoar, que se isso aqui estiver ocorrendo certinho, no próximo um ano, dois anos, esteja todo mundo em sua casa de bloco. Então, essas casas que estão feitas aqui, são através disso aí, através desse programa, na verdade, essas casas... Porque aqui nós estamos fazendo por etapa, nós estamos ajuntando recursos, o recurso que nós tiramos no final do mês, e somamos o

recurso que dá, a renda que dá, e estamos fazendo essas melhorias. De pouco a pouco estamos fazendo, por exemplo, compramos aquele material ali...(B1).

A abertura de possibilidades de comercialização da produção do agricultor familiar, fruto do seu trabalho, para a alimentação escolar, fez com que o agricultor retomasse para si o sentido de responsabilidade pela alimentação da comunidade, enquanto prática sociocultural.

Altemburg et al. (2012) demonstram em resultado de estudo realizado com agricultores do município de Cerrito/RS que o PNAE se apresenta como um forte apoio à reprodução da categoria social agricultura familiar, no município estudado. E, como os próprios agricultores expressaram, é de extrema importância para garantir a segurança alimentar nas escolas. Os agricultores atribuem valor ao seu trabalho ao reconhecerem que os alimentos fornecidos aos escolares, por meio da agricultura familiar local, percorrem cadeias curtas, o que garante o conhecimento da procedência dos alimentos produzidos.

Muda bastante, porque eu, assim, particularmente, as pessoas dizem "meu filho está comendo as verduras que são plantadas lá", tenho uma sobrinha, e sobrinha que tem as crianças na creche, elas comentam, imagina uma produção nossa. E no final do mês, também, ajuda, nós que somos da roça, tudo é lucro. E é trabalhado, porque... É trabalhado para manter pé de alface, até aquele ponto. Imagina, nós chegarmos ao mercado e ver que aquilo é um produto seu, embaladinho, tudo ali. A minha filha, quando nós vamos fazer compras, ela pega "esse aqui foi eu que embalei". Saber que é uma produção minha, não é? (S3).

Os depoimentos falam em orgulho do trabalho ser transformado em alimento na escola, em renda certa para o sustento da família, em estímulo para a produção, em valorização do trabalho e da produção. A participação do agricultor familiar no PNAE tem contribuído para a ressignificação do trabalho no campo.

Quando se fala de escola rural, a estratégia de aquisição da agricultura familiar para o PNAE toma maiores dimensões em relação à importância da inclusão da discussão da produção do alimento dentro do currículo escolar. O modo de reprodução social na agricultura familiar têm fortes laços familiares. Normalmente, agricultores familiares são filhos de agricultores familiares. As políticas públicas e os equipamentos públicos, e, neste caso as escolas, que lidam com a população do campo, devem ter em mente que os meios de produção dos agricultores familiares representam mais do que sustento, como acontece com outras categorias. A terra, a produção e a organização do grupo contam a história de vida da família. Por isso, tudo que está relacionado ao trabalho do agricultor familiar, tem um significado histórico e afetivo.

Os depoimentos demonstraram a satisfação dos agricultores em participar do Programa. O PNAE tem promovido a ressignificação para o trabalho do agricultor. Além das

vantagens econômicas, a inclusão dos agricultores familiares nos processos de comercialização de sua produção para os programas públicos trouxe também o fenômeno de aproximar socialmente a comunidade e incentivar o fortalecimento dos grupos sociais locais. Cria capital social, reforçando redes locais, construindo parcerias, otimizando recursos, aumentando a cooperação familiar e partilhando experiências e responsabilidades. Esse movimento eleva o capital social local – aumenta a eficiência da atuação dos grupos sociais para o exercício do controle social, de criação de soluções coordenadas entre governo e sociedade para problemas locais e, também, em alguma instância, contribui para a educação política da comunidade.