• Nenhum resultado encontrado

Relação do agricultor familiar com o nutricionista responsável técnico (RT) pela

CAPÍTULO 4 PARTICIPAÇÃO NA AQUISIÇÃO DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS

4.2 ANÁLISE E RESULTADOS

4.2.3 Categoria 3 – O agricultor e a escola

4.2.3.1 Relação do agricultor familiar com o nutricionista responsável técnico (RT) pela

A elaboração do cardápio escolar, que vai orientar a elaboração da pauta de compras de gêneros alimentícios para alimentação escolar, é responsabilidade do RT nutricionista, lotado na secretaria de educação. Compete a este profissional assumir as atividades de planejamento, coordenação, direção, supervisão e avaliação de todas as ações de alimentação e nutrição no âmbito da alimentação escolar.

O RT do Programa assume um papel chave para operacionalização do processo de aquisição de produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar. Este profissional deve reunir-se com as entidades da agricultura familiar, instâncias de controle social e outros órgãos, para identificar quais os gêneros alimentícios oferecidos pela agricultura familiar que podem ser utilizados nos cardápios, respeitando a sazonalidade dos produtos.

O trabalho harmônico de construção da demanda de gêneros para a alimentação escolar, de acordo com a oferta local de produção, é uma das questões mais sensíveis do processo de aquisição da agricultura familiar local. É fundamental que os itens publicados na chamada pública sejam aqueles que a agricultura familiar produz. Se a agricultura familiar não atende totalmente a demanda da alimentação escolar, é importante que os produtos, que não são de produção característica da agricultura familiar, sejam incluídos na compra pelas regras estabelecidas pela Lei nº 8.666/93.

Assim, a secretaria não deixa de comprar os itens necessários para atender o cardápio planejado, abrindo a possibilidade de que os alimentos que os agricultores familiares não tenham condições de atender sejam fornecidos por outro segmento do mercado, participando do processo de comercialização pelas regras de compras públicas estabelecidas pela Lei de licitações (Lei nº 8666/93). Por outro lado, ao garantir que a produção local de gêneros esteja contemplada no edital da chamada pública, a E.Ex compra produtos mais frescos, que percorreram distâncias menores para a entrega e ainda promove a economia local, por meio da compra da produção, induzindo o desenvolvimento. No entanto, o depoimento de B1 revela que nem sempre a pauta de compras da chamada pública está de acordo com a oferta local de produtos:

E, aí, vocês compram de fora? B1: – O resto das outras coisas. Porque o município não tem. A batata inglesa, que aqui no município não produz, a maçã, também, que eles botaram. Aqui vocês conseguem produzir maçã?-Não, nós pegamos fora.. - Mas fora, assim, aqui na região? - Vem do município aqui não, aqui não produz. Fizeram uma análise que não produz isso aqui. Aí, o que eles falam? Nós temos condição de pegar isso fora? Eu digo que tem porque eles colocam na merenda escolar, então, aí, nós pegamos. A laranja nós peguemos no município. – Mas é da produção daqui ou da produção...? - Dos vizinhos. - A nossa está bem pouca ”- Entendi, dos vizinhos. Aí, esses, Batata inglesa, maçã, laranja, vocês buscam da região. – A laranja é daqui do município, a única que não é, é a maçã, a batata inglesa, que nós não temos, a cebola, nós não temos dentro do município, e nós podemos, também, pegar fora, porque, isso, eles dizem que nós podemos pegar fora, porque tem uma lei que nós podemos pegar isso fora. Porque o município não produz, eles perguntam, por que o município não produz? A terra não é de qualidade para produzir? Então, nós, mas dentro da merenda escolar, vai ficar faltando? Aí, nós temos que pegar de qualquer jeito, aí eles pedem que nós peguemos. Mas vocês já chegaram a ter que comprar em (capital), CEASA, essas coisas? – No caso a batata inglesa, maçã. (B1) – representante de uma associação.

Deste depoimento constatam-se duas importantes questões: a primeira é o fato de gêneros alimentícios que não são produzidos por agricultores locais estarem na pauta de compras da chamada pública – o que diz respeito ao processo de levantamento da produção agrícola local. A segunda questão é a descaracterização do processo de compra, diretamente do produtor, com o objetivo de fortalecimento e autonomia da agricultura familiar local. Provavelmente, o valor pago ao produtor não deve ter sido o preço de mercado, já que o agricultor familiar vendeu sua mercadoria para outro comercializar. Denota-se o risco, com essa prática, ao incentivo à criação de associações que compram produtos e entregam na escola, exercendo o papel de intermediários da comercialização para o PNAE.

O processo de aquisição da agricultura familiar, relatado no depoimento, mostra-se incompatível em relação ao estabelecido na Resolução CD/FNDE nº 26/2013 (BRASIL, 2013a). A prática relatada pode desconfigurar o processo de comercialização com o produtor local, ao perpetuar a necessidade da existência de um intermediário no processo de venda da produção do agricultor para a prefeitura. O Programa visa ao incentivo à organização local, desde que as organizações comercializem o que os seus associados/cooperados produzam. Se os grupos formais passarem a se comprometer com a comercialização de gêneros que não são de sua produção, passam a atuar como intermediários do processo de venda.

As organizações com DAP jurídica (cooperativas e associações) podem comercializar em nome dos seus associados/cooperados que, em assembleias específicas, entram em acordo com a direção da organização para estabelecer as regras de comercialização. Se a associação comercializa produtos que seus associados não produzem, a prefeitura, ao adquirir os gêneros da associação, não está comprando diretamente do produtor porque os associados que representam a associação não produziram tal gênero. A associação adquire de origem diversa e entrega na escola. Esse tipo de comercialização não caracteriza compra diretamente da agricultura familiar local.

O argumento apresentado por B1, representante da associação visitada, é a falta de irrigação e assistência técnica na produção, inviabilizando a produção, durante todo o ano, de hortaliças solicitadas pela Secretaria de Educação. Além do fato de haver, na pauta de compras, produtos que não são produzidos na região.

Esse relato chama a atenção para o importante papel da articulação local entre o órgão de agricultura e a secretaria de educação para o sucesso da compra da agricultura local e o fortalecimento desse segmento. O levantamento da produção local de gêneros da agricultura familiar vai orientar o RT nutricionista na definição dos gêneros a serem comprados da agricultura familiar. Sabe-se da necessidade de diversificação do cardápio da alimentação

escolar para a qualidade da oferta e para o suprimento das necessidades nutricionais. Deste modo, ao se planejar os cardápios, incluindo a produção local, quando houver necessidade da compra de gêneros não produzidos na região, torna-se necessário definir este tipo de aquisição em processo licitatório convencional. A política de privilegiar os gêneros produzidos em âmbito local, no edital de chamada pública, não pode ser desconfigurada.

Foi identificado que os agricultores sabem que o Programa tem um responsável técnico nutricionista e que este profissional tem, entre as suas responsabilidades, o papel de definir os itens a serem comprados e o papel de acompanhar o Programa. No entanto, os depoimentos revelaram a pouca proximidade entre o RT e os fornecedores de produtos para a alimentação escolar.

Quadro 10 - Relação com o RT do município

Entrevistado Relação com o nutricionista responsável técnico

G1 Conhece somente da reunião para a realização da chamada pública (1 encontro anual)

G2 Conhece e informa que há pouco contato (o RT não mora do município)

G3 Conhece a RT do município

S1 Conhece a RT do município e critica o planejamento do cardápio elaborado.

S2 Conhece a RT do município B1 Conhece a RT do município

B2 Há RT, mas não tem visitado as escolas B3 Conhece a RT do município

T1 Conhece somente da reunião para a realização da chamada pública. Em 3 anos encontrou 2 vezes.

T2 Não conhece a RT do município

S3 Não informou se conhece a RT do município S4 Conhece o RT do município

S5 Conhece o RT do município Fonte: Pesquisa de campo, (2014).

Dos depoimentos colhidos, G1 declarou ter pouco contato com o nutricionista responsável técnico pelo Programa do município. G2 informou que conhece a nutricionista, no entanto, segundo o depoimento do representante do sindicato que acompanhava a visita ao agricultor, a nutricionista não reside no município e faz visitas de 15 em 15 dias aos agricultores familiares, para acompanhar a entrega. T1 informou que encontrou a nutricionista somente 2 vezes, desde que começou a vender para alimentação escolar, há 3 anos. Pelo relato do representante da agência de desenvolvimento rural do estado, que acompanhou a visita a T1, o RT não tem acompanhado de perto o processo de aquisição da agricultura familiar para a alimentação escolar. G3 informou que conhece a RT e que ela acompanha a entrega dos produtos nas escolas. S1 informou que conhece o RT do município, no entanto, criticou o planejamento dos pedidos do RT, pois, segundo o agricultor, há pedido do produto que o agricultor vende somente 1 mês por ano. Os outros 4 meses de produção o agricultor tem que vender para um estabelecimento local e para uma cooperativa. T1 também critica o fato de não conseguir inserir outros produtos da sua produção, como carne de porco. Sugere a diversificação da pauta de compras para a alimentação escolar.

A preocupação revelada pelos agricultores familiares aponta avanços importantes. O fato de identificarem que o nutricionista deveria estar mais presente demonstra que o Programa tem contribuído para o aprendizado, entre os agricultores familiares, do papel do nutricionista na garantia da oferta do alimento adequado e da importância do acompanhamento sistemático da gestão do Programa.

A falta de articulação entre os setores da educação e da agricultura pode comprometer o trabalho do RT. Soares (2011) descreve em estudo sobre o PAA na alimentação escolar de um município catarinense, que a falta de informações sistematizadas representa uma dificuldade para o nutricionista, que é o responsável pelo planejamento e elaboração dos cardápios. Essas questões podem ser cruciais na garantia da qualidade da alimentação escolar, dificultando a inclusão de um maior número de alimentos regionais.

Fica evidente a importância da articulação local para a implementação da aquisição da agricultura familiar para o PNAE. O levantamento da produção, do potencial de diversificação de culturas e do calendário agrícola é instrumento essencial para que o RT elabore cardápios e faça o planejamento da compra de acordo com a oferta local. O RT tem o importante papel de contribuir para a organização da produção dos agricultores familiares locais. O seu planejamento pode criar demanda para a produção local se considerar, no planejamento da pauta de compras, o potencial agrícola da região. Por isso a importância do seu trabalho, em conjunto com os órgãos locais de assistência técnica e extensão rural, e da

sua aproximação com as organizações que representam os produtores familiares locais. Além do planejamento adequado do que comprar, a articulação da RT com a produção traz maiores chances do sucesso da aquisição local. Se o RT conhece as condições de trabalho e produção, pode planejar o transporte, a frequência de entrega e distribuição, de forma a contemplar a participação dos agricultores locais. O planejamento do cardápio e da pauta de compras, em parceria com o setor da agricultura, considerando a sazonalidade do produto, as condições de entrega das organizações da agricultura familiar e as condições de armazenamento, favorece o sucesso do processo de compra da agricultura familiar para a alimentação escolar.