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PEDAGOGIAS PARA A PEQUENA INFÂNCIA: CAMPO DE

No documento patriciamariareiscestaro (páginas 91-97)

2 MUITAS HISTÓRIAS, POLÍTICAS PÚBLICAS E CONCEPÇÕES

2.3 PEDAGOGIAS PARA A PEQUENA INFÂNCIA: CAMPO DE

Não é recente falar de uma Pedagogia da Educação Infantil. Esse campo emergiu, de forma sistemática, durante os séculos XVIII e XIX. Inicialmente, sua trajetória esteve vinculada à Filosofia, sendo mais tarde, em grande parte, absorvida pela Psicologia, Puericultura e Assistência Social. Sua ampliação e aprofundamento se deram, principalmente, no final do século XIX, devido ao reconhecimento por grande parte das culturas ocidentais de que a educação das crianças pequenas é responsabilidade social e coletiva, contrariando a visão dessa temática como tarefa de âmbito privado – a família (BARBOSA, 2006).

A Pedagogia da Infância ou da Educação Infantil (ROCHA, 1999) ganha visibilidade científica com a acumulação de estudos, principalmente, a partir da instauração e

da disseminação social de instituições coletivas educacionais para os bebês e crianças pequenas. Segundo Rocha, Lessa e Buss-Simão (2016), o surgimento de creches e pré-escolas ou sistemas educativos dessa etapa da EI influenciam as suas investigações e de seus principais sujeitos.

Interessante rememorar que o aparecimento da pré-escola no Brasil se deu a partir do legado de precursores europeus, tais como Froebel, Montessori e Decroly, nos âmbitos públicos e privados dos “jardins de infância”, na década de 1960. Esses modelos, entretanto, foram influenciados por uma Psicologia do Desenvolvimento baseada na padronização, ou seja, não se diferenciaram da escola tradicional ao constituírem práticas de homogeneização. Rocha (2001) alerta que,

Apesar de suscitarem a busca de uma pedagogia para a criança pré-escolar, mantiveram as mesmas intenções disciplinadoras das práticas escolares, com vista ao enquadramento social, através de práticas e atividades que se propunham como mais adequadas à pouca idade das crianças. (ROCHA, 2001, p. 28).

Diante desse contexto, as propostas pedagógicas para a Educação Infantil começaram a ser discutidas mediante a necessidade de contemplar as particularidades do campo de intervenção educacional para a primeira infância em espaços coletivos e institucionalizados. Em relação ao aspecto tradicional, as produções científicas alteram as formas de pensar o bebê e a criança, estabelecendo elo com a Ciências Humanas e Sociais (ROCHA, 2001).

No Brasil, estes estudos tomam forma, sobretudo, a partir da década de 1980, com a publicação de um conjunto de artigos que tinham como eixo de preocupação as crianças e sua educação no número temático “Criança” do Caderno de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas. A identificação da construção de uma Pedagogia da Educação Infantil, instaurada como campo particular do conhecimento pedagógico, revelada pelas produções acadêmicas, situa-se no âmbito da Pedagogia.

Segundo Rocha, Lessa e Buss-Simão (2016)

A denominação Pedagogia da Infância ou da Educação Infantil foi formulada a partir do reconhecimento do nascimento de uma área, ou subárea da Educação, que se vinha preocupando com instâncias educativas específicas, diferentes e anteriores à escola, mas não só. A acumulação destes estudos também apresentava uma marca peculiar, ao tomar como objeto de preocupação a infância e os processos educativos voltados para ela, de forma diferente daquelas tradicionalmente consolidadas nas teorias educacionais, ou seja, contestando criticamente as Pedagogias da criança, cimentadas nas teorias educacionais liberais do século XX. (ROCHA; LESSA; BUSS-SIMÃO, 2016, p. 34).

As pedagogias da Educação Infantil assumem como foco de sua teorização, a educação dos bebês e das crianças pequenas, ao concebê-las como sujeitos de relações, constituídos de uma determinada cultura, sociedade, economia e com formas particulares de pensar e de se expressar. Em relação à instituição, apresenta proposições instrumentais no que se se refere aos aspectos organizacionais e didáticos, considerando os projetos pedagógicos, programas, estratégias, objetivos, avaliação, usos do tempo e espaço, práticas, discursos, enfim, tudo que faz parte do contexto institucional (BARBOSA, 2006).

Muitas temáticas que inspiraram a criação das pedagogias da Educação Infantil não estão presentes em outros campos pedagógicos. Pode-se evidenciar a ênfase dessa pedagogia no que tange ao cuidado, à educação, à nutrição, à higiene, ao sono, às diferenças sociais, econômicas, culturais das diversas infâncias, à relação com as famílias, à relação entre adultos e bebês que não falam, não andam e precisam estabelecer outras formas não-verbais ou não- convencionais de comunicação, às relações entre adultos e crianças na esfera pública, ao brinquedo e ao jogo, dentre outras.

Para Barbosa (2006), além de todas as temáticas citadas, faz-se necessário que as pedagogias da Educação Infantil

mantenham uma constante reflexão acerca do contexto onde são produzidas, isto é, dos temas gerais da cultura contemporânea, como aqueles relacionados a gênero, cidadania, raça, relações educativas com as comunidades, religião, classes sociais, globalização e as que influenciam de modo incisivo as questões ligadas à educação da pequena infância. É também necessário que se estabeleçam relações destas com as outras grandes questões da pedagogia, como a ação educativa e o currículo, verificando os efeitos que tais formas de engendrar e ver o mundo causam a um certo grupo de seres humanos que se encontram em uma faixa etária específica, em um determinado tipo de instituição e em certo contexto. (BARBOSA, 2006, p. 24).

As pedagogias da Educação Infantil, segundo Rocha (1999b), apresentam distinções em relação às pedagogias do Ensino Fundamental, embora isso não devesse ocorrer, considerando a idade dos sujeitos inseridos no processo educativo. Para a pesquisadora, a Educação Infantil prioriza as relações educativas entre bebês-crianças-adultos pela expressão, afeto, sexualidade, jogos, brincadeiras, linguagens, movimento corporal, fantasia, nutrição, cuidados, projetos de estudos, construídas num espaço de convivência onde há relações culturais, sociais e familiares.

Barbosa (2006) ressalta que a Pedagogia não é restrita apenas à ação pedagógica no contexto escolar. Em instituições não-formais de educação, estratégias didáticas são utilizadas

e conceitos didáticos convencionais podem ser ressignificados e recontextualizados e novos conceitos criados, tudo em conformidade com as especificidades do espaço pedagógico.

As pedagogias da Educação Infantil dizem respeito a um tipo de educação que não é obrigatório em grande parte das sociedades, apenas complementar à ação da família. Podem ser desenvolvidas em organizações institucionais diferenciadas, tais como creches, jardins-de- infância, ludotecas, bibliotecas infantis, dentre outros espaços que não tenham como única alternativa a escola infantil, nem como objetivo principal, os aspectos relativos à transmissão cultural, tema infelizmente de destaque no ensino obrigatório tradicional.

Com base nos estudos sobre a produção científica da Educação Infantil, Rocha, Lessa e Buss- Simão (2016) alertam-nos acerca da reprodução dos antigos binômios que fundamentaram as pedagogias, currículos e práticas. O primeiro modelo composto de orientação tradicional e conservadora no qual ensinar é transmitir, sendo papel da(o) professora (or) dominar os processos de instrução da criança, considerada como única, abstrata, natural e assimiladora de conteúdos. O segundo, por sua vez, constituído de orientação nova e liberal em que a criança também considerada única, abstrata e naturalizada precisa para aprender que a(o) professora(or) conheça seus níveis de desenvolvimento e organize condições para que este se dê de forma espontânea. Identificaram, ainda, que até as propostas pedagógicas mais recentes, fundamentadas em perspectivas histórico-culturais, não vinham superando modelos de assimilação passiva, corroborando para afirmar a reprodução hegemônica com vistas ao resultado homogeneizador, concebendo as crianças e as infâncias como referências abstratas e universais (COUTINHO; ROCHA, 2007).

Diante dessa constatação, nascem políticas educacionais de cunho neoliberal, que submetem os projetos educativos aos apelos do mercado com a suposta ilusão de equiparar os conhecimentos pela via de transmissão e do ensino de mão única. Rendem-se, assim, às definições, orientações e práticas educativas centralizadas no âmbito individual e descontextualizado. Além disso, retomam-se caminhos ultrapassados, constituídos de práticas, processos e materiais padronizados e uniformizadores que têm como intenção a preparação das crianças para o futuro ou para a escolarização posterior.

Portanto, a superação dessas perspectivas pedagógicas instituídas nos projetos educativos para a pequena infância requer um esforço de consolidação, tanto no campo teórico como no plano das práticas educativas, considerando a ligação entre essas duas dimensões na composição da Pedagogia. Para isso, é preciso reconhecer que a formação das crianças e as aprendizagens são frutos das relações estabelecidas com o contexto social, inserido no âmbito

de uma infância determinada e não se resumem a conteúdos escolares desvinculados da realidade social, restritos a uma versão escolarizada (ROCHA, 1999).

O reconhecimento da exigência de consolidação de uma Pedagogia da Infância vem sendo discutido em análises de produções científicas e de um conjunto de estudos empíricos desenvolvidos em instituições de Educação Infantil da rede pública de ensino (BEZERRA, 2013; BUSS-SIMÃO, 2012; DUARTE, 2011; GAUDIO, 2013; LESSA, 2011; MAFRA, 2015; SCHMITT 2008; 2014; VASCONCELOS, 2010). Essas pesquisas indicam uma relativa insuficiência de solidez em relação à teorização pedagógica e a correspondente orientação destinadas às práticas educativas junto aos bebês e crianças pequenas, em creches e pré-escolas. Outros estudos revelam a indefinição quanto às funções sociais e educativas e a direção da ação pedagógica nos documentos curriculares e nos cursos responsáveis pela formação de professoras para a Educação Infantil (ALBUQUERQUE, 2013; BONETTI, 2004; KIEHN, 2007).

Neste momento, faz-se necessário refletir sobre a urgência dessa construção teórica nos currículos dos cursos de Pedagogia, responsáveis pela formação de professores de creche, pré-escola e anos iniciais do Ensino Fundamental.

Fundamentadas por suas pesquisas, Rocha, Lessa e Buss-Simão (2016) identificam a insuficiência teórica presente nos currículos e na própria formação dos professores do curso. Segundo as autoras,

Essa constatação demonstra a necessidade dos cursos de Pedagogia, tanto no que diz respeito aos seus currículos como à formação de seus formadores, de uma maior aproximação com as teorizações em torno da infância, ainda pouco consideradas no âmbito dos fundamentos gerais da Educação. Até mesmo as disciplinas que visam as orientações metodológicas específicas da Educação Infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental tendem a privilegiar enfoques cognitivos de caráter transmissivo e individual de ensino, representando, por um lado, uma insuficiência na formação e, por outro, um retrocesso ou simples estagnação teórica. (ROCHA; LESSA; BUSS- SIMÃO, 2016, p. 35).

Ao oferecerem uma formação com poucos elementos teóricos que possibilitem a identificação dos determinantes históricos, sociais e culturais que constituem as múltiplas infâncias, os cursos de Pedagogia fortalecem a tradição de orientações de práticas educativas que seguem parâmetros de verticalidade e hierarquização na relação com as crianças. Essa formação, contudo, tende a segmentar os grupos etários no tempo e espaço institucional, restringe as ações às atividades ditas “pedagógicas” e limita as possibilidades de experiências educativas (ROCHA; LESSA; BUSS-SIMÃO, 2016).

Sobre a unidade teoria-prática, as mesmas pesquisadoras citadas ressaltam a dificuldade de tomar a categoria infância como pressuposto, na formação inicial e continuada, devido a uma fragmentação já tradicional dos cursos de formação docente, uma vez que há a separação das disciplinas de fundamentos da educação e das de metodologia de ensino, por áreas do conhecimento. Revelam, ainda, que os cursos de Pedagogia geralmente possuem pouca tradição no que diz respeito às especificidades necessárias às práticas docentes no contexto da Educação Infantil. Além do mais, muitas vezes há a oferta de apenas disciplinas “avulsas” na matriz curricular que contemplam aspectos históricos e políticos, mas que nem sempre se associam às mediações com a prática e com as propostas educacional-pedagógicas.

Diante desse contexto, Rocha, Lessa e Buss-Simão (2016) afirmam que é,

no âmbito dos cursos de formação inicial e continuada de professores que se revela um processo incipiente de consolidação de uma área, ou subárea, da Pedagogia da Infância, que toma como objeto de preocupação as crianças e sua educação na área das relações sociais e dos processos de apropriação e produção cultural. (ROCHA; LESSA; BUSS-SIMÃO, 2016, p. 36).

A consolidação de uma Pedagogia da Infância implica, tanto no plano teórico como no prático, o reconhecimento dos bebês e das crianças enquanto sujeitos, envolvidos pelas condições sociais que dão origem ao acervo linguístico, intelectual, expressivo, corporal, ou seja, às bases culturais constituintes de sua experiência social (ROCHA, 1999). Nesse sentido, a consolidação exige a interlocução disciplinar nos cursos de Pedagogia, indo além de uma “Didática para a Educação Infantil” ou das “Pedagogias da criança”. Estas se revelam insuficientes, uma vez que estabelecem uma regularidade e uma padronização pedagógica inspirada numa visão universal de bebê e criança. É necessário o fortalecimento de outros tantos diálogos disciplinares para conhecer o bebê, a criança e suas infâncias, de modo a vislumbrar a construção de múltiplas possibilidades educativas para a pequena infância.

No documento patriciamariareiscestaro (páginas 91-97)