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CAPÍTULO 2 – A direção pública no Brasil: contornos imprecisos e avanços ausentes

2.1 Perspectivas da reforma gerencial

Nesta seção, apresentaremos, brevemente, os antecedentes da reforma gerencial, demonstrando que as reformas de 1930 e 1967, apesar da orientação à constituição e consolidação de uma burocracia pública no Brasil, tiveram alcances parciais e enfrentaram importantes retrocessos a partir da Constituição de 1988. Veremos, então, os principais elementos da reforma gerencial de 1995, trazendo uma releitura daqueles que consideramos como as bases para a adoção de

10 O tema começa a ser discutido no Brasil a partir de 2002, ano em que é organizado, por Regina Pacheco e

Francisco Longo, um painel para o VII Congresso Internacional do CLAD, em Lisboa, com o título: “No hay cambio sin directivos: desarrollo de competencias de dirección para una nueva gestión pública”. Ver Longo (2002) e Pacheco (2002b). Interessante lembrar, ainda, que mesmo a reforma chilena, pioneira e referência na América Latina, teve início apenas em 2003.

iniciativas voltadas ao segmento da direção pública no Brasil, embora este tema não estivesse presente na agenda à época. O que se propunha era a profissionalização e fortalecimento dos membros do núcleo estratégico do Estado a partir da reserva exclusiva de parte dos cargos do sistema DAS para os altos administradores públicos, em sua maioria provenientes das carreiras públicas. Não se discutia, naquele momento, as competências gerenciais requeridas nem os mecanismos mais adequados para sua aferição.

Antecedentes da reforma de 1995

A reforma do Estado no Brasil, em geral, é discutida a partir da perspectiva histórica das principais reformas administrativas empreendidas pelo governo federal brasileiro. A primeira reforma, denominada de burocrática, teve início a partir da década de 1930, e tem por marco a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), em 1938, durante o governo de Getúlio Vargas. Seu objetivo fundamental foi a instituição de um corpo burocrático de Estado, pautado pelo modelo da burocracia weberiana clássica. Esta reforma, no entanto, se deu num contexto autoritário, no qual as iniciativas burocráticas conviveram com a manutenção das formas clientelistas e oligárquicas dos períodos anteriores e foram, ainda, marcadas mais pela ênfase a procedimentos e normas do que pelos princípios de mérito e universalismo, caracterizando uma administração ainda formal e patrimonial (ABRUCIO; PEDROTI; PÓ, 2010; BRESSER PEREIRA; SPINK, 2006; NUNES, 1997; BRESSER PEREIRA, 1996). Martins (199311, apud PACHECO, 2002b) ilustra a convivência entre estas diferentes práticas: “para os altos escalões da burocracia, foram adotados acessos mediante concurso, carreiras, promoção baseada em critérios de mérito e salários adequados. Para os níveis médio e inferior, a norma era a admissão por indicação clientelista [...]”. Além disso, a ênfase à hierarquia funcional, impessoalidade e formalismo, estiveram acompanhados de “[...] uma desconfiança essencial nos administradores públicos e nos cidadãos” (BRASIL, 1995a, p. 20), deixando pouca ou nenhuma margem para a discricionariedade dos servidores e dirigentes públicos. Durante o período do nacional desenvolvimentismo e do regime militar, temos, com a publicação do Decreto-Lei nº 200, de 1967, o marco da segunda grande reforma administrativa do país, que começa a inserir na administração brasileira alguns princípios da administração gerencial, a partir de um movimento que passa a conferir maior autonomia de gestão à administração indireta, como forma de superação da rigidez burocrática introduzida pela reforma anterior. Houve, neste período, um processo de descentralização da execução das políticas públicas, que atribuiu maior flexibilidade à prestação de serviços pelas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, segundo uma orientação altamente tecnicista, pautada em princípios de racionalidade técnica. No entanto, essas reformas conviveram com uma administração direta arcaica, levando ao insulamento e fortalecimento de uma tecnocracia em determinados órgãos da administração indireta, especialmente na área econômica, e resultaram, ainda, no fortalecimento de alianças entre essa tecnoburocracia estatal, civil e militar, com a classe empresarial brasileira (ABRUCIO; PEDROTI; PÓ, 2010; BRESSER PEREIRA; SPINK; 2006; MEZZOMO KEINERT, 1994). Conforme Bresser Pereira (1996), essa estratégia teria inviabilizado a construção, no Brasil, de uma burocracia forte, nos moldes do modelo clássico proposto pela reforma anterior, pois, ao mesmo tempo em

11 MARTINS, Luciano. Reforma da administração pública e cultura política no Brasil: uma visão geral. Cadernos

ENAP, n. 8. Brasília: ENAP, 1997. Este trabalho foi inicialmente escrito como background paper para o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID. 1993.

que flexibilizou a contratação sem concurso público para a administração indireta, não adotou estratégias de fortalecimento da burocracia estatal, deixando de realizar concursos e de desenvolver carreiras para os altos administradores:

O núcleo estratégico do Estado foi, na verdade, enfraquecido indevidamente através de uma estratégia oportunista do regime militar, que, ao invés de se preocupar com a formação de administradores públicos de alto nível selecionados através de concursos públicos, preferiu contratar os escalões superiores através de empresas estatais (BRESSER PEREIRA, 1996, p. 13).

Temos, desse modo, uma administração que segue marcada pela combinação de estratégias incompletas e desconexas, já que clientelismo e patrimonialismo seguem sendo adotados como práticas que convivem com um conjunto de iniciativas pouco eficazes em fortalecer e, ao mesmo tempo, conferir flexibilidades de atuação a burocracia estatal. Nesse sentido, as iniciativas adotadas durante o período de redemocratização, nos anos 1980, ao invés de superar os problemas das duas reformas anteriores, promoveram um retrocesso às regras rígidas e burocráticas dos anos 1930 e ficaram, ainda, cristalizadas na Carta Constitucional de 1988. Foi instaurado um regime jurídico único para servidores da administração direta e indireta, igualando as regras de pessoal das duas entidades, e introduzida a estabilidade rígida e a exigência de concursos públicos de ingresso para todos os servidores; porém, ao mesmo tempo, a nova regra conferiu privilégios incoerentes aos funcionários, concedendo estabilidade e aposentadoria integral para inúmeros funcionários celetistas da administração indireta, que passaram a ser considerados funcionários estatutários (BRESSER PEREIRA; SPINK, 2006). Para Bresser Pereira (1996), esse momento foi marcado pela tentativa de concluir a reforma burocrática clássica; porém, ao invés de valorizar as formas mais descentralizadas e flexíveis de administração que permitiriam ao Estado atuar de modo mais eficiente, acabou por engessá- las.

Releitura da reforma: bases para a direção profissional

A reforma gerencial emerge na década seguinte, em 1995, tanto pela justificativa do ajuste fiscal necessário para superar a crise enfrentada pelo país, como pela proposta de mudança institucional do próprio Estado para responder aos desafios do mundo moderno e globalizado. Tem como marcos a criação do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), a publicação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995a) e a promulgação da Emenda Constitucional nº 19, de 1998. As propostas desse período orientaram- se pelo paradigma da nova gestão pública e propuseram um conjunto de iniciativas de cunho gerencial orientadas por princípios como descentralização administrativa controle de resultados, competição administrada, controle social direto, concessão de autonomias de gestão, definição clara de objetivos aferidos por indicadores definidos previamente, orientação para o cidadão, entre outros, baseados no pressuposto de que o reconhecimento das novas funções do Estado exigiam novas competências, novas estratégias administrativas e novas instituições (BRESSER PEREIRA; SPINK, 2006).

Para Bresser Pereira, Ministro da Administração e Reforma do Estado entre 1995 e 1998, durante o primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, a reforma gerencial buscou reorientar o Estado, que passaria de um “modelo fechado e corporativo, tecnocrático, descolado,

autoritário, insensível e estranho a sociedade” para um Estado mais “aberto, próximo ao cidadão e cooperativo, atuando em conjunto e integrado com terceiro setor e organização empresariais, coproduzindo e garantindo serviços e bem público” (BRESSER PEREIRA, 1998). O conjunto das medidas reformadoras buscou fortalecer o papel estratégico, regulador e fiscalizador do Estado e, ao mesmo tempo, atribuir a entidades não-estatais o desempenho de atividades não exclusivas, e a entidades privadas, a produção para o mercado. A proposta de fortalecimento das funções de coordenação e regulação do Estado deu ênfase a ações orientadas à valorização das carreiras atuantes em seu núcleo estratégico, responsáveis pelo desempenho das atividades exclusivas, como formulação, controle e avaliação de políticas públicas, que envolvem poder de Estado e garantem as leis e as políticas (BRASIL, 1997). Este núcleo estratégico seria formado “[...] pelo Parlamento, pelos tribunais, pelo presidente ou primeiro-ministro, por seus ministros e pela cúpula dos servidores civis” e, ainda, pelas “[...] forças armadas, a polícia, a agência arrecadadora de impostos – as funções tradicionais do Estado – e também as agências reguladoras, as agências de financiamento, fomento e controle dos serviços sociais e da seguridade social” (BRESSER PEREIRA, 2006, p. 33).

Para Pacheco (2010a), o Plano Diretor assumiu uma dupla agenda: “a de reforçar a constituição dos corpos burocráticos permanentes do Estado, essenciais ao fortalecimento do núcleo estratégico, e ao mesmo tempo introduzir os princípios da administração gerencial” (PACHECO, 2010a, p. 194). Embora ausente, nesta época, o debate sobre os dirigentes públicos, já estava enraizada na proposta da reforma gerencial a ideia de que as recentes transformações sofridas pelos Estados modernos exigiam serviços públicos mais eficientes e efetivos, e, principalmente, orientados aos cidadãos, atividades que já não poderiam ser suficientemente atendidas pelo modelo da burocracia clássica. Bresser Pereira (2006) defendia o fortalecimento da burocracia brasileira, até então caracterizada pelas iniciativas reformistas anteriores, inconclusas e contraditórias, ao mesmo tempo em que incorporava ao desenho da reforma gerencial um conjunto de dimensões relacionadas à atuação mais flexível dessa burocracia, com orientação aos resultados da ação pública e às demandas dos cidadãos:

Uma estratégia essencial ao se reformar o aparelho do Estado é reforçar o núcleo estratégico e fazer com que seja ocupado por servidores públicos altamente competentes, bem treinados e bem pagos; com servidores que entendam o ethos do serviço público como o dever de servir ao cidadão. Nessa área, a carreira e a estabilidade devem ser asseguradas por lei, embora os termos “carreira” e “estabilidade” devam ser entendidos de modo mais flexível, se comparados com os seus correspondentes na tradicional administração burocrática (BRESSER PEREIRA, 2006, p. 34).

Também previa, para o desempenho das atividades exclusivas de Estado, a figura das agências autônomas, entidades descentralizadas, e a figura das organizações sociais, entidades não- estatais, para o desempenho de atividades não exclusivas, como saúde e educação. Para as agências e organizações sociais, o elo de ligação com o núcleo estratégico estaria no contrato de gestão. Este é um segundo aspecto que dialoga diretamente com a literatura sobre os dirigentes públicos: a negociação de objetivos e resultados a serem entregues pelos dirigentes, previamente estabelecidos nos contratos de gestão, e a concessão de autonomia de gestão para tornar o alcance desses resultados possível:

Uma agência autônoma deverá ter um dirigente nomeado pelo respectivo Ministro, com o qual será negociado o contrato de gestão. Uma vez estabelecidos os objetivos

e os indicadores de desempenho não apenas qualitativos mas também quantitativos, o dirigente terá ampla liberdade para gerir o orçamento global recebido; poderá administrar seus funcionários com autonomia no que diz respeito a admissão, demissão e pagamento; e poderá realizar compras apenas obedecendo os princípios gerais de licitação (BRESSER PEREIRA, 1996, p. 19).

Outra dimensão importante, atributo essencial na definição dos dirigentes públicos e dos espaços de direção, trata da separação das esferas da formulação estratégica das políticas públicas e da sua implementação. Este aspecto também esteve fortemente presente na reforma gerencial, que defendia a descentralização da execução das políticas públicas, diretamente associada à concessão de maior autonomia aos administradores públicos:

[...] a reforma gerencial busca tornar os servidores públicos mais autônomos e mais responsáveis: mais autônomos com relação a normas rígidas e supervisão direta, e mais responsáveis perante o núcleo estratégico do Estado e perante a sociedade. [...] uma característica central da reforma gerencial é separar a formulação de políticas, que permanece centralizada, da execução, que é descentralizada (BRESSER- PEREIRA, 2008, p. 400).

Para que pudessem atuar descentralizadamente, os dirigentes deveriam ser controlados segundo os resultados entregues. Por isso, segundo Bresser Pereira (2006a), mereceriam algum grau de confiança, limitada, mas que “permitisse a delegação de responsabilidades para que o gestor público possa [pudesse] ter liberdade de escolher os meios mais apropriados ao cumprimento das metas prefixadas” (BRESSER PEREIRA, 2006a, p. 30).

Conceitos como autonomia do dirigente, atuação orientada à direção das organizações descentralizadas e celebração de contratos de gestão com a entidade supervisora dialogam diretamente com a literatura que, poucos anos depois, passou a distinguir o espaço específico de direção pública. Da mesma forma, a defesa de um modelo de carreira pública fortalecida no âmbito do núcleo estratégico, regida segundo princípios mais flexíveis, também estava coerentemente alinhada à proposta de um Estado gerencial. Entendemos, desse modo, que embora não tenham sido desenhadas iniciativas de reformas orientadas ao segmento da direção pública à época, as bases para seu desenvolvimento já estavam lançadas, segundo um modelo de gestão pública de orientação gerencial que distinguia claramente o papel, as competências e configurações institucionais mais adequadas para o desempenho das diferentes atividades governamentais.

Administradores e carreiras flexíveis

Em relação à burocracia federal, de modo mais amplo, esforços significativos foram empreendidos visando à profissionalização do serviço público brasileiro: promoção de concursos públicos anuais, visando à recomposição regular e permanente da força de trabalho federal; adequação de remuneração com base em parâmetros do setor privado e incentivos ao desempenho; reorganização de carreiras e cargos em atribuições mais amplas e genéricas; implantação de programas de educação continuada permanente; entre outros, levando a importantes avanços na renovação, formação e escolarização da força de trabalho federal e a

avanços mais abrangentes relacionados ao ajuste fiscal e ao início de um conjunto de ações de cunho gerencial (PACHECO, 2002a; BRASIL, 1995a).

Especificamente em relação aos dirigentes públicos, a dimensão da reforma que mais se aproxima do conceito recente está no que Bresser denominou de altos administradores públicos. A proposta de 1995 afirmava que a atuação no eixo estratégico do Estado exigiria “alta qualificação e capacitação gerencial, discerníveis no perfil generalista e empreendedor dos altos administradores públicos” (BRASIL, 1997, p. 12). Segundo Pacheco (2002a),as novas funções do Estado exigiam “um quadro enxuto e altamente qualificado de funcionários, movidos pelo compromisso com resultados, e não apenas pelo cumprimento de formalidades legais ou obediente e acomodado com a perspectiva de estabilidade e aposentadoria integral” (PACHECO, 2002a, p. 80).

Dentre as diretrizes da nova política, estava previsto recrutar administradores que, além do perfil generalista, tivessem “ [...] alto nível de conhecimentos (formação superior em nível de pós-graduação) e capacidade de aprendizado e versatilidade de inserção profissional [...]” (BRASIL, 1997, p. 14). Apreendemos, destas citações, que embora as competências gerenciais não estivessem explícitas e a figura do dirigente público não estivesse prevista como categoria distinta, já estavam presentes as ideias de dotar a administração federal de um conjunto de profissionais comprometidos com resultados e, além disso, dotados de determinadas competências, como: empreendedorismo, capacidade de aprendizado e versatilidade de inserção profissional, entendidas como requisitos fundamentais para sua atuação nos altos cargos federais e, superando, portanto, a ideia de que o alto nível de formação seria suficiente para o desempenho de tais funções.

Essa visão específica sobre as competências gerenciais, no entanto, não foi explicitada na reforma de 1995 e está ainda insuficientemente presente nos estudos e iniciativas em curso no país. Pacheco (2002b) demonstra que a administração federal brasileira é caracterizada por uma maioria de dirigentes dotados de competências técnicas necessárias ao desempenho do cargo, mas que, no entanto, encontram um déficit expressivo quando se trata de competências específicas de direção, essenciais à profissionalização do setor público. A essa deficiência, soma-se a falta de mecanismos institucionais orientados a recrutar, selecionar, formar e avaliar profissionais com a orientação aos resultados desejados.

Embora o Plano Diretor não tenha detalhado explicitamente os mecanismos de recrutamento para esses administradores, tratou enfaticamente da proposta de valorização das carreiras públicas e de sua modernização a partir da ocupação dos cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS) do governo federal, espaços de livre provimento que permitem, até hoje, o recrutamento de servidores membros das carreiras públicas e de candidatos externos ao serviço público, com uma pequena vantagem remuneratória para os primeiros12. Estes cargos foram

12A proposta do MARE de reorganização das carreiras federais partiu da própria redefinição do conceito de

carreira, por entender que o conceito tradicional não era capaz de responder a contextos dinâmicos e organizações pouco hierarquizadas. O novo conceito entende a carreira pública como um conjunto de cargos regidos por regras comuns de ingresso, promoção, lotação, mobilidade e remuneração, e pela delimitação de suas qualificações e habilidades, aplicado a um quadro permanente de Estado, que exerce atividades típicas. Propõe conciliar o caráter permanente da carreia com o ambiente dinâmico do Estado pela definição de regras genéricas e flexíveis, relacionadas à definição de atribuições amplas que permitam sua atuação em qualquer órgão da administração pública, e pelo aumento da capacidade de seus integrantes, dotados de perfis profissionais generalistas, com capacidade de interlocução com os diferentes stakeholders, sendo capazes de construir alianças estratégicas, promover mudanças, gerenciar recursos financeiros, informacionais e humanos, avaliar políticas e monitorar as organizações responsáveis pela prestação direta dos serviços (BRASIL, 1997, p. 35).

identificados, à época, como uma possibilidade de adotar uma concepção mais moderna de carreira já que permitiria, ao mesmo tempo, combinar estratégias de fortalecimento da burocracia tradicional com os princípios mais modernos da administração gerencial, buscando conferir ampla mobilidade aos servidores, rápida ascensão para os mais talentosos (num modelo de carreira em “Y”) e a seleção de perfis diferenciados:

Na verdade, os DASs, por permitirem a remuneração adequada de servidores públicos – que perfazem 75% do total de portadores de DAS [...], constituem uma espécie de carreira muito mais flexível e orientada pelo mérito. Existe em Brasília um verdadeiro mercado de DAS, através do qual ministros e altos administradores públicos disputam, com essa moeda, os melhores funcionários brasileiros. Se for concretizado o plano, ainda em elaboração, de reservar de forma crescente os DASs para servidores públicos, o sistema de DAS, que hoje já é um fator importante para o funcionamento da administração pública federal, transformar-se-á em um instrumento estratégico da administração pública gerencial (BRESSER PEREIRA, 1996, p. 16).

A redefinição do conceito de carreira e a defesa de ocupação dos espaços de direção e assessoramento por servidores, de modo mais específico, foi traduzida, durante a reforma gerencial, na seguinte proposta: os DAS inferiores (níveis 1 a 4) deveriam ocupados por servidores de carreira, segundo a delimitação legal de percentuais mínimos para cada nível, e os DAS superiores (níveis 5 e 6), deveriam ser “considerados como opção de carreira para funcionários, mas também postos de entrada para pessoas competentes externas ao serviço público” (PACHECO, 2010a, p. 195). Para Bresser Pereira (1996), esta proposta combatia dois mitos burocráticos existentes em Brasília: o mito das carreiras, já que as estruturas de carreira defendidas por seus integrantes estavam longe de caracterizar-se segundo o conceito clássico de carreira13; e o mito dos DAS, que eram entendidos como espaços ocupados por interesses políticos ou por profissionais sem as competências técnicas requeridas, quando, na verdade, poderiam constituir, para os servidores, uma verdadeira opção de carreira:

Nesse contexto, a defesa de um setor público profissionalizado pautou-se pela argumentação em favor de carreiras estruturadas e de ingresso por concurso público, contrapondo-se a meritocracia ao sistema de cargos de direção. [...] segundo tal visão, os funcionários ingressados por concursos deveriam constituir a futura elite do setor público, por meio de reserva (exclusiva ou majoritária) de cargos de direção a integrantes de carreiras – inspiração do modelo francês (PACHECO, 2002b).

A proposta de 1995, desse modo, associou a ideia de valorização da burocracia, entendida como parceira fundamental para a implantação e sucesso das reformas gerenciais que se desenhavam, à possibilidade de ocupação dos cargos DAS por servidores públicos. Embora estivessem presentes os elementos da administração gerencial na proposta de gestão das carreiras e tenha sido atribuído ao sistema DAS um papel estratégico nesse sentido, essa perspectiva de

13 Para Bresser Pereira (2006), havia uma defesa orientada à instituição de carreiras burocráticas no país, mas não

se desenharam mecanismos que efetivamente estivessem orientados a um modelo de carreira clássico, no qual se estabelece uma duração média de 30 anos, após os quais o servidor ganharia cerca de 3 vezes mais do que o valor inicial da carreira. Essa amplitude, quando não respeitada, leva à um modelo que está longe de configurar uma carreira, assemelhando-se a cargos. Para o autor, Schneider (1994) ilustra bem essa característica, ao demonstrar que, no Brasil, as carreiras são mais pessoais do que formais.

valorização configurou-se mais em torno da discussão sobre a origem dos nomeados – servidor ou não servidor – do que sobre as reformas necessárias para se alcançar um modelo de carreira fortalecido e estratégico, com orientação a resultados. Para Gaetani (2002), a proposta de