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CAPÍTULO 2 – A direção pública no Brasil: contornos imprecisos e avanços ausentes

2.2 Sistema DAS e cotas para servidores

O debate sobre as nomeações no Brasil, em geral, adota como objeto empírico o conjunto dos cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS) do governo federal. Nesta seção, apresentaremos a origem deste sistema, analisando, a partir de uma perspectiva histórica, as principais modificações sofridas em relação aos critérios que condicionam o provimento destes espaços, demonstrando que, há muitas décadas no Brasil, temos reservado determinados cargos DAS para servidores com base no argumento da valorização ou profissionalização do serviço público, mas que tal estratégia ainda se dá de forma incompleta e alcança, apenas parcialmente, os espaços de direção da estrutura federal.

Critérios para provimento dos cargos DAS

Os DAS foram criados pelo Decreto-Lei nº 200, de 1967, no governo Castello Branco. Conforme discutido anteriormente, este Decreto representa o marco da segunda reforma administrativa do país e teve destacado papel na promoção da descentralização dos serviços públicos, buscando tornar a administração pública mais eficiente. Nesse contexto, estabeleceu um conjunto de regras orientadas a regulamentar o desempenho das funções de direção e assessoramento no âmbito do governo federal.

Este Decreto estabeleceu que o assessoramento superior da administração civil seria integrado por funções de direção e assessoramento, desempenhadas ou por titulares de cargos em comissão ou por pessoal técnico especializado. Tais funções foram caracterizadas como de “alto nível de especificidade, complexidade e responsabilidade”, de modo que seu provimento só poderia recair em “pessoas de comprovada idoneidade, cujas qualificações, capacidade e experiência específicas” fossem “examinadas, aferidas e certificadas por órgão próprio, na forma definida em regulamento” (BRASIL, 1969; 1967). Previu, ainda, que estes cargos poderiam ser preenchidos por pessoas da administração direta ou indireta ou, ainda, do setor privado, desde que fossem aferidos os critérios anteriores. Para o pessoal técnico especializado, era prevista a condição de serem submetidos a contínuo treinamento e aperfeiçoamento, de modo que fossem assegurados “o conhecimento e utilização das técnicas e instrumentos modernos de administração” (BRASIL, 1969; 1967). Temos, dessa forma, uma primeira orientação normativa que já destacava a importância de que tais espaços fossem ocupados por profissionais dotados de capacidades mínimas para o desempenho de tais funções.

Pouco tempo depois, em 1970, no governo de Emílio G. Médici, a Lei nº 5.645 estabeleceu diretrizes para a classificação dos órgãos da administração federal, distinguindo cargos de provimento efetivo e cargos em comissão. Dentre os cargos em comissão, esta lei destacou os cargos do grupo DAS, definidos como “cargos de direção e assessoramento superiores da administração cujo provimento deva ser regido pelo critério da confiança, segundo for estabelecido em regulamento” (BRASIL, 1970a). Em relação à norma anterior, esta lei pôs fim aos critérios de qualificação, deixando ampla margem para as nomeações, respaldadas pelo uso da confiança como critério único de escolha.

Em 1972, o Decreto nº 71.235 veio, novamente, regulamentar o funcionamento dos cargos DAS. Estabeleceu que o Grupo DAS compreenderia cargos de provimento em comissão orientados a desempenhar atividades de planejamento, orientação, coordenação e controle, “no mais alto nível da hierarquia administrativa dos órgãos da administração federal direta e das autarquias federais” (BRASIL, 1972). Esta norma também reviu a forma de provimento dos cargos DAS que, desde 1970, deveriam ser providos pelo critério da confiança política. Com a mudança, estes cargos passaram a ser providos mediante “livre escolha do Presidente da República, dentre pessoas que satisfaçam os requisitos gerais para investidura na função pública e possuam qualificação e experiência administrativa” (BRASIL, 1972). Para cargos de assessoramento, seu provimento deveria recair, de modo similar, “em pessoas que possuam conhecimentos especializados inerentes às atribuições específicas do cargo” (BRASIL, 1972), por ato do Presidente da República ou, no caso das autarquias federais, por ato de seu dirigente. À época, os cargos DAS foram organizados em 4 níveis – DAS-1 a DAS-4 – e 2 categorias – direção e assessoramento. Além disso, foi estabelecido, para cada nível hierárquico, o tipo de direção a ser exercido, em quais órgãos e compreendendo que tipos de atividade. No entanto,

quando da revogação deste Decreto nº 71.235 pelo de nº 77.336, em 1976, deixou-se de prever esse detalhamento. Nenhuma norma posterior voltou a legislar com este grau de detalhe sobre as diferentes atribuições e responsabilidades dos ocupantes de cada nível de DAS.

As mudanças de 1976, já no governo Ernesto Geisel, trouxeram outras alterações: criou a estrutura de 6 níveis de cargos, que permanece até os dias de hoje; diferenciou cargos próprios da administração direta e indireta – sendo os primeiros estatutários e os segundos regidos pela legislação trabalhista –; e, por fim, quanto aos critérios para seu provimento, à semelhança da regra anterior, previu que somente poderia recair em pessoas que: “além de preencherem os requisitos gerais para investidura em função pública, possuam comprovada experiência administrativa, correspondente à área das atividades inerentes ao cargo ou à função e habilitação legal” (BRASIL, 1976).

No governo seguinte, em 1979, o Decreto-Lei nº 1.660 trouxe a primeira previsão de reserva de cargos para servidores. Estabeleceu que os níveis DAS-1 e DAS-2 deveriam ser destinados a servidores federais, da administração direta ou autárquica, observado o limite mínimo de 50% dos cargos no âmbito de cada órgão ou entidade (BRASIL, 1979b). Em 1992, durante o governo Fernando Collor, a Lei nº 8.460 estabeleceu um conjunto de medidas de valorização de servidores civis e militares, tais como reajustes, gratificações, entre outros; no âmbito destas mudanças, estendeu o limite de 50% para os DAS de nível 3 (BRASIL, 1992).

Em 1994, Itamar Franco, por sua vez, estabeleceu 100% da ocupação dos DAS-1 a DAS-4 para servidores de carreira, com a promulgação da Lei nº 8.911. Esta lei distinguia: a) cargos de natureza especial; b) cargos de assessoramento; c) cargos equivalentes aos dois níveis hierárquicos mais elevados dos órgãos e entidades; e d) cargos de direção e chefia, sendo estes últimos correspondentes aos níveis imediatamente inferiores em relação aos dois primeiros níveis de direção. As funções de direção, chefia e assessoramento – equivalentes aos itens b e d mencionados –, deveriam recair, exclusivamente, em servidor ocupante de cargo efetivo, da administração pública federal, direta, autárquica e fundacional (BRASIL, 1994). Esta medida, segundo Santos (2009), sequer entrou em vigor, devido a pressões políticas, e foi revogada no governo seguinte, em 1998. Dentre as medidas citadas nesta seção, cabe destacar que esta é a única que previu alguma diferenciação entre os cargos comissionados do sistema DAS com base na natureza e no nível hierárquico do cargo.

Quase uma década depois, o Decreto nº 4.567, de 1º de janeiro de 2003, primeiro dia do governo Lula, novamente estabeleceu uma classificação para os cargos DAS, relacionando níveis e nomenclaturas correspondentes a cada cargo, ilustrados no Quadro 7:

Direção Assessoramento

DAS-6

Secretário de órgãos finalísticos

Assessor Especial Subsecretários de órgãos da Presidência da República

Dirigentes de autarquias e fundações

DAS-5

Chefe de Gabinete de Ministro de Estado

Assessor Especial de Ministro de Estado Diretor de Departamento

Consultor Jurídico

Secretário de Controle Interno

Subsecretário de Planejamento, Orçamento e Administração DAS-4

Coordenador-Geral

Assessor Chefe de Gabinete de autarquias e fundações

Chefe de Assessoria de Gabinete de Ministro de Estado

DAS-3 Coordenador Assessor Técnico

DAS-2 Chefe de Divisão Assistente

DAS-1 Chefe de Seção Assistente Técnico

Quadro 77 - Classificação dos cargos de Direção e Assessoramento Superior. Fonte: BRASIL (2003b).

Nota: esta classificação não foi posteriormente republicada, de modo que representa, apesar da revogação da norma, a principal referência para compreender a hierarquia de cargos do sistema DAS. Se analisarmos os dados detalhados do governo federal (disponíveis no SIORG ou no Portal da Transparência), encontraremos um número muito maior de denominações para estes cargos.

Por fim, temos, em 2005, a publicação do Decreto nº 5.497 estabelecendo que 75% dos DAS- 1, 2 e 3; e 50% dos DAS-4 devem ser ocupados exclusivamente por servidores de carreira (BRASIL, 2005). Esta medida havia sido, segundo o Entrevistado 1 (2016), elaborada desde a reforma gerencial de 1995, com a definição de cotas para servidores desde o DAS-1 até o DAS- 6, com percentuais decrescentes conforme aumentava o nível do cargo; no entanto, a proposta só teria sido publicada quase uma década depois, mas completamente distinta da proposta original, tanto pela redefinição dos percentuais – que já não alcançam os DAS-5 e 6 –, como pela ampliação do conceito de servidor, que discutiremos adiante.

O Quadro 8 abaixo sintetiza as medidas apresentadas, destacando seus aspectos mais importantes, com ênfase nos critérios para provimento dos cargos DAS14.

Referência Destaque Critérios de provimento

DL 200/67