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PLANEJAMENTO E EXECUÇÃO DE UMA PROPOSTA DE ATIVIDADE: AULA DE CAMPO NO IFES – NOVA

VENÉCIA

Desde o momento inicial em que o grupo de bolsistas estava sendo apresentado às turmas dos sextos anos, foi possível notar a intensidade e a energia de que esses estudantes dispunham, a começar pelo intenso e sonoro coro de “bom dia” com o qual éramos recebidos por esses educandos. E, a partir dessa acalorada recepção, imediatamente surgiram os pensamentos indagadores sobre como trabalhar com esse público tão jovem, sobre o quanto essa energia poderia ser benéfica ao processo de ensino-aprendizado ou não, etc. Enfim, reflexões diversas sobre os desafios de se trabalhar o ensino de Geografia com educandos nessa faixa etária nos remeteram às reflexões de Cavalcanti (2013, p. 38), sobre suas experiências com este perfil de alunos:

Os alunos [nessa faixa etária muito jovem] mostram-se alegres, descontraídos, barulhentos. Estão ainda numa faixa etária em que as brincadeiras escolhidas no recreio ou no final da aula são aquelas em que dependem da maior energia física possível, como jogar bola, correr bastante, jogar “coisas” uns nos outros, conversar alto e todos ao mesmo tempo, gritar mesmo. [...] Brincavam, assim, nos poucos segundos em que saíam de suas salas no intervalo entre uma e outra aula, ao ponto de muitas vezes ser necessária a intervenção da coorde- nação da escola [...] (CAVALCANTI, 2013, p.38).

A partir do acompanhamento do trabalho da professora supervisora em sala de aula, que estava iniciando o conteúdo de cartografia e geomorfologia, foi observado que o livro didático disponibilizado para os educandos era pautado em recortes espaciais demasiado distantes e abstratos para o universo desses jovens (sobre esses assuntos, por exemplo, o livro tinha como exemplos estudos de caso sobre o Rio de Janeiro). Era notório o desestímulo e a indagação por parte de alguns educandos sobre qual seria a necessidade de se estudar tais temas com base nesses recortes espaciais que não compõem a realidade

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imediata de praticamente nenhum deles. A utilização acrítica desse material didático caminha, portanto, num sentido inverso aos princípios de Freire (2006).

Diante dos questionamentos levantados pelos educandos, procurou-se uma forma de se trabalhar com tais temas, como aqueles ligados à Cartografia, para o bojo de suas realidades, de seus cotidianos, e torná-la o ponto de partida dos estudos em Geografia, sem, entretanto, restringi-los à escala local, mas usá-los como meio de dar concretude e significado às discussões e à compreensão de como fenômenos semelhantes podem ocorrer em diversos recortes espaciais diversos, entendendo-se, desse modo, a sua dimensão Geográfica através da dialética entre as escalas.

Nesse sentido, dizer que o professor não precisa ser também um pesquisador é um ato incoerente, pois o mesmo deve estar sempre procurando novas informações e meios para tornar o ensino mais atrativo e dinâmico possível, e, em Geografia, isso geralmente implica em conhecer melhor a realidade local para usá-la como base empírica. Como já defendia Freire (2015), a curiosidade e a pesquisa são, portanto, elementos chave no processo de ensino-aprendizado:

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, inter- vindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 2002, p. 30). Além da questão do recorte espacial a ser abordado estar em consonância com a realidade do corpo discente, há de se considerar também a questão da linguagem a ser utilizada. Os educandos vivem em uma era tecnológica, em que aparelhos eletrônicos como computadores e smartphones cada vez mais integram o cotidiano das pessoas. Negar essa realidade, por parte da escola e dos educadores, seria ignorar uma ferramenta importantíssima que pode ser de grande utilidade no processo de ensino-aprendizagem. E, no que tange à área de conhecimento da cartografia, existe, atualmente, um leque considerável de softwares que podem ser explorados como ferramentas no processo educacional, e escolhemos dois deles para desenvolver essa experiência: o Google Earth

Pro e o SARndbox. Devido às singularidades já relatadas, optou-se por desenvolver essas

atividades em um ambiente externo à escola, no Ifes, Campus Nova Venécia, onde há fácil disponibilidade dos recursos a serem utilizados.

O Google Earth Pro é um software que está inserido no contexto das geotecnologias desenvolvidas pela Google LLC, e, desde o ano de 2015, sua licença é gratuita. Possui similaridades com o Google Maps, porém é mais completo e coloca à disposição do usuário várias outras ferramentas, que o tornam mais atrativo tanto para pessoas com conhecimentos básicos, como também para quem se encontra em um nível mais avançado. Suas funções básicas são de uso considerado fácil e intuitivo. Ademais, é um recurso relativamente acessível, com baixo custo e baixa complexidade de utilização, tendo sido o escolhido para essa proposta de atividade, uma vez que o:

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Google Earth é um aplicativo de mapas em três dimensões mantido pelo

gigante das buscas. Ele permite passear virtualmente por qualquer lugar do planeta, graças às imagens capturadas por satélite. [...]. O programa traz a integração valiosa com o Street View (recursos que permitem andar por ruas) e o Google Maps e pode ser utilizado online e offline (GIANTOMASO, 2019, s/p).

O intuito geral desta metodologia foi a tentativa de tornar o tema o mais atrativo aos educandos, mediante o uso de recursos tecnológicos no processo de ensino-aprendizado, partindo-se da premissa de que tais meios cada vez mais fazem parte do cotidiano de nossa sociedade, particularmente dos mais jovens. E a escolha do Google Earth Pro como eixo da atividade ficou em função de sua gratuidade e fácil manuseio, o que eventualmente permitiria aos educandos continuar as atividades em suas casas ou no laboratório de informática da escola, aplicando o conhecimento adquirido e desbravando o globo sem sair de suas casas/lugares, através desse software.

Inicialmente, foram feitos os preparativos para a execução das atividades, tais como: providenciar a autorização formal dos pais ou dos responsáveis para que os educandos pudessem sair da escola; agendamentos de horários junto ao Campus Ifes em Nova Venécia para utilização de laboratórios; elaboração de questionários, os quais foram parte da atividade; aquisição de lanches para os estudantes, pois ficaram o turno matutino inteiro envolvidos nas atividades; ocorrência de permuta de horários com os demais professores que lecionam para essas turmas, afim de que as turmas pudessem participar das atividades, dentre outras providências.

As atividades relatadas ocorreram no dia 17 de outubro de 2018, nas dependências do Ifes-Campus Nova Venécia. Tiveram início às sete horas da manhã, quando os educandos chegaram à entrada do campus e foram recebidos por um grupo formado por bolsistas do Pibid, e alguns outros licenciandos em Geografia dessa instituição, que atuaram como voluntários. Os estudantes foram então divididos em três grupos menores, cada qual sendo direcionado a uma das três atividades programadas, a serem feitas por todos, na forma de rodízio. A atividade que envolvia especificamente o uso do Google Earth Pro foi realizada em um dos Laboratórios de Informática do Campus, enquanto o estudo com SARndbox foi desenvolvido no Laboratório de Prática de Ensino em Geografia “Mizael Fernandes de Oliveira” (LAPEG), e, paralelamente, um dos grupos de educandos, guiados por bolsistas e voluntários, fizeram um tour pelo campus, conhecendo suas dependências e os cursos ofertados pelo mesmo. Cada atividade tinha uma duração média prevista de uma hora.

A atividade com o Google Earth Pro iniciou-se com a entrega de um questionário, que foi dividido em dois momentos, sendo uma parte respondida anteriormente ao trabalho com o software e a outra após a atividade ter sido realizada. Após a entrega dos questionários e da explicação sobre os mesmos, foi abordado, de maneira breve, o conceito de geotecnologia e foram dadas explicações básicas sobre o programa, como a demonstração do passo a passo de alguns procedimentos, seguidos de sua execução pelos educandos em seus respectivos computadores.

Foram basicamente duas tarefas. A primeira consistiu em uma análise hipsométrica (das curvas de nível) do município de Nova Venécia. Os educandos, até o momento, não

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conheciam essa representação cartográfica de seu próprio município, mas possuíam a vivência visual e presencial do espaço geográfico de Nova Venécia e ficaram intrigados ao poderem visualizar e analisar quantitativamente os dados ali expostos, sobretudo pelo vislumbre dos pontos mais altos, como a Pedra do Elefante (604 metros) e a Pedra da Fortaleza (964 metros), assim como os locais de importância nos seus respectivos cotidianos, como suas casas, o centro da cidade e a própria escola.

A segunda tarefa consistiu na elaboração de um perfil topográfico, entre um ponto A, que era a localização das respectivas residências dos participantes da atividade, e um ponto B, que era a localização da escola em que estudam (EMEF Veneciano). Os educandos puderam assim esmiuçar os dados hipsométricos de cada parte do trajeto que percorrem todos os dias, e ficaram maravilhados em poder analisar e comparar com o trajeto dos colegas, destacando as viações altimétricas e a declividade do relevo.

A outra atividade pedagógica consistiu no uso do SARndbox. Essa tecnologia trata-se de: […] um projeto desenvolvido em parceria pela Universidade da Califórnia, Centro de Pesquisa Ambiental de Tahoe, e Aquário e Centro de Ciências ECHO Lake. Trata-se de uma caixa de areia que utiliza o sensor do Kinect para gerar interações por meio de Realidade Aumentada para a promoção de estudos topográficos. Esse projeto permite que usuá- rios criem modelos topográficos em uma superfície e, em tempo real, gera-se um mapa de cores de elevação, linhas de contorno topográficas e água simulada (KAWAMOTO et al., 2016, p.2)

Como pode ser visto na figura 1, essa é uma ferramenta interativa, que proporciona ao estudante ver em tempo real as formas e as modificações no relevo, como também as mudanças das curvas de nível e da hipsometria, como consta na figura abaixo:

Figura 1 - Imagem do SARndbox em funcionamento

Fonte: IDAV - Imagem disponível em:

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Tal mecanismo se mostra muito útil para a compreensão dos mapas hipsométricos, que são de grande importância para o estudo do relevo e de temas a ele relacionados, como por exemplo: geomorfologia, hidrografia. No que concerne às temáticas possíveis a serem exploradas, é interessante salientar que o Sarndbox também simula a precipitação das águas pluviais, e o trajeto que elas percorrem na unidade de relevo simulada, facilitando a compreensão de conceitos como bacia hidrográfica, bem como outras dinâmicas hídricas.

Seu caráter interativo – qualquer pessoa pode mexer na areia que se encontra na caixa e mudar o relevo simulado – torna-o não apenas um meio de dar concretude a um assunto que tende a se mostrar demasiado abstrato aos educandos, como também o torna lúdico, proporcionando um processo de ensino-aprendizado bem divertido, como fora observado.

A visita ao Ifes foi imprescindível para que se pudesse usar essa tecnologia, já que, ao contrário do Google Earth Pro, que é gratuito e pode ser executado em qualquer computador que tenha as configurações mínimas exigidas pelo programa (que não demanda nada muito sofisticado, considerando as máquinas atualmente em mercado), tanto o equipamento quanto o software relacionados ao Sardnbox precisam ser comprados e não são, portanto, acessíveis à maioria das pessoas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As experiências proporcionadas pela vivência em sala de aula e nas aulas de campo desenvolvidas em conjunto com a professora supervisora e demais docentes envolvidos no subprojeto Geografia (Nova Venécia) do Pibid-Ifes evidenciaram que os saberes pedagógicos não se resumem apenas ao conhecimento de teorias aprendidas na academia, mas principalmente na aplicação de tais conhecimentos no cotidiano escolar, reconhecendo esse cotidiano como a base de um constante processo de ação-reflexão das práticas e dos saberes atrelados ao campo da docência, de modo a compreender que os conhecimentos docentes estão intimamente ligados à experiência, já que:

A palavra experiência vem do latim experiri, provar (experimentar). A experiência é em primeiro lugar um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova. O radical é periri, que se encontra também em periculum, perigo. A raiz indo-europeia é per, com a qual se relaciona antes de tudo a ideia de travessia, e secundariamente a ideia de prova. Em grego há numerosos derivados dessa raiz que marcam a travessia, o percorrido, a passagem: peirô, atravessar; pêra, mais além; peraô, passar através, perainô, ir até o fim; peras, limite. Em nossas línguas há uma bela palavra que tem esse per grego de travessia: a palavra peiratês, pirata [...] (LARROSA, 2002, p. 25).

Em consoante com este conceito de experiência como remodelagem e aquisição do novo, os estudos de Gauthier (1998) e Tardiff (2007) definem o saber docente como o reservatório em que os professores se abastecem com diversos e variados saberes,

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práticas e conhecimentos para efetivação do ensino. A experiência é, portanto, o ato de empregar-se a algo desconhecido e “perigoso”, que implica a realização de uma travessia, de um processo de descobrimento, em que se sai de um estado e adquire-se outra forma. Os saberes docentes e as práticas pedagógicas não são apenas uma construção advinda da formação teórica do educador, mas fruto de um processo constante de “colocar- se em perigo” e remodelar-se com o novo. Em suma, são fruto de um constante ato de reinvenção do próprio educador, proporcionado por acontecimentos pessoais e inter- relacionais vivenciados no ambiente escolar.

O Pibid, portanto, proporciona aos bolsistas a construção do saber através dos desafios e da experiência cotidiana em sala de aula, já que, à medida que o educador em formação vai englobando outros saberes, vai se completando e se expandindo com a experiência profissional, o que culmina na construção da própria prática pedagógica.

Dentro das visões apresentadas, compreende-se que o professor como educador está em um estado permanente de aperfeiçoamento como educador, e através das vivências atreladas a realidade da EMEF Veneciano, os bolsistas puderam constatar que as práticas pedagógicas são construídas no dia a dia do trabalho docente, mediante as diferentes realidades e os acontecimentos fornecidos pelo próprio ambiente escolar. E nessa relação entre experiência profissional e saberes docentes que acontece a construção da prática pedagógica em si e a formação do professor.

Através desse processo, os bosistas também constataram a necessidade de buscar um diálogo constante entre aluno-professor, no qual o professor deve se ver como um educador e não apenas um transmissor de conhecimento, buscando sempre modelar suas práticas pedagógicas às diferentes realidades apresentadas por seus alunos, procurando aproximar-se deles para efetivar o processo de ensino.

AGRADECIMENTOS E CRÉDITOS

Os Bolsistas do Núcleo Geografia do PIBID do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), campus Nova Venécia gostariam de agradecer a todas as pessoas e as instituições que contribuíram para a concepção e realização desse relato de experiências, e a oportunidade de experimento da docência para a formação de vivências e de saberes pedagógicos dos licenciandos; aos os professores coordenadores efetivos e aos voluntários do Subprojeto Geografia do Curso de Licenciatura em Geografia do Ifes (Professores Jaime Bernardo Neto, Ana Carolina de Melo Loureiro e Júlio de Souza Santos), à professora supervisora Marlene Correia Jorge do Pibid na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Veneciano e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), financiadora do Pibid.

TERMO DE RESPONSABILIDADE DE AUTORIA

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autor(es), os graduandos em Geografia bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), Campus Nova Venécia: Eduarda Paula Rodrigues, Júlio Aurélio Juvêncio, Sirlene de Moraes de Macedo e Fagner Rafael dos Santos Menezes. As opiniões nele emitidas não representam, necessariamente, a missão e os documentos orientadores do Ifes e do Pibid/Capes.

REFERÊNCIAS

CAVALCANTI, L. de S. Geografia, escola e construção de conhecimento. 18a. ed. Campinas, SP: Papirus, 2013.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 62a. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.

_________. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25a. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2015.

FREIRE, P. & HORTON, Myles. O caminho se faz caminhando: conversas sobre educação e mudança social. 4 ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2003.

GAUTHIER, C. et al. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: Unijuí, 1998.

GIANTOMASO, I. Google Earth: visite o mundo inteiro sem sair de casa. 2017. Disponível em: <https://www.techtudo.com.br/tudo-sobre/google-earth.html>. Acesso em: 17 de janeiro 2019.

KAWAMOTO, A. L. S. et al. Manual, Manual de Instalação, Configuração e Uso da Caixa de Areia de Realidade Aumentada (SARndbox). Campo Mourão, PR: UTFPR, 2016.

LARROSA, J. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação, nº 19, p. 20-28, jan./fev./mar./abr, 2002.

MENEGUETTE, A. Tutorial de Google Earth Pro Gratuito. Disponível em: <https: //www.academia.edu/10728005/Tutorial_de_Google_Earth_Pro_

Gratuito?auto=download>. Acesso em: setembro de 2018.

PAIN, Sara. Diagnóstico e Tratamento dos Problemas de Aprendizagem. Rio Grande do Sul: Editora Artes Médicas, 1996.

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