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Mapa 4: Proporção de estrangeiros em relação à população brasileira,

4. DA DGE AO MUNDO: A APURAÇÃO E DIVULGAÇÃO DOS

4.1 APURAÇÃO DOS DADOS

4.3.7 População por profissões

Classificados os habitantes do Império segundo as profissões, vemos que em 9.930.478 pessoas recenseadas, encontram-se 73.100 que se entregam ao exercício das artes liberais; no trabalho das manufaturas empregam-se 19.343; no comércio 102.343; nas profissões manuais e mecânicas 749.218; na indústria agrícola 3.233.187. Em outras profissões, não classificadas, ocupam-se 1.578.881 pessoas. Finalmente as pessoas sem profissão particular, crianças, velhos, valetudinários, são em número de 4.174.406.356

A lista de família pedia que se identificasse a “profissão”, a “ocupação” ou os “meios de vida” das pessoas recenseadas. A análise das listas de família, acompanhadas dessas definições, nos permitem deduzir que os conceitos de ocupação profissional poderiam ser fluidos, polissêmicos e, nesse caso, a DGE não restringiu previamente as categorias ou classes em que as pessoas deveriam ser listadas. No entanto, na exposição dos dados dentro da publicação oficial, encontramos uma grande grade de ocupações, agregadas em grandes categorias como “profissões liberais” (religiosos, juristas, médicos, educadores, funcionários públicos e artistas), “profissões manuais e

mecânicas” (pedreiros, costureiras, chapeleiros, tintureiros, trabalhadores em couro e pele…), “profissões agrícolas”, “profissões industriais e comerciais” e outras sem categoria como “militares”, “pescadores”, “capitalistas e proprietários”, dentre outros. Os “criados e jornaleiros” encontram-se como “pessoas assalariadas”. Quase ao final da tabela, há a coluna “serviço doméstico” e, por fim, “sem profissão”.357

As Considerações Estatísticas não entram em tantos detalhes, mas resumem esses grandes grupos profissionais, incluindo nos cálculos os estrangeiros e os escravos, compondo um painel de população “economicamente ativa”, um inquérito não necessariamente incomum, mas de qualquer forma difícil de realizar. Excluindo-se os 4,1 milhões de pessoas sem profissão (inclusos crianças e idosos), teríamos 57,9% da população engajada em alguma atividade econômica.

Certamente esse não é o número de pessoas que trabalhavam no Brasil, mas o número de pessoas que, por suas informações, puderam ser recenseadas como pessoas economicamente ativas. Ao que parece, crianças e idosos foram automaticamente colocados numa categoria que hoje chamaríamos de “inativos” sem especificar sequer as idades- referência que definiram, para a DGE, a infância e a velhice. Uma menina de dez anos seria considerada criança? Recenseada na casa de Antônio Gravatá, Cleta, menina preta dessa idade, teve sua ocupação indicada como “do serviço da rua”.358 Essa informação seria considerada ou não na apuração do censo? Porque, recenseada ou não como trabalhadora, a menina seguiria trabalhando. O mesmo vale para o preto Estêvão da mesma casa, 13 anos, listado como “ajudante a pedreiro”.359

Apesar de provavelmente não ser mais tido como criança, se um rapaz de 13 anos pôde ser recenseado com uma ocupação tão pesada, será muito improvável que tantos “sem ocupação” na verdade exercessem não só atividades domésticas, mas também serviços “da rua”? No topo da pirâmide etária, os mesmos questionamentos: será que Dorothéa, 75 anos, liberta, moradora da casa dos Galvão, nada produzia, nem sequer enquanto “serviço doméstico”?360

Segundo a publicação oficial do censo, o número de pessoas cuja faixa etária era inferior a 16 e superior a 60 anos era de cerca de 4,8

357 IBGE, Recenseamento do Brazil em 1872, “População considerada em relação às

profissões”, sem página.

358

IBGE, [Lista de família – Antônio Gonçalves Gravatá]

359 Ibidem.

milhões.361 Em contraste aos 4,1 milhões de habitantes “sem profissão”, percebe-se que nessa categoria não cabem todos os idosos e crianças/adolescentes sendo que muitos deles devem ter sido recenseados “com” profissão/ocupação. E ainda assim não é possível dizer que os 4,1 milhões “sem” profissão fossem exclusivamente crianças e idosos.

Gráfico 4: População quanto à Profissão, 1872.

Fonte: DGE, 1877, p. 18.

Por exemplo, no caso de João Baptista Paulínio, não há menção à profissão dos outros moradores do domicílio. É possível que, como ele fosse “lavrador”, todas as demais pessoas da residência pudessem viver relacionadas a esse meio.362 No entanto, como não há profissões associadas a essas pessoas (nem marcas de “idem”), os apuradores do censo deveriam presumir que as outras quatro pessoas da casa não tinham profissão alguma? Se isso for verdade, então, o grupo “sem profissão” pode responder aos simples vazios dos formulários e menos ainda representar sobre as funções econômicas das pessoas – a não ser que considerássemos que num domicílio de uma família parda e analfabeta apenas o chefe da família iria à roça. Por outro lado, se os funcionários e colaboradores da DGE, ao processar o censo, deduziram que os demais membros da casa também fossem lavradores (ao menos os adultos), então a implicação seria a de que a DGE sentiu-se autorizada a completar lacunas por dedução, pela lógica interna da

361

IBGE, Recenseamento do Brazil em 1872, “População considerada em relação às idades”, sem página.

própria lista de família, criando informação ao invés de recebê-la dos chefes de família. Embora seus preenchimentos possam ter sido razoáveis, verossímeis, essa prática corretiva certamente traía os princípios da coleta de dados, ainda que em nome de um censo mais bem apresentado.

De todo modo, esses exemplos evidenciam que o grande grupo dos “sem profissão” não conseguem facilmente comportar apenas crianças e idosos e tampouco indicam que as pessoas nele listados não executassem tarefas economicamente produtivas.

Dentre os “ativos”, a grande diversidade de arranjos de trabalho e “meios de vida” certamente influenciou nas tabelas a ponto de nelas encontrarmos mais de um milhão e meio de pessoas “não classificadas”, correspondentes a cerca de 15% da população nacional e a 27% desse grupo. Esse grupo, não especificado no Relatório, pode ser recomposto voltando-se à publicação original segundo a qual percebemos que ele é formado tanto pelos grupos de “militares”, “pescadores” e “capitalistas” – que compõem sua ínfima parte – quanto por grupos de “criados e jornaleiros” (um quarto) e pessoas sob “serviço doméstico” (67% desse grupo). As pessoas de profissão “não classificada”, portanto, eram majoritariamente criados, agregados, pessoas que viviam de jornais ou serviços domésticos tais como Flora (“cozinheira”), Argentina (“lavadeira”) e Paciência (“todo o serviço”), escravas de Antônio Gravatá.363 O mesmo para Maria e Simphorosa (escravas) e Cesária e Faustina (libertas), as “criadas a jornal” na casa dos Galvão, cuja profissão indicava “serviço da casa”.364

Cada nome nessa coluna deveria ser lido, interpretado e posicionado dentro de uma categoria de profissões/ocupações, ao contrário dos critérios de cor e estado civil, no qual as alternativas já estavam dadas e reduzidas. Nesse caso, a diversidade de termos utilizados certamente dificultou a formação desse quadro e aumentou os riscos de erros de contagem e equívocos e escolhas de classificação. Como mencionou Senra a respeito da detecção do sexo dos indivíduos: “desse modo, não há automatismo na apuração”.365

Por fim, em toda a população nacional, cerca de 42% da população teve sua profissão ou meio de vida reconhecido e classificado. A sua grande maioria, ocupando-se na “indústria agrícola” e compondo – entre “lavradores” e “criadores” – pouco mais de 56% da

363

IBGE, [Lista de família – Antônio Gonçalves Gravatá]

364 BNRJ, [Lista de família – Rafael Arcanjo Galvão] 365 SENRA, 2006, p. 360.

população “ativa” ou 77% da população cuja profissão foi classificada. Esse dado é importante porque quase um terço de toda a população nacional foi classificado nessa categoria, que envolvia muitos tipos de serviço rural arranjado sob variados contratos de trabalho, acesso à terra e condições de vida. Mais uma vez, mesmo num grupo “classificado”, as variações internas são bastante expressivas.

Como um todo, o gráfico a respeito das profissões/ocupações/meios de vida é instável, repleto de alternativas, dependente da leitura e interpretação correta dos que processaram os dados da contagem. Por outro lado, ainda que bastante prejudicada, esta pesquisa não pode em absoluto ser desprezada, pois, mesmo com imprecisões e generalizações, ela produz um esboço de ocupação econômica do país: indica a predominância da agricultura, a pouca expressão da manufatura, aponta para a diversidade de “meios de vida” que gerou as profissões “não-classificadas” e nos ajuda a problematizar sobre os conceitos de “profissão” ao nos questionarmos sobre quais os reais papéis dos 42% “sem profissão”. É também uma pesquisa válida, pois considerou a população inteira, em vez de apenas a população livre, ou apenas a nacional.