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Mapa 4: Proporção de estrangeiros em relação à população brasileira,

3. DA DGE ÀS RUAS: A COLETA DE DADOS

3.2 AS LISTAS DE FAMÍLIA

3.2.4 Profissão, Religião e Instrução

Aproximando-nos do final da tabela na lista de família, encontramos as colunas relativas à “profissão”, “religião” e “instrução”. Esses itens extrapolam as classificações mais elementares da população, e ampliam a pesquisa em tímida direção à economia, bem como ao perfil cultural dos brasileiros, por meio de sua expressão religiosa e de seu acesso às letras. No primeiro caso, instrui a lista: “Declara-se a profissão, ofício ou ocupação habitual ou os meios de vida”. No item religioso: “Declara-se se é católico ou acatólico compreendidas nesta última designação todas as outras religiões”. Por fim, o quadro de instrução é subdividido em: “Sabe ler? – Responde-se sim ou não” e “Sabe escrever? – Responde-se sim ou não)”.245

Mais uma vez, percebemos a preocupação restritiva da lista quanto às respostas: católico ou não? Lê ou não? Escreve ou não? Apenas essas variações eram pedidas e, ao mesmo tempo em que facilitaram a apuração dos questionários, acabaram por legitimar novas divisões da sociedade brasileira: curiosamente, os que estavam dentro de um certo padrão de civilização – católico, sabe ler, sabe escrever – e os que estariam fora

244 BISSIGO, 2010, cap. 3. 245 IBGE, Lista de família.

dele – acatólico, não sabe ler, não sabe escrever. Admito que seja perigoso misturar essas duas categorias numa mesma conclusão, dado que se referem a práticas diferentes e de porcentagens diametralmente opostas (uma grande maioria de católicos, mas uma grande minoria de alfabetizados). Todavia, o prefixo “a-” em “acatólico” é mais uma negação que uma alternativa a “ser católico”, tanto quanto o “não” puro e simples nas questões seguintes é uma negação do saber ler e escrever. Nesses casos, apresenta-se um padrão e sua negação.

Na família de João Batista Paulínio, os cinco membros não sabiam ler, tampouco escrever, o que justifica a assinatura de Francisco Gomes de Aguiar como recenseador e também como chefe de família, sendo provavelmente o indivíduo que preencheu a lista a rogo do chefe da casa. Na religião, todos os cinco eram católicos. Igual disposição para os 14 listados na casa de Antônio Gravatá e para os 17 listados na residência de Rafael Galvão. Em todo o recenseamento, é provável que o quadro de religião tenha sido o que mais recebeu marcas de repetição: “idem”, “dito”, “ " ”. Essa constatação não nos poupa o trabalho de riscar ao menos uma categoria da lista de problematizações. Antes, a coloca em evidência dada sua suspeita homogeneidade. Retorno a ela posteriormente, quando tratar da publicação dos dados do censo.246

Antônio Gravatá e sua senhora, D. Luísa Adelaide de Almeida, sabiam ambos ler e escrever, de acordo com a lista. Na família de Rafael Galvão, todos os membros (de sangue) da família sabiam ler e escrever, inclusive a neta Izabel, de 7 anos. O pequeno Rafael, de apenas 5 anos, ainda não. A coluna de Observações nos informa, no entanto, que ele, junto à sua presumida irmã (ou prima?) “aprende em casa”.247

Essa última coluna, que mais uma vez aparece complementando informações e da qual tratarei logo adiante, requisitava a menção à frequência em escolas. “Aprende em casa” era uma resposta a essa questão. No mesmo domicílio, Faustina, a menina liberta de 7 anos, sabia ler, mas ainda não escrever. Nas observações, a menção: “frequenta a escola públª de 1as letras”. Na casa dos Paulínio, nem Constança (14 anos), nem Sophia (10 anos) frequentavam escola de acordo com a lista. Também não há nenhuma menção à frequência em escolas dentre os pretos do domicílio de Antônio Gravatá.248

246 Em toda essa seção, trata-se das três fichas, anteriormente referenciadas e diferenciadas

entre si dentro do texto: IBGE, [Lista de família – Antônio Gonçalves Gravatá], BNRJ, [Lista

de família – João Baptista Paulínio] e [Lista de família – Rafael Arcanjo Galvão]. 247 Ibidem.

O quadro de profissões, por sua vez, é menos fechado que os demais. É, aliás, bastante amplo, equiparando profissão com “ofício ou ocupação” ou, ainda “meios de vida”. João Baptista Paulínio era “lavrador”, nada sendo mencionado sobre a sua esposa e demais membros da casa (nem por marcas de repetição). Na Corte, Rafael Galvão foi listado como “empregado público”, Rafael Arcanjo Galvão Filho, 36 anos, como “eng.ro civil” e Luiz Manuel de Albuquerque Galvão, 30 anos, como “engenheiro”. Aliás, diante de seus nomes, encontra-se a sigla “Bel.”, abreviação de “bacharel”. Para as mulheres brancas da casa, além do enobrecedor “D.”, nenhuma profissão foi associada. As “criadas a jornal” são associadas ao “serviço da casa” e o hóspede Joaquim Francisco de Paula seria “emp[regado] do comércio”. Na lista de Salvador, a profissão de Antônio Gonçalves Gravatá está infelizmente ilegível, mas nota-se que havia no documento alguma anotação que ocupava mais que o espaço de uma linha imaginária dentro do quadro. Quanto aos seus escravos: “cozinheira”, “lavadeira”, “todo o serviço”, “ajudante na capina”, “ajudante a pedreiro”. Quanto aos libertos condicionados: “serviço da rua” e “do serviço da casa”.249

O quadro de profissões é bastante problemático, dada a dificuldade em atribuir uma única função para os indivíduos, encaixá-los em profissões, bem como pela fluidez na denominação das ocupações. Não foi à toa que dos 5,7 milhões de habitantes listados com profissão no censo (entre livres e escravos), mais de um milhão e meio (27%) ocupavam-se de “outras profissões, não classificadas”.250 Não ocorreu, neste caso, o fenômeno que Barickman observou nas listas do Recôncavo, no qual a coluna “profissão” foi utilizada para relatar o grau de parentesco das pessoas em relação ao chefe da família.251 Isso não quer dizer que o aproveitamento dessa coluna tenha sido o esperado pela DGE, embora também não fossem ingênuos a esse respeito, visto que apresentaram vários sinônimos possíveis para “profissão”, na busca de englobar as diversas formas de ocupação econômica das pessoas. E o parentesco, como vimos, foi expresso de forma diversa: ora pela hierarquização da lista de nomes, ora por legendas (como os “netos” de Rafael Galvão), ora no quadro de “Condições Especiais e Observações”), próximo e último item da lista.

3.2.5 Condições Especiais e Observações

249

Ibidem.

250 DGE, 1877, p. 17.