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Mapa 4: Proporção de estrangeiros em relação à população brasileira,

4. DA DGE AO MUNDO: A APURAÇÃO E DIVULGAÇÃO DOS

4.1 APURAÇÃO DOS DADOS

4.2.2 Volumes provinciais

Os volumes provinciais seguem a estrutura do volume nacional sendo a província inteira representada primeiro, seguida de cada uma de suas paróquias: um quadro-síntese, depois “idades”, “nacionalidade brasileira”, “nacionalidade estrangeira” e “profissões”. No caso de Santa Catarina, encontram-se listadas antes as paróquias da Ilha de Santa Catarina (sede da capital da província), seguidas pelas do continente fronteiro, depois as do litoral sul (como Tubarão) e, depois ainda, as do litoral norte. Por fim, seguem-se outras paróquias aleatórias, tanto do litoral quanto do interior, mostrando que não houve uma sistemática tão definida nesse elenco de paróquias. A divisão em paróquias revela também um pouco da abrangência das jurisdições da província, indicando o forte povoamento litorâneo, pequenos desdobramentos de

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LOVEMAN, Mara. “The Race to Progress: Census Taking and Nation Making in Brazil (1870 – 1920)” Hispanic American Historical Review. Vol. 89, n. 3, Duke University Press, ago/2009, p. 442, tradução.

núcleos coloniais (principalmente na região de Desterro) e chegando, a oeste, até “Nossa Senhora da Conceição dos Coritibanos” e “São João dos Campos Novos”.328

O notável nessa apresentação provincial e paroquial é que os quadros apresentam diferentes formas de dividir a população. Por exemplo, nos quadros da população “quanto às idades”, as colunas representam as faixas etárias (mês por mês até 11 meses, de 1 a 5 anos, quinquênios de 6 a 30 e decênios de 30 em diante) e as linhas dividem os grupos populacionais, primeiro quanto ao sexo, depois quanto à condição social e, depois ainda, quanto às “raças”. Em outras tabelas, como, por exemplo, referentes à “nacionalidade brasileira”, a população é dividida pelo sexo, pela condição, pelo estado civil e, só em quarto lugar, pela raça (note-se que nessa publicação como um todo o termo “cor” é totalmente substituído pelo de “raça”). É assim que podemos saber que na paróquia de Nossa Senhora da Graça de São Francisco, foi recenseada apenas uma mulher-escrava-solteira-preta nascida no Espírito Santo e apenas um homem-livre-viúvo-pardo nascido em São Paulo.329

No quadro abaixo, referente à população estrangeira, as colunas representam as nacionalidades e as linhas também subdividem a população alterando-se dois itens: em lugar da “raça”, a “religião” e, em lugar da “condição social”, nada: assim, os estrangeiros são separados por sexo, religião e estado civil, presumindo-os livres e de raça não- informada, embora as suas próprias nacionalidades pudessem servir de indicativos não-oficiais da raça. A única população nesses quadros que possui identificação especial é a dos “africanos”. Colocados em ordem alfabética, imigrantes “alemães”, “austríacos”, “argentinos”, “belgas”, dentre outros, são precedidos por “africanos” cuja coluna é a única que se subdivide para abranger a sua especificidade: poderiam ser “livres” ou “escravos”. Ou seja, a condição social precisou ser aplicada para diferenciar internamente esse grupo estrangeiro em especial. Sem contar o fato de que “africano” tornou-se, para fins estatísticos, uma nacionalidade genérica, repetida em todas as tabelas de população estrangeira, em todas as paróquias do Império.

No quadro de profissões, enfim, a população foi ainda dividida de outra forma: primeiro entre brasileiros e estrangeiros, depois pela condição social, pelo sexo e pelo estado civil (exceto o dos escravos, nesse último). Os dados de “defeitos físicos” e “instruções” eram

328 IBGE, Recenseamento do Brazil em 1872 – Santa Catharina, [1875]. 329 Ibidem, p. 54.

apresentados apenas na síntese das paróquias, sem que lhes fosse dedicada uma tabela especial. Desdobravam-se apenas em livres- escravos e homens-mulheres.

Nas classificações em que se apresentavam informações mais detalhadas e passíveis de comparação e cruzamento, encontram-se indicativos do método de apuração dos dados. Os nomes deveriam ser transformados em números várias vezes para compor as diferentes tabelas temáticas nas quais os indivíduos poderiam ser precisamente identificados, ou seja, em que poderíamos encontrar um indivíduo cujo sexo, condição, cor, estado civil, religião e/ou nacionalidade fosse cruzado com uma ou mais dessas classificações. Isso indica que essas tabelas já foram provavelmente pensadas desde o início da apuração e/ou que tenha havido tabelas intermediárias que foram descartadas e não chegaram até nós. Como resultado, alguns quadros permitem só um número limitado de cruzamentos, indicando a existência de opções de representação e de omissão por parte da DGE.

Assim sendo, as quatro classificações detalhadas no nível paroquial (idade, nacionalidade – brasileira e estrangeira – e profissão) possuíam divisões bastante distintas entre si, revelando possibilidades variadas de leitura, algum direcionamento, alguma intencionalidade: as atividades profissionais, que dividiam a população em estrangeiros e brasileiros, indicam a conexão da imigração com o desenvolvimento econômico. As de população estrangeira, dentre outros aspectos, ajudavam a identificar a proporção de imigrantes “acatólicos”. As de população brasileira preocupavam-se com a raça, o que pareceu não importar na identificação dos estrangeiros, visto que o tráfico estava encerrado e que o imigrante europeu se consolidava como o mais desejável.

E as tabelas de idade são ainda mais simples, não identificando o estado civil das pessoas, o que é estranho, já que com esse cruzamento poder-se-ia obter o número de homens solteiros em idade produtiva ou propícia para o alistamento militar, mulheres casadas em idade fértil, dentre outros. Talvez essa informação estivesse disponível para a DGE, mas, se esteve, não foi divulgada. Tratam-se, como se percebe, de opções metodológicas, opções de exposição do conteúdo ao que se julgou mais apropriado, mais legível, mais eficiente para quem quer que fosse utilizar tais informações, especialmente os agentes do Estado.

4.3 “CONSIDERAÇÕES ESTATÍSTICAS” DO RELATÓRIO DE 1876

As opções de exposição e de divulgação dos dados podem ser problematizadas por meio do já mencionado resumo que a DGE publicou no seu relatório anual em dezembro de 1876. Embora muito menos conhecido do público mais amplo, esse relatório, cuja finalidade era informar o Ministério do Império e outras repartições sobre os trabalhos da Diretoria, preocupou-se, naquela edição, em fazer um apanhado geral dos dados obtidos no censo, ordená-los, comentá-los, introduzi-los.

Dessa forma, temos nessas “considerações estatísticas” uma leitura sintética e mais direcionada, que pode ter sido a mesma que direcionou a confecção da publicação oficial. Se não a mesma, ao menos saiu da mesma equipe, referia-se à mesma contagem e num espaço de tempo bastante próximo. Proponho analisar essa seção do relatório seguindo suas próprias divisões e classificações, comparando-as com as listas de família, notando que transformações ocorreram do ponto de coleta ao ponto em que as informações estavam processadas e aptas a serem divulgadas. Espero, com esse exercício, poder evidenciar a transformação operada pela estatística no sentido de viabilizar uma leitura e uma visão ao Estado a partir de uma realidade bem mais complexa e variada.

Essa seção é parecida à ficha de família no sentido que ela produz mais uma simplificação. Ou seja, ela toma as respostas daquelas listas (que já haviam sido direcionadas pela própria estrutura do formulário) e as transforma uma vez mais, acomodando-as às tabelas que serão expostas, divulgadas, comentadas. Ao longo da análise, os dados podem ser muitas vezes referidos como “a visão da DGE” sobre tal aspecto ou “a visão do Império” sobre determinada classificação. É óbvio que a questão não é tão simples: nem os membros da DGE unânime e coletivamente redigiram todos os textos e explicações, nem o Estado imperial era composto por pessoas que se identificavam completamente com os seus relatórios. No entanto, enquanto voz autorizada pela legislação, a DGE constituía-se como a repartição central e oficial de estatística do Império e suas conclusões são, portanto, a versão oficial do Império ainda que houvesse opiniões divergentes. Trata-se, portanto, de uma questão de legitimidade do Estado e das instituições que ele autoriza a falar em seu nome. É nesse sentido que certas generalizações podem ser feitas, repito, não enquanto unanimidades, mas enquanto representantes oficiais do Estado nessa área de conhecimento.

A seção Considerações Estatísticas possui 14 páginas de textos e pequenos quadros, apresentando especialmente as principais e mais relevantes conclusões do censo. Em seguida, encontram-se várias páginas que repetem as mesmas análises, mas em texto corrido e referentes a cada província. Por fim, apresentam-se os quadros sinópticos similares aos da publicação oficial, com leves alterações. É uma boa seção para conferir quais os principais números e proporções encontrados no recenseamento dando, claro, mais atenção às formas como foram apresentados e as escolhas realizadas do que propriamente aos valores indicados, embora esses elementos estejam conectados entre si.