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possamos superar esse estado de caos e começar, talvez, a civilizar a terra.”

Edgar Morin

D

izem que no Brasil certas leis “pegam” e outras não. Em 27 de abril de 1999, quando o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, sancionou a Lei 9.795/99, que “dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências”, o fato foi festejado entre educadoras/es ambientais de todo país. No entanto, sabiam que havia um longo trajeto a percorrer para garantir uma mudança efetiva no contexto brasileiro, para levar a EA ao cotidiano de brasileiras/os.

Ex-relator do projeto de lei e ministro do Meio Ambiente na época da promulgação, o então deputado José Sarney Filho relembrou, na ocasião, a mobilização da sociedade para a construção do texto. Segundo ele, mais de 300 entidades foram ouvidas no período em que o texto tramitou no Congresso Nacional. Entre elas, universidades, secretarias de meio ambiente e de educação e organizações ambientalistas de todo o país. Com isso, a lei tornou-se um divisor de águas na história brasileira da EA, ganhando a dimensão de política pública.

O Artigo 225 da Constituição Federal de 1988 atribuiu ao Governo Federal a responsabilidade de “promover a educação ambiental e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”.37 Indo mais longe, a nova lei, que regulamenta esse artigo, tornou obrigatória a EA como processo educativo, formal ou não-formal, para todos os atores sociais.

Vale checar as principais determinações da lei:

Na escola e fora dela:

já no artigo 2, a lei propõe que “a educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal”. Logo em seguida, no artigo 3 detalha-se a EA “como parte do processo educativo mais amplo, todos têm direito à educação ambiental”.

Todos responsáveis pela EA:

o mesmo artigo 3 lista as responsabilidades de cada segmento para a implementação da EA. Vale relembrar:

Mandamentos da EA brasileira

Os oito princípios e sete objetivos fundamentais para a EA, propostos na Lei da PNEA, revelam a concepção moderna. Vale destacar, para aplicar:

Princípios

enfoque humanista, holístico, democrático e participativo; •

concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a •

interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade;

pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi •

e transdisciplinaridade;

vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais; •

garantia de continuidade e permanência do processo educativo; •

permanente avaliação crítica do processo educativo; •

abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e •

globais;

reconhecimento e respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural. •

Objetivos:

compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas •

relações (inclui aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos);

garantia de democratização das informações ambientais; •

estímulo e fortalecimento de uma consciência crítica sobre a problemática •

ambiental e social;

incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na •

conservação do equilíbrio do meio ambiente (defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania);

estímulo à cooperação entre as diversas regiões do País, em níveis micro e •

macrorregionais (para construir uma sociedade ambientalmente equilibrada, fundada nos princípios da liberdade, igualdade, solidariedade, democracia, justiça social, responsabilidade e sustentabilidade);

Instituições educativas:

• promover a EA de maneira integrada aos programas educacionais que desenvolvem;

Órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama)

38: promover

ações de EA integradas aos programas de conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente;

Meios de comunicação de massa:

• colaborar de maneira ativa e permanente na disseminação de informações e práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a dimensão ambiental em sua programação;

Empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas:

promover programas para capacitar trabalhadores e melhorar o ambiente de trabalho, bem como o processo produtivo quanto a questões ambientais;

Sociedade como um todo:

• “Manter atenção permanente à formação de valores, atitudes e habilidades que propiciem a atuação individual e coletiva voltada para a prevenção, a identificação e a solução de problemas ambientais”.

Visão holística

“Meio ambiente está no meio da gente”. Ao contrário desse slogan – cunhado por Tetê Catalão nos anos 1980 para sintetizar uma visão ampla, segundo a qual o “bicho-homem” é parte do ambiente que o cerca, ainda havia, em 1999, correntes que praticavam a EA com base na suposição de que “meio ambiente” reduzia-se ao conjunto das “entidades não-humanas”, denunciou o professor Sírio Lopez Velasco, da Fundação Universidade do Rio Grande (Furg/RS), numa análise da nova lei. Nesse sentido, ele destacou, como acerto do texto legal, a visão não-reducionista da EA exposta no artigo 4. É onde se recomenda: “a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade”39, na escala local, regional, nacional e global. Vale saber que o artigo 1 da mesma lei foi dos mais criticados por militantes e pesquisadoras/es da área por caminhar na direção contrária. Lá se define a EA como: “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”. Destacar a conservação ambiental na definição oficial da EA seria, segundo as críticas, deixar de lado a visão consolidada na América Latina, questionadora do modo de produção e consumo, das injustiças socioambientais, causas e conseqüências

da degradação ambiental. Também permitiria delegar para outro plano as ações pela melhoria da qualidade de vida, o controle social e participação de seres humanos, entendidas como parte da EA.

Quatro linhas de ação

O capítulo II, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental, propõe, através do artigo 8º, quatro linhas de atuação para a PNEA, relacionadas à educação em geral e à escolar, em especial:

capacitação dos recursos humanos, 1.

desenvolvimento de estudos, pesquisas e experimentações, 2.

produção e divulgação de material educativo, e 3.

acompanhamento e avaliação. 4.

Vale notar que, no quesito capacitação, o mesmo artigo indica a meta de incorporar a dimensão ambiental na formação, especialização e atualização, não só dos educadoras/es de todos os níveis e modalidades de ensino, como também para profissionais das demais áreas. E sugere o atendimento às demandas dos diversos segmentos da sociedade no que diz respeito à problemática ambiental.

Da mesma forma, o texto alinha, entre os desafios para os estudos e pesquisas, a busca de alternativas curriculares e metodológicas de capacitação, e a criação de instrumentos que ajudem a incorporar a dimensão ambiental de forma interdisciplinar nos diferentes níveis e modalidades de ensino. Ao mesmo tempo, a lei pede o incentivo à participação dos interessados na formulação e execução dessas pesquisas.

“Mais que disciplinar” nas escolas

Multidisciplinaridade.

• Situação na qual, embora não exista coordenação entre diversas disciplinas, cada uma delas participa desde a perspectiva do seu próprio quadro teórico-metodológico no estudo e tratamento de um dado fenômeno.

Interdisciplinaridade.

• Significa que as disciplinas em questão, apesar de partirem cada uma do seu quadro referencial teórico-metodológico, estão em situação de mútua coordenação e cooperação, engajadas num processo de construção de referenciais conceituais e metodológicos consensuais.

Transdisciplinaridade.

• Situação na qual referenciais consensuais são construídos e propiciam a re-acomodação, com relativa desaparição, de cada “disciplina” envolvida no estudo e tratamento do fenômeno considerado. Também pode significar que a EA deve permear-ligar, como grande “tema transversal”, todos os espaços educacionais (todos os conteúdos).

Equívoco da lei?

Um caminhão de críticas foi despejado sobre o artigo 10 da lei que instituiu a PNEA. Em nome da boa idéia da transversalidade da EA, boa parcela de educadoras/es entendeu que houve uma “generalização equivocada”. É que, depois de dizer, no parágrafo primeiro, que “educação ambiental não deve ser implantada como disciplina específica no currículo de ensino”, o texto estabelece a única exceção: “Nos cursos de pós-graduação, quando se fizer necessário, é facultada a criação de disciplina específica” (parágrafo 2º). Houve especialistas em EA que criticaram esse parágrafo, defendendo a disciplina de EA não apenas na pós-gradução, como também em cursos de graduação e outros promovidos por instituições de ensino superior. Em sua justificativa, a idéia de que uma disciplina específica seria importante especialmente nos cursos de licenciatura, de modo que futuras/os mestres possam aprender, da melhor maneira, as práticas de EA e, a partir disso, consigam adotá-las nos demais níveis de ensino, na forma “mais-que-disciplinar”, para voltar à expressão do professor Sírio, cuja opinião mostrou-se ainda mais radical. Segundo ele, a lei deveria ter apenas aconselhado a não-criação de uma disciplina específica de EA, em vez de sumariamente vetar sua criação.

Sensibilização da sociedade

A seara não-formal – fora das instituições de ensino – é detalhada no artigo 13, Seção III da lei. Nela, a EA é proposta como componente para sensibilizar a sociedade sobre as questões ambientais e incentivar o engajamento de cidadãs/

aos na defesa da qualidade do meio ambiente. Nesse ponto, a lei entra em detalhes sobre ações que o Poder Público deve adotar para disseminar a EA. Por exemplo, estimular a publicação do tema através dos meios de comunicação de massa; a participação das instituições de ensino e de ongs na formulação e execução de programas e atividades vinculadas à EA não-formal, e a promoção de parcerias com empresas públicas e privadas para desenvolver programas de EA. O mesmo artigo 13 cita ainda o apoio à sensibilização dos agricultores e conscientização para os temas unidades de conservação, populações tradicionais e o ecoturismo. São aspectos mais abordados entre educadoras/es focados no conservacionismo.

Sem sanções

Diferencial importante da lei, destacado na página eletrônica da COEA/ MEC, é que, em vez de trazer regras e sanções, como costuma ocorrer em outras leis, a PNEA apenas descreve responsabilidades e obrigações para que se cumpra a proposta programática de promoção da EA em todos os setores da sociedade.

Veto ao financiamento

Quem lê a lei hoje, terá curiosidade em saber o teor do Artigo 18, onde consta a palavra “(vetado)”. Originalmente, é nesse ponto que a lei atenderia a antiga reivindicação de quem é do ramo, de criar um mecanismo para a sustentabilidade da EA. O texto vetado previa que pelo menos 20% da arrecadação de multas decorrentes do descumprimento de leis ambientais fossem direcionados a ações de EA. Segundo notícias da época, o veto – que desagradou educadoras/ es e ambientalistas, atendeu argumento do Ministério da Fazenda, de que parte dos recursos das multas já iam para o MMA. Na justificativa do veto, consta que outra Lei, a dos Crimes Ambientais, já impõe que recursos de multas sigam para os fundos nacionais do Meio Ambiente e Naval, além de outros, estaduais

de passar pelo crivo da Câmara Técnica de EA do Conama e do Conselho Nacional de Educação. Só que se passaram mais três anos, com muitos debates e negociações políticas, até que, em 25 de junho de 2002, o Presidente da República sancionasse o Decreto Federal 4.281/02, que regulamenta a lei da PNEA.

Os fatos mostram que, mesmo antes dessa regulamentação, o texto influenciou o avanço institucional do setor, guiando iniciativas de EA presentes e futuras. É o que veremos, em seguida.

Notas

37 Na verdade, dois artigos da Constituição Federal são citados, para justificar a lei. O Art. 205 estabelece que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. E o Art. 225 reza nas primeiras linhas: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo- se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, para então, no inciso VI estabelecer, como papel do Poder Público, “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”.

38 Ao instituir a Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei 6.938, de 1981 enumerou, no Artigo 6, os componentes do Sisnama: “órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental”. Aí também entram, entre outros, conselhos e comissões de meio ambiente, ligados ao Executivo ou Legislativo, federais, estaduais, municipais.

39 Grifo nosso.

40 “Estrategia Nacional de Educación Ambiental, Ed. Centro de Información, Divulgación y Educación Ambiental (CIDEA)”, publicado pelo Ministerio de Ciencia, Tecnología y Medio Ambiente de Cuba (La Habana, 1997).

41 A íntegra da lei pode ser consultada em: http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/ educacaoambiental/lei9795.pdf.

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