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Pré-Modernismo

No documento Portugues (páginas 47-51)

 Contexto histórico e cultural

O século XX inicia-se com os conflitos que, em 1914, culminam na Primeira Guerra Mundial. Na Europa, as inovações tecnológicas e científicas contribuem para novas formas de ver o mun-

do, inclusive na arte. Novos experimentos estéticos dão origem a movimentos artísticos denomi-

nados vanguardas.

No Brasil, a releitura do nacionalismo é um elemento comum aos autores da época, motivada pelo contexto social. Nas primeiras décadas do século XX, há a consolidação da República e da política

do café com leite, que impõe ao país os interesses de cafeicultores paulistas e pecuaristas mineiros. Grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, em plena industrialização, atraíam migrantes e imi- grantes em busca de novas chances, mas nelas viam-se a desigualdade e a exclusão dos escravizados libertos. Nesse novo contexto, o nacionalismo mais superficial dá lugar ao nacionalismo crítico, com o questionamento das formas de modernização e urbanização do Brasil, olhando para suas contradi- ções, inclusive para o distanciamento entre o centro e as demais regiões do país.

Dialogando com essa proposta, a literatura pré-modernista propõe-se a realizar o retrato do brasileiro

anônimo, com distanciamento e objetividade, mas conservando a linguagem literária do século XIX – ou seja, sem inovações na concepção estética. Por esse motivo, considera-se o Pré-Modernismo uma

fase de transição, e não uma corrente literária.

As reflexões do Pré-Modernismo são influenciadas pelas teorias científicas do século XIX, como o

evolucionismo e o determinismo. Os escritores abordam os problemas sociais levando em considera- ção a influência da história, do meio e da raça, mas em geral rejeitando o determinismo fatalista dos na- turalistas. Retomam, igualmente, os princípios de observação e análise do Realismo, que possibilitam o retrato dos cidadãos comuns em sua rotina e situação social.

Algumas obras desse período ainda apresentam certa influência da estética parnasiana, embora os autores em geral tenham optado por se aproximar da linguagem real do brasileiro médio, afastando-se da padronização e do formalismo do Parnasianismo, que era preferência das elites, e buscando lingua- gem semelhante à jornalística.

 Principais autores

Lima Barreto foi um dos expoentes do Pré-Modernismo. Seu trabalho como jornalista contribuiu para que transportasse para a literatura as cenas rotineiras, a linguagem objetiva e as personagens co- tidianas, que deram à sua produção muito do universo da crônica. O nacionalismo crítico define seu

principal romance, Triste fim de Policarpo Quaresma, em que o protagonista prevê um futuro de abun-

dância para o Brasil e envolve-se em diversos projetos com o intuito de convencer as pessoas do poten- cial do país – sem sucesso. Outro tema bastante abordado em seus escritos é a burocracia que o Brasil enfrenta no período da Primeira República. A questão racial também marca presença em muitas das suas narrativas, inspiradas pela própria condição do autor, de vítima do preconceito.

Assim como Lima Barreto, o também jornalista Euclides da Cunha expôs críticas ao Brasil da Primei- ra República. Euclides faz, em 1897, a cobertura jornalística do combate militar ao arraial de Canudos, quando se depara com a verdadeira face de desamparo dos sertanejos, que enfrentam a seca e a difícil subsistência no sertão, sem o amparo do Estado. A obra lança um olhar crítico sobre a atuação do go- verno e do Exército no episódio, abordando as diferenças entre a vida dos brasileiros nas regiões rurais e urbanas e condenando a organização social brasileira.

Como outras obras do período, Os sertões mantêm alguns traços da produção literária do século XIX,

especialmente a posição determinista, evidenciada na análise da influência do meio físico sobre a raça miscigenada, reforçando seus defeitos. A linguagem, por outro lado, faz de Os sertões uma obra à parte, já que é mais formal e estilizada e o autor se vale, frequentemente, de termos técnicos.

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Pré-Modernismo

A crítica ao governo estará presente também na obra de Monteiro Lobato, voltada, em grande parte, ao retrato do interior do estado de São Paulo em tempos de declínio da econo- mia cafeeira. Jeca Tatu, um de seus tipos mais conhecidos, personificará a figura do caboclo – trabalhador rural mestiço de índio com branco –, que vive em isolamento, sem acesso à edu- cação e aos demais serviços públicos.

Este trecho do artigo “Urupês” – retomado como título do livro posteriormente lançado, com 14 contos de mesmo tema – explicita o uso da sátira para reforçar aspectos caricaturescos na descrição do caboclo, mostrado como figura quase selvagem, que se adapta à natureza em lugar de moldá-la para sua comodidade. Tal abordagem repete certas considerações acerca da dege- neração racial promovida pela miscigenação em vigor no século XIX.

Urupês

[...] Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir aos bichos que moram em toca e gargalhar ao joão-de-barro. Pura biboca de bosquímano. Mobília, nenhuma. A cama é uma espipada esteira de peri posta sobre o chão batido.

Às vezes se dá ao luxo de um banquinho de três pernas – para os hóspedes. Três pernas permitem equilíbrio; inútil, portanto, meter a quarta, o que ainda o obrigaria a nivelar o chão. Para que assentos, se a natureza os dotou de sólidos, rachados calcanhares sobre os quais se sentam?

Nenhum talher. Não é a munheca um talher completo – colher, garfo e faca a um tempo? No mais, umas cuias, gamelinhas, um pote esbeiçado, a pichorra e a panela de feijão.

Nada de armários ou baús. A roupa, guarda-a no corpo. Só tem dois parelhos; um que traz no uso e outro na lavagem.

[...]

Seus remotos avós não gozaram maiores comodidades. Seus netos não meterão quarta perna ao banco. Para quê? Vive-se bem sem isso.

[...]

Monteiro Lobato, J. R. Urupês. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 168-169.

Augusto dos Anjos é outro nome do Pré-Modernismo, embora represente um caso à parte por não fazer da literatura uma forma de crítica social. O poeta alia o cuidado formal típico do Parnasianismo a influências diversas, trazendo a dor de existir simbolista mesclada ao materia- lismo e ao vocabulário do cientificismo naturalista. A existência perde o valor diante da inevi- tabilidade da morte e da podridão que é o destino de todos, e o prazer é visto somente como um alívio temporário para a angústia existencial. O uso de vocabulário e imagens repulsivos e incomuns confere à sua poética um caráter inusitado e às vezes chocante.

Versos íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável Enterro de tua última quimera. Somente a Ingratidão – esta pantera – Foi tua companheira inseparável! Acostuma-te à lama que te espera! O Homem, que, nesta terra miserável, Mora, entre feras, sente inevitável Necessidade de também ser fera. Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja. Se a alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija!

Disponível em: <http://www.releituras.com/aanjos_versos.asp> Acesso em: 20 fev. 2014.

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Questões

Todas as questões f

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1. (Unemat-MT) Sobre Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, pode-

-se afirmar:

a) é um poema épico que conta a história de Marechal Floriano. b) é uma narrativa de ficção que conta a história de Brás Cubas. c) é um livro de memórias escrito por Riobaldo Tatarana.

d) é um conto que narra a história de amor de Olga e Marechal Floriano. e) é um romance em que é narrada a história de um brasileiro visionário. (Uema) Texto para as questões de 2 a 4.

Assim se apresentou o Conselheiro, em 1876, na vila do Itapicuru de Cima. Já tinha grande renome.

Di-lo documento expressivo publicado aquele ano, na Capital do Império. “Apareceu no norte um indivíduo que se diz chamar Antonio Con- selheiro, e que exerce grande influência no espírito das classes popu- lares, servindo-se de seu exterior misterioso e costumes ascéticos, com que impõe à ignorância e à simplicidade.

Deixou crescer a barba e cabelos, veste uma túnica de algodão e alimenta-se tenuemente, sendo quase uma múmia. Acompanhado de duas professas, vive a rezar terços e ladainhas e a pregar e a dar conse- lhos às multidões, que reúne, onde lhe permitem os párocos; e, movendo sentimentos religiosos, vai arrebanhando o povo e guiando-o a seu gos- to. Revela ser homem inteligente, mas sem cultura.”

Cunha, Euclides da. Os sertões. São Paulo: Círculo do Livro, 1979. p. 218-219 (Coleção Os

Grandes Clássicos).

2. Considerando que o texto transcrito é um documento publicado na capital do

Império sobre Antônio Conselheiro, segundo Euclides da Cunha, acerca da passagem “... e, movendo sentimentos religiosos, vai arrebanhando o povo e guiando-o a seu gosto” pode-se inferir que o processo histórico vivido pelas sociedades humanas é quase sempre traduzido ou revelado pelo(a)(s): a) respeito total do governo a manifestações populares.

b) identificação cultural satisfatória entre governo e povo. c) linguagem da supremacia, revelada com ironia. d) discurso dos mandatários, de teor técnico e impessoal.

e) documentos éticos marcantes em defesa dos não esclarecidos.

3. Figurativamente, o termo múmia está apoiado em trechos citados anterior-

mente, marcado, sobretudo, por: a) alimenta-se tenuemente. b) deixou crescer a barba. c) veste uma túnica de algodão. d) vive a rezar.

e) deixou crescer a barba e o cabelo.

4. Considere as seguintes afirmativas sobre o trecho transcrito:

I. É tipicamente dissertativo, analisando com argumentação o retrato de um fanático, construindo uma tese sobre o assunto.

II. Caracteriza-se como narrativo posto que relata ações do protagonista, utilizando um foco descritivo em que apresenta aspectos físicos do protagonista.

III. O narrador apresenta fatos que determinam as ações dos personagens, de modo discursivo, sem caracterizações pessoais ou ambientais. IV. O narrador, ao fazer uso de aspectos descritivos, escolhe aspectos físicos

relacionados a aspectos psicológicos, que marcam as ações comporta- mentais dos personagens.

Está correto o que se afirma em: a) IV, apenas. b) III, apenas. c) II, apenas. d) II e IV, apenas. e) II e III, apenas. 1. Resposta: e

A – ERRADA – O Marechal Floriano, segundo presidente do Brasil, é uma das personagens do romance, mas não é seu protagonista nem o alvo da narrativa. Policarpo Quaresma, após aderir a suas tropas na Revolta da Armada, ousa discordar de sua ordem de fuzilamento de militares rebeldes e acaba sendo condena- do à morte.

B – ERRADA – Brás Cubas é o protagonista de

Memórias póstumas de Brás Cubas, romance de

Machado de Assis.

C – ERRADA – Riobaldo, também conhecido co- mo Tatarana, é o protagonista de Grande ser-

tão: veredas, de Guimarães Rosa.

D – ERRADA – Olga e Marechal Floriano são personagens de Triste fim de Policarpo

Quaresma, mas não há uma relação de amor

entre eles. Olga procura obter o perdão de Floriano, que condenara seu padrinho Policarpo à morte, mas não obtém resultado positivo.

E – CERTA – O romance de Lima Barreto conta a história de Policarpo, um homem sonhador, movido pelo ufanismo e pela convicção no de- senvolvimento do Brasil. Seu idealismo entra em confronto com a realidade, o que faz com que seus projetos sejam considerados frutos de demência.

2. Resposta: c

A – ERRADA – O documento indica que a res- posta popular a Antonio Conselheiro é fruto da manipulação de sentimentos religiosos, possível devido à ignorância das camadas populares.

B – ERRADA – O documento evidencia o afasta- mento entre governo e classes populares, con- sideradas ignorantes.

C – CERTA – O documento diferencia o governo e as classes populares; estas são vistas como simplórias e facilmente manipuláveis; aquele, como culto e superior, como sugere o uso da ironia no tratamento do fenômeno messiânico que aborda.

D – ERRADA – O documento não é impessoal ou técnico; expressa uma valoração negativa de Antonio Conselheiro e seus seguidores. E – ERRADA – O documento não revela ética no tratamento das classes populares, considera- das ignorantes e incapazes de compreender a manipulação de que são alvo.

3. Resposta: a

O termo “múmia” alude à parca alimentação de Antonio Conselheiro, apresentado, no docu- mento, como um homem fisicamente frágil, quase um cadáver.

4. Resposta: d

I – ERRADA – Embora expresse um juízo de va- lor, o trecho não é dissertativo, pois não está fundamentado em argumentos selecionados em função de uma tese.

II – CERTA – A apresentação de Antonio Conselheiro vale-se da narrativa de algumas ações (deixar crescer a barba, por exemplo) ou hábitos (viver a rezar terços, por exemplo) e de sua descrição física (ter barbas e cabelos longos).

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Pré-Modernismo

(Unifesp) Leia o trecho de Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, para responder às questões de números 5 e 6.

Durante os lazeres burocráticos, estudou, mas estudou a Pátria, nas suas riquezas naturais, na sua história, na sua geografia, na sua litera- tura e na sua política. Quaresma sabia as espécies de minerais, vegetais e animais que o Brasil continha; sabia o valor do ouro, dos diamantes exportados por Minas, as guerras holandesas, as batalhas do Paraguai, as nascentes e o curso de todos os rios.

[...]

Havia um ano a esta parte que se dedicava ao tupi-guarani. Todas as manhãs, antes que a “Aurora com seus dedos rosados abrisse caminho ao louro Febo”, ele se atracava até ao almoço com o Montoya, Arte y

diccionario de la lengua guarani ó más bien tupi, e estudava o jargão ca-

boclo com afinco e paixão. Na repartição, os pequenos empregados, amanuenses e escreventes, tendo notícia desse seu estudo do idioma tupiniquim, deram não se sabe por que em chamá-lo — Ubirajara. Cer- ta vez, o escrevente Azevedo, ao assinar o ponto, distraído, sem reparar quem lhe estava às costas, disse em tom chocarreiro: “Você já viu que hoje o Ubirajara está tardando?”

Quaresma era considerado no Arsenal: a sua idade, a sua ilustração, a modéstia e honestidade do seu viver impunham-no ao respeito de todos. Sentindo que a alcunha lhe era dirigida, não perdeu a dignidade, não prorrompeu em doestos e insultos. Endireitou-se, consertou o seu

pince-nez, levantou o dedo indicador no ar e respondeu:

— Senhor Azevedo, não seja leviano. Não queira levar ao ridículo aqueles que trabalham em silêncio, para a grandeza e a emancipação da Pátria.

amanuenses: escreventes doestos: injúrias

5. Examine a frase:

Havia um ano a esta parte que se dedicava ao tupi-guarani.

a) No conjunto da obra, que relação há entre nacionalismo e o estudo de tupi- -guarani?

b) Quanto ao sentido, explique o emprego da forma verbal dedicava e justifique sua resposta com uma expressão presente no texto.

6. Analise a frase:

... deram não se sabe por que em chamá-lo — Ubirajara.

a) Supondo-se que houvesse uma explicação de natureza literária para o ape- lido, a que obra estariam os empregados da repartição fazendo referência? Por quê?

b) Explique em que consiste a discriminação sofrida por Policarpo Quaresma, tomando como referência o apelido e a resposta dada por ele a Azevedo.

III – ERRADA – A relação entre as ações das personagens e suas causas não é apresentada com neutralidade; a caracterização física e as referências ao espaço constroem uma avalia- ção do processo que está sendo exposto. IV – CERTA – Na abordagem do tema, foram re- lacionados aspectos físicos e aspectos psicoló- gicos: a referência ao uso de barba e cabelos longos e de túnica branca, bem como à ali- mentação restrita, por exemplo, sugerem uma figura frágil, com traços de demência.

5. Respostas:

a) Para Policarpo, a língua portuguesa era uma “língua estrangeira”, enquanto o tupi-guarani era a língua dos nativos do Brasil, portanto, o desejo de estudá-lo e transformá-lo em língua oficial evidencia seu nacionalismo xenofóbico. b) A forma verbal “dedicava” está no pretérito imperfeito do indicativo e indica uma ação que se iniciou no passado e ainda não terminou, como comprova a expressão de tempo “havia um ano”.

6. Respostas:

a) Os empregados da repartição provavelmen- te estavam se referindo ao romance Ubirajara, do escritor romântico José de Alencar, cujo herói representa o povo nativo brasileiro, em uma fase anterior à chegada dos portugueses. b) O apelido e o estudo do tupi-guarani mos- tram o nacionalismo de Policarpo, que, entre- tanto, é visto como excêntrico por seus cole- gas de trabalho.

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