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Processo de Interpretação: de símbolos a pressupostos

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Proposição 5 – Quanto ao Processo de Interpretação:

13 Análise do caso B

13.4 Relato do Caso B

13.4.4 Processo de Interpretação: de símbolos a pressupostos

Auto-Interpretação

Quando os entrevistados falam sobre como é o representante típico da empresa (se existe), a maioria das respostas revela que têm orgulho de sua capacitação, forte vínculo com o produto e auto-imagem que se confunde com a da empresa. A forma como se auto-interpretam revela coerência com os pressupostos e valores presentes no grupo fundador. A pesquisa não captura a população nova. Em todos os casos optou-se por apresentar algumas falas ilustrativas, por serem auto-explicativas.

Sobre seus principais atributos:

Somos flexíveis e rápidos no atender o cliente.

É coisa do brasileiro; com rapidez nem sempre o final é arrumadinho; postura agressiva... em cinco erra uma, mas no final o resultado é bom.

Não fica embromando com indecisões, até informa demais.

Ser pragmático, focar no resultado, falar diretamente, se posicionar. Ser inovador... é o simples fato de não se sentir confortável nem com aquilo que está bom.

É sóbrio, economiza para a empresa.

Somos vistos como afáveis, flexíveis, conquistamos a simpatia, somos prestativos e apoiadores.

Pessoa humilde, com inteligência, cabeça diferenciada, ágil, obsessiva pela perfeição, não se cansa nunca.

Tem que ser competente e ter opinião; se o cara é bom entra na corrente sanguínea.

[...] perfeccionista, quer fazer sempre o melhor. Trabalha “pra caramba”, feito louco.

Bem educado, motivado, disposto a trabalhar sem barreiras....

[...] o compromisso com o resultado é meio viciante, você se identifica com o trabalho, o tempo passa, eu não vejo passar.

Sobre o vínculo:

Orgulho do país, do jeito de ser e competir lá fora; é um gosto maravilhoso, ver seu produto ganhando no primeiro mundo,não tem preço.

Sabe que está fazendo uma empresa de ponta no país.

É realizador do trabalho, do orgulho de estar fazendo um produto que não tem comparação.

Batalha pela empresa, é devotado por paixão, por coração de veterano.

É um apaixonado pelo produto, começa a falar e começa a se inflamar, é idealista, que põe a empresa em primeiro lugar, antes da família; é a dedicação de corpo e alma.

[...] é dedicado à empresa, vibra com a empresa.

[...] o grau de motivação, de vestir a camisa, integridade, herança do espírito da escola.

[...] é só falar o nome da empresa, principalmente nas fases de expansão, com novos produtos, contratos grandes; dão um orgulho, uma motivação.

Sobre o que se rejeita:

Não se recebe bem arrogância, pessoas com verdades absolutas, sem a humildade de perseguir a verdade; não se aceita politicagem e jogo.

[...] pega mal dar quinhentas voltas para abordar um assunto.

Custou caro para quem passou a crise, e não se aceita esse tipo de mentalidade de quem quer carreira rápida, de gastos desnecessários, pessoas imaturas. É preciso ajustar, educar.

Expressões recorrentes são expressões características da organização, presentes na maioria das falas, que adquirem relevância pois parecem sustentar o significado coletivo que atribuem a si mesmos.

competência tecnologia perfeição

orgulho heroísmo arrojo

brasileiro bombeiro personalismo

a escola os antigos os novos

depois da entrada do presidente paixão insight

o bicho (produto) sorte rapidez

o japonês vai e faz flexível

patriotismo oportunidade hierarquia

Interpretação do Ambiente

Acreditam que sua sobrevivência deveu-se, estes anos todos, à capacidade de atuar de forma ativa com relação ao ambiente, buscando identificar oportunidades, criando combinações tecnológicas avançadas e inéditas para o mercado, atuando com visão e, em geral, se antecipando. Atribuem isso a ”sorte” e insight; no entanto é a marca de suas realizações há décadas. No tratamento de tais oportunidades, acabam por construir um ambiente de negócios com suas próprias características. Fazem esforços organizados de planejamento estratégico com perspectiva de longo prazo.

Tem uma razoável capacidade de identificar oportunidades, tivemos a felicidade de estar na crista de diversas ondas, isto manteve a empresa viva. Pelos motivos errados demos sorte.

Interpretação de Fracasso e Erro

Quando perguntados sobre como lidam com fracassos, a resposta unânime é a experiência de um produto desenvolvido há mais de dez anos, que serve de símbolo sobre o que não se deve fazer. Foi, segundo eles, a má gestão desse programa que levou a organização à beira da extinção, o que significou uma lição aprendida. Há uma reflexão maciça sobre o episódio e este é o grande exemplo de aprendizagem com erro. A grande lição extraída é que tecnologia é meio e não fim, fazendo com que a estratégia da organização fosse redirecionada.

O produto era inovação total, para 20 anos depois, sem ser compatível com o mercado.

Havia sinais que algo não estava certo, mas não se valorizava... colocamos as visões pessoais acima do coletivo. Teve uma lição aprendida, hoje invisto 90 % do meu dia ouvindo as pessoas.

[...] gerou tecnologia que foi aplicada em programas subseqüentes, foi um grande aprendizado.

Quanto à conceituação do erro, as respostas variam muito, o que pode indicar um pressuposto não suficientemente compartilhado devido ao crescimento da empresa. Relatam três níveis de aprendizagem com erro, como uma gradação sem natureza conceitual:

a) extraíram aprendizagem, geralmente de cunho tecnológico e de negócio; b) estão em processo de aprendizagem e ajustes com implantações recentes; c) identificam dificuldades e ainda não encontraram o caminho da

aprendizagem, geralmente em gestão e pessoas.

Percebe-se que uma parte da organização experimenta maior tolerância ao erro, enquanto que as áreas que possuem um número maior de pessoas novas, mais operacionais, encontram menor tolerância ao erro. Em nenhuma entrevista houve uma conceituação de risco ou de incerteza como inerentes a inovar, havendo apenas opiniões sobre maior ou menor tolerância ao erro.

Consenso geral é de que é bom trabalhar aqui porque dá pra errar, aprende-se com os erros.

[...] não existe perseguição, você pode errar, fazer besteira; a companhia te perdoa se você foi atrás da perfeição.

Na operação não pode ter falha... Na medida que a empresa cresceu, com novos programas, a tolerância ao erro diminuiu e aí as pessoas passaram a se proteger mais e as decisões ficam concentradas nos executivos principais.

Adição de Pressupostos

A adição de pressupostos ocorre quando algum fator adentra a cultura e acaba por ser assimilado, de modo que pressupostos novos são adicionados à cultura que os acolhe, percebendo-se como resultante uma alteração no sistema de crenças e de alguns valores (vide seção 8.2).

Pelos relatos dos entrevistados, a entrada de elementos externos e de um novo presidente, trazendo novos valores, provocou um processo de assimilação, no início conflituoso. Observa-se, no caso B, que, em função do grande sucesso e retomada de crescimento ocorrido a partir de então, um conjunto de novos pressupostos e valores foram aceitos e adicionados. Os desafios do crescimento têm levado a organização a fazer uma análise retrospectiva de algumas de suas práticas e competências, no sentido de adicionar o que ainda lhe falta.

Sobre uma nova visão de negócios (pressuposto assimilado):

Houve um casamento da cultura de tecnologia, de liberdade e de inovação com a gestão para resultados.

Hoje a gente conhece o produto e o mercado.

Sobre a cultura globalizada e convivência com parceiros internacionais, a autocrítica indica que já existe um valor adentrando a cultura, ainda pouco sólido:

[...] nossa (vontade) de não planejar muito e correr no final, isto é algo difícil para outras culturas aceitarem, pois elas planejam...

[...] ainda somos meio caipiras, ainda não estamos internacionalizados.

Reconhecemos que existem pessoas boas que vieram e agregaram coisas positivas de outras culturas.

Sobre a gestão de pessoas, a autocrítica indica uma atitude reflexiva sobre a ausência de algo que ainda precisaria ser adicionado. Pelas entrevistas, pode-se perceber que há os que foram aceitos e incluídos pela cultura hegemônica por serem vistos como semelhantes e há os que são percebidos pela cultura hegemônica como diferentes ou desconhecidos.

Tem algumas (novas pessoas) que são puxadas por um “vácuo de compulsão”...

Tem um grupo que não tem amarração afetiva com os valores da empresa, vieram acreditando no crescimento, mas não nos valores. [...] é um impacto violento na cultura, nos valores, e a história da empresa se dispersa... não é a mentalidade dos pioneiros, dos mais maduros.

O saudosismo... dá a impressão que muita gente na empresa acha que não existe mundo lá fora.

[...] não conseguimos na mesma velocidade espalhar os valores, não consigo identificar os traços e valores como conseguia há anos atrás. [...] precisa de outras idéias gerenciais.

[...] delegar, deixar a organização fluir, (cultura) não se muda por decreto.

13.4.5 Análise geral do discurso

Coerência no discurso: as entrevistas individuais e grupais revelam um discurso espontâneo, afetivo e loquaz que, no entanto, sugere uma cultura hegemônica pouco fluente em comunicar seus valores, pouco compartilhada coletivamente. O discurso do grupo fundador apresenta muitos pontos de convergência e também muita diversidade de conteúdo e nuances de interpretação divergentes em algumas percepções. Parece ao pesquisador que não conceituam sua cultura e dirigem todos os esforços ao processo de realização.

Fluência do discurso: de modo geral, os respondentes são fluentes em aspectos descritivos e pouco fluentes em aspectos de conceituação de sua cultura. Talvez, este seja um reflexo de não existirem ações intencionais de alinhamento aos pressupostos, explicitação de valores ou conceituação. Essa lacuna, que aparece como autocrítica em algumas entrevistas, talvez seja um fator de dificuldade na aculturação e inserção da nova geração ao grupo fundador.

Liberdade de expressão: há duas naturezas de respostas: há os que dizem que existe liberdade de expressão e livre pensar; há os que dizem não haver liberdade de expressar idéias e opiniões. A organização parece viver pelo menos duas realidades diferentes, possivelmente fruto da sua expansão ainda não acomodada. No grupo fundador existe liberdade explicita de expressão, devido à confiança e paridade nas relações.

Conteúdo racional / emocional: há um conteúdo que vai da racionalidade rigorosa à sincera emoção, quando falam de si e da empresa. Essa gradação de conteúdo que oscila entre ambos extremos, ora de um jeito, ora de outro, pode ser responsável pela diversidade de percepções que aparecem no caso B. Contudo, em todas as manifestações aparece vínculo afetivo com a empresa. Há também admiração mútua, como se fossem heróis, uns para outros. Detectou-se tom irritado e crítico quando tratam de assuntos ainda não resolvidos, como a questão da gestão de pessoas.