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Processo de Manifestação: de pressupostos a valores

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Proposição 5 – Quanto ao Processo de Interpretação:

13 Análise do caso B

13.4 Relato do Caso B

13.4.1 Processo de Manifestação: de pressupostos a valores

Pressupostos e valores básicos

A organização apresenta uma cultura formada pelo grupo fundador, o qual é constituído de pessoas presentes até hoje. Esse grupo de origem tem, em sua maioria, a mesma formação e veio em grande parte da mesma escola, muitos foram colegas e se conheceram ainda jovens. Essa origem comum, somada à experiência conjunta de vários sucessos e dificuldades, com risco de quase extinção da empresa, resultou em forte coesão entre eles.

Existe um grupo de outro tempo onde havia um respeito, admiração e amizade intrínseca. Nestas pessoas ninguém “mata” ninguém. Estão distribuídos e todo mundo sabe quem é quem. A amizade pode não ser pessoal e quando se cumprimentam, ficam felizes de se ver. Pessoas que viveram juntas coisas difíceis; tem uma tatuagem entre elas, irmandade entre elas, respeito pela dureza que todos nós passamos. Grupo heróico. A maneira que nos olhamos é diferente. Os novos não têm.

A empresa foi criada com o objetivo principal de produzir tecnologia avançada e inexistente no país, constituindo-se a partir de um conjunto de pressupostos básicos, tais como a crença na capacidade de ousar, superar adversidades do meio e de inovar, que se manifestam nos valores e, conseqüentemente, na forma de realizar o trabalho.

Primeiro inventa, projeta e depois vamos ver como vai dar para fazer. Este perfil corajoso vem dos engenheiros fundadores. Eles eram arrojados e tinham que provar capacidade técnica.

Este perfil de engenheiro: perfeccionista, sempre querer fazer um pouquinho mais, perfil do pessoal que começou a empresa e puxou esta cultura de inovar, querer fazer melhor.

Vejo uma ousadia saudável, uma coragem, pessoas brilhantes com capacidade de bater o olho e sacar, atitudes que são os alicerces da empresa.

Constitui-se uma cultura de competência onde, mais do que a hierarquia entre eles, o que importa é o conhecimento notório, de modo que quem tem mais saber lidera.

Trata-se de uma organização onde o perfil das lideranças não está necessariamente associado à capacidade de comunicação ou de gestão de pessoas, mas ao fato de serem reconhecidas como ”mentes brilhantes”, que se admiram mutuamente pela inteligência, arrojo e lealdade, denotando até algum corporativismo.

Cultura de competência, onde quem entende fala e quem não entende fica quieto, que, quando não aceita, marginaliza.

A presença da competência criando diferencial competitivo.

O relacionamento aqui é bom, você trabalha com alguém que é amigo, que trabalha há 20 anos; você tem história e nunca vai brigar com ele, mesmo com diferentes opiniões.

Aqui tem a maior concentração de pessoas inteligentes.

Todas as entrevistas citam alguns líderes que simbolizam os valores maiores da empresa, admirados pela competência, visão e uma contínua capacidade de resolver desafios. Nas entrevistas individuais e grupais essas pessoas são citadas.

O (nome citado) é um dos que mais pensa nessa organização. A gente viu depois o que ele via antes.

Quando você trabalha com uma pessoa como (nome citado), é muito fácil buscar a fronteira da inovação.

Estas coisas de ícones-pessoas, ícones-processos... é coisa de cultura muito antiga, centrada em pessoas que viveram uma história e concentraram competência tecnológica; então são ícones.

O grupo fundador não fica restrito a um nível ou área, mas está distribuído por toda a organização, sem uma ordenação específica, sendo que, com o enorme crescimento da organização, foi assumindo várias posições. De modo geral, estão mais concentrados na engenharia, no desenvolvimento, no comercial e na manufatura. Tornou-se um grupo hegemônico pelas circunstâncias históricas e a força de coesão. Entre eles existe mobilidade horizontal e vertical, comunicam-se informalmente e compartilham dos mesmos valores que reconhecem entre si.

Existe informalidade, você tem trânsito e consegue levar uma idéia para resolver. Você normalmente consegue falar com VP (Vice- presidentes).

Tem um grupo antigo que pode chegar nos VP’s (Vice-presidentes)... são amigos, sempre estiveram na casa.

Possuem alguns valores de trabalho com características de alguma forma paradoxais: de um lado, o perfeccionismo e o compromisso com rigor técnico; de outro, a agilidade e o gosto pela invenção.

Não sei por onde começar; mas tem que fazer, vamos fazer.

Está na natureza das pessoas esta atitude de pesquisar, aprender, sacar; alguns visionários.

Primeiro vende e depois vai ver como vai dar pra fazer. A gente é um reloginho para entregar o que se comprometeu.

Há uma quase unanimidade de que se expõem a um baixo planejamento, quase como uma forma de ver sua capacidade sendo testada. Hoje, com a complexidade que a organização atingiu, este é um valor que tem sido repensado; no entanto, esse traço ainda é presente, com certo ”orgulho” subjacente.

A gente precisa de catástrofe para reagir, gostamos de ser bombeiros, varamos a noite, corremos...

Característica bacana, meio dada a heroísmo.

Confiante demais na sua habilidade de resolver urgências.

Somos otimistas e dizemos que vamos fazer antes de qualquer análise.

Se a gente tivesse esperado todo o planejamento, o B não existiria. Ainda na tentativa de explicar a manifestação deste valor, é recorrente mencionarem:

a) o estereótipo nacionalista do brasileiro, como pessoa flexível, inteligente, esperta, capaz de resolver tudo;

b) a capacidade de enfrentar desafios como uma das forças que possuem para virar o jogo;

c) que se tivessem feito ”arrumadinho”, não teriam conseguido;

d) que esta crença acaba por trazer flexibilidade e mobilidade, e tem sido vantagem competitiva.

Há alguns anos, a empresa enfrentou sua maior crise e viveu forte ameaça de extinção. Nesse período, diversas medidas foram tomadas, inclusive a entrada de um novo presidente. A partir de então, percebe-se que novos pressupostos foram incorporados e são manifestados em valores que não existiam anteriormente. Os entrevistados relatam a adição de novas competências, com enfoque em negócio, em mercado, em geração de resultados. O grupo fundador admite a importância da adição dessas novas competências, pois o resultado foi acima do esperado.

A empresa adquiriu uma visão de negócio com a entrada do (nome citado).

Adquirimos capacidade de ouvir o mercado, estamos antenados. Ouvir o mercado, mais do que os concorrentes.

Habilidades de gestão aparecem como uma lacuna, como se não existissem nos pressupostos originais de fundação, mas é perceptível a preocupação de que é necessário adicionar essa competência. Relatam as dificuldades e os esforços para dar conta do crescimento rápido e absorver um contingente três vezes maior que o inicial.

Tem uma aura de cultura engenheirística, menos voltada para o humano.

Tem pessoas talentosas que não se sabe quem são.

Existem pessoas hoje que não compartilharam a cultura de liberdade, elas têm medo.

Antes os problemas eram menos complexos, havia incentivo. Hoje me preocupo com grupos, há os que quebram os ovos e fazem omelete e os que têm medo de fazer algo.

Portanto, percebe-se a coexistência de pelo menos duas culturas: a “antiga”, coesa e hegemônica; e a “nova”, difusa e aparentemente sem muita coesão. A pesquisa não permite fazer inferências e afirmações sobre essa nova sub-cultura. Seguem alguns depoimentos, a título de ilustração da presença da dualidade.

(Quanto a novas pessoas) Tem algumas que são puxadas por um “vácuo de compulsão”, mas temos casos de pessoas que não foram puxadas.

Tem um grupo que não tem amarração afetiva com os valores da empresa; vieram acreditando no crescimento, mas não nos valores. Os outros (os antigos) construíram a empresa, eles a viram crescer, quase só têm essa experiência.

Os jovens têm expectativa de carreira que fica frustrada, aqui a gente tem que amadurecer, sedimentar os conhecimentos para ter uma chance de ascensão. Eles têm orgulho, mas têm que se adaptar a isso.

A questão de ser da escola deles é relevantíssima. Eles dizem: Ah! Você fez a outra (escola considerada também forte), então tem chances.

O saudosismo dos tempos brabos dá a impressão que muita gente na empresa acha que não existe mundo lá fora, só aqui se passou por crise.

Inovar como pressuposto

O pressuposto de inovar se manifesta de modo sui generis. Não há uma manifestação distintamente uniforme, o que torna possível algumas leituras:

a) de um lado, a história e os sucessos continuados indicam a presença de um pressuposto de inovação forte e arraigado na cultura de fundação:

Inovação sempre foi um traço na empresa. A empresa é uma inovação no contexto brasileiro.

Inovação é um processo contínuo dentro da empresa, considerando a própria evolução... Cada linha de produto traz tecnologia nova, entra em mercado novo, você tem que se adaptar.

Falar de inovação é também falar de nossas percepções, da busca de superar limites, postura de inconformismo. Se estiver tudo dominado tem alguma coisa errada.

A inovação tecnológica aqui é fantástica... é a capacitação das pessoas e dos líderes que transformam o papel em algo real.

b) apesar da empresa ter sido criada para desenvolver tecnologia de ponta em um setor que não existia no Brasil, algumas entrevistas revelam que não se consideram inovadores em tecnologia e, sim, seguidores, manifestando dessa forma um rigor autocrítico:

Não inventamos a roda; diferenciamo-nos em elementos agregados ao produto de forma única no seu tempo.

Percebo inovação estratégica, mais importante do que dizer que tem as melhores soluções técnicas.”

Não é uma empresa inovadora em seu segmento, ela é seguidora. Não acredito que a empresa busque a fronteira da inovação, que ouse ficar à beira do abismo. Ela busca as soluções que existem nos processos, mas dentro de um contexto relativamente já trilhado por outros.

c) acreditam que seu reconhecido histórico de sucesso deve-se mais à capacidade de detectar oportunidades e de se antecipar ao mercado com as combinações inovadoras, que consideram obra de ”insights”, de “cabeças iluminadas” ou da ”sorte”, mais do que de um processo sistematizado:

Não acho que a gente inove sistematicamente. A inovação aqui é conseqüência de uma matéria-prima abundante, que é inteligência, associada à necessidade. Isto puxa inovação.

Insights brotam das paredes.

A semente de uma idéia nasce de um iluminado, o (nome citado). Sempre fomos inovadores na capacidade de percebermos o produto na hora certa; não sei de onde vem inovação, ela ocorre.

Outra manifestação do pressuposto de inovar é observável na velocidade e entusiasmo com que a empresa se mobiliza para o novo. Pode-se perceber que o novo produto atua como símbolo da capacidade de realizarem, o que faz com que novos programas considerados maiores e melhores sejam fortemente valorizados, havendo uma dificuldade em alocar pessoas em programas menores ou já rotineiros. O próximo, o novo, é sempre o melhor.

Característica de buscar coisas novas, esquecia-se dos outros produtos.

Todo mundo quer trabalhar em programa novo.

Se você diz que vamos fazer um produto ainda maior, todos vão atrás.

Nunca fez um produto de tecnologia inferior após ter feito um mais avançado. Ela foi galgando degraus em tecnologia.

(A respeito de um produto considerado menor) É um ‘estranho no ninho’ na cultura da empresa... nasceu no meio do espaço dos outros, que eram mais importantes.