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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

7 Símbolo e interpretação na teoria das organizações

7.1 Visão geral

O antropólogo americano Clifford Geertz é considerado um expoente para a teoria simbólico-interpretativa, particularmente por sua definição de cultura, que se tornou um marco.

Acreditando, com Max Weber, que o homem é um animal suspenso em teias de significados que ele mesmo teceu, vejo a cultura como estas teias e, por conseguinte, a análise de uma cultura não como uma ciência experimental em busca de leis, mas uma ciência interpretativa em busca de significado. (GEERTZ, 1973, p. 5, tradução nossa).

O interesse por uma perspectiva interpretativa nos estudos organizacionais se desenvolveu nos anos setenta e amadureceu nas décadas seguintes. Hatch (2003) aponta três vertentes principais, que se justapõem: estudos de cultura organizacional, simbolismo e estética; teoria interpretativa baseada em processo; análise de escritos, histórias e narrativas das realidades organizacionais:

a) Cultura organizacional, simbolismo e estética corresponde à vertente de onde vieram os primeiros estudos da perspectiva interpretativa, que levaram à construção de métodos qualitativos de pesquisa, particularmente a

grounded theory. Explorou-se a questão do contexto cultural e do significado

dos artefatos e demais elementos da cultura. Trataram-se vários aspectos associados à cultura como ordem e conflito, poder e dominação, consenso e coerção, mudança e estabilidade, as sub-culturas, etc. Abriu-se o estudo do que seria o conhecimento tácito no compartilhamento do significado e nos modos “silenciosos” do discurso organizacional. Destaca-se neste grupo o papel pioneiro do manifesto da SCOS - Conferência sobre Simbolismo Organizacional, de 1979, que rendeu reconhecida publicação de 1983, gerou toda uma escola simbólico-interpretativa da cultura organizacional, em que se destacam Morgan, Pondy, Dandridge, Mitroff e Smircich, entre outros. Outros autores desta vertente são Gagliardi, Hatch, e Czarniawska-Joerges (que posteriormente se voltaria para a vertente narrativa).

b) Teoria interpretativa baseada em processo trata de uma ampliação das idéias, pesquisas e teorias sobre o significado (meaning). Em trabalho fundamental, Burrell e Morgan (1979) analisaram os quatro paradigmas sociológicos que influenciavam a análise organizacional, incluindo o paradigma interpretativo. Berger e Luckmann (2002) delinearam uma teoria de conhecimento em que a construção social é um processo, abrindo um caminho que seria trilhado por Karl Weick (1989, 1995, 2001), que aprofunda o estudo da natureza processual da construção social, mudando o foco da “organização” para “organizando”, na medida em que a realidade é construída em um processo.

c) Narrativas, pela influência da teoria literária, passaram a ter papel importante para autores interessados em artefatos lingüísticos e significação. Atenção foi dada ao papel das metáforas na formação da percepção dos atores organizacionais, e o estudo ”lingüístico-retórico-narrativo-reflexivo” se direcionou para a narrativa de histórias, ou storytelling (HATCH; YANOW, 2003, p. 76). Van Maanen (1988), com seu livro Tales of the field, põe em debate metodologia que cria a base para a pesquisa por storytelling. Destacam-se, além de Van Maanen, Czarniawska e Joerges (1998) e Boje (1991, 1995).

7.2 Origens

A introdução de Organizational symbolism, editado em 1983 por Pondy, Morgan, Frost e Dandridge, considerado um marco editorial no assunto, começa com o seguinte relato:

Este volume nasceu de um encontro informal sobre simbolismo organizacional realizado de 4 a 6 de maio de 1979 na casa de Lou Pondy, em Urbana, estado de Illinois, que reuniu um grupo de pessoas interessadas em explorar as implicações do simbolismo no estudo das organizações. Os presentes tinham formação acadêmica variada, e vieram à reunião por uma série de razões diferentes. (PONDY et al., 1983, p. XV, tradução nossa).

A reunião estabeleceu alguns compromissos entre os presentes e levantou várias questões que se comprovariam de importância central para os futuros estudos das organizações. Percebeu-se que o simbolismo organizacional era enfocado muito diversamente, como: o uso de símbolos na organização (logos, símbolos de status), as atividades simbólicas (rituais e cerimônias), o imaginário simbólico (expressado na linguagem, histórias, mitos, sagas e ideologias) e a idéia de que a organização é, em todos os aspectos, uma atividade simbólica de profundo significado psicológico (PONDY et al., 1983).

O resultado da reunião é o volume de 1983 que reúne vários artigos que se tornaram referência para os estudos que se seguiriam. Logo no primeiro artigo, os autores afirmam que a teoria tradicional de organizações tem fracassado em tocar o verdadeiro significado da dimensão simbólica da vida organizacional porque seus modelos de compreensão, através das metáforas de máquinas ou organismos, são simplistas ao enfocar apenas os aspectos formais e intencionalmente racionais. Entretanto, as organizações manifestam padrões complexos da atividade cultural humana, atividade esta que é eminentemente revestida de caráter simbólico, portanto muitas questões não são respondidas.

Esta capacidade simbólica (dos humanos) é intensificada pelo fato destes se associarem em organizações formais, de modo que as instituições desenvolvem uma história, um ponto de vista comum e uma necessidade de processar tal complexidade simbolicamente. As organizações são, por sua própria natureza, entidades simbólicas, e uma teoria das organizações, para ser totalmente adequada, necessariamente também deve ser simbólica em seu conteúdo. (MORGAN; FROST; PONDY, 1983, p. 4, tradução nossa). Nesta mesma publicação, Daft (1983, p.200) aponta o trabalho pioneiro de Pondy e Mitroff de 1978, em que estes autores referem-se à escala de Boulding, de 1956, que mede o nível de complexidade de sistemas descrevendo nove níveis de complexidade, conforme se vê no Quadro 4. Eles observaram que os sistemas organizacionais estão no nível 7 ou 8 da escala, denotando alta complexidade. Eles concluem que, entretanto, as teorias organizacionais estudam o fenômeno organizacional com uma perspectiva de nível 4 da escala de Boulding. Além disso, as pesquisas empíricas, com seu ”referencial simples e estático”, que analisam as propriedades estruturais, aspectos quantitativos e de freqüência, são de nível 1 na escala.

Quadro 4 – Escala de Hierarquia de Sistemas de Boulding Fonte: Boulding5 (1956, apud HATCH, 1997, p. 36)

Entre os muitos aspectos e variáveis consideradas por Boulding na construção da sua escala, percebe-se que o que torna os sistemas sociais mais complexos são as capacidades humanas de: consciência de si, capacidade de produzir, absorver e interpretar símbolos, sentido do tempo, sistema de valores, dar significado. Além disso, os membros de uma organização usam a linguagem; produzem e interpretam metáforas; atribuem significados a eventos, comportamentos e objetos; compartilham estes significados; têm consciência da sua própria consciência;

5 BOULDING, K. E. General systems theory: the skeleton of a science. Management

Science, 2, p. 197-207, 1956.

NÍVEL CARACTERÍSTICAS EXEMPLOS

1. Estruturas - rótulos e terminologia anatomias, geografias, - sistemas de classificação listas, índices, catálogos 2. Tempo - eventos cíclicos sistema solar

simples, com movimentos máquinas simples regulares (ou regulados) (relógio ou polia) - estados de equilíbrio ou sistema de equilíbrio

de balanceamento da economia 3. Controle - autocontrole termostato

- feedback homeóstase - transmissão de informação piloto automático 4. Aberto (vida) - auto-manutenção célula

- produção abundante de material rio - input energético chama - reprodução

5. Genético - divisão de trabalho (células) planta - partes diferenciadas e

interdependentes

- crescimento segue “modelo”

6. Animal - mobilidade cachorro - autoconsciência gato - receptores sensoriais especializados elefante

- sistema nervoso altamente desenvolvido baleia ou golfinho - estruturas de conhecimento (imagem)

7. Humano - autoconsciência tu - capacidade de produzir, absorver eu

e interpretar símbolos - percepção do passar do tempo

8. Organização social - sistema de valores negócios - significado governos

buscam significado em suas vidas – em suma, agem simbolicamente. Essas capacidades humanas, assim descritas, servem para reforçar a importância da compreensão dos elementos simbólicos, sua significação e interpretação na vida organizacional, através de um embasamento teórico consistente (DAFT, 1983, p. 200).

Smircich (1983) afirma que organizações são formadas por um conjunto de pessoas que compartilham muitas crenças, valores e pressupostos que as levam a construir interpretações dos seus próprios atos e dos atos de outros, interpretações essas que os encorajam a agir conforme modos que possuem relevância mútua. A autora aborda a interpretação pela ótica da estabilidade, ou seja, a estabilidade de um grupo social está relacionada a um certo modo comum ou habitual de interpretar e compartilhar as experiências. O compartilhamento no dia-a-dia fará com que uma rotinização das atividades ocorra e estas se tornem fora de questão. A repetição desse processo faz com que o grupo constitua o seu próprio éthos, seu caráter distinto, que se expressa por padrões e crenças (ideologia), por atividades guiadas por normas de conduta, por linguagem comum e por outras formas simbólicas. Todos esses fatores unidos são produto de uma história comum e, mesmo que haja a saída de muitos dos atores, esse ”caráter” permanece (SMIRCICH, 1983, p. 55- 65).

7.3 Símbolo

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (HOUAISS, 2001, p. 2573) apresenta uma ampla definição de símbolo:

símbolo [do gr. súmbolon adap.do lat. symbolon.] 1 aquilo que, por um princípio de analogia formal ou de outra natureza, substitui ou sugere algo 1.1 aquilo que, num contexto cultural, possui valor evocativo, mágico ou místico 1.2 elemento descritivo ou narrativo, ao qual se pode atribuir mais de um significado 1.3 pessoa ou personagem que se torna representativa de determinado comportamento ou atividade 1.4 sinal indicativo; signo 2 aquilo que, por pura convenção, representa ou substitui outra coisa 2.1 objeto, som, ato que, por convenção arbitrária, representa uma realidade

complexa 2.2 representação convencional de algo; emblema,