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CAPÍTULO III – Análise do estatuto musical

1. Os diversos modos em que podemos reivindicar conceitos

1.1. Análise da constituição de objetos visuais

1.1.3. Propriedades conceituais de um objeto visual

Fizemos ver que através de dados materiais intuídos sob um objeto podemos demonstrar a atuação de juízos determinantes. Passamos agora para uma consideração acerca das propriedades conceituais contidas em um objeto. O conceitual concentra a objetividade destes fenômenos em dados estáveis à nossa apercepção, sendo assim, extraímos agora as propriedades conceituais presentes em um objeto da experiência.

Nos exemplos exploramos o horizonte lógico do conhecimento, que pouco relacionamos com o prático e o estético: “pois os conhecimentos teóricos são aqueles que enunciam, não o que deve ser, mas o que é; portanto, os que tem por objeto não um agir, mas um ser.” (Lógica A 135). Porém é fácil perceber que muito conteúdo

prático preenche o conceito de uma garrafa, enquanto pensamos que carregam uma finalidade e uma fabricação.

O que há de tipicamente determinante na forma de um conceito seria seu caráter de regra, que subsume o intuído: “de fato, o entendimento deve ser considerado como a fonte e a faculdade de pensar regras em geral.” (Lógica A 2).

Em nosso exemplo não há uma regra explícita, não podemos contar com uma equação matemática que nos desse todos os casos onde se tratasse de uma garrafa. Tal possibilidade não é de todo impossível, mas, sem ela, podemos apenas aludir a uma regra implícita que nos permite identificar este objeto.

O caráter conceitual é a forma, aquilo que não é uma nota visual, material, mas que possibilita que a percebamos com estas características. Porém o próprio conceito também possui ‘notas’, pois assim como podemos descrever as notas materiais de um objeto, podemos descrever as notas formais de um conceito, como o ‘peso’, contendo analiticamente o conceito de massa e o de gravidade:

1) Características analíticas ou sintéticas. Aquelas são conceitos parciais do meu conceito real (as quais já penso nele); estas ao contrário são conceitos parciais do conceito inteiro meramente possível (o qual, por conseguinte, deve vir a ser constituído por meio de uma síntese de diversas partes). As primeiras são todos os conceitos da razão, as últimas pode ser conceitos da experiência.

2) Características coordenadas ou subordinadas. Essa divisão das características diz respeito à sua conexão uma após a outra e uma sob a outra. (Lógica A 86)

A análise das garrafas descreveu características sintéticas pensadas sob a síntese da experiência a qual forneceu uma rica constituição de notas. As garrafas, cada uma, subordina em seu conceito uma pluralidade de notas, enquanto as notas mesmas se coordenam uma com a outra no modo mesmo como destacamos, em séries e relações internas. Diz-nos Kant: “aquela, a agregação de características coordenadas, constitui a totalidade do conceito [...]” (Lógica A 86).

Em sentido analítico falar em ‘notas’ conceituais da garrafa implica também em sua função de armazenar líquido, de ser recipiente. Tal nota conceitual é capaz de definir uma série de notas materiais sem que seja parte visível desta, seu caráter constituinte é tal que faz determinar a feitura e forma da ‘boca’ da garrafa, que nos exemplos vistos foi a única nota sem sofrer grandes variações em seu formato.

líquidos, portátil. Além de suas condições formais analisadas também o caráter prático incide enquanto parte determinante da regra e portanto da forma como o vamos compreender.

A distinção lógica do conceito de garrafa é contudo limitada, e não é capaz de dar fruto a outros conhecimentos, pelo contrário, é um utensílio fabricado a partir destes conhecimentos mais sólidos. Assim, o conceito de garrafa acaba por possuir uma maior extensão prática anterior mesmo às suas determinações lógicas empíricas.

Obviamente, conceitos são expressos na linguagem por termos gerais. Seria tentador supor que, correlativamente, as intuições são expressas por termos singulares. Essa visão enfrenta a dificuldade de que a concepção kantiana da forma lógica do juízo não deixa lugar algum para termos singulares. Na concepção kantiana da lógica formal, os constituintes de um juízo são conceitos, e conceitos são universais. (Parsons 2009:89)

Compreendamos de forma geral que todo objeto encerra universalidades, porém, sua individuação por notas características é devida a componentes da sensibilidade, embora não sejam tão somente eles, mas a determinação específica de um múltiplo em um objeto faz com que sua expressão em qualquer juízo, qualquer

comparação, abstração ou reflexão já conte com conceitos para sua expressão

condicionados logicamente.

O conceito de garrafa certamente encerra várias acepções. Povos se utilizam de recipientes para guardar liquido, inclusive, estes mesmos recipientes podem facilmente conter outros tipos de materiais, até sólidos como a areia. Não há dúvida de que uma moringa seja muito mais apropriada para guardar líquidos potáveis para o prazer da ingestão do que uma garrafa de plástico. Porém, a garrafa de plástico possui a praticidade de distribuição em um sistema de abastecimento global. De outro lado, e não podemos nos abster deste dado, há uma atividade especializada, o design, voltada apenas para a elaboração de sua forma material, o que explicaria a variedade de formas que encontramos, incluindo nestes o aspecto estético, pois tais utensílios visam despertar gosto. Todas estas características fazem parte do conjunto que compõe o horizonte geral do conceito de garrafa.

Dos exemplos analisados podemos dizer que todas as garrafas possuem uma base de apoio, formato cilíndrico e tampa. Porém, estes formatos não podem ser considerados ‘necessários’ por dois motivos. Primeiro porque o bule, a jarra, a moringa, entre outros recipientes, possuem analiticamente estas mesmas

características conceituais. Segundo, em vista do seguinte problema: o que aconteceria caso uma garrafa com estrutura não cilíndrica fosse confeccionada?

Assim as determinações formais de um conceito não podem conter os dados sensíveis como notas essenciais, e no caso, o caráter prático (e mesmo o ‘produtivo’ em sentido aristotélico) do conceito de garrafa é capaz de confeccionar formas muito diversas entre si.

Ao fim, o que resiste a uma busca de notas conceituais essenciais e específicas para as garrafas que analisamos seria apenas a função de armazenar líquidos, enquanto que de sua parte estética, produzir agrado partir da água, forma da garrafa e a sensação de sede, e também, em algum nível, beleza. E a este conceito específico se presta uma gama de garrafas possíveis. Para os casos reais, existentes, podemos igualmente dizer que há um esquema lógico capaz de reconhecer esta aplicação do conceito de garrafa em uma objetividade a qual descrevemos.