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O modelo de desenvolvimento econômico adotado até a década de 1980 no Brasil privilegiava a atuação direta do Estado no setor produtivo. Tal modelo entrou em colapso com o agravamento da crise fiscal do Estado (poupança pública negativa e perda do crédito público), que trouxe como reflexo, além de elevados índices de inflação, a deterioração da qualidade dos serviços públicos no País. A crise fiscal se refletiu também em um problema de governança, ou seja, na dificuldade de implementar políticas públicas de forma eficiente (não confundir com “governabilidade”, que é o poder político para governar).

Em meados dos anos 90, como reação a esse processo, surge um conjunto de ideias que objetivava a reforma do Estado brasileiro. Esse pensamento foi consolidado no “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”, elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado (MARE), aprovado pela Câmara da Reforma do Estado em setembro de 1995. Entende-se por aparelho do Estado a administração pública em sentido amplo, ou seja, a estrutura organizacional do Estado, em seus três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) no âmbito de todos os entes federados (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios). Vale salientar que esse Plano Diretor focalizava sua atenção na administração pública federal, mas muitas de suas diretrizes e propostas foram aplicadas pelos demais entes políticos.

A reforma administrativa que se iniciou em meados dos anos 90 teve como um de seus objetivos a implantação no Brasil do modelo de administração pública gerencial, em substituição ao modelo burocrático então dominante. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado identificava, em uma perspectiva histórica, três formas básicas ou modelos de administração pública, a saber: a administração pública patrimonialista, administração pública burocrática e administração pública gerencial. Nos exatos termos do Plano1, tais modelos podem ser resumidos da seguinte forma:

Administração Pública Patrimonialista – “No patrimonialismo, o aparelho do Estado funciona como uma extensão do poder do soberano, e os seus auxiliares, servidores, possuem status de nobreza real. Os cargos são considerados prebendas. A res publica não é diferenciada da res principis. Em consequência, a corrupção e o nepotismo são inerentes a esse tipo de administração. No momento em que o capitalismo e a democracia se tornam dominantes, o mercado e a sociedade civil passam a se distinguir do Estado. Nesse novo momento histórico, a administração patrimonialista torna-se uma excrescência inaceitável”;

Administração Pública Burocrática – “Surge na segunda metade do século XIX, na época do Estado liberal, como forma de combater a corrupção e o nepotismo patrimonialista. Constituem princípios orientadores do seu desenvolvimento a profissionalização, a ideia de carreira, a hierarquia funcional, a impessoalidade, o formalismo, em síntese, o poder racional legal. Os controles administrativos visando evitar a corrupção e o nepotismo são sempre a priori. Parte-se de uma desconfiança prévia nos administradores públicos e nos cidadãos que a eles dirigem demandas, por isso são sempre necessários controles rígidos dos processos, por exemplo, na admissão de pessoal, nas compras e no atendimento a demandas. Por outro lado, o controle – a garantia do poder do Estado – transforma-se na própria razão de ser do funcionário. Em consequência, o Estado volta-se para si mesmo, perdendo a noção de sua missão básica, que é servir à sociedade. A qualidade fundamental da administração pública burocrática é a efetividade no controle dos abusos; seu defeito, a ineficiência, a autorreferência; e a incapacidade de voltar-se para o serviço aos cidadãos vistos como clientes. Esse defeito, entretanto, não se revelou

c) • • • • • • • • • • • • • • • a)

determinante na época do surgimento da administração pública burocrática porque os serviços do Estado eram muito reduzidos. O Estado limitava-se a manter a ordem e administrar a justiça, a garantir os contratos e a propriedade”;

Administração Pública Gerencial – “Emerge na segunda metade do século XX como resposta, de um lado, à expansão das funções econômicas e sociais do Estado e, de outro, ao desenvolvimento tecnológico e à globalização da economia mundial, uma vez que ambos deixaram à mostra os problemas associados à adoção do modelo anterior. A eficiência da administração pública – a necessidade de reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços, considerando o cidadão como beneficiário – torna-se então essencial. A reforma do aparelho do Estado passa a ser orientada predominantemente pelos valores da eficiência e qualidade na prestação de serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações”.

Conforme o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, vêm de longa data as tentativas de modernização da administração pública brasileira, por exemplo, em 1936 foi criado o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). A reforma administrativa implantada pelo DASP, a partir de 1937, baseava-se nos seguintes princípios: simplificação, padronização e racionalização de procedimentos, revisão de estruturas organizacionais e constituição de uma burocracia meritocrática nos moldes weberianos. A meritocracia burocrática, que significou um grande avanço à época, impõe que os servidores públicos sejam selecionados de acordo com a sua capacidade (por exemplo: por meio de concurso público) e as posições hierárquicas na organização sejam conquistadas, em tese, pelo merecimento ou aptidão específica para determinada atividade.

A implantação da administração pública gerencial, principal objetivo da Reforma do Aparelho do Estado, é baseada em conceitos atuais de administração, em que são enfatizados os aspectos da profissionalização do servidor e da qualidade, produtividade e eficiência na prestação dos serviços públicos. Nesse modelo de administração, há uma descentralização da prestação dos serviços e o controle deixa de ser concentrado nos processos (modelo burocrático) para incidir sobre os resultados. Com efeito, uma das novidades jurídicas da Reforma Administrativa foram os chamados “contratos de gestão”, espécie de ajuste feito entre, de um lado, o Poder Público e, de outro, órgãos da Administração Direta ou entidades da Administração Indireta ou, ainda, entidades do chamado Terceiro Setor, cujo objetivo é o atingimento de determinadas metas de desempenho em troca de determinado benefício concedido pelo Poder Público.

É importante registrar que os três modelos de administração pública (patrimonialista, burocrática e gerencial) se sucedem no tempo, sem que qualquer um deles seja totalmente abandonado. Assim, a migração para o modelo gerencial de administração pública vem sendo posta em prática sem que se abandonem completamente alguns institutos típicos do modelo burocrático, como são os casos do concurso público e das licitações.

O quadro a seguir resume os principais aspectos de cada uma das formas de administração pública:

Administração Pública

Patrimonialista Administração Pública Burocrática Administração Pública Ge re ncial

O Estado funciona como uma extensão do poder do soberano; Corrupção e nepotismo.

Surge na segunda metade do século XIX, na época do Estado Liberal, com o objetivo de combater a corrupção e o nepotismo da administração pública patrimonialista;

Princípios: profissionalização e

organização em carreira dos servidores públicos, hierarquia funcional,

impessoalidade, formalismo; Controles rígidos dos processos (controle a priori);

Ineficiência dos serviços em razão de o controle ter seu foco nos

procedimentos, e não nos resultados; O Estado volta-se para si mesmo, perdendo a noção de sua missão básica que é servir à sociedade.

Emerge na segunda metade do século XX;

Valores: eficiência, produtividade e qualidade da prestação dos serviços públicos;

Flexibilidade da gestão,

descentralização de funções e redução dos níveis hierárquicos, incentivos à criatividade;

Maior participação dos agentes privados e/ou organizações sociais; O controle deixa de se basear nos procedimentos (meios) para se concentrar nos resultados (fins), também chamado de controle a posteriori;

Inspira-se na administração de empresas;

Os serviços públicos são orientados para o cidadão-cliente;

Transparência e incentivo ao controle social para possibilitar a

responsabilização dos agentes públicos.

Em suma, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado definiu os objetivos e estabeleceu as diretrizes para a reforma da administração pública brasileira. As ideias básicas nele contidas foram as seguintes:

redefinir o papel do Estado, no sentido de que ele deixe de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer sua função de promotor e regulador desse desenvolvimento;

b) c) d) e)

3.2.

a) b)

transferir para o mercado as atividades que podiam ser exercidas por particulares, mediante privatização;

implantar a publicização dos serviços estatais não exclusivos (transferência destes serviços para o setor público não estatal, o chamado Terceiro Setor), como no caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica;

tornar a atuação do Estado mais eficiente, por meio da implantação da Administração Pública Gerencial; reduzir o déficit público.

Para viabilizar a implantação das citadas propostas foi necessário promover mudanças na Constituição Federal (com destaque para a EC 19/1998, que ficou conhecida como Emenda da Reforma Administrativa, e para a EC 20/1998, chamada de Emenda da Reforma da Previdência Social).

Além de modificações na Constituição Federal, foram promovidas diversas alterações na legislação infraconstitucional, que resultaram na criação dos institutos jurídicos das agências reguladoras, das agências executivas, dos contratos de gestão, dos termos de parceria, das organizações sociais (OS), das organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP) e das Parcerias Público-Privadas (PPP). Com exceção desta última, estudada no capítulo referente a serviços públicos, os demais institutos serão vistos neste capítulo de forma pormenorizada.