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IDEAL PENAL – UMA NARRATIVA ESCORCIVA

4. Idade Contemporânea

4.3. Sistema Prisional em Portugal

4.3.3. Reforma Prisional de

Um novo e importante impulso na (re)organização do sistema prisional português dá-se a partir do 25 de Abril de 1974 e subsequente publicação legislativa, visando uma maior flexibilidade na execução das penas. A Reforma Prisional de 1979 (Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de agosto) é disso exemplo e segundo Santos e Gomes (2003), foi dado um passo de gigante, no sentido de aperfeiçoar o regime jurídico na sua execução, sobretudo elegendo como um dos seus princípios basilares, e no qual se orienta o emanado desta Reforma, a ressocialização do ser humano momentaneamente privado do direito à liberdade e o respeito pela sua individualidade.

Logo no seu preâmbulo, o legislador faz questão de referir que uma visão de reinclusão do agente na sociedade se mantém no cerne da intervenção prisional, pois continua a imperar uma ideia de corrigibilidade do agente, para além de objetivar acautelar o cometimento de futuros crimes, de um modo geral, contra a sociedade, não descurando, por isso, “ideias de prevenção impostas pela defesa social” (in preâmbulo do Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de agosto).

98 Atualmente a sua incumbência encontra-se regulamentada na Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, que aprovou o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

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Tratando-se de um diploma reflexo das mais recentes orientações de organizações internacionais, nomeadamente ONU, Conselho da Europa, reformas prisionais francesa, espanhola e alemã, e do anteprojeto de resolução sobre licenças de saída (congé pénitentiaire), de 14 de maio de 1979, pelo Comité Restreint d’Experts sur les Régimes des Institutions pénitentiaires et les Congés penitentiaires (idem), a noção de reinserção social encontra-se neste bem patente, pois através da introdução de um plano individual de readaptação (PIR)99 em detrimento de um programa progressivo de tratamento prisional, objetivou-se um tal desiderato (Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de agosto, art.º 9.º), “facto a que a rigidez do sistema progressivo que a reforma [de 1936] instituía não foi alheia – dando origem a uma situação a que urgia pôr cobro.” (Escudeiro, 2011: 568).

De modo a facilitar uma abordagem de tipo individual, será este, seguramente, um dos pontos fundamentais do documento (podendo ser objeto de adaptações no decurso da sua aplicação), porquanto assenta, numa primeira fase, na observação da personalidade do recluso e do seu meio social, económico e familiar, seguindo-se a elaboração de um plano orientado, com vista à sua reinserção (2ª fase), consignando-o, não só como sujeito da execução penal, como o corresponsabilizando pelos resultados obtidos.

Porém, e pese embora a sua pertinência nesta matéria, a implementação do PIR, praticamente, não passou do plano das intenções “por falta de meios humanos e técnicos mínimos que permitam começar a pô-lo em prática” (CEDERSP, 2004: 85) ou por “bloqueios de ordem legal e organizacional” (Santos e Gomes, 2003: 159).

No entanto, o seu espírito vingaria, pois imbuído de características potenciadoras de um primado ressocializador, a sua aplicabilidade não poderia ser abandonada.100 Por conseguinte, e sendo tal relevância por demais evidente, dedicar-lhe-emos cuidada atenção, pois das suas indicações consistirá a nossa análise a este diploma (cf. art.º 9.º): a) internamento em regime aberto ou fechado; b) afetação a um estabelecimento ou secção; c) trabalho, formação e aperfeiçoamento profissionais; d) escolaridade; e) participação em atividades formativas; f) ocupação dos tempos livres; g) medidas especiais de assistência ou de tratamento; h) medidas de flexibilidade na execução; i) medidas de preparação da libertação.

99 Aplicável a condenados a pena de prisão efetiva, exceto penas inferiores a 6 meses ou penas relativamente indeterminadas (Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de agosto, cf. art.º 8.º, ponto 1).

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a) Internamento em regime fechado – executado em condições de segurança, de modo a prevenir a evasão de reclusos (art.º 14.º, ponto 4);

Internamento em regime aberto – de forma total ou parcial, prescinde de medidas contra o perigo de fuga de reclusos (art.º 14.º, ponto 5);

b) Afetação a um estabelecimento ou secção – entre os seus critérios destacam-se: idade, sexo, situação jurídica (preventivo, condenado, primário, reincidente), duração da pena, saúde física e mental (e necessidades de tratamento), proximidade da residência familiar, motivos de segurança, instrução, trabalho e ainda a necessidade de evitar influências nocivas à sua ressocialização (art.º 11.º);

c) Trabalho, formação e aperfeiçoamento profissionais – o trabalho considerado como um dever (art.º 64.º), deve ser remunerado (art.º 71.º), podendo parte da remuneração ser repartida por familiares, indemnização a vítimas, multas, custas de internamento, fundo de reserva, entre outros (art.os 72.º e ss). Dirigida, principalmente, a menores de 25 anos, a formação e aperfeiçoamento profissional encontra-se regulada pelo art.º 79.º, podendo ser considerada como tempo de trabalho e, como tal, objeto de subsídio por parte do Ministério da Justiça (MJ), (art.º 81.º);

d) Escolaridade – de acordo com o art.º 80.º, o ensino deve ter como principal orientação a obtenção da escolaridade obrigatória e ainda a instrução dos analfabetos, com particular incidência para os menores de 25 anos. De igual modo, pode ser considerado como tempo de trabalho e conferir um subsídio por parte do MJ. Nos diplomas escolares, a serem emitidos, não poderá constar a condição de recluso (art.º 82.º);

e) Participação em atividades formativas – para além do constante nas duas alíneas anteriores (c), d)), outras se incluem pelo seu caráter de formação sociocultural, nomeadamente nas áreas da saúde, artes (teatro, música, cinema, pintura), programas, sessões de informação e esclarecimento sobre os mais variados assuntos de interesse do recluso, que ficarão sob alçada dos Serviços de Educação, Ensino e Serviço Social nos EPs, criados em 1981,101 no âmbito da restruturação orgânica da Direção-Geral dos Serviços Prisionais, pelo Decreto- Lei n.º 268/81, de 16 de setembro;

f) Ocupação dos tempos livres – atividades culturais, recreativas e desportivas, de modo a contribuir para o bem-estar físico e psíquico do recluso, em ordem à sua reinserção social, contando-se, entre estas, o acesso à Biblioteca do EP, a leitura de jornais e revistas, audição de rádio, TV (art.º 83 e ss);

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g) Medidas especiais de assistência ou de tratamento – incluem-se serviços médico-sanitários do EP (art.º 95.º), sendo que estes deverão dispor de um ou mais médicos, bem como de pessoal de enfermagem (art.º 193.º). O recluso tem direito a assistência à saúde e ainda a realizar exames periódicos de rastreio. A expensas próprias, pode ser autorizada a realização de exames adicionais de diagnóstico, terapias complementares (art.º 96.º e ss) ou, ainda, a ser consultado por um médico da sua confiança (art.º 105.º). Por motivos de tratamento clínico, pode ser transferido para enfermaria ou anexo psiquiátrico de outro EP, hospital prisional ou hospital psiquiátrico prisional (103.º) e, quando devidamente justificado, para hospital não prisional (104.º);

h) Medidas de flexibilidade na execução – para além das já previstas na colocação do recluso condenado em regime aberto (art.o 14.º, n.os 2 e 5), prevê o art.o 50.º a possibilidade de este poder reiniciar o seu contacto com a sociedade, através do desempenho de uma atividade laboral, frequência de estabelecimento de ensino ou formação profissional, saindo temporariamente do EP, com ou sem custódia (n.º 1, alíneas a) e b)). O presente diploma compreende, por isso, a concessão de dois tipos de licenças de saída, a saber:

i. Licença de saída prolongada (art.º 51.º e ss) – no caso de reclusos em regime aberto, estas poderão ser concedidas até um máximo de 16 dias por ano, seguidos ou interpolados, após cumprimento de 6 meses ou 1/4 da pena; no regime fechado, poderá ser concedida após cumprimento de 1/4 da pena, por um máximo de 8 dias, e pode ser renovada de 6 em 6 meses;

ii. Licença de saída de curta duração (art.º 56.º) – podem ser autorizadas pelo diretor do EP, pelo prazo máximo de 48 horas, uma vez por trimestre, os reclusos que beneficiem de um regime aberto, quer seja este voltado para o exterior (RAVE),102 quer para o interior (RAVI);103

i) Medidas de preparação da libertação – entre estas contam-se as medidas de flexibilidade referidas na alínea anterior (h)), para além das previstas no art.º 15.º deste diploma, nomeadamente a transferência do recluso para um estabelecimento ou secção de regime aberto; a autorização deste sair do EP por um período máximo de 8 dias, durante os últimos 3 meses de cumprimento da pena; permissão para que trabalhe ou frequente locais de ensino no exterior, sair do estabelecimento 6 dias por mês, seguidos ou interpolados, sem custódia,

102 RAVE – de concessão por parte do Diretor-Geral dos Serviços Prisionais, permite ao recluso sair do EP para exercício de uma atividade laboral, dependente ou por conta própria, para frequência de ensino ou formação profissional, ou para seguir programa de tratamento de toxicodependência em instância pública ou privada, esta última devidamente licenciada.

103 RAVI – de concessão por parte do diretor do EP, permite ao recluso trabalhar no perímetro do estabelecimento, dentro ou fora de muros, sob vigilância descontínua.

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nos últimos 9 meses do cumprimento da pena; por fim, consentimento a que, reclusos condenados a pena de prisão superior a 6 anos, sem benefício, ainda, do regime de liberdade condicional, sejam neste colocados quando cumpridos 5/6 da pena.