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Relação Dilma-Temer e fatos determinantes durante o governo

A conjuntura política que levou tanto ao afastamento de Dilma quanto à posse de Temer, se deve a fatores diversos, de ordem política e econômica. No espectro político sabemos que Dilma Rousseff teve apoio eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva em suas duas posses como presidente. Lula possui capital político vasto e consiste em um dos presidentes mais populistas do Brasil, o que deu à Dilma facilidade na obtenção de votos para assumir o poder.

A indicação de Michel Temer como vice-presidente de Dilma foi feita por Lula, em 201026, para garantir uma base no Congresso Nacional, predominantemente formada pelo PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), hoje MDB27 (Movimento Democrático Brasileiro). O parlamentar, que prosseguiu no cargo de vice-presidente, também, após a eleição de 201428, possui representatividade entre seus pares, e, como presidente do PMDB, em 2016, assume destaque entre aqueles que figuram o cenário do afastamento de Dilma do cargo da presidência.

Um dos episódios importantes ocorridos no final de 2015, após o pedido dos juristas para a abertura do processo, e também do lançamento do PMDB do programa “Ponte para o

26 Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po1206201020.htm>. Acesso em 27 de setembro de 2019.

27 A mudança de sigla seu em 19 de dezembro de 2017. Informação disponível em: <https://www.poder360.com.br/brasil/pmdb-aprova-mudanca-de-sigla-para-mdb/>. Acesso em 27 de setembro de 2019.

28 Disponível em: < http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/02/lula-apoia-temer-para-vice-de-dilma-em-2014-diz-henrique-alves.html>. Acesso em 27 de setembro de 2019.

futuro”29, ocorre no dia 7 de dezembro, quando Temer envia uma carta à Dilma30, alegando que era um vice-presidente decorativo e que somente foi útil ao governo para realizar as articulações necessárias com o PMDB. As relações entre Dilma e Temer se tornavam na época cada vez mais estremecidas, no âmbito político, devido às dificuldades que Dilma enfrentava de dialogar tanto com o vice quanto com os parlamentares do PMDB que compunham boa parte do poder Legislativo.

Após assumir o governo, dentre as taxas baixas de popularidade, a gestão de Michel Temer, conforme mostra Feliú (2018), se propôs a realizar reformas no âmbito legislativo e econômico:

Apesar da elevada impopularidade, em 2017, o presidente Temer obteve importantes vitórias políticas no Congresso Nacional nas votações de alto impacto. Nesse ano se tramitaram no Legislativo a reforma liberal e a lei da terceirização, duas denúncias de corrupção enviadas pela Procuradoria Geral da República, a reforma política e concessões públicas ao setor privado (tradução nossa).31

Abaixo, mostramos um cronograma de alguns fatos determinantes para a gestão de Temer, inclusive o contexto em que se deu o segundo discurso que analisaremos, a declaração à imprensa.

QUADRO 2 – Fatos judiciais determinantes para o governo Temer e a política em 2017

Fatos pós-impeachment determinantes para o governo Abril de 2017

04/04/2017 – Julgamento no TSE sobre cassação da chapa Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB) é adiado para ouvir novas testemunhas, incluindo o casal de “marqueteiros” do PT, João Santana e Mônica Moura.

11/04/2017 – Michel Temer (PMDB) é citado em pedidos de abertura de inquéritos de Eliseu Padilha (PMDB), ministro-chefe da Casa, e Moreira Franco (PMDB), ministro da Secretaria-Geral da Presidência, e do senador Humberto Costa (PT – PE). PGR não pede abertura de inquérito contra Temer, por entender que ele não pode responder por crimes anteriores ao início do mandato.

29 Esse programa foi lançado pelo partido em 29 de outubro de 2015 e contém uma série de medidas econômicas que se mostram como solucionadoras dos problemas financeiros do país. Disponível em: <https://www.fundacaoulysses.org.br/wp-content/uploads/2016/11/UMA-PONTE-PARA-O-FUTURO.pdf>. Acesso em 7 de outubro de 2019.

30 Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/12/1716259-em-carta-desabafo-a-dilma-temer-diz-que-foi-desprezado.shtml>. Acesso em 27 de setembro de 2019.

31Cf. original: A pesar de la elevada impopularidad, en 2017 el presidente Temer obtuvo importantes victorias políticas en el Congreso Nacional en votaciones de alto impacto. En ese año se tramitaron en el Legislativo la reforma laboral y ley de la tercerización, dos denuncias de corrupción enviadas por la Procuraduría General de la República (PGR) a la Cámara de Diputados, la reforma política y concesiones públicas al sector privado. (FELIÚ, 2018, 185-186

[...]

Maio de 2017

17/05/2017 – Joesley Batista e o seu irmão Wesley Batista, donos da JBS, afirmam em delação à PGR que gravaram Michel Temer (PMDB) dando aval para comprar o silêncio do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB – RJ) e do operador Lúcio Funaro. Também em delação, Joesley Batista entrega à PGR gravação na qual o senador Aécio Neves (presidente do PSBD) pede ao empresário R$ 2 milhões para sua defesa na Lava Jato.

[...]

31/05/2017 - Câmara dos Deputados registra 15 pedidos de impeachment contra Michel Temer (PMDB).

Junho de 2017

06/06/2017 a 09/06/2017 – Termina o julgamento da chapa Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB) no TSE. Ministros Napoleão Maia, Admar Gonzaga, Tarcísio Vieira e o presidente do TSE Gilmar Mendes inocentam a chapa. Ministros Herman Benjamin, Luiz Fux e Rosa Weber julgam as acusações procedentes.

[...]

28/06/2017 – O presidente Michel Temer (PMDB) indica Raquel Dodge para suceder Rodrigo Janot no comando da PGR. Ela é a segunda mais votada em eleição interna da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

29/06/2017 – A presidente do Supremo, ministra Carmen Lucia, envia à Câmara dos Deputados a denúncia contra Michel Temer. O deputado Rodrigo Maia (DEM – RJ) recebe a denúncia e a encaminha para a CCJ, notificando o presidente. 30/06/2017 – O ministro Marco Aurélio derruba afastamento e libera retorno de Aécio Neves (PSBD – MG) ao Senado. Na mesma decisão, o magistrado nega pedido da PGR para prender o senador.

Julho de 2017 [...]

10/07/2017 – Para promover a rejeição da denúncia, base aliada de Michel Temer troca os membros da CCJ. O presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco (PMDB – MG), diz que troca de membros “fere independência dos deputados”.

10/07/2017 – O relator da denúncia contra Temer, Sérgio Zveiter (PMDB – RJ), termina leitura de parecer favorável à denúncia na CCJ. 11/07/2017 – Ministra Cármen Lúcia mantém troca de titulares na CCJ promovida pelo governo, por se tratar de assunto interno da Câmara. Afirma não caber ao Supremo ‘analisar o mérito do ato político’. 11/07/2017 – Senadores aprovam Reforma trabalhista com 50 votos favoráveis contra 26.

12/07/2017 – Ex-presidente Lula é condenado em primeira instancia, pelo juiz federal Sérgio Moro, a 9 anos e 6 meses de prisão, pelos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro no âmbito da Lava Jato.

Fonte: (FALCÃO et al, 2017, p. 202-204, grifo nosso).

No quadro acima, observamos algumas das deliberações mais importantes na política brasileira, que envolve setores, sobretudo, do poder Judiciário e que possuiu impacto sobre a gestão Temer. A crise que operou com maior força sobre o governo aconteceu em maio de 2017, tempo em que ocorreu a “declaração à imprensa”. A delação recolhida nesse período, que citava o nome de Temer, serviu de base para a segunda denúncia impetrada pelo procurador geral da república, Rodrigo Janot, contra o ex-presidente, em setembro do mesmo ano.

A percepção da corrupção como principal problema do país e a baixa popularidade do presidente se refletiam nas denúncias de corrupção contra Temer enviadas a câmara dos deputados. A primeira denúncia foi elaborada pelo procurador geral da república,

Rodrigo Janot, em agosto de 2017 cujo conteúdo essencial era o pagamento indevido de meio milhão de reais em troca de favores à empresa JBS. Para o encaminhamento da denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF), a primeira na história brasileira, eram necessários 342 votos. Se a denúncia no STF era acatada, Temer seria afastado da presidência até ser julgado. Em uma votação bastante polarizada e acirrada, 277 legisladores foram contrários à aceitação da denúncia e 263 favoráveis. Embora a vitória de Temer tenha sido surpreendente, começava-se a sentir o peso da impopularidade de Temer e a rejeição à corrupção. É importante assinalar que 91 legisladores, entre senadores e deputados, eram acusados pela operação Lava-Jato, a mesma que propiciou a denúncia contra o presidente. [...] A segunda denúncia, também elaborada pelo procurador geral da república, Rodrigo Janot, acusava o presidente de exercer o papel de líder de uma organização criminal em esquema de corrupção revelado na Lava Jato. Na denúncia, alegava-se obstrução de justiça por parte de Temer, acusado de instigar o empresário Joesley Batista, dono da JBS, a pagar ao ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB – Rio de Janeiro) para evitar sua delação compensada. Esta última acusação foi fundada em uma conversa gravada entre Temer e o empresário em março de 2017, no palácio presidencial. A PGR estimou em R$ 587 milhões de desvios do poder Executivo destinados ao PMDB, partido do presidente. Mais uma vez, uma maioria qualificada era necessária para aceitar a denúncia contra o primeiro mandatário (tradução nossa).32

Conforme observamos pelas palavras do autor, dois grandes problemas afetavam o governo Temer: a baixa popularidade, baixa adesão e simpatia da população pela figura de Temer e os escândalos de corrupção que foram revelados no período, sobretudo, pela Operação Lava Jato. Após a crise política desse governo em maio de 2017, ambos os problemas continuaram sobre a gestão. Com efeito, Feliú (2018) afirma que a duração de Temer no poder se deu, sobretudo, pelo sucesso no presidencialismo de coalizão, mais especificamente, a cooptação pela gestão presidencial dos setores políticos do CN para a aprovação dos projetos propostos pelo governo.

Com efeito, Feliú (2018) mostra que ao longo da gestão Temer, na contramão da baixa popularidade do ex-presidente e da oposição política no parlamento e nas ruas, as relações entre

32 Cf. original: La percepción de la corrupción como principal problema del país y la baja popularidad del presidente se reflejan en las dos denuncias de corrupción contra Temer enviadas a la Cámara de Diputados. La primera denuncia fue elaborada por el procurador general de la República, Rodrigo Janot, cuyo contenido esencial era el pago indebido de medio millón de reales a cambio de favores a la empresa JBS. Para el encaminamiento de la denuncia al Supremo Tribunal Federal (STF), la primera en la historia brasileña, eran necesarios 342 votos. Si la denuncia en el STF era acatada, Temer sería desplazado de la presidencia hasta ser juzgado. En una votación bastante polarizada y cerrada, 277 legisladores fueron contrarios a la aceptación de la denuncia y 263 favorables. Aunque la victoria de Temer haya sido sorprendente, comenzaron a sentirse el peso de su impopularidad y el rechazo a la corrupción. Es importante señalar que 91 legisladores, entre senadores y diputados, estaban acusados por la operación Lava Jato, la misma que propició la denuncia contra el presidente. […] La segunda denuncia, también elaborada por el procurador general de la República, Rodrigo Janot, acusaba al presidente de ejercer el papel de líder de una organización criminal en el esquema de corrupción revelado en la Lava Jato. En la denuncia, se alegaba obstrucción a la justicia por parte de Temer, acusado de instigar al empresario Joesley Batista, dueño de JBS, a pagar al exdiputado Eduardo Cunha (PMDB-Río de Janeiro) para evitar su delación compensada. Esta última acusación fue fundada en una conversación grabada entre Temer y el empresario en marzo de 2017 en el palacio presidencial. La Procuraduría General de la República (PGR) estimó en R$ 587 millones los desvíos desde el Poder Ejecutivo destinados al PMDB, partido del presidente. Una vez más, una mayoría cualifcada era necesaria para aceptar la denuncia contra el primer mandatario (FELIÚ, 2018, p. 189-190).

o presidente e o CN era proveitosa, pois as reformas e projetos propostos pelo governo eram, na maioria dos casos, aprovados no parlamento. No próprio contexto histórico brasileiro, observamos ao longo de 2016-2018 uma relação positiva entre o governante e as forças dominantes na classe política do país.

Os episódios marcantes do governo Temer33 que concernem ao momento em que os dois enunciados (declaração à imprensa e pronunciamento em homenagem a Tiradentes) são realizados, serão inseridos juntamente com as análises dos discursos na medida em que eles serão trazidos nos enunciados políticos.

Após conferirmos alguns dos fatos marcantes da história política brasileira desde 2013, mostraremos, a seguir, como são constituídos os conceitos utilizados na análise, mais especificamente, de qual lugar teórico-metodológico partimos nessa pesquisa para analisar o discurso político.

33 Vários balanços do governo foram publicados na imprensa. “Veja fatos que marcaram os dois anos do governo Temer. Disponível em < http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-05/veja-fatos-que-marcaram-os-dois-anos-do-governo-temer>. Acesso em 27 de setembro de 2019. “Denúncias e rejeição recorde marcam rejeição do governo Temer”. Disponível em <https://www.terra.com.br/noticias/retrospectiva/denuncias-e-maior-rejeicao-da-historia-marcam-fim-da-era-temer,90e585dc96324be1a56d03920bc7aa81fibkq345.html>. Acesso em 27 de setembro de 2019. “Relembre os principais momentos do governo Michel Temer, mês a mês”. Disponível em < https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/12/relembre-os-principais-momentos-do-governo-michel-temer-mes-a-mes.shtml>. Acesso em 27 de setembro de 2017.

CAPÍTULO 2

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA: COMPREENDENDO O ENUNCIADO POLÍTICO PELA ÓTICA BAKHTINANA

Mostraremos, neste capítulo, as reflexões norteadoras da pesquisa centradas no viés teórico-metodológico desenvolvido pelo Círculo de Bakhtin, grupo de intelectuais situados historicamente no início do século XX, em uma atmosfera crítica e um contexto político conflituoso, tendo em vista o fato de o período de produção bibliográfica do Círculo ter passado pelos acontecimentos sociopolíticos na Rússia leninista e stalinista (CLARK; HOLQUIST, 1984).

Trataremos, no presente capítulo, dos conceitos de língua/linguagem, relações dialógicas, enunciado concreto, esfera de atividade e as noções que serão trabalhadas na análise do corpus: signo ideológico/ideologia, polêmica aberta/polêmica velada e gêneros do discurso. Posteriormente, caracterizaremos a noção de marcas de pessoa, desenvolvida por Émile Benveniste, que também será mobilizada na análise, quando comprovaremos se essas marcas operam enquanto signos ideológicos nos enunciados, permitindo chegar à constituição de um sujeito. Ao final do capítulo, apresentaremos os critérios de escolha, delimitação e produção do corpus,que será analisado no capítulo três.