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Religião e Xamanismo

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2.1 O Xamanismo Stricto Sensu

2.1.1 Religião e Xamanismo

A religião é uma área de conhecimento e, como tal, ajuda a compreender o ser humano. Da mesma maneira como a arte, a filosofia, a ciência, a religião tem todo um conjunto de elementos que fundamentam sua prática. O Xamanismo é considerado por muitos teóricos, arqueólogos, antropólogos, cientistas da religião etc., como a primeira religião, e por isso, existem traços do Xamanismo em todas as religiões: no Budismo, no Judaísmo, no Shintoísmo, no Cristianismo etc.

Em determinadas cavernas, encontramos dezenas de imagens de um momento da História onde possivelmente nasceu o Xamanismo. Descoberta em 1994, por exemplo, a Caverna de Chauvet, no sul da França, tem cerca de 400 metros de extensão e guarda relíquias de mais de 30.000 anos. São verdadeiros painéis onde é possível constatar os primórdios da relação entre o ser humano e os espíritos animais. Pode-se ver até um crânio de urso num possível altar.

Figura 3: Feiticeiro Dançador

Fonte: https://ahmetustanindefteri.blogspot.com.br/search/label/%C5%9Faman

A figura da gruta de Les Trois Frères nos Pirineus franceses, que foi chamada de Feiticeiro Dançador, é considerada por alguns estudiosos como representando um xamã. Outra interpretação possível é a de que represente um espírito Senhor dos Animais personificando simultaneamente a essência de todas as espécies. Sabemos que, até hoje, em diversas reservas indígenas norte-americanas, ou em alguns casos, como na América do Sul,

os xamãs usam indumentárias que reproduzem os espíritos guardiões do xamã ou da comunidade, aparecem também em diversas danças, como na Bear Dance Lakota.

Também da mesma época, a imagem de um meio humano meio leão da montanha é bem conhecida.15 Esculpida a partir da presa, a escultura gigantesca combina animal com atributos humanos. Beastly é composta pela cabeça do leão, o corpo alongado e os braços na forma de corridas e patas de um gato grande, pernas humanas e pés e a postura ereta. Novas observações durante a restauração sugerem que a estatueta foi identificada como do sexo masculino.

Figura 4: Homem Leão

Fonte: https://ahmetustanindefteri.blogspot.com.br/search/label/%C5%9Faman

Em qualquer caso, a vista fantástica do homem leão como uma relíquia única para o mundo espiritual do povo da última era do gelo, mesmo sem a possibilidade de decifrar a sua visão de mundo complexo, é significativa, como um processo de narração das ações, de um xamã, ou de uma visão com o espírito animal.

Para Eliade, no momento em que o homem simboliza a realidade, esta, ganha um sentido totalmente diferenciado, e tal sentido possibilita a temporalidade. (Eliade, 1971) A possibilidade de investigar a sua experiência e se projetar no mundo, e desse processo culmina a narrativa, que se alimenta de símbolos para revelar o ser:

15 A figura maior e mais espetacular de marfim é o leão-homem, uma criatura mítica de animais e seres

humanos. Fragmentos de escultura tinham sido descobertos na Caverna Stadel em Hohlenstein no vale de Lone, no último dia da campanha de escavações em 1939, que foi cancelado por causa da eclosão da Segunda Guerra Mundial. Apenas cerca de 30 anos mais tarde, as peças de marfim foram identificadas como partes de uma figura, mais de duas décadas se passaram até que a estatueta foi restaurada profissionalmente. No entanto, ainda carecia de partes importantes da figura.

O símbolo revela certos aspectos da realidade – os mais profundos – que desafiam qualquer outro meio de conhecimento. As imagens, os símbolos e os mitos não são criações irresponsáveis da psique; elas respondem a uma necessidade e preenchem uma função; revelar as mais secretas modalidades do ser (Eliade, 2002, p. 8 e 9).

Ao simbolizar um objeto qualquer, este passa a fazer parte de um sistema complexo, que cria uma unidade entre estados e espaços da natureza que antes não tinham relação, um sistema de significação que garante ao homem constituir sentido à sua existência e, em consequência, ao mundo. Esta capacidade de simbolização é gênese do ser-no-mundo, do homem propriamente dito. O saber indígena, por sua vez, por ter deixado de participar do processo da modernidade europeia, pode nos ajudar a compreender esse fenômeno, e o Xamanismo nessas comunidades étnicas é uma chave interpretativa muito rica em metáforas fundadoras.

O conhecimento do fenômeno religioso nas tradições indígenas sugere um repensar sobre o nosso conceito acerca desses povos e sua milenar sabedoria e cultura. Porém, desde a colonização, os povos indígenas têm sido explorados e excluídos no Brasil. Tomemos um exemplo, os Kariri-Xocó, que estão localizados na região do baixo São Francisco, no município alagoano de Porto Real do Colégio, cuja sede fica em frente à cidade Sergipana de Propriá. Os Kariri-Xocó vêm se apropriando deste fenômeno novo do Xamanismo urbano, e vindo para São Paulo a fim de oportunidades para apresentarem seus cantos, venderem seu artesanato e conduzirem cerimônias espirituais.

Eles, entre outras etnias, veem esse espaço como um local onde podem gerar renda e falar de sua cultura. Muitos, inclusive, saem da aldeia e se alojam na cidade de forma definitiva. Os Kariri-Xocó:

[...] representam, na realidade, o que resta da fusão de vários grupos tribais depois de séculos de aldeamento e catequese. Seu cotidiano é muito semelhante ao das populações rurais de baixa renda que vendem sua força de trabalho nas diferentes atividades agro-pecuárias da região. Contudo, pode- se dizer que é um grupo que tem sua indianidade preservada pela manutenção do ritual do Ouricuri (ritual religioso secreto). A denominação Kariri-Xocó foi adotada como conseqüência da mais recente fusão, ocorrida há cerca de 100 anos entre os Kariri de Porto Real de Colégio e parte dos Xocó da ilha fluvial sergipana de São Pedro. Estes, quando foram extintas as aldeias indígenas pela política fundiária do Império, tiveram suas terras

aforadas e invadidas, indo buscar refúgio junto aos Kariri da outra margem do rio.16

Denomina-se Ouricuri o complexo e secreto ritual e o local onde se realiza. É praticado por vários grupos do nordeste. Na aldeia, as festividades duram de 15 a 30 dias, nos meses de janeiro/fevereiro. Na mata cerrada, há uma clareira, o "limpo", onde ocorre o ritual. Em volta do ―limpo‖ há construções de tijolo para alojar as pessoas durante sua permanência. É outra aldeia, a taba, construída para fins religiosos. Ali os Kariri-Xocó vão fazer o uso religioso da Jurema, planta psicoativa, e terem experiências visionárias e contato com o ―segredo‖, o qual não é comentado por eles fora de lá, e a ciência nativa que é ensinada pelos espíritos.17

A etnia Kariri-Xocó, em si já demostra a mobilidade de saberes, o hibridismo que ocorre no Brasil desde o processo de colonização, os êxodos tribais geraram grupos muito mais diversos. Em seguida, esses grupos vão para o meio urbano, e sofrem novamente a introdução do discurso do Neoxamanismo urbano. Tornando as narrativas e os discursos muito mais ricos, e as metáforas muito mais vastas. A religiosidade indígena, ou a espiritualidade nativa, o termo mais comum no meio do Neoxamanismo urbano se relaciona com a cultura narrativa, como o culto aos antepassados, e pela matriz estrutural homem/natureza como um processo relacional e não objetal.

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