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Xamanismo e Psicopatologia

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2.1 O Xamanismo Stricto Sensu

2.1.2 Xamanismo e Psicopatologia

Existem casos em que o Xamanismo está interrelacionado com estados psicopatológicos. Mas em geral, essa relação é apenas uma má interpretação do fenômeno. Como comenta o xamã urbano Wagner Frota:

Trava-se entre os estudiosos um persistente debate sobre se o Xamanismo é ou não uma vocação culturalmente atribuída às pessoas mentalmente perturbadas, em particular os esquizofrênicos. Embora esta posição constituísse o ponto de vista antropológico até meados do século passado, hoje ela tem poucos partidários. Entre os mais frequentemente citados, estão

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Artigo pesquisado, site: http://www.karirixoco.com.br/2006/index.php

17 Podemos encontram mais elementos no texto: MOTA, Clarisse Novaes da. e ALBUQUERQUE, Ulysses P.

de. (ORGs). As Muitas Faces da Jurema – de espécie botânica à divindade afro-indígena. Ed. Bagaço. Recife/PE, 1996 ver também LANGDON, E. Jean Matteson. Xamanismo no Brasil: novas perspectivas. Florianópolis: UFSC, 1996.

Devereux, que sustenta com firmeza que não há motivo para não considerar os xamãs neuróticos, e até mesmo psicóticos; e Silverman, que associa o estado xamânico de consciência à esquizofrenia aguda. Por outro lado, Jilek acha o rótulo de patologia ―absolutamente insustentável‖, após seus anos de experiência com xamãs na América do Norte, África, Haiti, América do Sul, Tailândia e Nova Guiné. Ele tem formação em psiquiatria e antropologia, e acredita que a opção pela patologia será progressivamente refutada, à medida que se expandir o campo da psiquiatria transcultural. Um artigo da autoria de Richard Noll recapitula as colocações dos dois polos da controvérsia e conclui que metáfora da esquizofrenia de um fracasso em discriminar diferenças fenomenológicas entre o estado xamânico de consciência e o estado esquizofrênico de consciência. Ele afirma que a distinção mais importante é pertinente à violação: o xamã, como ―mestre do êxtase‖, entra e sai conforme deseja do estado alterado; o esquizofrênico não tem controle algum sobre esta atividade e é uma infeliz vítima da desilusão, com uma notável deterioração no desempenho dos papéis. Harner enfatiza que o xamã deve comportar-se de modo apropriado tanto na realidade ordinária, como no estado xamânico de consciência para ser uma pessoa em que se possa acreditar e manter seu status na comunidade. Distinguir conteúdos dos diferentes níveis de realidade é impossível para o esquizofrênico, mas, conforme coloca Noll, ―a validade de ambos os reinos é reconhecida pelo xamã, cuja mestria deriva de sua capacidade de não confundir os dois‖.18 De certa forma existe a propensão para uma relação entre os dois estados pra quem está olhando sem compreensão do fenômeno, o que era comum desde o início das pesquisas etnológicas no século dezenove. Como comenta Eliade, alguns teóricos chegam mesmo ―a fazer a distinção entre um Xamanismo ártico e um subártico, dependendo do grau de doença mental de seus representantes‖ (ELIADE, 2002, p. 37-38).

Entre tribos australianas e os esquimós é comum o caso de membros que tenham epilepsia sejam direcionados para se tornarem xamãs. Isto pelo fato que têm de entrar num estado de consciência alterado.

Os sinais de vocação espontânea podem surgir em qualquer idade e, em geral, são acompanhados de alguma doença física ou mental ou de ambas. Quando criança, é muito provável que o candidato tenha sido nervoso, retraído e pensativo. Ele ou ela pode apresentar alguma deformidade ou deficiência física. Em algumas culturas, notavelmente a africana e a dos esquimós, a epilepsia é considerada como sinal de vocação xamânica. Entre os Shona, quando uma doença não responde as formas convencionais de tratamento (geralmente herbário), a família convoca um nganga (xamã). Se este declarar ser a doença um sinal de vocação, intercederá em nome do espírito que está tentando possuir a pessoa, e se ele ou ela concordar em atuar como médium a aceitação da vocação será acompanhada de recuperação. A recusa é interpretada pela maioria das sociedades xamânicas

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como grave erro que quase certamente findará em morte (FROTA, p. [26], [200?].19

Por serem figuras que transitam entre os dois mundos, e em geral permanecem nesse estado de ambiguidade durante a vida toda, tendem a se assemelharem a pessoas antissociais, introvertidos etc. Casos de transe também são comuns, como atos histéricos, onde eles saem pela aldeia às vezes imitando o animal guardião, se aprofundam na mata etc. O xamã não é um doente. É um curador, que primeiro curou a si mesmo. Quando ocorre nos casos o ataque epilético, é sinal que a iniciação teve início. Muitas vezes o xamã tenta ser tratado por outros xamãs e curandeiros da aldeia, mas não têm resultado, ele precisa curar a si mesmo como parte do processo iniciático.

Isso pressupõe que ele passe a ter domínio sobre a doença, ou seja, passa a ter controle sobre os maus, e sobre espíritos malígnos. As doenças por vezes iniciadas por espíritos malignos, logo que são tratadas pelo empenho do xamã, passam a serem seus aliados. A singularidade da doença xamânica já evidencia o fato do sujeito ser um vocacionado para tal finalidade. Nesse sentido, pode-se dizer que o xamã se torna um mestre das enfermidades. Ele conhece muito bem a doença, e tem domínio sobre ela. Por isso se fala de um curador ferido, ou seja, aquele que teve o corpo dilacerado para que pudesse ter o conhecimento e o domínio no processo da doença, acaba por curar os outros, sendo que doou sua própria sanidade e bem-estar para ser um portal de tratamento dos membros da comunidade.

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