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5 O CAMINHO REFLEXIVO DOS PROFESSORES: COMO E POR QUE

5.2 SARGAS

Como relatado no capítulo anterior, Sargas foi um professor que apresentou algumas mudanças em sua proposta de aula para a modalidade a distância. Essas mudanças estão resumidas no Quadro 8.

Quadro 8: Resumo das mudanças na disciplina de Sargas

Tema/categoria Subcategoria Unidade de contexto Unidade de registro – inicial Unidade de registro – final

Aprendizagem na modalidade

EaD

Repetitiva Tipo de atividade

repetitiva Apresenta atividades repetitivas. Construtiva Tipo de atividade

reflexiva Faz mudanças significativas em direção a uma proposta reflexiva.

Dificuldade dos professores

Processo

avaliativo A forma como fazem a

Tem bastante atividades avaliativas repetitivas. Diminui as atividades avaliativas e muda-as, acrescentando questões discursivas explicativas nos cálculos.

Atuação na

Modalidade Dificuldade de desenvolver propostas didáticas na modalidade EaD

Todos apresentam

dificuldades. Parece apresentar algum avanço em relação as dificuldades de atuação na modalidade.

Visão sobre os alunos

Desinteresse Não querem participar/ não acompanham/leem

Todos afirmam que os estudantes não querem participar.

Interesse Boa participação Apresenta contradição em

relação a afirmação de que os estudantes não querem participar.

Fonte: a autora 2016

O movimento reflexivo de Sargas iniciou com uma análise crítica do seu trabalho, no quinto encontro. Durante os encontros, com a transcrição do quarto encontro, entendi ser importante trazer a discussão da Zona de Desenvolvimento Proximal, já que ela tinha sido mencionada na leitura de Pozo (2002). A partir de exposição em Power Point, apresentei o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal. Nesse momento, falava da importância para Vigotski do trabalho em grupo e de que para o autor, num primeiro momento, a imitação seria importante para a aprendizagem. Sargas interrompe:

Mas espera aí!! Não é aí que estamos travando na minha disciplina, o repetir? Eu trabalho em um modelo de orçamento, eles repetem, e daí na Atividade de ontem eles fazem o exercício e acaba sendo uma repetição. Onde eles abstraem? Até precisaria de mais tempo para eles fazerem as atividades. Eu saí pensando sobre isso, na minha próxima aula darei conteúdo novo, eu pensei, uma aluna me disse: “professor eu gostei muito, mas eu não consegui absorver, eu preciso de mais tempo para isso, para poder entender o que a gente está fazendo”. Ela trabalha no Bradesco e ela é bem interessada. (SARGAS, 01/04/2016).

Com a fala da aluna, associada à discussão de Vigotski, parece que Sargas percebe que os alunos têm pouca possibilidade de avançar nas reflexões. Ele percebe que os alunos não conseguem “abstrair”, ou sair da repetição, dos cálculos.

Essa primeira fala de Sargas, ainda está relacionada à modalidade presencial. É importante lembrar que Sargas é um dos professores que mais faz referência a essa modalidade, como mostrei no capítulo anterior. Assim, parece coerente que ele faça sua primeira análise, a partir da modalidade com a qual tem mais proximidade.

Depois desta fala, Izar sugere usar mais exemplos de outras empresas. Nisso, Sargas fala de uma ideia que teve para as aulas do presencial, da qual se referia acima e na sequencia ele segue:

E aí eu estava pensando no que o prof. Girtab falou, “Como fazer isso no EAD?” Ele falou do Fórum de discussão. Não é frustrante perceber que o aluno não entendeu, não compreendeu? Eu não consigo ficar indiferente! Então isso que a Caroline me disse “não tem tempo para pensar” [se referindo a fala da aluna do presencial] vai sempre [desafiar]... (SARGAS, 01/04/2016)

Sargas parece estar incomodado com a sua forma de dar aula. Nesta intervenção, ele começa a manifestar algo como uma nova consciência sobre o seu trabalho de ensino, e parece descrever sua dificuldade em fazer os alunos refletirem. Ele percebe que há uma consequência no aluno a partir do que propõe, ou não propõe, pelo que a aluna relata. Os momentos dos encontros de formação colaborativa, que colocam a disciplina em discussão, parecem ter ajudado o professor a refletir com mais tempo sobre seu trabalho, reflexo disso é que sua análise sobre a EaD é motivada a partir da fala de Girtab.

Depois dessa fala, o professor Girtab chama a atenção para a necessidade de fazer os alunos refletirem e, na sequência, os professores começam a conversar sobre como construir processos de aprendizagem reflexivos. Chertan sugere que deveria ser usado recursos como vídeos. Eu chamo a atenção que o vídeo é um recurso importante, mas ele não garante a reflexão dos alunos, no entanto o tema do uso de recursos tecnológico é retomado por Chertan, e Izar sugere o uso do Prezi28.

Nesse instante, Sargas mais uma vez expressa sua dificuldade em seu trabalho de ensino. Seu envolvimento na busca de melhorar seu trabalho, o coloca também na procura de soluções a partir do uso de recursos tecnológicos. Assim que, depois da fala Izar, Sargas afirma:

O Izar falou agora desse Prezi. Eu não conhecia, talvez seja a solução para fazer para a minha disciplina. Eu queria fazer umas coisas diferentes, onde eu não precisasse fazer vídeo tradicional. Eu fiz no passado, um vídeo, que ajudou em outra disciplina, mas poderia ser uma coisa mais dinâmica, mais visual para eles, com links, no computador, que eu possa montar isso e fazer uma forma diferente. Mas eu não sei, e não tenho tempo para pesquisar, não tenho tempo para ficar postando ali. (SARGAS, 01/042016)[ grifo meu].

A palavra “solução” parece ter relação com esta “angústia” referida pelo professor para resolver um problema que resultou na reprovação de mais da metade da turma. Ao ver a solução no aplicativo Prezi, o professor parece entender que o problema estaria relacionado com a forma de repassar o conteúdo aos alunos. Mesmo iniciada há pouco a reflexão sobre as formas repetitivas de atividades, ele parece não perceber que, para além da apresentação do conteúdo, que sem dúvida também é importante, a forma como ele mobiliza os alunos para refletir este conteúdo deve ser revista. Como pesquisadora, entendo que processos reflexivos não são lineares, então é compreensível que o professor apresente ambiguidades na forma de interpretar o fenômeno e a respectiva solução. É uma reflexão sobre seu trabalho em construção.

Mais adiante, ainda no quinto encontro quando seguia a discussão sobre Vigotski, e falava da demarcação teórica entre desenvolvimento e aprendizado (Vigotski, 2007), Sargas comenta: “então, no caso, se eu sei fazer a soma e você coloca um problema, onde ele tem que ler, entender e resolver, isto é, consegue abstrair, entender. Isso seria o desenvolvimento?” (SARGAS, 01/04/2016)

Ainda que a compreensão do conceito de desenvolvimento (Vigotski, 2007) não estivesse clara nesse momento para Sargas, é possível perceber que o professor está refletindo sobre as formas de aprendizagem dos alunos. Além disso, ele está fazendo relações diretas com a sua disciplina, logo, a discussão parece fazer sentido a ele. Esse processo do professor pode ser amparado na discussão de Pozo (2002) sobre as condições de aprendizagem, em que este elemento é importante para aquele que aprende. Parece que Sargas está entendendo a necessidade do aluno de abstrair, que significaria elevar sua compreensão para o conceito, se assim for, o professor está desenvolvendo seu aprendizado no que diz respeito a como o aluno desenvolve um aprendizado construtivo.

No sexto encontro, Sargas parece fazer uma análise bem crítica de sua disciplina, ao ler em Pozo (2007, p.230) sobre o treinamento técnico:

[...] costuma ser iniciado com a apresentação de algumas instruções e/ou um modelo de ação. As instruções serviriam não só para fixar o objetivo da atividade (a meta para a qual se orienta o procedimento, segundo a definição), como principalmente para

especificar em detalhe a sequência de passos e ações que devem se realizar” (POZO, 2007, p. 230)

Após a leitura, quando é aberto para a discussão, Sargas comenta: “na verdade, olhando aqui e pensando, a gente está reproduzido um conhecimento técnico” (SARGAS, 04/04/2016). Izar intervém: “Mas a gente tinha essa clareza! ” (IZAR, 04/04/2016). E Sargas segue:

Na verdade, a gente está discutindo, explicitando e vendo que é possível, nas nossas disciplinas, avançar para mudar isso [referindo-se a sua recém análise em relação a reprodução do conhecimento técnico]. Além de eu ter um aprendiz novato, com domínio técnico, ele deve ter também o domínio estratégico. Ele deve saber chegar lá na empresa e implantar um orçamento. Deve ter um conhecimento técnico com as variáveis que eu ensinei em sala de aula, em EaD, com atividades e exercícios, que permitam ele saber como implanta e trabalha, na empresa, como faz uma análise financeira. (SARGAS, 04/04/2016).

Interessante que ainda nesta discussão do conhecimento técnico, Sargas afirma, logo na sequência:

Eu trabalho o Balanço sucessivo, trabalha a movimentação do patrimônio [referindo- se a conteúdos], chega um momento que eu falo: “o que leva à movimentação do patrimônio? ” Para depois chegar no débito e crédito [se referindo a conteúdos] então eu vou construindo até chegar. Só que eles não querem, eles querem ir direto ao questionário que vale nota, vale 10 pontos. Um questionário que é polpudo, que vale 10 pontos, só que eles não vão conseguir [responder o questionário]. O que eu faço no questionário, são 10 alternativas de movimentação do patrimônio. A minha pergunta no final é o total do Ativo, então eles vão ter que fazer todo o desenho para chegar ao resultado, e quem não exercitou? Tenho vários exercícios e tem os gabaritos que eu fui postando para interagir com eles, e quem não faz exercícios? Pode até fazer um questionário, pode até receber do colega, e até ter os pontos, mas quando vai chegar na avaliação [se referindo a prova final], não vai saber fazer [se referindo ao aluno]. (SARGAS, 04/04/2016)

Parece que, a partir do conjunto das falas até então, Sargas faz movimentos que “avançam” em relação à análise crítica da sua forma de trabalho. No entanto, em outros momentos, como na fala acima, ele retoma as suas primeiras ideias de que o problema seriam os alunos, que, neste caso, querem ir direto para aqueles trabalhos que lhes garantem nota.

Ao mesmo tempo em que fomos discutindo, Sargas já foi apontado para as mudanças que pretendia fazer em sua disciplina. A discussão foi colocada por Girtab sobre a necessidade, e ao mesmo tempo a dificuldade, de trabalhar com exemplos na modalidade EaD, então Sargas afirma:

Estava pensando agora em Planejamento e Controle Financeiro [disciplina] no orçamento, isso que tu estavas falando, se nos fóruns eu conseguir agregar para além do livros-textos, ou outro material que eu disponibilizo. Poderia colocar alguns artigos já determinados 1,2,3 artigos do assunto e na discussão do fórum ir instigando os problemas, mostrando que eles têm que ler os artigos para poder responder. (SARGAS, 04/04/2016)

E mais adiante:

E uma outra coisa na minha disciplina que eu poderia agregar também é para além de fazer um fluxo de caixa que é uma das atividades, fazer a análise desse fluxo, fazer com que eles destaquem alguns pontos, em cima do que eles projetaram. Então para além de fazer, vem a questão da escrita, para além de fazer eles vão ter que ler, porque muitas vezes eles não leem o livro texto. O que é o fluxo de caixa? Como se compõem? Então ali eu poderia amarrar no sentido de que eles avancem na escrita, tenham que escrever sobre o que eles fizeram, depois reflitam. Se pensar, nas análises, claro traz mais trabalho, mas como as turmas são menores, com 200 era difícil, mas como são menores [as turmas], talvez a gente possa aprofundar no sentido que eles precisem escrever e a gente vai ter tempo para ler, para fazer a devolutiva, e talvez eles possam avançar nesse sentido. (SARGAS, 04/04/2016)

Na apresentação final da disciplina, Sargas não explicita se vai ou não trabalhar com materiais complementares na sua disciplina. Entretanto, é possível perceber que ele reorganiza sua atividade incluindo uma parte descritiva/reflexiva. A discussão da escrita, posterior, com Vigotski surgiu desta fala de Sargas, mas não estava em pauta até então, ela surge desse exercício que o professor já estava fazendo em visualizar mudanças na sua disciplina.

No oitavo encontro, depois da leitura de Pozo (2002) sobre “estratégias de aprendizagem” que trata especialmente da diferença entre uma aprendizagem por associação, tida como “As estratégias mais simples, de repetição, se apoiaram numa aprendizagem associativa e serviram para reproduzir mais eficazmente um material, normalmente informação verbal ou técnica rotineiras” (POZO, 2002, p. 242) de uma aprendizagem por reestruturação:

A compreensão de um material de aprendizagem é facilitada quando o aprendiz utiliza procedimentos de compreensão e organização conceitual, tanto no discurso oral como escrito, voltados para o estabelecimento de relações conceituais entre os elementos do material e entre estes e os conhecimentos prévios do aprendiz. (POZO, 2002, p. 243).

Os professores estavam fazendo uma discussão sobre o assunto, quando Girtab comenta:

Ler o texto e interpreta-lo, eu acho que esse é o gargalo, porque o que acontece nas provas quando tem lá... Eles reclamam que o conteúdo é diferente do que eles estão discutindo em sala de aula, porque eles não leram o texto e transferiram para o

cotidiano, então “ah o índice que o professor deu é diferente então ela já fez diferente”. Eles não sabem a origem do índice. (GIRTAB, 04/04/2016)

Nesse instante, Sargas parece ter um insight, e responde “Talvez porque a gente está trabalhando só no primeiro [se referindo a forma de aprendizado por associação], na questão simples só repetir, repetir, repetir. Será que não?” (SARGAS, 04/04/2016).

Essa intervenção de Sargas parece muito significativa. Ela é resultado do conjunto de reflexões que o professor vinha fazendo desde a análise crítica sobre sua disciplina nos primeiros encontros que começamos a discussão, até as possibilidades de mudança que poderia fazer. Ao compreender que não existe uma só forma de aprendizagem, ele, mais uma vez, faz a análise sobre a sua disciplina e parece chegar a um entendimento muito importante, no oitavo encontro, isto é, depois de reflexões, que poderia produzir um diferencial na sua proposta de ensino.

Ao final, no oitavo encontro, Sargas conclui em relação às mudanças que deverá fazer:

Para atividade que eu dou para eles [alunos], eu imagino que uma grande mudança que eu quero colocar na minha disciplina é no sentido da escrita, da interpretação da informação. Porque hoje eu tenho trabalhado muito nos números [se referindo aos cálculos], então ele [aluno] elabora um orçamento e as minhas perguntas também são numéricas: “Quanto por cento apresentou de resultado? Quanto projetou nisso? ” Mas ele não tem que elaborar uma resposta de análise, de interpretação do que ele fez. Eu acho que aí está a diferença, então eu vejo que essa foi uma mudança, aqui é o que eu quero mudar na minha disciplina. Diminuir o número de fórum avaliativos, não sei, 4? Poderia ser menos, e daí você tem uma nota maior, em uma atividade como é essa, [se referindo a uma atividade específica de fluxo de caixa], que vai exigir que ele se coloque [escreva sobre]. Claro hoje nós temos turmas menores, que permite isso, uma turma de 200 fica muito mais difícil, quanto mais tu colocas questões dissertativas e atividades. O Izar mesmo colocou aqui, a experiência dele ao corrigir avaliações com várias perguntas, demorou bastante tempo, então eu também avalio isso. Infelizmente por um lado, nós estamos com menos alunos e isso permite que a gente também exija que eles escrevam. E para escrever precisa ler, o professor também precisa tempo, para poder ter argumentos, talvez aí faça com que eles leem um pouco mais. (SARGAS, 04/04/2016)

Assim, pudemos perceber um desenvolvimento de Sargas, que partiu da análise crítica do seu trabalho, para então, a reflexão sobre as possibilidades que poderia construir na disciplina. Ele construiu uma importante convicção: a escrita é uma “grande mudança”. Pela análise de como trabalhava, com perguntas relacionadas ao resultado numérico, e a proposta atual, com perguntas de análise, evidencia-se uma mudança importante para a mobilização da reflexão do aluno. Junto com essa questão, a possibilidade de interação que ele visualiza a partir de turmas menores pode potencializar o aprendizado dos alunos.

Sargas demonstra “avanços” em diferentes momentos nos encontros analisados. Esses “avanços” e os retornos às suas compreensões “antigas” – próprias dos primeiros encontros -

demonstram como um aprendizado não se dá de forma retilínea, nem unidirecional. Além de apontar para a importância da reflexão para permitir mudanças nas concepções de ensino.

Ainda em relação ao processo reflexivo de Sargas, poderia sugerir dois aspectos importantes que influenciaram nas mudanças que elaborou na sua disciplina. O primeiro seria a discussão sobre Zona de Desenvolvimento Proximal (VIGOTSKI, 2007) e a aprendizagem por reestruturação (POZO, 2002). Como segundo aspecto destacaria que, para além das teorias discutidas, é especialmente a interação que houve, de Sargas com os demais participantes, destacando os questionamentos colocados por Girtab, no processo de formação colaborativa que se colocam como fundamentais para suas reflexões e a construção das mudanças na sua disciplina. Nesse aspecto, estudos como os de Blume (2013) que trata da importância da relação dialógica na formação de professores, já apresenta a importância dos diálogos no processo de formação de professores para uma prática consciente, e como esta compreensão pode ajudar a pensar novas ações pedagógicas na EaD. A trajetória de Sargas confirma este estudo e reafirma a importância do diálogo entre os pares sobre seu trabalho na formação docente.

Os avanços que Sargas apresentou dizem diretamente do seu processo de reflexão acontecido nos encontros de experiência de formação colaborativa. É possível perceber como se desenvolveram as reflexões que chegaram às mudanças apresentadas no capítulo anterior.