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1. A QUESTÃO SOCIAL DO SOCIAL

1.6. Os sistemas de proteção social do Brasil, Argentina e Chile

1.6.3. O sistema de proteção social chileno

No Chile, segundo Farías (2013, p.13), o sistema de proteção social “consiste em uma rede de serviços e políticas contributivas e não contributivas desenhada para ofertar proteção estatal ao longo da vida para diferentes grupos socioeconômicos”. Ainda em consonância com a autora, este sistema engloba políticas relacionadas à seguridade social, à

saúde, à educação e à assistência social, que abarca as transferências monetárias e em espécie realizadas pelo Estado (direcionadas à população sob pobreza e vulnerabilidade), além de outras ações sociais.

A proteção social no Chile articula um rol de políticas sociais, voltadas a diferentes públicos e geridas, em sua maioria, pelo Ministerio de Desarrollo Social (MDS-Ch). Esta articulação é permitida pelo Sistema Intersectorial de Protección Social, entidade criada em 2009 através da Lei 20.379, e composta por distintos subsistemas, dentre os quais se encontram o Sistema Chile Solidario e o Sistema de Protección Integral a la Infancia Chile Crece Contigo, que operam como sistemas de gestão para um conjunto de ações assistenciais. Com o objetivo de promover esta articulação, como destaca Farías (2013, p.13), foi criada a Secretaría Ejecutiva de Protección Social, órgão pertencente ao MDS- Ch, cuja responsabilidade é coordenar as atividades entre os diferentes ministérios e instituições promotores de ações e programas sociais, como o Ministerio de Salud (MINSAL), Ministerio de Educación (MINEDUC), Ministerio de Vivienda y Urbanismo (MINVU) y Ministerio del Trabajo y Previsión Social (MINTRAB).

A) Previdência

Quanto ao sistema previdenciário chileno, trata-se de um sistema privado de capitalização individual. Este modelo substituiu o então sistema público de repartição, na reforma neoliberal empreendida no país, em 1981. A administração das contribuições recebidas, bem como dos benefícios concedidos, fica a cargo das Administradoras de Fondos de Pensiones (AFP). No entanto, como esclarece Farías (2013, p.21):

Os resultados da reforma de 1981 geraram uma série de críticas quanto às lacunas resultantes em termos de equidade, de rentabilidade e na taxa final de substituição das rendas. Em 2006, mais de 33% do total de ocupados não quotizavam no sistema de seguridade social e se estimava que a metade dos quotistas não conseguiriam financiar uma aposentadoria mínima ao término de sua vida laboral. Devido a isso, nesse ano se iniciou uma série de discussões para reformar o sistema.25 (Tradução nossa)

25 “(...) los resultados de la reforma de 1981 generaron una serie de críticas en cuanto a las brechas resultantes

de equidad, de rentabilidad y en la tasa final de sustitución de los ingresos. En 2006, más del 33% del total de ocupados no cotizaba en el sistema de seguridad social y se estimaba que la mitad de los cotizantes no iban a

Deste modo, em 2008, o sistema previdenciário chileno sofreu uma “reforma da reforma”. Em conformidade com Farías (2013, p.21), a partir desta reforma, o sistema passou a se estruturar sobre três componentes, que perfazem pilares específicos: i) capitalização individual compulsória – pilar contributivo; ii) Ahorro Previsional Voluntario (APV)26– pilar voluntário; e iii) Sistema de Pensiones Solidarias (SPS) – pilar solidário. Os objetivos almejados na reforma contemplam a articulação entre os elementos contributivos e não contributivos da proteção social, assim como a melhora em sua cobertura e em seu acesso.

No sistema de capitalização individual, a reforma de 2008 operou modificações, dentre as quais destacam-se: a responsabilidade do Seguro de Invalidez y Sobrevivencia, que deixou de ser do empregado e passou ao empregador; a eliminação da comissão fixa das AFP cobrada dos filiados, como forma de aumentar a concorrência entre elas; o aperfeiçoamento do marco regulatório e a criação de instituições voltadas a melhorar a informação disponível aos filiados para favorecer suas decisões previdências.

O pilar voluntário, por seu turno, busca fomentar a poupança previdenciária voluntária, mediante uma política de incentivo à criação e à ampliação de APV, de natureza individual ou coletiva, permitindo também a contribuição do empregador.

O Estado passa, no pilar solidário, a se responsabilizar pelo financiamento e a concessão de uma aposentadoria básica, de nome Pensión Básica Solidaria (PBS), não contributiva e dirigida à população sem meios, e pelo Aporte Previsional Solidario (APS), voltado à velhice e invalidez do mesmo segmento populacional.

B) Saúde

A cobertura do risco doença no Chile é garantida pelo Estado e por empresas privadas, isto é, constitui um sistema misto. O primeiro está organizado no Fondo Nacional de Salud (FONASA), cujo financiamento é sustentado por recursos fiscais e por

alcanzar a financiar una pensión mínima al final de su vida laboral. Debido a ello, en ese año se inició una serie de discusiones para reformar el sistema”.

contribuições dos segurados (7% da renda, mediante um teto); o segundo é formado pelas Instituciones de Salud Previsional (ISAPRE)27, para as quais as pessoas contribuem em média com 7% de sua renda. A adesão dos trabalhadores e dos inativos é obrigatória, ao FONASA ou a uma ISAPRE.

As duas modalidades constituem um seguro, mas o FONASA trabalha com um sistema de repartição, isto é, não há diferenciação de ações e serviços em decorrência do nível de contribuição efetuada e do número de dependentes. Já no caso das ISAPRES, o seguro de saúde é baseado em contratos individuais firmados com os seguros, de modo que as ações e serviços dependem diretamente do montante aportado. É interessante registrar que serviços privados como hospitais, clínicas e profissionais independentes atendem tanto os segurados do FONASA como das ISAPRE.

Segundo Lara e Silva (2014b), os contribuintes ao FONASA podem escolher entre duas modalidades de atenção: institucional (atenção fechada) e de livre escolha (atenção aberta). Tanto em uma modalidade como em outra, o segurado efetua, no momento da prestação do serviço, um copagamento que varia de acordo com o nível de sua renda. No caso da renda ser inferior a um mínimo definido, as pessoas estão isentas desse copagamento. Os indigentes e não contribuintes que integram o FONASA não têm direito à modalidade de livre escolha. Além disso, em 2004, foi definida uma lista de patologias a que todos os chilenos têm garantido acesso universal. Tanto o FONASA como as ISAPRE devem prestar os serviços necessários, nesse caso.

C) Assistência Social

Na Assistência estão compreendidos diversos programas e ações que fazem parte das políticas de combate à pobreza e de atendimento à infância, dentre outros. Neste ramo, encontram-se o Sistema Chile Solidario (SCS)28, o Sistema Chile Crece Contigo, o Ingreso

27 Foram instituídas em 1980, praticamente junto com a reforma previdenciária. Entre os argumentos então

utilizados, destaca-se a liberdade de escolha do serviço a ser buscado, principalmente hospitalar.

28 O Chile Solidario, que inicialmente realizava transferências monetárias, atualmente funciona como um

sistema de gerenciamento de algumas ações assistenciais. Agora, as transferências são feitas exclusivamente pelo IEF.

Ético Familiar (IEF)29 e demais programas e subsídios estatais voltados a populações em indigência, pobreza ou vulnerabilidade.

Diversos programas, pertencentes ao âmbito da Assistência, compartilham uma arquitetura semelhante, na qual tem relevo o componente de apoio psicossocial e laboral aos domicílios, com destacada ênfase na reinserção produtiva dos membros da família.

Para além dos benefícios monetários vinculados a alguns programas (como o Bono de Protección e os bonos condicionados do IEF), existem subsídios estatais destinados a famílias em situação de vulnerabilidade e pobreza e que atendem a diferentes demandas e necessidades, como, por exemplo, o Subsidio Único Familiar (SUF) – pago às famílias pertencentes aos 40% mais pobres da população total – e o Subsidio de Discapacidad Mental – que outorga uma prestação mensal a sujeitos maiores de 18 anos e que tenham distúrbios mentais – dentre outros (FARÍAS, 2013).

O financiamento de todas as prestações e subsídios estatais concedidos na esfera da Assistência advém de recursos do orçamento nacional. Essas prestações monetárias são entendidas como altamente progressivas, posto que beneficiam, em geral, populações de baixa renda, pertencentes aos segmentos mais pauperizados do país.

D) Considerações gerais sobre a Proteção Social no Chile

A proteção social chilena apresenta um maior grau de mercantilização, quando confrontada aos respectivos sistemas de proteção social do Brasil e da Argentina. Mesmo após a “reforma da reforma” no setor previdenciário, empreendida em 2008, a natureza privada do sistema não mudou, tampouco alterá-la era o intuito pretendido. Antes, tal reforma foi realizada visando agregar quotistas ao sistema de capitalização, mesmo aqueles que não possuíssem poder contributivo suficiente, colocando-se o Estado como complementador dessas contribuições, através do pilar solidário.

De modo geral, tanto a área da Saúde quanto a da Previdência mantêm os traços fundamentais da reforma neoliberal promovida no país do início da década de 1980. A partir

daí, o país tem assistido a uma profusão de programas, ações e subsídios assistenciais diversos, direcionados a populações sob indigência, pobreza ou vulnerabilidade, justamente aquelas mais atingidas pelos efeitos recessivos das políticas neoliberais, bem como aquelas que menos acesso podem ter aos serviços privados de proteção. Deste modo, a Assistência chilena reflete um enfoque muito mais “compensatório” do que propriamente “cidadão” em sua atuação social. Este último aspecto é mais desenvolvido adiante.

O quadro 3 delineia, em traços gerais, a proteção social chilena.

Quadro 3

Sistema de Proteção Social – Chile Seguridade Social Acesso Caráter Regimes/Siste

mas Benefícios/Programas Previdência Social:  Pilar contributivo  Pilar voluntário  Pilar solidário

Meritocrático Contributivo AFP

Aposentadorias

Pensões

Auxílios

Saúde Privado: seletivo Público: universal

Contributivo FONASA ISAPRES

Atendimento integral

Assistência Social Universal Não contributivo Chile Solidario IEF Subsídios estatais Bono de Proteção Bonos condicionados

Fonte: LARA & FLORES, 2014b; FARÍAS, 2013. Elaboração própria.

2. OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA CONDICIONADA DE RENDA NA