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CAPÍTULO 2: A Psicologia nos Escritos Latinos de Wolff

2.3 Psychologia Rationalis

2.3.2 Sobre a Essência, a Natureza e as Faculdades da Alma

No primeiro parágrafo de sua PR, Wolff alerta que o seu propósito agora é investigar a natureza e essência da alma, a partir do que a razão será dada ao que é ou pode ser através dela. A determinação dessa essência e natureza, continua, deve dar-se através de raciocínios legítimos a partir do que foi conhecido na experiência. Como aqui o primeiro que se soube da alma foi que ela é consciente de si e de outras coisas fora dela, o que ocorre pela sua capacidade de apercepção, a investigação inicia, assim, com a busca de um conceito distinto desta capacidade, ou seja, com a determinação das ações mais simples que a compõem, e da sua razão suficiente (§.10).

Sobre a natureza e essência da alma

Iniciando sua análise, Wolff nota que a alma é consciente das coisas percebidas simultaneamente quando as distingue mutuamente entre si (§.10), e isto se dá a partir da apercepção, ou seja, pela percepção das percepções, na qual os atos de percepção que eram tidos confusamente como um (percepção total) são distinguidos em vários separados (percepções parciais) (§.11). Por outro lado, a alma é consciente de si à medida que pela apercepção percebe a sua ação e suas mudanças, e se distingue como sujeito do objeto que é percebido (cujo contrário é ilustrado pelo sono, onde não somos conscientes das nossas mudanças, nem de nós) (§.12). Quando a alma é consciente de si e de outras coisas por ela percebidas, diz Wolff, está em um estado de percepções distintas (§.13), que é o que ocorre na vigília e no sonho (§.14), mas não no sono, onde não é consciente de si nem de outras coisas fora de si (§.15), estando em um estado de percepções obscuras (§§.16-17). Entendendo que a obscuridade total das percepções destrói a apercepção, porque aqui não se vê a diferença entre as coisas, nem entre elas e si mesmo (§§.18-19), conclui Wolff, se reconhece que a razão da apercepção é a claridade das percepções parciais (§.20).

Avançando em seu exame, Wolff nota que, quando a alma é consciente de si e de outras coisas, pela diferença entre todas as sabe fora de si mesma e fora umas das outras (§.21), o que indica que reflete sobre a percepção total (§.23) e compara as parciais (§.22). Para tanto, a alma tem que conservar a percepção por algum tempo, compará-la consigo mesma, e perceber que é a mesma de antes, de maneira que a apercepção aqui envolve muitos atos sucessivos, como atenção, reflexão e memória (§§.21-25). Como o pensamento é feito de percepção e apercepção, e esta envolve muitos atos sucessivos, entende-se que muitos pensamentos se dão simultânea e sucessivamente, pelo que devem ocupar um tempo, possuindo duração (duratio) e velocidade (celeritas) (§§.26-30). Disto, nota Wolff, concluem alguns que o pensamento é algo material, o que é um erro, na medida em que a velocidade do corpo diz respeito ao espaço percorrido no tempo, que pode ser representado por uma linha, enquanto a velocidade da alma não diz respeito ao espaço. Isso, no entanto, não se pode usar ainda para provar a imaterialidade da alma, mas somente que não são idênticas as velocidades (§.31). A questão da materialidade ou imaterialidade da alma se deve abordar de outra maneira.

Chegando a esta questão, Wolff apresenta aqui um quadro apresentado originalmente no prólogo à segunda edição da DM (1721)80, relativo aos tipos de filósofos que se dedicam a ela. Segundo Wolff, os filósofos podem ser primeiramente dogmáticos, se defendem verdades universais ou, em geral, afirmam ou negam algo; ou céticos, se por medo de cometer erros suspendem as verdades universais e nada afirmam ou negam (por vezes duvidando até dos fatos). Entre os primeiros estão, por um lado, os monistas, que são aqueles que admitem tão somente um gênero de substância, seja a material, como os materialistas (que têm a alma como ser material, e querem explicar seus pensamentos a partir dos movimentos da matéria sutil), seja a imaterial, como os idealistas (que só aceitam a existência do material enquanto ideia do imaterial) – sendo estes últimos egoístas (que admitem somente a existência real de sua alma) ou não. Por outro lado, entre os dogmáticos estão também os dualistas, que admitem a existência de substâncias materiais e imateriais, isto é, admitem a existência real dos corpos fora das ideias das almas, e defendem a imaterialidade da alma (§§.32-43).

Posicionando-se, finalmente, Wolff primeiramente afirma que o corpo não pode pensar. Pois, suas mudanças ocorrem por movimentos, e ainda que por estes se possam produzir e conservar a representação material (repraesentatio materialis) correspondente aos objetos que provocam mudanças nos órgãos dos sentidos, nada nos corpos corresponde à comparação e distinção dessa representação, pelas quais eles seriam conscientes dos objetos como fora de si. Em outas palavras, na matéria ocorrem atos correspondentes à percepção, mas não à apercepção da alma (§.44). E como um atributo não se pode comunicar a um ser que não o tem por sua essência, sabe-se que a alma não pode ser material, nem pode o pensamento ser uma faculdade do corpo (§§.45- 46) – pelo que se conclui a falsidade do materialismo (§.50).

A alma, portanto, continua Wolff, é totalmente distinta do corpo (§.51), e deve possuir outras qualidades (§.52). Deve ser, primeiramente, imaterial. E como é mutável (como se sabe olhando a sucessão contínua de seus pensamentos) e perdurável (ao menos enquanto vive o corpo), é uma substância, e simples, porque não pode ser composta como o corpo (§§.48-49). Deve possuir também uma força, por ser uma

80 No capítulo anterior, fizemos referência a este mesmo quadro na última parte da seção 1.4, ao discutir a

presença simultânea das perspectivas monista e dualista na psicologia de Wolff. A introdução deste quadro no texto da PR, como veremos mais adiante (2.4), é significativo para a discussão deste ponto da psicologia wolffiana.

substância, e por vermos que suas percepções e apetites seguem uns aos outros continuamente (§.53). Esta força deve ser única, pois a alma é simples, e também diferente das faculdades, na medida em que estas são meras potências ativas, e a força consiste em um impulso constante ao agir (que ativa o que é possível pelas faculdades). Pela força a alma tende, portanto, continuamente à mudança de seu estado, e efetivamente o muda porque, sendo única, nenhuma outra a contraria, e não pode ela impedir-se a si mesma – nem mesmo durante o sono, no qual a alma apenas se mantém em um estado de percepções obscuras (§§.54-59).

As ações da alma, por sua vez, derivam todas desta força, e devemos inquirir quais são as primeiras que dela dependem e de onde procedem as demais (§§.59-61). Wolff prossegue, assim, notando que sabemos que pelas sensações a alma pode representar este universo de acordo com as mudanças que ocorrem nos órgãos dos sentidos (mesmo quando dormimos, quando apenas não há distinção, mas se representa este universo), pelo que se deduz que a alma possui a força de se representar este universo (vis sibi repraesentandi hoc universum), limitada materialmente pelo lugar do corpo orgânico nele, e formalmente pela constituição dos órgãos dos sentidos – como, exatamente, depende do corpo, diz Wolff, se saberá quando se trate da razão da relação entre corpo e alma, mas a verdade dessa proposição não depende de nenhuma hipótese (§§.62-63). E como as sensações são o primeiro que é produzido na alma, e de onde partem todas as suas mudanças possíveis pelas faculdades (§§.64-65), a força representativa, pela qual aquelas são possíveis em primeiro lugar, constitui o primeiro que se concebe sobre a alma e do que tudo nela depende, ou seja, constitui sua essência; e por ser o princípio intrínseco das mudanças, também constitui sua natureza (sendo natural o que tem causa nela, e o que não, sobrenatural ou milagre) – entende-se como natureza na medida em que conduz sucessivamente às representações, e como essência na medida em que modula sua possibilidade, sendo algumas mais possíveis que outras, e nesta mais que em outra ordem, de acordo com o lugar do corpo no mundo e a constituição dos órgãos (§§.66-75).

Não obstante contenha a razão suficiente do que se dá na alma, Wolff ressalta que a força da alma está ali como uma causa geral. Quando a alma executa aquilo que é possível pelas faculdades, a força é dirigida de acordo com as leis da alma, as quais concordam ainda com as leis que regem a força do corpo (§.76). As leis, portanto, fornecem as razões especiais da atualidade das percepções, isto é, o porquê de

ocorrerem estas mais que aquelas, enquanto a força dá apenas a razão geral da atualidade, ou seja, o porquê de continuarem variando uma após a outra (§.77). As faculdades da alma são, dessa maneira, modos de modificação da força, e são diversas na medida em que estas podem ocorrer de acordo com diversas leis (§.81) – e não constituem entes diversos na alma, pelo que ela seria um composto, e todo o demais entraria em contradição (§.82). Apesar de seu paralelo, observa ainda Wolff, as forças da alma e do corpo são totalmente distintas, e as regras de um não se podem aplicar na explicação das mudanças do outro (§.79), razão pela qual se reafirma a total diferença de corpo e alma, e se nega novamente o materialismo (§.80).

Esclarecidas a essência e a natureza da alma, Wolff passa então à apresentação da razão, a partir delas, daquilo que conhecemos na experiência. Seu ponto de partida é, como sabemos, a sensação.

Sobre a faculdade de sentir

Wolff inicia notando que, na medida em que a alma representa um composto ao sentir, a sensação ou ideia sensual consiste na representação do composto no simples (§§.83-84) – é assim uma imagem (imago) imaterial, oposta à imagem material (chamada também de ideia material), que consiste na representação do composto no composto (§§.85-90). Como são semelhantes aos objetos que representam, segue Wolff, as ideias sensuais representam figuras, magnitudes, lugares e movimentos, sendo distintas ou confusas de acordo com o quanto podemos distinguir nisto (§§.91-95). De uma diversidade de percepções parciais confusas, acrescenta, pode emergir uma total distinta, se aquelas se podem distinguir e enunciar com palavras diferentes (§.96), ou então uma total na qual se confunde como uma única coisa o diverso que nela se encontra (como ao vermos um punhado de areia colorida, que parece ter uma única cor, mas é composto na realidade de diferentes cores) (§.97).

A partir disto, Wolff encontra o que são propriamente as ideias sensuais: são representações confusas das determinações intrínsecas dos elementos dos quais os corpos são compostos, nas quais as diversas mudanças próprias daqueles são confundidas com coisas unitárias, efetivamente, com aquilo que se dá nos corpos (§.98). A alma, diz Wolff, não é equipada com um sentido capaz de distinguir os corpúsculos primitivos (que são os primeiros compostos que têm sua origem derivada dos elementos), nem os derivativos que deles provêm, pelo que tampouco pode distinguir os

elementos, que nem sequer são sensíveis ou imagináveis (pois são seres simples), e cuja existência é apenas deduzida pelo princípio de razão suficiente (§§.99-101). Por isso, a bem dizer, nada do que há nas coisas materiais é percebido distintamente pelos sentidos, e sua natureza é inexplorável por eles (o que se conhece em disciplinas como a matemática e a mecânica, se faz a partir de imagens criadas pela alma) (§.102).

As ideias de extensão e continuidade, por exemplo, diz Wolff, nascem a partir da confusão da alma ao perceber os estados internos dos elementos, derivando-as das noções de diversidade numérica, pluralidade e nexo entre eles, que é o que deles conserva (§.103). A ideia de espaço, por sua vez, entendida como a ordem da coexistência no nexo dos elementos, nasce igualmente da percepção confusa que temos da relação entre os elementos (§§.104-106). Pelo tato, a partir do que se encontra sensivelmente nos corpos, conhecemos a força da inércia e a força motriz, na medida em que a alma se representa confusamente os princípios passivo e ativo que devem estar nos elementos (§§.107-110). As noções desenvolvidas na cosmologia e na filosofia natural, enfim, originam-se e encontram seus limites na capacidade de conhecimento sensível da alma, no que enxerga Wolff uma contribuição substancial de sua psicologia racional para aquelas disciplinas.

Voltando-se agora para o modus operandi das sensações81, Wolff nota primeiramente que, quando a alma sente, os movimentos impressos nos órgãos dos sentidos por objetos sensíveis são propagados pelos nervos sensoriais até o cérebro. Isto se sabe por algumas razões. Entre elas, diz, porque se sabe pelo conhecimento anatômico e fisiológico que os nervos sensoriais se estendem até o cérebro, e que deste se estendem nervos motores novamente até a periferia do corpo (pelo que se entendem as reações físicas a determinados estímulos, como o grito de susto que segue uma trovoada). Em segundo lugar, porque se sabe que ao imaginarmos, não havendo sensação, e portanto tampouco nenhuma alteração nos órgãos dos sentidos, deve haver ao menos algo semelhante no corpo ao que se deu quando ocorreu a sensação, assim como há no fantasma algo semelhante a ela: o que deve ser, por consequência, uma

81 Apesar do estranhamento natural do trabalho que inicia aqui, que parece confundir investigação

psicológica com fisiológica, deve-se lembrar que a essência da alma para Wolff envolve a limitação da força representativa pela posição do corpo no mundo e pela constituição dos órgãos dos sentidos, e que a compreensão da sensação envolve a investigação de sua lei (PE, §.85). Wolff afirma repetidamente que o conhecimento apropriado das operações orgânicas se reserva à fisiologia, mas que aqui devem constar aqueles conhecimentos necessários para a compreensão do que se dá na alma de acordo com sua essência e suas leis. Daí, esse percentual fisiológico na psicologia.

mudança no cérebro. Em que consistem propriamente as mudanças no cérebro e nos nervos, Wolff diz não perguntar agora, admitindo apenas o que é inegável por qualquer filósofo, obtido pelos fenômenos e deduzido a priori (§.111).

Continuando a análise do modus operandi das sensações, ao movimento impresso nos órgãos dos sentidos pelo objeto sensível Wolff dá o nome de espécie impressa (species impressa), e ao movimento nascido no cérebro a partir dele, ideia material (idea materialis) (§.112). Entre ideias sensuais, materiais e espécies impressas há uma correspondência, na qual para cada ideia sensual há uma material, e para esta, uma espécie impressa (§§.113-114). E a partir disso Wolff explica as regras da sensação apresentadas na PE (PE, §§.83-90). Por exemplo, diz, se as espécies impressas são as mesmas, também é a mesma a ideia material, ainda que aquelas venham de diferentes objetos; e será diferente a ideia material se forem diferentes as espécies impressas, ainda que provenham de um mesmo objeto; pari passu, se no cérebro são formadas as mesmas ideias materiais, serão idênticas as ideias sensuais na alma, ainda que provenham de diferentes objetos sensíveis, e serão diferentes as ideias sensuais quando forem diferentes as ideias materiais, ainda que provenham do mesmo objeto (PR, §§.115-121). Constituídos os órgãos dos sentidos da mesma maneira, e apresentados da mesma forma os mesmos objetos sensíveis, serão idênticas a espécie impressa, a ideia material e a ideia sensual (§.122). Modificado algo nessa fórmula, modifica-se a relação de identidade entre os fenômenos (§§.123-124).

Passando agora às razões dos graus de claridade das sensações, diz Wolff, eles dependem da velocidade do movimento impresso nos nervos sensoriais (da qual depende a velocidade da ideia material), de maneira que quanto mais rápido, mais rápida a ideia material, e mais clara a ideia sensual (como quando vemos algo a uma distância de dia, quando o movimento impresso pela luz nos nervos dos olhos é maior e mais rápido, e depois o mesmo no crepúsculo, quando é menor e mais lento o movimento, sendo consequentemente menos clara a ideia sensual aqui do que ali) (§§.125-126). No que se refere à distinção, ela varia de acordo com a quantidade de movimentos impressos pelas diversas partes sensíveis do objeto nas diversas fibras nervosas, de maneira que se várias partes movem várias fibras, distinta é a ideia, e se várias partes movem a mesma fibra, ocorre confusão na ideia (§§.127-128). Se algo não

pode imprimir movimento nas fibras, segue Wolff, não é percebido, e se o movimento é muito lento, é percebido obscuramente (§.129)82.

Lidando, por fim, com o tema do poder que temos sobre as sensações, Wolff diz apenas que elas dependem da liberdade da alma quando, a partir de sensações prévias, por decreto da alma o corpo muda ou não de lugar, ou age de determinada maneira que seja ou não afetado por determinados objetos em determinados órgãos (§§.151-153). E com isso já temos o suficiente do seu exame das razões da sensação.

Sobre a imaginação

Iniciando o exame da imaginação, Wolff nota que os fantasmas também são imagens, mas de compostos ausentes (§§.178-180). Logo, assim como as ideias sensuais, são similares aos objetos e representam confusamente como uma unidade o estado interior dos elementos e seu nexo. Mas, por este nexo, relembra Wolff, as determinações de um elemento sempre dependem (em diferentes graus) da sua coexistência com todos os demais, tanto no que diz respeito ao tempo presente (coexistência simultânea), quanto ao passado e ao futuro (coexistência sucessiva) – o que, complementa, se deve admitir independente da hipótese que se adote a respeito dos elementos83. Assim, tal qual as sensações, os fantasmas também envolvem a representação confusa de todo o universo presente, além de todos os seus estados anteriores e futuros – logicamente, nos fantasmas os estados passados, presentes e futuros são relativos ao tempo em que existiu como sensação (§§.182-188). E a partir disto, diz Wolff, se tem dimensão de ao que tende a força da alma quando representa o

82 Wolff aqui aplica essas noções gerais ao sentido da visão, explorando também alguns casos especiais,

como a concorrência de diferentes movimentos de diferentes intensidades nas mesmas fibras; interrupções e vícios no funcionamento dos órgãos dos sentidos; e substituições das funções de alguns órgãos por outros por conta da conexão entre os diversos efeitos gerados por um mesmo objeto nos diferentes órgãos (explorando, em especial, o desenvolvimento pelo tato de alguns conceitos alcançados geralmente pela visão). Em linhas gerais, Wolff afirma aqui como se auxiliam mutuamente a ótica e a metafísica (PR, §§.130-150, §§.163-177).

83 Wolff se refere aqui às hipóteses correntes no período a respeito das unidades originais do mundo:

átomos, mônadas, corpúsculos, etc. Esta discussão pertence à cosmologia (e.g., COS, §§.1-58, §§.175- 301), e é apenas resgatada em linhas gerais aqui. Cabe-nos entender apenas, portanto, que Wolff admite os elementos como as coisas simples das quais derivam os corpos do mundo e as forças observadas nestes, e também que as mudanças daqueles se dão em concordâncias com todos os demais elementos (pelo seu nexo), mas sem decidir claramente qual é a força neles encontrada e que tipo de ser, em última instância, são.

universo, e da infinitude das nossas ideias, ainda que o que se dá nelas esteja escondido, ausente ou distante (§.186)84.

Notando que os perceptos envolvidos em uma sensação ou fantasma, assim como os estados do mundo que representam, podem estar a diferentes distâncias do estado do mundo presentemente representado, Wolff distingue aquilo que percebemos imediatamente (immediate percipimus) do que percebemos mediatamente (mediate

percipimus). Imediatamente percebemos aquilo que age nos órgãos dos sentidos, e por

isso se percebe também clara e distintamente, de acordo com muitos graus. O que está envolvido nos perceptos imediatos e se alcança por reflexão, se percebe mediatamente, e é percebido obscuramente, possuindo infinitos graus de obscuridade de acordo com a distância das imediatas, sendo as parcialmente obscuras (que possuem perceptos claros) reconhecíveis na experiência, e as totalmente obscuras alcançadas senão por demonstração (§§.195-203).

A alma, segue Wolff, continuamente produz um mundo ideal, isto é, produz ideias de todo o universo (de acordo com as diversas dependências do estado presente em relação ao passado, e do futuro em relação ao presente) (§.190), e isso mesmo quando está em sono e representa obscuramente, na medida em que nada se opõe a que siga fazendo o que lhe é essencial (§.191). Na alma sempre existe, portanto, uma ideia deste mundo, na qual as mesmas mudanças ocorrem que no mundo visível (porque lhe é semelhante). Na medida em que dele tem percepções claras, diz-se que o intui; mas, assim como do mundo visível, não pode intuir sua ideia integral, e deve manter-se dentro de seus limites essenciais (§§.192-194). Ou seja, ela deve intuir ora isso ora aquilo, ora mais ora menos claramente, e isto, da mesma forma que se dá com as sensações, de acordo com as suas regras e lei (§§.217-219).

Passando à análise das regras e lei da imaginação, Wolff nota que, na medida em que a primeira lei da percepção, a da sensação, contém as determinações essenciais da alma (a representação do universo, e a limitação pelo lugar do corpo e constituição dos órgãos) (§.220), a lei da imaginação deve encontrar ali a sua razão (§.223). Assim,

84

Wolff menciona que essa ideia nos ajuda a esclarecer a diferença entre o entendimento finito da alma e o infinito de Deus, onde todos os estados do mundo se dão aberta, presente e proximamente, isto é, na