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CAPÍTULO 3: Sobre a Unidade da Psicologia no Pensamento de Wolff

3.3 Monismo e Dualismo constituem uma Unidade na Psicologia de Wolff?

3.3.3 A Unidade entre Monismo e Dualismo na Psicologia de Wolff

Pelo que vimos até aqui, podemos constatar quatro coisas. Primeiramente, que Wolff assume uma perspectiva simultaneamente monista e dualista em sua psicologia, o que devemos aceitar tanto pelo que sabemos pelas fontes primárias, quanto pelas deficiências das interpretações a favor de uma ou de outra na literatura secundária. Em segundo lugar, que a análise desta questão deve envolver uma consideração de alguns pontos da ontologia e cosmologia geral de Wolff, em especial suas noções de coisa simples, elementos e harmonia geral. Em terceiro lugar, que no nível da literatura secundária esta análise ocorre comumente não no contexto dos debates sobre a psicologia wolffiana, mas naqueles sobre a relação de Wolff com Leibniz. Por fim, que devemos dar atenção especial a um ponto que na literatura secundária foi ou subestimado, ou superdimensionado: a noção de que os elementos contêm a razão suficiente de tudo o que se dá no mundo, apesar de não sabermos propriamente o que contêm.

Antes de respondermos a pergunta do título desta seção, portanto, devemos apresentar nossa visão a respeito deste último ponto, a partir do que retornaremos àquela. Ao lidar com o tema das propriedades dos elementos, vemos que Wolff assume como verdade apenas aquilo que serve como razão suficiente para as demais verdades cosmológicas e físicas, ou seja, que os elementos devem possuir uma força da qual derivam as forças motriz e da inércia dos corpos (sendo, portanto, física, ou seja, com impacto no nível fenomenal), e que estão todos conectados entre si, em uma harmonia geral (restrita à ideia de conexão das coisas, ou nexus rerum), cuja natureza última não é necessário determinar pelo momento. O próprio Wolff diz, em suas AzDM, por exemplo:

Como a natureza nunca dissolve a matéria até os elementos, então também nunca temos que ir até os elementos na explicação das mudanças naturais, e, portanto, nada impede que na física nós não conheçamos os elementos. (Wolff, 1740/1983a, p. 415, Ad §.694) 123

123 De fato, referências deste tipo ocorrem repetidas vezes na obra de Wolff. Ver, por exemplo, DM

E mais, avaliando o erro cometido pelos pensadores que quiseram equiparar os elementos com os corpúsculos materiais a partir deles produzidos, diz

Teria sido decerto melhor se os conhecedores da natureza tivessem reconhecido que as qualidades dos elementos seriam desconhecidas por eles, e não permitido, portanto, que na física a partir daí por puras inferências se apresentasse tudo o que acontece na natureza. Pois, desta forma, teriam eles tomado o meio que escolhi na física, e se situariam apenas na experiência, e teriam empregado a pesquisa em torno das causas proximais para descobrir daí o que se dá na natureza. De tal maneira se evitam causas fictícias, e se encontram as verdadeiras [...]. Se nós, assim, igualmente, as verdadeiras qualidades dos elementos ainda não aprendemos a conhecer, então já é suficiente que nós saibamos que não entendemos nada deles, e não podemos a partir deles através de puras inferências fornecer o conhecimento da natureza; pois, desta maneira, começamos no lugar certo, no qual nós assiduamente observamos e experimentamos, e com o prazer do que através disso é conhecido com segurança. Assim, temos fundamentos certos a partir dos quais podemos construir, e alcançamos conhecimentos úteis, que se podem usar na arte e na vida humana. (Wolff, 1740/1983a, pp. 350-351, Ad §.583 & seqq.)

Este tipo de postura possui reflexos também em sua psicologia. A determinação da natureza intrínseca das sensações, e sua implicação para o conhecimento dos conceitos da filosofia natural depende da teoria dos elementos e de sua conexão (DM, §§.769-776; PR, §§.98-110); assim como a demonstração da correspondência da imaginação ao mundo, e a intuição do mundo ideal (DM, §§.807- 811; PR, §§.178-194). Estas noções não dependem, no entanto, da determinação do tipo de força e de interação existente entre os elementos. Wolff afirma claramente em sua PR:

O envolvimento dos passados e futuros e de todos os presentes na ideia sensual deve ser admitido em todas as hipóteses sobre os elementos das coisas materiais, ainda que, por outro caminho, seja suficientemente compreendido apenas de acordo com a hipótese dos simples. (Wolff, 1740/1994, p. 154, §.188)

Vemos, também neste ponto, que Wolff busca com sua investigação sobre os elementos apenas saciar as necessidades demonstrativas de seu sistema (no caso, de sua

psicologia), sem maiores comprometimentos com outras verdades desdobradas a partir daí nos sistemas de outros pensadores.

Se nossa interpretação é correta, podemos dizer que, primeiramente, Wolff não busca estabelecer um dualismo substancial ao não atribuir uma força representativa aos seus elementos, mas apenas desvincular o seu sistema dos desdobramentos conhecidos da teoria monadológica leibniziana. Ele elabora o seu sistema, dessa forma, apenas até o ponto de satisfação das demonstrações que lhe parecem necessárias, sem avançar nos terrenos que não importam para estas, ou que as podem comprometer. Isto, que aos olhos da literatura secundária pareceu ser uma evitação da questão, a nosso ver constitui uma postura positiva de Wolff. Ele encontra aqui simultaneamente o elo necessário para as demonstrações cosmológicas, físicas e psicológicas, e exime seu sistema dos compromissos e problemas encontrados em outros. Por mais enigmático que ainda possa parecer, esta postura de Wolff ganha maior clareza se levarmos em consideração a sua noção de liberdade de filosofar.

Em sua AU (§§.38-43) e em seu DP (§§.151-171), Wolff dedica capítulos especiais para o esclarecimento do que concebe como liberdade de filosofar (Freyheit zu

philosophiren ou libertas philosophandi). Em linhas gerais, esta consiste na

possibilidade de um autor de expressar publicamente aquilo que é capaz de demonstrar e que julga verdadeiro, e de orientar-se por si mesmo na busca da verdade, respeitando as regras do método filosófico. O seu contrário, a escravidão ou servidão no filosofar (Sclaverey im philosophiren ou servitus philosophandi), consiste na submissão da atividade filosófica a outros fatores que não às regras do método filosófico, como a tradição das escolas, os costumes dos cientistas, a autoridade das instituições ou a fama dos pensadores. Para Wolff, sustentada a liberdade de filosofar, que tem como ponto regulador o método filosófico, a ciência passa a ser entendida como um empreendimento coletivo, no qual as ideias de uns autores são assimiladas por outros e levadas para além de seus limites iniciais, pelo que se permite a expansão das fronteiras das ciências – e o que constitui, propriamente, a condição de possibilidade de seu progresso (DP, §.161, §§.169-170). Neste processo, os autores devem sempre poder demonstrar pelos seus próprios princípios tudo aquilo que aceitam como verdade, seja novo ou velho, seja original ou derivado de outro autor. Wolff esclarece que, desta forma, pode ocorrer que os autores concordem nas palavras, mas discordem nos assuntos, e o contrário (DP, §.158). Mais importante, pode ocorrer que um autor aceite