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CAPÍTULO 2: A Psicologia nos Escritos Latinos de Wolff

2.3 Psychologia Rationalis

2.3.3 Sobre a Relação entre Corpo e Alma, e Outros Atributos da Alma

Antes de iniciar a exploração dos sistemas de explicação da relação entre corpo e alma, Wolff faz alguns comentários preliminares relevantes a respeito do exame que segue. Em primeiro lugar, diz que a questão da relação entre corpo e alma é uma das mais difíceis de todos os tempos. Por isso, alguns a tomaram como um nó indissolúvel, e outros, na tentativa desesperada de eliminá-la, duvidaram de alguma substância e caíram em materialismo ou idealismo. Sabendo-se, contudo, que estas saídas não são as únicas, insiste, devem proceder os filósofos aqui como os astrônomos, a partir da elaboração de hipóteses. As hipóteses criadas pelos filósofos para dar a razão dessa

relação são chamadas por Wolff de sistemas (systemata)90 de explicação da relação entre corpo e alma (§§.530-531). Neles, complementa, para dar a razão do que se observa e abrir o caminho à descoberta da verdade, se deve tomar como existente aquilo que ainda não se pode demonstrar, mas de forma que nenhuma experiência ou verdade já demonstrada sejam contrariadas (§§.531-533) – pelo que, diz ainda, não se devem imputar os seus eventuais erros aos seus autores, que as reconhecem como meramente prováveis, e as usam pelo bem da busca da verdade (§§.534-535).

Na avaliação de Wolff, os sistemas devem guardar algumas suposições em comum. Em primeiro lugar, diz ele, nenhum deles pode negar que na nossa experiência as percepções das coisas sensíveis na alma e os movimentos voluntários no corpo ocorrem como se a alma e o corpo influenciassem um ao outro – tal como na astronomia se assume, seja qual for o sistema de mundo pelo qual são explicados os movimentos celestes, que estes ocorrem como se a terra fosse o centro do universo (§.537). Em segundo lugar, todos devem assumir a explicabilidade das percepções da alma pelas mudanças que ocorrem no corpo, e dos movimentos voluntários do corpo pelos desejos e aversões sensíveis ou racionais da alma, no que consiste propriamente o que se chama de harmonia da mente e do corpo (harmonia mentis et corporis). Como consiste naquilo que os sistemas buscam explicar, observa Wolff, esta harmonia não se deve confundir com nenhum deles, em especial com a harmonia pré-estabelecida, que é apenas a hipótese de que esta harmonia foi pré-estabelecida por Deus (§§.539-542)91. Em terceiro lugar, na medida em que não podem repugnar o que afirmam a experiência e a razão, em todos os sistemas também se deve supor a força representativa como essência e natureza da alma (§.547).

Prosseguindo com o exame geral dos limites dos sistemas, Wolff observa primeiramente que, por tratarem apenas da razão da relação entre corpo e alma, qualquer um deles pode defender ou negar a liberdade – como prova, inclusive, o fato de que alguns defensores do influxo a defendem e outros a negam. Pois, a relação entre

90 Ao longo de todo o texto Wolff utiliza o termo “sistema” em referência às teorias explicativas da

relação entre corpo e alma, e não em sua acepção comum de “sistema filosófico” ou “corrente filosófica”.

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A demarcação desta clara diferença entre harmonia entre corpo e alma, de um lado, e harmonia pré- estabelecida entre corpo e alma, de outro, constitui um importante esclarecimento conceitual de Wolff em sua PR – apresentado pela primeira vez no prefácio desta mesma obra. Como veremos melhor no capítulo 3, uma primeira indicação desta diferença surge de forma ainda incipiente nas AzDM (Ad §.869), constituindo, assim, um dos pontos de modificação conceitual de Wolff entre seus escritos alemães e latinos.

corpo e alma consiste na dependência, por um lado, da alma em relação ao corpo, no que se refere à especificação e duração das percepções que ocorrem junto aos movimentos do corpo e, por outro, do corpo em relação à alma, no que se refere à especificação e duração dos movimentos voluntários que ocorrem junto às vontades da alma – ao que é absolutamente indiferente a liberdade da alma, que diz respeito apenas a como pode a alma, uma vez dadas as suas percepções, eleger espontaneamente aquela que mais lhe agrada (§.536). E como não têm minimamente a ver com questão da liberdade, continua Wolff, se algum sistema assume algo que é adverso à liberdade da alma, isto se dá em função da aceitação nele de opiniões errôneas que poderiam e deveriam ser evitadas, pois dizem respeito não à dependência mútua entre corpo e alma (assunto dos sistemas), mas à dependência das volições e nolições em relação às percepções da alma (§.544). Em segundo lugar, da mesma forma, nenhum sistema de explicação da relação entre mente e corpo pode ser contrário à força da alma senão admitindo erros que poderia e deveria evitar. Pois, essa noção, pela qual se deduz tudo na psicologia racional, é totalmente independente dos sistemas, e de fato deve ser aceita em todos eles (como se argumentou acima) (§§.548-549). O mesmo se dá ainda no que se refere às escrituras sagradas, que só admitem a relação entre corpo e alma, que os sistemas também têm por indubitável (§§.545-546). Por fim, diz Wolff, em geral nada muda na filosofia prática se forem cometidos erros ou acertos no que é explicado pelos sistemas, porque os princípios psicológicos usados na práxis moral e civil nada supõem senão a harmonia entre corpo e alma, não havendo ali utilidade para os sistemas (§.538). Tratando da possibilidade geral dos sistemas, Wolff nota que materialistas e idealistas, na medida em que caem em monismo e têm a harmonia como inexistente ou apenas aparente (respectivamente), não veem importância nos sistemas, nem sua possibilidade (§§.550-551). Contudo, como se verifica na experiência que se dá a relação entre corpo e alma, ela deve ter uma razão, e são, por isso, possíveis os sistemas. A dificuldade ou até a impossibilidade de descobrir esta razão, nesse sentido, deve-se ao sujeito cognoscente, e não à coisa conhecida, cabendo ao filósofo buscá-la, ainda que pela limitação do entendimento humano nunca encontre uma que satisfaça toda a verdade (§.555).

Feitos estes comentários preliminares, Wolff passa à avaliação dos três sistemas que considera os mais importantes até seu tempo: do influxo, o das causas ocasionais (chamado na DM de tese da intervenção imediata de Des), e o da harmonia pré-

estabelecida (§.553). E ressalta ainda que, a simples afirmação de ignorância sobre a razão da relação, ou a sua interpretação em termos de uma ação desconhecida de uma substância sobre a outra, não constituem sistemas. Pois, no primeiro caso, não se apresenta a razão nem se demonstra sua inexistência; e no segundo usa-se uma palavra vazia (ação), que não se pode explicar, e que simplesmente substitui outra já derivada da experiência (coexistência), mantendo-se em ambos os casos nossa compreensão limitada àquilo que ensina a experiência (§.554, §§.556-557).

Sobre o Sistema do Influxo Físico

Analisando as linhas gerais do primeiro sistema, Wolff nota que, o termo influxo físico (influxus physicus), comumente, refere-se à transferência da realidade de uma substância para outra onde não estava, como acontece, por exemplo, quando o corpo em movimento A se choca com o corpo B que estava em repouso, ganhando B uma força motriz que não tinha, e ficando A com menos (§.558). O influxo físico mútuo entre corpo e alma, assim, consistiria na transferência de realidade entre eles (§.599). O sistema do influxo físico é, portanto, uma hipótese filosófica (porque assume algo que nem pela experiência nem pelas verdades demonstradas até aqui é provado) que busca explicar a relação entre corpo e alma a partir deste influxo; e é chamado de influxionista (influxionista) aquele que o defende – como os aristotélicos escolásticos, mas não aqueles que aceitam a ação desconhecida entre corpo e alma (§§.560-564).

Passando à análise desse sistema, Wolff diz que nele a alma move o corpo ou os órgãos do corpo, e o cérebro produz percepções das coisas sensíveis que agem nos órgãos dos sentidos, de forma que nele são atribuídas forças à alma e ao corpo pelas quais eles podem acionar as mudanças entre si. Em outras palavras, se a alma influi fisicamente no corpo, alguma força da alma cruza para o corpo e nele é transformada em motriz (porque o movimento se dá por essa força, mas a alma como coisa simples não a tem), e se o corpo influi fisicamente na alma, alguma força motriz transita do corpo para a alma e na mesma é transformada em outra (§§.564-568). Esta seria a concepção comum deste sistema.

Aprimorando esta concepção a partir de seu próprio sistema, Wolff sugere que, se o corpo físico influi na alma, a força transiente do corpo na alma dirige a força desta, determinando-a a observar a lei das sensações, de maneira que é necessário o influxo para a intuição das ideias do universo, não se determinando a alma por si mesma a

seguir a lei da sensação. Por outro lado, se a alma influi fisicamente no corpo, dirige os fluidos nervosos pelos nervos motores nos músculos pelos quais são executados os movimentos no corpo, o que é necessário para a determinação dos movimentos espontâneos no corpo, já que os nervos por si estão sempre dispostos ao fluxo de movimento e são indiferentes a qual nervo excitar e em que direção. Desta forma, diz Wolff, utilizando a sua própria teoria da alma, explicam-se os efeitos de corpo e alma entre si pelo influxo de maneira mais robusta, como nem os influxionistas o puderam fazer. Isto prova como sua teoria independe dos sistemas e pode ser usada para melhorá- los, o que se faz, contudo, por amor à verdade, e não para a defesa de algum deles (§§.569-572).

Partindo para a análise das fraquezas deste sistema, Wolff encontra, primeiramente, que do influxo físico entre corpo e alma não temos nenhuma noção. Isto é, não se tem conhecimento nem a posteriori (porque não se verifica na experiência), nem a priori (porque não deriva de nenhuma verdade demonstrada até aqui) seja da transição e transformação (postulada na concepção comum desse sistema), seja da variação de direção e grau de uma força por outra (postulada pela versão melhorada do mesmo a partir de sua teoria da alma). Por esta razão, o influxo para Wolff é inexplicável de maneira inteligível, e deve ser tomado como incerto, sem que se possa, por ora, rejeitá-lo por isso (§§.573-575).

Contudo, segue Wolff, se o corpo influi na alma, uma força motriz perece em função dela, e se a alma influi no corpo, surge por ela uma força motriz onde não havia. Isto é contrário à conservação no universo das forças vivas92; à noção de forças em geral (porque a força motriz é um fenômeno da substância corpórea, e não pode ser transferida do corpo para a alma); e à ordem da natureza (porque a conservação de forças é uma lei da natureza) (§§.576-581). O influxo físico entre corpo e alma, assim, não se pode verificar na experiência, nem demonstrar a priori sem prejudicar a ordem da natureza e a noção de forças, assumindo-se, pois, como qualidade sem razão, o que faz dele uma qualidade oculta e um termo vazio (§§.582-583). E como tampouco se pode submetê-lo a experimento, já que as mudanças entre corpo e alma sempre ocorrem como

se houvesse influência de um no outro, e nunca de outra forma (§.587), Wolff conclui

92 Esta noção é apresentada na cosmologia (COS, §§.356-357). As forças vivas são as que se dão junto ao

movimento local, como no peso que cai. São contrárias às forças mortas, que são a simples tendência ao movimento, como no peso pendurado por um fio.

que este sistema é destituído de toda a probabilidade (§.588), e é inútil, portanto, para a psicologia racional (§.584) – assim como para a teologia e filosofia prática, que só necessitam da certeza provida pela experiência da existência da harmonia entre corpo e alma, e não de sua causa neste ou em qualquer outro sistema (§§.585-586).

Sobre o sistema das causas ocasionais

A respeito do segundo sistema, Wolff inicia apresentando seu histórico, destacando que foi criado por Descartes e desenvolvido por N. Malebranche (1638- 1715)93 (§.589). As causas ocasionais em geral, explica, são aquelas destituídas de força de agir própria (opostas às físicas), e que fornecem a ocasião para a ação de Deus (§.590). No sistema das causas ocasionais, portanto, corpo e alma são destituídos de força para agir ou dirigir as mudanças um no outro, e apenas fornecem com seus estados a ocasião para que Deus produza em cada um as mudanças harmônicas entre eles, as quais dependem, assim, puramente da Sua vontade – de fato, diz Wolff, na elaboração de Descartes esse sistema é extensível à ação de todas as substâncias finitas entre si, considerando-se, por exemplo, os corpos como meras causas ocasionais da comunicação e conservação dos movimentos (§§.591-593). Um ocasionalista (ocasionalista) é, assim, aquele que usa o sistema das causas ocasionais para explicar a relação entre corpo e alma, ou também para a explicação dos movimentos – pelo que não se podem considerar ocasionalistas os ateus ou aqueles que duvidam da existência de Deus (§§.595-596).

Analisando como por esse sistema (melhorado pela sua teoria da alma) se explica a relação entre corpo e alma, Wolff diz que, para conservar a quantidade de forças, Deus não cria nem aumenta a quantidade de movimento no corpo em função da alma, mas apenas muda a direção daqueles que já estão em curso em favor do desejo da alma, assim como apenas dirige a força da alma determinando-a a observar a lei da sensação. Deus, portanto, deve constituir leis para a operação harmônica de corpo e alma, de acordo com as quais sempre com a ideia material no cérebro e mudança no órgão coexiste na alma a ideia sensual explicável por elas, assim como sempre deve originar-se no corpo o movimento possível pela constituição dos órgãos quando o quer a alma (§§.597-601). Expostos dentro dos limites da sua teoria da alma, observa Wolff, vê-se que são equivalentes os sistemas dos influxionistas e ocasionalistas, na medida em

que não negam a harmonia nem a teoria da alma – sobressaindo-se este último ao outro apenas em função de sua maior probabilidade até aqui (§.602).

Wolff parte então para a análise crítica deste sistema, notando primeiramente que, se aceitamos que a harmonia constatada na teoria da alma (e também na do mundo) é sustentável puramente a partir da natureza do corpo e da alma, no sistema das causas ocasionais as mudanças harmônicas entre alma e corpo são realmente milagres perpétuos (§§.603-604). Neste sentido, observa Wolff, este sistema contraria o princípio de razão suficiente, pois, seja em sua forma comum (onde os movimentos no corpo e as percepções harmônicas na alma originam-se da pura vontade de Deus), seja em sua forma melhorada pela sua teoria da alma (onde Deus apenas redireciona harmonicamente as forças já existentes na alma e no corpo), as mudanças harmônicas entre corpo e alma não se sustentam em suas próprias naturezas (onde deve residir a razão suficiente do que se dá nelas), mas na ação voluntária de Deus (§§.606). Adicionalmente, este sistema também contraria a ordem geral da natureza, em especial a lei que exige a manutenção da direção do movimento94. Por isso, Wolff considera este sistema igualmente improvável (§§.607-608).

Antes de concluir seu exame, contudo, Wolff oferece algumas notas de defesa a esse sistema, julgando isto necessário por equanimidade e justiça. Primeiramente, menciona que se nele são conferidas forças autônomas à alma e ao corpo, intervindo Deus apenas na direção destas forças, não se confundem a natureza de Deus com a das criaturas – o que se dá, no entanto, na versão comum desse sistema. Contra a acusação de que nele, pela negação da ação da alma no corpo, toda ação do espírito sobre a matéria é negada, prejudicando-se assim a religião, nota que Deus permanece aqui onipotente (§.609). Igualmente, contra a acusação de que este sistema tolhe a liberdade, diz que Deus apenas dirige a força da alma no perceber aquilo que gera modificações nos órgãos dos sentidos, e ela por sua própria força segue da percepção ao apetite, não havendo aqui nenhum prejuízo à liberdade (para a qual, como já se viu, não importa como a alma chega à sua percepção) (§.610).

94 Wolff menciona aqui, em caráter complementar, a opinião de Leibniz segundo a qual Descartes haveria

chegado também à teoria da harmonia pré-estabelecida, tivesse ele conhecido essa lei, descoberta por C. Hugenius (1629-1695) (PR, §.607).

Sobre a harmonia pré-estabelecida

Wolff chega, então, ao sistema da harmonia pré-estabelecida. Sua apresentação mescla aquela da DM com as considerações presentes nas AzDM. Não obstante, Wolff também introduz aqui algumas noções ligadas a outros pontos de sua psicologia latina. Apresentaremos de maneira sumarizada os conteúdos já conhecidos nas obras passadas, dando destaque às novidades da psicologia latina neste tema.

Após caracterizá-lo em geral como o sistema pelo qual as mudanças harmônicas entre alma e corpo se dão em função de suas próprias naturezas, Wolff indica o ponto de surgimento dessa teoria, que se dá em um artigo de Leibniz no Diario Eruditorum

Parisino de 1695 – ao qual dirigiram-se na época diversos de textos de comentário

(§.612). Segue, então, explicando que nesse sistema, mantendo-se a sua teoria da alma, todas as percepções e vontades se dão na alma por sua própria força, e todos os movimentos do corpo (mesmo os que chamamos de voluntários) pelo seu mecanismo, ainda que não existisse mundo material ou alma, respectivamente – e de forma que nem alguma influência física ou a intervenção de Deus são necessárias (§§.613-616). Neste sistema, portanto, a razão do que se dá em uma dimensão pode ser dada a partir do que se dá na outra, em função da harmonia existente entre ambas, mas sem necessidade de ação de uma na outra, nem de nenhum tipo de determinação externa (§§.618-619). Para tanto, diz Wolff, supõe-se que é possível o corpo tal como se explicou na teoria da alma, isto é, aquele que por simples movimentos segue continuamente a série que concorda com cada modificação ordenada da alma. A respeito deste corpo, assume Wolff, ainda se sabe pouco (sobretudo por desconhecermos os mecanismos do cérebro), mas ele não é por isso minimamente impossível (§.617).

Apesar de equivaler ao influxo, na medida em que também supõe que corpo e alma coexistem como se influíssem um no outro (o que supõem todos os sistemas), segue Wolff, aqui tudo se dá naturalmente e é explicável de maneira inteligível, sem apelo a qualidades ocultas (isto é, sem influxo real entre substâncias) ou causas primeiras (a vontade de Deus) (§§.620-622). Sobre este último ponto, em especial, Wolff afirma que o pré-estabelecimento da harmonia por Deus, que constitui uma causa primeira, é tomado apenas como razão geral da harmonia, dependendo-se efetivamente das leis da alma e da natureza, isto é, das causas segundas, para a compreensão dos fenômenos específicos de ambas. Em outros termos, o pré-estabelecimento da harmonia

consiste em um milagre, pois depende da ação de Deus, mas apenas na medida em que o é o ato da criação em geral, no qual todas as coisas são criadas e postas em harmonia (o que constitui a ideia leibniziana de harmonia geral de todas as coisas simples, o que, no entanto, não é objeto de discussão aqui)95, após o qual tudo segue não milagrosa (como no ocasionalismo), mas naturalmente (§§.623-629).

Voltando à questão da liberdade da alma (i.e., se ela seria tolhida pelo pré- estabelecimento da harmonia), Wolff lança mão aqui outra vez da noção segundo a qual a faculdade de desejar não depende de como a alma chega às sensações (§.525). Assim, tendo o sistema da harmonia pré-estabelecida (assim como qualquer outro) a ver com como se dão sensações na alma quando ocorrem movimentos nos órgãos dos sentidos, e movimentos no corpo quando o quer a alma, mas não com como das sensações e percepções em geral a alma chega pela lei da vontade aos seus desejos, não se pode imputar a este sistema que a vontade da alma é pré-estabelecida (§.630). De fato, diz Wolff, a liberdade da alma está a salvo neste sistema tanto quanto em todos os demais, e as consequências negativas da sua negação (como o impedimento da justiça e da civilidade, assim como da moral cristã) se dão neste como naqueles. Não obstante, reconhece Wolff, neste sistema a liberdade é ainda mais resguardada, na medida em que não é determinada por nenhuma razão externa, não é pré-estabelecida, e nem mesmo diminuída pela necessidade dos movimentos do corpo – pois, ainda que nos seja incompreensível, é possível que no projeto de Deus as mudanças do universo e do corpo ocorram de forma que este execute como uma máquina, sem liberdade, os movimentos correspondentes às vontades livres da alma (§§.631-637).

Wolff entende este sistema, por todas essas razões, como bastante provável. Isto é, porque tudo ali se dá e se explica naturalmente, de acordo com o princípio de razão suficiente, ainda que o mecanismo do corpo seja incompreensível (mas não