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CAPÍTULO 2 A RESPEITO DO HOMEM E DO TRABALHO

2.2 Súmula de Economistas

2.2.4 A teoria geral de Keynes

John Maynard Keynes (1883-1946) talvez seja o nome mais marcante da economia no século XX. Ele revolucionou o pensamento econômico, derrubando conceitos até então tidos como inquestionáveis, como o pleno emprego neoclássico e o desemprego como sendo unicamente voluntário.

Keynes, na verdade, teve a seu favor a realidade em que se vivia quando seus escritos foram publicados. Sua principal obra, A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, foi publicada em 1936, em plena Grande Depressão.

A lei de Say, que imperou por mais de cem anos defendendo a tese de que a produção cria sua própria demanda, e os princípios marginalistas de que a economia de mercado encontraria naturalmente seu equilíbrio numa situação em que, respeitada a produtividade marginal, todos poderiam trabalhar se assim o desejassem, não mais encontraram respaldo nos fatos e experiências econômicas.

A crítica keynesiana ao modelo neoclássico parte da negativa da redução da oferta de mão-de-obra quando da queda do salário real, principalmente quando a queda do salário real ocorre como conseqüência de um aumento do preço dos bens e serviços consumidos pelos trabalhadores. A noção de oferta de emprego está cercada de fatores institucionais que tornam este mercado diferente de outros determinados pela oferta e demanda. "...O contrato de trabalho é especificado em

termos de uma jornada de trabalho e um salário por unidade de tempo trabalhada. Assim é decidido o número de horas, dias e meses trabalhados, e não a partir de uma regra simplista que supõe que cada trabalhador individual decidirá trabalhar mais ou menos em função do salário real oferecido dia a dia (AMADEO & ESTEVÃO, 1994, p.37).

Keynes, contrariamente à visão ortodoxa clássica e neoclássica, argumenta que a preocupação dos trabalhadores não é com relação aos salários reais, mas sim com os salários nominais. Assim, estaria desfeita a hipótese de que o desemprego era voluntário, ou seja, que os trabalhadores desempregados encontravam-se nesta situação por não aceitarem trabalhar pelo valor dos salários reais existentes na situação de equilíbrio. Dessa maneira, abandonando a visão do desemprego voluntário, Keynes traz a concepção do desemprego involuntário.

A idéia central na economia keynesiana é de que o produto nacional de equilíbrio pode não ser a quantidade necessária para assegurar o pleno emprego. Com essa afirmação, Keynes afronta a suposição neoclássica de que a renda que corresponde ao pleno emprego é uma renda sempre possível, no sentido de que sempre existe, para o sistema, a possibilidade de conseguir autonomamente um equilíbrio no qual os fatores disponíveis sejam plenamente empregados.

No regime de desemprego keynesiano, caracterizado pela existência de um desemprego de natureza involuntária, a oferta no mercado de trabalho excede a demanda das empresas, e isso em razão de uma insuficiência da demanda efetiva verificada no mercado de bens. Nesse caso, para retornar à situação de pleno emprego, é necessária uma política que estimule a demanda efetiva.

Keynes defende a idéia de que o capitalismo funciona mal por deficiência da demanda, e cria o princípio da demanda efetiva. Por este princípio, quem determina o volume de produção e, conseqüentemente, o volume de emprego é a demanda efetiva.

Para Keynes, novamente contradizendo a visão clássica e neoclássica, não é a oferta que cria sua própria demanda, mas sim a demanda (ex-post) é que determina a

oferta (ex-ante), e, desse modo, termina por determinar o nível de emprego da economia. Da mesma forma que não é a oferta que cria a demanda, também nada garante que o nível de poupança, que é complementar ao consumo, acabe por se constituir em investimento, conforme admitido na lei de Say e na visão neoclássica.

Contrariamente aos neoclássicos, para Keynes, a queda dos salários dos trabalhadores, ao invés de solucionar o problema do desemprego, pode agravá-lo, já que o menor poder aquisitivo dos trabalhadores provocaria uma queda no consumo. Em conseqüência, os empresários se sentiriam desestimulados a investir e a produção cairia.

O empresário não tem ciência ex-ante do montante da demanda agregada (ex-post), podendo, desta forma, determinar a produção apenas a partir de uma estimativa com relação à demanda. Caso a demanda supere a quantidade produzida, ao mesmo tempo em que se poderá ter uma pressão para a elevação dos preços, ter-se-á uma revisão das expectativas e elevação da produção. Assim, são as expectativas da demanda que determinam a oferta.

A ortodoxia do pensamento econômico neoclássico não estava preparada para enfrentar essa situação. A suposição de que o pleno emprego seria o nível normal de operação da economia e que os afastamentos em relação ao mesmo, quando ocorressem, seriam eliminados pelo próprio sistema econômico, era ineficaz para explicar as crises econômicas daquela época.

Também para Keynes, não é a poupança que determina o investimento, conforme apregoavam os neoclássicos, mas, sim, a poupança é determinada pelo nível de renda, o qual é resultado da atividade produtiva condicionante da oferta, que, por sua vez, resulta, como visto, da demanda agregada, podendo ser condicionado pelo investimento. Assim, pode-se afirmar que é o nível de investimento que determina a poupança, pois "em uma economia monetária, a poupança ex ante se transforma, na maioria das vezes, em ativos financeiros que podem, ou não, vir a ser transformados em investimentos" (ALBAN, 1999, p.32).

Não esqueçamos que em todos os casos concretos um empresário preocupa-se com decisões a respeito da escala em que usará certo equipamento de capital, e quando afirmamos que a expectativa de um acréscimo da demanda, ou seja, de um deslocamento da função de demanda agregada conduz a um aumento na produção agregada, o que realmente queremos dizer é que as empresas proprietárias do equipamento de capital se verão induzidas a associar-lhes um volume maior de emprego de mão-de-obra agregada... (KEYNES, 1983, p.39).

Pode-se argumentar que, de acordo com Keynes, o investimento (que pode ser privado ou público) exerce papel dinâmico fundamental na sua análise do sistema econômico capitalista. O investimento determina variações na demanda agregada que, por sua vez, irá determinar o crescimento tanto da produção, como da demanda por força de trabalho, ou seja, geração de empregos. O nível de investimento, por seu turno, é resultado de uma análise das expectativas dos empresários com relação à eficiência marginal do capital, que pode ser simplificada como sendo o retorno do investimento produtivo realizado. "O montante de investimento corrente dependerá, por sua vez, do que chamaremos de incentivos para investir, o qual, como se verificará, depende da relação entre a escala de eficiência marginal do capital e o complexo das taxas de juros que incidem sobre os empréstimos de prazos e riscos diversos (KEYNES, 1983, p.31).

Outra variável fundamental na análise keynesiana repousa sobre o consumo, que, por se constituir em demanda, acaba por gerar novas etapas induzidas de variação da demanda agregada e da renda/oferta, a partir de uma variação inicial na renda (resultante de um aumento nos investimentos, por exemplo). A magnitude desta variação é dependente da propensão marginal a consumir, que resulta no chamado multiplicador keynesiano.

Daí a importância do consumo, pois o trabalhador expulso do processo produtivo também estará expulso do consumo. Desse modo, quanto menor o consumo, maior será o desemprego que este poderá causar, através do multiplicador keynesiano.

Assim, consumo e investimento (público ou privado) acabam por determinar o volume de emprego da economia. Para Keynes (1983), "Não devemos subestimar a importância do fato já assinalado anteriormente de que, enquanto o emprego é função do consumo e do investimento previstos, o consumo é, ceteris paribus, função da renda líquida, isto é, do investimento líquido (sendo a renda líquida igual ao consumo mais o investimento líquido)" (p.76).

Keynes defende a intervenção estatal na economia. Os gastos do governo, como componente da demanda agregada, provocam elevação da demanda, da produção e, conseqüentemente, do emprego.

É impossível falar de Keynes sem tratar do papel do governo enquanto agente ativo da economia, pois por meio da política fiscal este agente pode estimular de maneira direta a atividade econômica e o nível de emprego, reduzindo a tributação ou elevando seus gastos. E, pela mão monetária, ele pode reduzir a taxa de juros, tornando mais interessante o investimento produtivo.

Voltando ao lado fiscal, o governo tem em suas mãos o poder de direcionar gastos e redução tributária aos objetivos que pretende atingir, sendo, assim, um agente de comando no sistema, lembrando sempre que é o bem-estar generalizado que este deve buscar.

Quanto ao efeito da tecnologia sobre o nível de emprego, especificamente, não ocorre um aprofundamento na Teoria Geral de Keynes propriamente dita, mas está presente em autores de abordagem pós-keynesiana, como Kaldor e Rowthorn, porém mesmo estes não a utilizam como ponto principal de análise.

De acordo com Gilberto Tadeu Lima,

Quando a ocorrência de progresso tecnológico é considerada, inovações poupadoras de mão-de-obra afetarão a distribuição ao reduzirem os custos unitários de trabalho e, portanto, a própria participação dos salários na renda. Com isso, a trajetória do progresso tecnológico torna-se um determinante fundamental da acumulação de capital e do crescimento, seja diretamente por requerer a instalação de novos equipamentos de capital, seja indiretamente por afetar a distribuição... (LIMA, SICSÚ, e PAULA, 1999, p.191).

Todavia, a questão keynesiana não se encontra resolvida, pois a questão do aumento dos gastos não é infinita, considerando que a questão do orçamento pode, no futuro, gerar mais desemprego.

Na teoria keynesiana, o déficit público era um instrumento anticíclico, porém nunca uma situação permanente. Um déficit público prolongado por uma incapacidade de equilibrar entradas e gastos dos governos gera imediatamente uma elevação da taxa de juros, com incidência negativa sobre o consumo e o investimento – que são os componentes mais importantes da demanda efetiva (não nos referimos aqui à redistribuição negativa das entradas provenientes dos altos níveis públicos de endividamento) (GELLER, 1998, p.56).