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TRADICIONAIS E INOVAÇÕES *

No documento Estratégias de reprodução social (páginas 120-132)

Ellen F. Woortmann

O

saber camponês revela um conhecimento complexo relativo à sua prática agrícola. Um levantamento dos sistemas agrícolas de sitiantes sergipanos identifi cou 26 modalidades de consorciamento entre plantas cultivadas, expressão sofi sticada da relação entre o homem e a natureza, que expressa não apenas dimensões técnicas, mas também princípios morais. Refi ro-me ao que se pode chamar de “triângulo Deus, Homem, Terra”, uma percepção moral da relação com a terra e entre os homens, como mostramos em O trabalho da terra: a lógica e a simbólica da lavoura camponesa (Woortmann e Woortmann, 1995) e como ressalta o ensaio de Klaas Woortmann (1990) “Com parente não se neguceia: o campesinato como ordem moral”, que se aproxima ao que Carlos Brandão (1981) aponta como um éthos camponês, ou o que, nos termos de Godói (1998), constitui parte do “sistema do lugar”.

Confi gura-se uma relação de reciprocidade entre os três pólos daquele triângulo. O trabalho do homem implica respeito para com a terra (e a natu- reza em geral) esperando dela aquilo que “ela pode e quer dar”, em especial os alimentos que é capaz de produzir. O homem não deve forçar a terra a dar aquilo que não é de sua vocação, isto é, não deve “corrigir o solo”, como se a natureza pudesse estar “errada”. O sitiante como que dialoga com a terra, avaliando “o que a terra quer produzir, o que ela quer dar”.

O trabalho do homem é o de preparar a terra e, quando necessário, alimentá-la, fortifi cá-la com a “vitamina” do adubo. Por sua vez, o trabalho da terra é o de receber a semente, fazer nascer e crescer a planta, alimentando-a

* Trabalho apresentado, em outra versão, em O campo no século XXI, organizado por Ariovaldo Umbelino de Oliveira e Marta Inez Medeiros Marques, Depto. de Geografi a Agrária, USP.

com sua “vitamina”. A terra agradecida retribui o trabalho do homem com uma colheita abundante. Quando ela “recebe a vitamina dada pelo homem e a chuva de Deus, ela fi ca alegre e agradece, dando muito alimento” e trazendo “fartura”. Mas, se a terra trabalha, tal como o homem, ela fi ca “cansada”, e é preciso respeitar seu tempo de “descanso” (pousio), para que possa renovar suas forças.

Em contrapartida, o trabalho de Deus é fazer cair a chuva (num ciclo anual relacionado a determinados santos). Mas isto depende da conduta dos homens que, com freqüência, afrontam a vontade divina. Em vez da chuva, vem então a seca. Como se costuma dizer naquela região, “a seca é o castigo de Deus pela maldade dos homens”, o que exige a penitência.

Tem-se, portanto, como que uma “humanização” da natureza, uma con- cepção “etno-ecológica holista”. O homem deve saber que a terra “precisa ser bem tratada”, do que resulta uma forma de reciprocidade positiva. Mas, se o homem desgastar a terra, não a deixando “descansar quando ela precisa” ou não der “a vitamina que ela necessita”, ela se tornará estéril; ela “se vingará” não o provendo de alimentos e, por conseguinte, deixando sua família em situação de “precisão”.

Ao se estudar a lógica do consorciamento na lavoura daqueles “sitiantes”, fi cou evidente que a produção camponesa é familiar não apenas no sentido de usar a força de trabalho familiar (o que implica mudanças ao longo do ciclo de desenvolvimento do grupo doméstico, como já mostrara Chayanov, 1974), mas também que o sítio produz de acordo com as necessidades dos variados membros da família – crianças, mulheres gestantes ou “de resguar- do”, doentes, idosos –, o que implica não só distintos consorciamentos, mas variadas alocações de partes da terra disponível.

De outra perspectiva, o perfi l da família e suas necessidades são um dos fatores centrais em torno do que se organiza a lógica produtiva do sitiante. A presença de idosos ou doentes levará ao ou elevará o plantio, por exemplo, de uma variedade de milho branco, “mais fraco” e mais macio, assim como do milho vermelho, “mais forte”, destinado ao consumo de outros membros do grupo doméstico e à alimentação dos animais.

Tal como já foi discutido (Woortmann, 1983), o sítio não é concebido como uma extensão uniforme; ele é organizado pelo trabalho em espaços diferenciados, nos quais a diversidade e a disponibilidade de solos, com situ- ações distintas quanto à inclinação do terreno, à água etc. constituem fatores importantes. Esses espaços e as atividades neles desenvolvidas articulam-se entre si. Essa articulação engendra uma espécie de modelo de insumo–produto, no qual cada espaço-atividade gera insumos para outros espaços-atividades. Tal modelo obedece ao princípio de “internalização dos supostos da produ- ção”. Assim, por exemplo, do pasto vem o estrume que dará “força” ao solo destinado à plantação. Esta última fornecerá a “palhada” que alimentará as vacas com cria. Da mandioca se extrai o veneno para combater formigas.

A análise do consorciamento apontou também outro plano. Plantas são consorciadas segundo sua classifi cação, e essa classifi cação remete ao que poderíamos chamar de um modelo cosmológico. Basicamente, as plantas são classifi cadas em “quentes” e “frias” e “fortes” e “fracas”. Tais oposições, contudo, também dizem respeito aos solos, mas vão além disso. Alimentos também são “quentes” ou “frios”, “fortes” ou “fracos”, e isso se aplica ao corpo humano e às doenças. A oposição quente-frio no que se refere a alimentos, doenças e corpo foi muito estudada no Brasil e na América hispânica, como mostram os trabalhos de Ibañes-Novión (1976), Peirano (1979), Brandão (1981), Maués (1993) e outros, confi gurando o que foi chamado de “síndrome quente–frio”, central para as concepções de saúde e para as práticas de saúde tradicionais. Destaque-se que na concepção desses sitiantes, e de outros com os quais compartilham esse modelo, “tudo na natureza de Deus ou é quente ou é frio”.

Essa matriz cognitiva, de origem circum-mediterrânea, trazida para a América Latina pela via ibérica, é derivada da tradição grega codifi cada por Hipócrates, não apenas em sua teoria médica dos humores – que inclui também a oposição “seco” e “úmido”, igualmente encontrada no Nordeste brasileiro –, mas num plano mais amplo. Hipócrates também foi geógrafo e, tal como Heródoto, organizava o mundo segundo essas combinações, que também serviram para classifi car povos. Assim, os citas que habitavam o norte frio e seco eram opostos aos egípcios que habitavam o sul quente e úmido (Woortmann, 2000).

Se “tudo na natureza de Deus ou é quente ou é frio”, também os solos po- dem ser quentes ou frios ou transitarem do quente para o frio. Solos argilosos são sempre quentes, ao passo que os arenosos, inicialmente quentes, vão-se tornando frios e podem ser adubados com o “unto”, isto é, o estrume animal que é quente. Terras quentes, por sua vez, nunca podem receber o “unto”. Há uma analogia entre a terra e o corpo, pois uma pessoa com o corpo quente (por motivo de certas doenças ou estados fi siológicos como a menstruação) não pode comer alimentos quentes; pelo contrário, deve comer alimentos frios. A alimentação ideal para pessoas saudáveis é aquela que combina um alimento quente com outro frio. Não é por acaso que o “feijão com arroz” é fundamental na alimentação brasileira, pois o feijão é quente e o arroz é frio. As carnes também se classifi cam segundo um gradiente no qual a carne de caça é muito quente, seguida da de porco e de gado, esta última a menos quente de todos. A primeira delas só pode ser consumida por adultos saudáveis. No outro pólo temos a carne de galinha e de peixe, próprias para o consumo de pessoas debilitadas, idosos e crianças. O frango de granja é considerado mais frio que o da galinha de criação doméstica.

Quanto ao consorciamento, não se pode plantar lado a lado duas plantas quentes, mas deve-se combinar uma quente com outra fria, ou intercalar uma planta fria entre duas quentes. E é preciso considerar o ciclo de cada planta, isto

é, a dimensão temporal. Assim, o algodão começa frio, mas torna-se quente e não deve ser consorciado com outra planta quente. É preciso também alternar plantas quentes de curto tempo de maturação, como o feijão, com plantas frias de longo tempo, como a mandioca, a fi m de que “um não empate com o outro”. Ademais, é preciso considerar condições meteorológicas, pois algumas plantas exigem maior incidência de chuvas que outras ou melhor ventilação ao longo de seu ciclo, como o feijão, que exige um espaçamento maior a fi m de evitar excesso de folhas em detrimento das vagens.

Essa oposição quente–frio, que não tem conotação térmica, pois diz respeito à “natureza” das plantas e dos solos ou dos alimentos, expressa um princípio fundamental, que é o do “equilíbrio”. De um modo mais amplo, é preciso manter o equilíbrio da natureza, como mostramos em detalhe em nosso livro O trabalho da terra (1995), tanto quanto aquele que deve presidir as relações entre os homens, pelo princípio da reciprocidade.

A “síndrome quente-frio” é, pois, um fundamento cognitivo que permite a leitura da natureza, mas, como já mencionado, ela não se restringe à lavoura. Ela é parte de um modelo maior, de uma cosmologia, que dá inteligibilidade ao mundo e que o percebe “são” como um mundo equilibrado.

Outro par de oposições, também observado por Cardel (1992) e por Al- meida (1988), é aquele entre “fraco” e “forte”, que igualmente se estende dos solos às plantas e aos homens. Assim, existem sitiantes “fortes” e “fracos” (e ambos se pensam como fracos em relação aos fazendeiros), tanto quanto terras ou comidas fortes e fracas. Mas essa oposição também dá conta do tempo histórico. Como mostra Almeida (1988), o grupo camponês de ori- gem nordestina por ele estudado em Mato Grosso percebe a si próprio num constante trânsito cíclico entre uma condição de forte para outra de fraco para retornar a forte etc. Ela pode também se articular com a oposição “dentro” e “fora”, na qual o “dentro” tende ao forte e o “fora”, ao fraco (Cardel, 1992).

O estudo de Almeida aponta ainda para outro ciclo forte–fraco. É o “go- verno da lua”. Os camponeses por ele estudados não concebem o ciclo lunar como lua cheia, minguante, nova, crescente. A lua transita entre uma condição de forte e outra de fraca, e a lavoura deve seguir seu “governo”. Assim, plantas fortes devem ser plantadas na lua fraca, e plantas fracas, na lua forte. O mes- mo governo estabelece tempos distintos para o plantio de plantas nas quais o interesse está na raiz e para aquelas nas quais o interesse está nas folhas.

Plantas fortes podem proteger um roçado. Assim, o gergelim, considerado muito forte, é plantado ao redor da roça, formando uma defesa natural contra insetos daninhos. Plantas fortes, contudo, não devem ser plantadas em terra fraca, porque retiram muita força do solo.

A lógica simbólica da lavoura camponesa expressa, destarte, uma ética de equilíbrio, na medida em que cria condições para o sustento da família e em que é feita segundo uma perspectiva “etno-ecológica” que envolve o

cuidado com a natureza – a “natureza de Deus” – desde a mata e as nascen- tes de água até a terra cultivada. Respeitando a natureza, o camponês estará respeitando Deus.

Camponeses são como gerentes da natureza pelo trabalho, o que me leva a outra dimensão da ética camponesa.

Perguntei a um sitiante se seu pai era proprietário da terra de seu sítio. A resposta foi que não, o que me deixou um tanto confusa, pois eu sabia da existência de documentos que atestavam a propriedade legal de sua terra. E o sitiante me disse: “a sra. quer saber se ele era dono, não é?” Em resposta, foi esclarecido que, para esses sitiantes, proprietário é uma categoria aplicada aos grandes fazendeiros que auferem lucros com o trabalho dos outros. Seu pai era dono “porque trabalhou a terra e deixou ela para os fi lhos”. Há vários signifi cados envolvidos nessa afi rmação. Nos termos dos valores campone- ses, alguém é “dono” por efeito do “trabalho, pelo suor nela investido”. Essa concepção tem um fundamento que remonta à Queda Bíblica. A sina do homem expulso do Éden é trabalhar, como se lê em Gênesis – “no suor do rosto comerás o teu pão”. De acordo com os “sitiantes” sergipanos, “Deus botou os homens no mundo para sofrer”; mas, ao mesmo tempo, “deu a natureza para o homem trabalhar”. Se Deus deu a natureza para ser usada pelo homem, este tem a obrigação de trabalhá-la. Por isso mesmo, é pelo trabalho que se tem direito à terra.

Mas a terra – que em última análise pertence a Deus – não é, ou não deveria ser, propriedade mercantil de um indivíduo, mas patrimônio de uma família. É também pelo trabalho, e pelo saber que o informa, que se é “pai de famí- lia”, mas este status implica transmitir a terra tanto quanto o saber que torna possível trabalhá-la. Mais que indivíduo – na acepção de Dumont (1985) em seu ensaio sobre o individualismo como valor moral – e proprietário de uma mercadoria, o pai, uma pessoa relacional, gerencia um bem patrimonial que deve ser transmitido de uma geração para as gerações futuras, juntamente com o cuidado com a natureza.

Sempre que possível – pois vários fatores históricos se contrapõem à ideologia camponesa – é preciso também transmitir os supostos da produ- ção. Assim, o desenvolvimento de outras atividades, como uma “arte” ou o “negócio”, ou ainda atividades ligadas à migração sazonal, capazes de gerar rendimentos para a subsistência da família, podem tornar possível a manu- tenção de um trecho de mata, necessário para o funcionamento ideal do sítio quando não é mais possível o acesso às chamadas “soltas”, terras livres não apropriadas pelas grandes fazendas (cf. Woortmann, 1983). Como disse um “sitiante” sergipano: “Fazem uns 35 anos que eu não corto um pedaço de pau, só deixo mesmo é apanhar lenha caída. Quero passar isso para meu fi lho; quero que ele se lembre que fui um sitiante caprichoso”.

É um ponto de honra para o pai legar esse trecho de mata para o fi lho, e é um fator de reconhecimento diante da comunidade.

Entre outros camponeses, os colonos teuto-brasileiros do Rio Grande do Sul mantêm em curso um processo de refl orestamento pelo plantio de acácias, insumo básico para a indústria de couros. Até cerca de 1950, realizava-se uma espécie de “refl orestamento ritual”. Por ocasião do batizado de uma criança, o pai, padrinho ou avô com alguma disponibilidade de terras plantava algumas araucárias em área ainda em mata, na margem de algum córrego ou mesmo na beira do caminho, formando um “corredor”. Com isso, cada recém-nascido teria no futuro algo “para começar na vida”. Da perspectiva da memória, era também uma forma de o ascendente ser lembrado na paisagem, principalmente quando “não estivesse mais aí”. Como o casamento era tardio (Woortman, 1995), esta era uma maneira para formar uma poupança para os fi lhos não herdeiros – dado o princípio da unigenitura, em que apenas um fi lho herda a propriedade –, destinada a contribuir para a compra de terra em alguma colônia nova, para a construção da casa por ocasião do casamento ou mesmo para a formação de uma “ajuda” em um novo começo na cidade. Em caso de crise, os pinheiros podiam ser vendidos pelo pai, que fi cava em débito com relação ao fi lho ao qual pertenciam as árvores. Essa “poupança” também podia ser usada para fi nanciar o estudo em seminário para os fi lhos destinados ao sacerdócio.

No caso de colonos “fortes” com mata maior e mais densa, na ocasião que antecedia o batizado, o pai, com a ajuda de familiares, além de selecionar pinheiros, selecionava também algumas árvores de madeira de lei destinando- as ao recém-nascido e fazendo a “limpa” ao redor delas “para que crescessem bonito”.

Os “pinheiros poupança” que relacionam o cuidado com a natureza aos ritos de passagem não se confundiam com aqueles plantados para outro fi m ritual, de caráter religioso: as “árvores de Natal” ou “pinheiros de Natal”. Estes eram plantados pela mãe de família, e não pelo pai, e eram cortados anual- mente; alguns deles, porém, podiam ser incorporados ao rol dos “pinheiros poupança”.

Segundo um colono:

Hoje [fi nal dos anos 90], quem pode planta ou deixa crescer de novo um pedaço de mato; não é tanto como antigamente... quando cada pai de família mostrava que era mesmo caprichoso... e ele podia tirar do seu mato as toras para [construir] as casas de cada fi lho. Agora, a gente aqui dentro [da colônia] não pode mais plantar aqueles corredores bonitos nos caminhos, como tinha antigamente. O pessoal vem e rouba. Hoje se planta na roça, na beira do arroio. Mas já é alguma coisa... tem muito bicho que está voltando. Se Deus quiser, quando esse aqui [apontando para um menino de cerca de dez a 12 anos] estiver arrastando asas para alguma guria, ele pode levar esses pinheiros de ali; para as tábuas de sua casa ele já tem.

No contexto dessas práticas, altera-se o signifi cado do pinhão, fruto das araucárias. De complemento alimentar da família e da criação de porcos,

ele passa a ter demanda no mercado urbano, tornando-se uma fonte de renda complementar para a família. Essa renda é, em muitos casos, usada para custear as despesas escolares do fi lho “dono dos pinheiros”, a quem cabe a coleta, sendo a comercialização atributo do pai.

Fato análogo aconteceu com a erva-mate, inicialmente uma espécie nativa endêmica em muitas áreas coloniais, a ponto de marcar a toponímia de algumas, como Teewald (mata de erva-mate), hoje Santa Maria do Herval (Rio Grande do Sul). Em várias regiões, ao serem abertas áreas de mata para cultivo, eram mantidos os espécimes nativos, cujas folhas e ramas fi nas eram colhidas pelos ervateiros em troca da erva-mate benefi ciada. Eram, pois, parte complementar da economia de subsistência da família. A partir de 1980, aumenta a demanda urbana pelo produto e, ao lado dos espécimes nativos antigos, novos são plantados, tornando-se a erva-mate um produto comercial (sobre a atividade ervateira em Santa Catarina, ver Renk, 1997).

Também os recursos hídricos eram protegidos, para que todos (pessoas e animais) “tivessem sempre água boa” e permanecessem saudáveis. É con- siderado importante manter as fontes, poços e riachos na sombra, porque “beber água esquentada pelo sol faz mal”. No “tempo dos antigos”, quando havia maior disponibilidade de terras, a vegetação das encostas dos morros era poupada, para que “a chuva não levasse embora a terra boa” e para que os cursos d’água não fossem assoreados. Em caso de surgimento de alguma voçoroca (desmoronamento causado por fortes chuvas), plantas de vários tamanhos eram jogadas com os galhos e ramas no sentido oposto ao da água, fi nalizando-se o fechamento com o plantio de bananeiras.

Entre esses mesmos colonos, a diversidade de relevos exige diversidade de práticas. A batata inglesa da “safra”, por exemplo, era plantada no alto dos morros a fi m de aproveitar melhor a incidência do sol no começo da primavera. Já a batata da “safrinha” de verão era plantada no sopé dos morros e coberta com a palha da safra anterior para reduzir a incidência dos raios solares e para manter a terra “gorda”, isto é, fértil.

A classifi cação das terras em “gordas” e “magras” pelos colonos teuto- brasileiros do Rio Grande do Sul equivale àquela dos camponeses sergipanos que as defi nem como fortes ou fracas.

Num clima frio, com longos períodos de inverno, quando os camponeses do norte europeu permaneciam em suas casas, a gordura era fundamental. Ademais, o trabalho camponês, como em qualquer lugar, exigia altos dis- pêndios de energia. A disponibilidade de gordura podia ser uma questão de vida ou morte. Ter gordura em casa era ter certeza de vida até a chegada da primavera. Esse princípio acompanhou os imigrantes até o Brasil, que aqui chegaram, vale lembrar, ainda antes dos avanços da tecnologia. Tanto as pessoas como a terra deviam ser “gordas”, e não deixa de ser signifi cativo

que mulheres magras fossem consideradas de pouca fertilidade e de pouco apelo estético.

Observo também que tal como os camponeses estudados por Almeida (1988), os quais circundam a roça com gergelim, os colonos cercam suas hortas com uma variedade de fl or, o “cravo de defunto”, também percebi- do como defesa contra insetos. O que à primeira vista pode parecer uma desordem – legumes junto com fl ores – é uma forma de evitar a compra de inseticidas. De um lado, é a mesma lógica da internalização dos supostos da

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