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Uma Omissão de Kant

No documento A Felicidade na Ética de Kant (páginas 114-136)

O LUGAR POSITIVO DA FELICIDADE NA ÉTICA DE KANT

3. Uma Omissão de Kant

Depois de compreendermos que o problema do soberano bem é um pro- blema teleológico pelo qual se quer ver resolvido um propósito de ordem sistemá- tica reclamado por uma exigência da subjectividade, passamos à identificação de um pressuposto da moral kantiana que, ao mostrar carecer de um fundamento sufi- ciente, constitui o principal sintoma de um tal propósito27. Referimo-nos àquele que

é, quer na Crítica da Razão Prática quer na Crítica da Faculdade de Julgar, o ponto de partida da própria reflexão sobre a possibilidade de uma justa proporção entre a felicidade e a moralidade – a lei moral obriga a promover o soberano bem.

Na Crítica da Razão Prática, a justificação que Kant, implicitamente, apresenta para uma tal formulação é a seguinte:

“Com efeito, ser carente da felicidade, ser também dela digno e, apesar de tudo, dela mesma não participar, eis o que não pode conciliar-se com o querer perfeito de um ser racional que possuiria ao mesmo tempo todo o poder, se apenas tentativamente imaginarmos um tal ser.”28

Esta justificação é insuficiente, uma vez que a razão que ela enuncia – o que- rer perfeito de um ser racional todo poderoso não se conformaria com a recusa da felicidade a um ser que a merece – ou é simplesmente hipotética ou, a ser mais do que isso, está ainda, neste momento da investigação filosófica, por demonstrar.

A tentativa de encontrar na Crítica da Faculdade de Julgar uma justificação mais convincente para o princípio há pouco referido acaba, também ela, por resultar frustrada. Vejamos a seguinte passagem:

“[…] a única exigência do fim final, tal como a razão prática o prescreve aos seres do mundo, é a de um fim irresistível [Kant está aqui a referir-se à felici- dade] neles colocado, mediante a sua natureza (como seres finitos), fim que a razão deseja submetido somente à lei moral, enquanto condição intocável […].”29

27 A elaboração desta tarefa funcionará como uma espécie de “prova dos nove” daquilo que se acabou de demonstrar.

28 CRPr, Ak V, 110 (129-130, trad. corrigida): “Denn der Glückseligkeit bedürftig, ihrer auch würdig, dennoch aber derselben nicht teilhaftig zu sein, kann mit dem vollkommenen Wollen eines vernünftigen Wesens, welches zugleich alle Gewalt hätte, wenn wir uns auch nur ein solches zum Versuche denken, gar nicht zusammen bestehen.”

29 CFJ, Ak V, 451 (382, trad. corrigida): “[…] das eine Erforderniss des Endzwecks, wie ihn die praktische Vernunft den Weltwesen vorschreibt, ist ein in sie durch ihre Natur (als endlicher Wesen) gelegter unwiderstehlicher Zweck, den die Vernunft nur dem moralischen Gesetze als unverletzlicher Bedingung unterworfen […].”

Se quiséssemos ver nesta afirmação uma possível razão capaz de explicar o carácter de evidência que Kant parece colocar no princípio segundo o qual o fomento do soberano bem é ordenado pela lei moral, essa razão teria de ser formu- lada nos seguintes termos: a lei moral obriga ao fomento do soberano bem, uma vez que no homem, como ser racional finito, habita um conjunto de disposições subjectivas que fazem da felicidade um fim irresistível. Ora, uma tal justificação peca essencialmente por dois aspectos. Em primeiro lugar, mesmo que para o homem, dada a sua natureza finita, a felicidade seja um fim irresistível, segundo o modo como ela é compreendida pelo conceito de soberano bem, o homem só a merece sob a condição da moralidade e, por conseguinte, sob a condição de superar as carências que lhe são impostas pela sua própria finitude. Tal como o próprio autor logo acrescenta, a felicidade é um fim que “a razão deseja submetido somente à lei moral”. Ou seja: a rigor, a felicidade não é a “única exigência do fim final”. Por outro lado, e em segundo lugar, ao fazer da irresistibilidade da felicidade uma espécie de motivo pelo qual facilmente se compreenderia que o soberano bem fosse um fim ordenado pela lei moral, Kant estaria a diluir algumas das suas principais considerações antropológicas. Estamos a lembrar-nos, por exemplo, do argumento apresentado no início da Fundamentação da Metafísica dos Costumes com vista a provar que a felicidade não é a verdadeira finalidade30 do homem. Todavia, não é

necessário sair da Crítica da Faculdade de Julgar para mostrar que o facto de se fazer da felicidade a “única exigência do fim final” da razão pura prática não constitui motivo suficiente para a justificação do princípio segundo o qual a lei moral ordena o fomento do soberano bem. Numa nota ao parágrafo 84 da terceira

Crítica, Kant diz-nos que a felicidade pode até ser o fim subjectivo último dos

homens, contudo, e tal como o prova o parágrafo 83 dessa mesma obra, não é reali- zando a felicidade que o homem pode ser considerado como sendo o fim último (der letzter Zweck) da natureza. Se a felicidade não é a verdadeira finalidade do homem, não será por ela que se torna evidente o facto de a lei moral obrigar ao fomento do soberano bem. Constituiria, aliás, uma argumentação mais convincente aquela que explicasse um tal princípio pela demonstração e exaltação da existência de uma disposição humana para a moralidade, pois não poderemos esquecer que, no conceito de soberano bem, a conexão que é estabelecida entre moralidade e felicidade é marcada pelo privilégio da moralidade como condição incondicionada.

A análise que acabámos de levar a efeito mostra-nos que não é possível encontrar, nem na segunda nem na terceira críticas, uma justificação suficiente- mente eficaz deste novo imperativo kantiano segundo o qual o homem deve agir de modo a promover o soberano bem. Kant faz do dever de promover o soberano bem uma exigência da lei moral, mas não fundamenta rigorosamente essa mesma exi-

gência. Assume-a como um dado, como um pressuposto, sem a sustentar em razões fortes ou, se se quiser, sustentando-a apenas de modo ingénuo31. Porquê, então, a

ausência de uma argumentação forte capaz de justificar o fomento do soberano bem como um mandamento da lei moral?

Efectivamente, na Metafísica dos Costumes, onde o autor expõe as exigên- cias desta lei, o soberano bem não consta entre os elementos integrantes do con- junto dos deveres a que a lei moral obriga. E não consta porque, a rigor, não pode constar32. O próprio Kant o reconheceu quando já na Crítica da Razão Prática nos

dizia que não existe na lei moral a menor razão para uma ligação necessária entre a felicidade e a moralidade33. De facto, embora Kant adopte como pressuposto da sua

investigação (daquela investigação que é desenvolvida no sentido de demonstrar a possibilidade do soberano bem) o de que a lei obriga incondicionalmente à realiza- ção do soberano bem, uma análise dos elementos constitutivos deste último deixa perceber que a lei só pode obrigar à realização de um dos elementos do soberano bem. Referimo-nos, obviamente, à moralidade. A distribuição da felicidade de acordo com o mérito de cada sujeito moral não pode ser competência de um ser cuja vontade não é causa da natureza e, por conseguinte, de um ser incapaz de assegurar, pelo cumprimento do dever, a satisfação da sua natureza sensível.

Posto isto, insistimos em perguntar: por que razão adopta Kant um tal pres- suposto? Ou seja: por que razão, ao introduzir o soberano bem, Kant o faz assimi- lando a promoção do mesmo a uma exigência da lei moral?

Lewis White Beck parece tocar o cerne da questão quando nos diz: “[…] o conceito de soberano bem não é, de todo, um conceito prático, mas um Ideal dialéctico da razão […]. Ao unir sob uma Ideia as duas legislações da razão, a teórica e a prática, ele é importante para o propósito arquitectó- nico da razão […]. Se, portanto, tivermos de conceber um sistema de fins, tal como o requer a razão para a sua própria satisfação […], então devemos supor que o soberano bem é possível. Mas não devemos permitir-nos a ilu- são, em que creio que Kant incorreu, de pensar que a sua possibilidade é directamente necessária à moralidade […].”34

31 Cf. CRPr, Ak V, 110 (129-130). 32 Cf. Beck (1960) 244.

33 Cf. CRPr, Ak V, 125 (143).

34 Beck (1960) 245: “[…] the concept of the highest good is not a practical concept at all, but a dialectical Ideal of reason […]. It is important for the architectonic purpose of reason in uniting under one Idea the two legislations of reason, the the theoretical and the practical […]. If, therefore, we are to conceive of a system of ends, as reason requires for its own satisfaction […], then we must suppose that the highest good is possible. But we must not allow ourselves to be deceived, as I believe Kant was, into thinking its possibility is directly necessary to morality […].”

A inconsistência da filosofia kantiana que há pouco apontávamos, nomea- damente no que diz respeito à afirmação não claramente justificada do fomento do soberano bem como dever instaurado pela lei moral, parece agora esclarecer-se. Pelo menos, quanto à sua causa.

O conceito de soberano bem é, sobretudo, um Ideal dialéctico da razão35 na

exacta medida em que a razão, enquanto razão pura, procura sempre já a totalidade absoluta das condições para um condicionado dado36. E a ele cabe-lhe, em primeiro

lugar, servir o propósito arquitectónico de construção de um sistema de fins capaz de resolver em si mesmo a união das duas legislações da razão (facto camuflada- mente assumido pela Crítica da Razão Prática e só explicitamente assumido pela

Crítica da Faculdade de Julgar)37. Nesta ordem de ideias, procurar demonstrar a

sua possibilidade é um esforço legítimo, mas apenas enquanto uma tal demonstra- ção se apresenta como o corolário adequado à exigência que a razão manifesta em conceber um sistema de fins. Todavia, e este virá a ser, para Beck, o erro do nosso autor, o que já não é legítimo é pensar que a possibilidade do soberano bem é directamente reclamada pela moralidade e estabelecer-se, à partida, para esse efeito, o imperativo de que a lei obriga incondicionalmente à realização daquele,

35 No debate em torno da questão de saber se o soberano bem tem um significado prático importante, Beck e Silber destacam-se como sendo, talvez, os dois melhores representantes das posições extremas face à referida polémica. Beck (1960) defende que o conceito de soberano bem não é, de todo, um conceito prático, alegando principalmente o facto de o soberano bem não apresentar mais consequências práticas do que aquelas que decorrem da lei moral (cf. 245). Silber (1959), diferentemente, atribui ao soberano bem um lugar central na ética kantiana, vendo nele um importante contributo para a prática da moralidade, uma vez que, na sua condição de objecto a ser promovido pelo ser humano, o soberano bem constitui a medida que especifica a obrigação moral do homem (cf. 484-485). Na nossa opinião, o conceito de soberano bem é sobretudo um Ideal dialéctico da razão e, neste sentido, a posição defendida por Beck parece-nos mais adequada. Todavia, isso não implica que o soberano bem não tenha um significado prático, pois se todas as acções têm de ter um objecto (cf. CRPr, Ak V, 34 [46]), então obviamente que é importante identificar e descrever o objecto da vontade pura. Ver, a este propósito, Wike (1994) 146-148.

36 Cf. CRPr, Ak V, 108 (126).

37 Apesar de, na CRPr, Kant mostrar que está preocupado com a possibilidade de a lei ordenar fins imaginários (cf. Ak V, 114 [133]) e de se revelar, por isso (e afinal), como sendo inválida, é certo que, ao fazer do problema do soberano bem objecto central de reflexão filosófica na Dialéctica da mesma obra, a sua preocupação é também, ainda que de um modo camuflado, a preocupação pela determinação da unidade da dupla legislação da razão e, por conseguinte, é também uma preocupação de ordem sistemática. Basta pensarmos nos elementos constitutivos do soberano bem (moralidade e felicidade) para percebermos que a sua relação encerra em si mesma o problema de um acordo entre as leis da liberdade (postas pela razão prática) e as leis da natureza (determinadas pela razão teórica). Por outro lado, alguns momentos da Dialéctica da CRPr constituem sintomas evidentes do interesse kantiano na resolução do problema da unidade da razão, já que eles equacionam em si mesmos um pressuposto fundamental dessa mesma resolução. Referimo-nos à afirmação da unicidade da razão implicada no estabelecimento do primado da razão pura prática sobre a razão pura especulativa. A discussão que preside à atribuição do primado, enquanto discussão sobre a supremacia dos interesses dos usos da razão, ao situar-se sem- pre já para lá do reconhecimento da originalidade de princípios a priori, não apenas facultados pela razão especu- lativa, como também apresentados pela razão prática, manifesta-se como sendo logicamente posterior ao reconhe- cimento da unicidade da razão. Reconhecer a unicidade da razão significa reconhecer que é apenas uma e mesma razão que julga segundo princípios a priori, quer seja do ponto de vista teórico ou prático (cf. CRPr, Ak V, 121 [140]).

como se, a rigor, a lei pudesse obrigar cada um a atribuir-se a si mesmo o grau de felicidade proporcional ao seu mérito, ou ainda, como se a lei pudesse obrigar o sujeito moral a ser um sujeito feliz.

Assim sendo, só poderemos concluir o seguinte: a justificação do princípio que preside à reflexão sobre a possibilidade do soberano bem em ambas as críticas (a lei moral obriga ao fomento do soberano bem) parece ser, para o nosso autor, irrelevante. Ou pelo menos não tão relevante como o estabelecimento, a todo o custo, de uma saída para um problema que estava por resolver, a saber, o problema da adequação entre o conceito de natureza e o conceito de liberdade, cuja solução garante a unidade da dupla legislação da razão ou, se quisermos, a unidade sistemá- tica da filosofia.

CONCLUSÃO

Queremos neste momento proceder a uma apreciação final do lugar da feli- cidade na ética de Kant. No entanto, antes de levar a efeito esta última tarefa, importa fazer uma observação.

Embora o autor chegue a designar o autocontentamento correlativo à prática de uma conduta virtuosa por “felicidade moral”1, não é efectivamente este que está

em causa quando nos propomos avaliar o papel da felicidade na filosofia moral kantiana. Felicidade (Glückseligkeit) e autocontentamento (Selbstzufriedenheit) são, aquando da formulação da teoria da autonomia da vontade, estados absoluta- mente distintos2. A experiência da felicidade é sempre a experiência de um prazer

que se procura. E o prazer que se procura – o agrado (Vergnügen) – é sobretudo um prazer dos sentidos, uma sensação animal, corporal3. O autocontentamento, esse

aplauso interior que sentimos em relação aos actos moralmente correctos por nós praticados, nem sequer um prazer é ou, a ser um prazer, constitui um prazer de espécie bem diferente daquele que os nossos sentidos nos proporcionam4. Procura-

mos com isto sublinhar o seguinte: é o lugar da felicidade, compreendida enquanto sensação de agrado proveniente da satisfação dos nossos apetites e das nossas inclinações, que queremos ver definitivamente configurado.

Dizer de Kant que é alguém para quem a felicidade não tem qualquer valor e, por conseguinte, alguém que ignora essa variável na sua ética constitui, na nossa opinião, uma afirmação extremamente incorrecta. Já outra coisa é dizer que, do ponto de vista de uma reflexão sobre o princípio que deve sustentar um sistema moral, a felicidade, enquanto fundamento de determinação da vontade, é absoluta- mente rejeitada pelo autor. E, ainda assim, impõe-se acrescentar que essa recusa não constitui, de modo nenhum, qualquer espécie de corolário de uma condenação gratuita da nossa natureza corporal e sensível5. É que, para Kant, “as inclinações

naturais, consideradas em si mesmas, são boas, i.e., irrepreensíveis, e pretender extirpá-las não é apenas vão mas é também prejudicial e censurável”6. Efectiva-

mente, se o homem não tivesse desejos, apetites, inclinações, paixões, etc., o que o

1 Cf., supra, p. 49.

2 Cf., supra, pp. 49 e 50. 3 Cf., supra, pp. 30 e 31. 4 Cf., supra, p. 31 e nn. 44-45.

5 Ver, a este propósito, Antrop., Ak VII, 143-146, onde o autor faz uma “apologia” da sensibilidade. 6 Religion, Ak VI, 58 (64, trad. corrig.): “Natürliche Neigungen sind, an sich selbst betrachtet, gut, d.i. unverwerflich, und es ist nicht allein vergeblich, sondern es wäre auch schädlich und tadelhaft, sie ausrotten zu wollen.”

moveria? O que promoveria as suas forças vitais?7 O que o faria ser mais do que a

simples consciência da sua existência?8

Kant rejeita, então, o desejo de felicidade como princípio de qualquer sis- tema moral simplesmente porque, dadas a sua empiricidade e a sua contingência, este desejo não reúne em si mesmo condições suficientes para fornecer leis práti- cas. A felicidade é inteiramente subjectiva: varia de sujeito para sujeito e, num mesmo sujeito, varia ao longo do tempo9. Do desejo de felicidade resultará sempre

e apenas um mero conjunto de úteis conselhos. Uma doutrina moral da felicidade não será nunca mais do que uma doutrina da prudência10. Em suma: é na qualidade

de possível princípio fundador da moralidade que o nosso autor recusa a procura da felicidade.

Todavia, as considerações kantianas sobre esta matéria não são apenas con- siderações negativas. À felicidade está também reservado um lugar positivo na ética de Kant.

Ao reconhecer que a presença da felicidade facilita o cumprimento do dever e evita a sua negligência11, o autor faz da felicidade um meio para a realização

moral do sujeito. Mas não é ainda nesta condição de dever indirecto (já que o único dever a que estamos imediatamente vinculados é o nosso aperfeiçoamento moral) que a felicidade tem o seu momento mais forte na filosofia prática de Kant. É sobretudo no tratamento kantiano do soberano bem e, por conseguinte, no âmbito de uma reflexão sobre a destinação última da vida humana que vemos a felicidade desempenhar um papel verdadeiramente positivo. A felicidade integra aquele que é, para Kant, o objecto total ou fim final das nossas acções. Se a virtude constitui o bem supremo, ela não constitui, todavia, o bem total e perfeito. Só a felicidade conjuntamente com a virtude – e, é certo, a ela subordinada – forma o bem total e perfeito12. Não é, aliás, por acaso que, quando ainda estava apenas preocupado com

a fundação do seu sistema moral e, portanto, quando a sua intenção era, muito cla- ramente, a de rejeitar todo e qualquer princípio eudemonista que se candidatasse a ocupar as bases desse sistema, Kant reconhecia já na felicidade um fim absoluta- mente irresitível para o homem13.

Ora, ao estarmos perante um filósofo para quem o fim final da existência humana é a síntese constituída por uma virtude e por uma felicidade bem propor- cionadas e para quem, também, nenhuma determinação da vontade poderia ter

7 Cf., supra, p. 18, n. 8, e p. 31. 8 Cf., supra, pp. 31 e 32. 9 Cf., supra, p. 52.

10 Cf., supra, toda a secção 1.1. do cap. 2. 11 Cf., supra, p. 90.

12 Cf., supra, pp. 114 e 115. 13 Cf., supra, p. 54.

lugar no homem na ausência da referência a qualquer fim14, o que nos pode autori-

zar a dizer, em termos absolutos, que a sua ética não reserva qualquer espaço para a felicidade? Rigorosamente nada. E isto porque o autor tinha, de facto, uma com- preensão da natureza humana que não lhe permitiria nunca descurar um tal ele- mento. Para Kant, o homem, considerado na sua dupla vertente de ser racional mas sensível, será sempre um ser que (e adoptando uma expressão, extremamente feliz, de Yovel) “persistirá em desejar a felicidade e em reconhecer a validade da lei moral mesmo depois de negar a uma delas um papel determinante no seu compor- tamento”15.

Finalmente, e à luz do significado fundamental da problemática do soberano bem que obtivemos no último capítulo deste volume (a saber, que o conceito kantiano de soberano bem visa servir o propósito arquitectónico da razão)16,

poderemos dizer que a felicidade, enquanto elemento constitutivo do soberano bem, surge não só positivamente recuperada por Kant, do ponto de vista da sua reflexão sobre a finalidade da existência humana, como também implicada, de um modo absolutamente necessário, numa reflexão sobre a unidade sistemática da filosofia.

14 Cf., supra, p. 43.

15 Yovel (1980): “Man will persist in desiring happiness and in recognizing the validity of the moral law even after denying one of them a determining role in his behaviour” (56).

GLOSSÁRIO

Apresentamos aqui os principais termos técnicos do vocabulário de Kant emergentes nesta investigação sobre a felicidade

Abscheuungsvermögen faculdade de aversão

allgemein, Allgemeinheit universal, universalidade

angenehm agradável Annehmlichkeit agrado Antrieb impulso Architektonik arquitectónica Autonomie autonomia Bedürfnis carência Befriedigung satisfação Begehren desejo

Begehrungsvermögen faculdade de desejar

Begierde apetite

Begriff conceito

Bestimmungsgrund fundamento (motivo, factor) de determinação Bewegungsgrund motivo beweisen provar Einheit unidade Empfänglichkeit receptividade Empfindung sensação empirisch empírico

endlich, Endlichkeit finito, finitude

Endzweck fim final

Erfahrung experiência Eudämonismus eudemonismo Freiheit liberdade Freude alegria Fürwahrhalten crença Gefühl sentimento

Gefühl der Achtung sentimento de respeito

No documento A Felicidade na Ética de Kant (páginas 114-136)