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Para compor o cenário muitas vezes sombrio acerca da política habitacional, cabe a reflexão acerca da teoria do tempo e espaço como fontes de poder social15, desenvolvida por Harvey, que envolve um

importante agente do capitalismo, presente na problemática da habitação, trata-se do

[...] especulador imobiliário que tem dinheiro para esperar enquanto controla o desenvolvimento dos espaços adjacentes estar numa situação muito melhor, para obter ganhos pecuniários, do que alguém que não tenha poder em alguma dessas dimensões. Além disso, o dinheiro pode ser usado para dominar o tempo (o nosso ou o de outras pessoas) e o espaço. Inversamente, o domínio do tempo e do espaço pode ser reconvertido em domínio sobre o dinheiro. (HARVEY, 1998, p. 203)

Para o acompanhamento da questão da moradia na ótica do capitalismo, é necessário absorver o significado da terra pensada como um equivalente do capital que se valoriza sem o trabalho e sem o uso, adotando a concepção de que a terra é uma mercadoria, um bem natural que não pode ser reproduzido e

14 O PAR seleciona o interessado mediante a aprovação da análise cadastral em consulta ao Serviço de Proteção ao Crédito -

SPC e SERASA, empresas com especialidade em análise e informações para decisões de crédito.

15 Harvey (1998, p.209) desenvolve a tese de que “se o dinheiro não tem sentido independente do tempo e do espaço, sempre

é possível buscar o lucro (ou outras formas de vantagem) alterando os modos de uso e de definição do tempo e do espaço [...] a eficiência na organização e no movimento espaciais é uma questão importante para todos os capitalistas”.

não pode ser produzido pelo trabalho. Mesmo que alguém trabalhe na terra, ele não a produziu. O produto, as edificações sobre a terra, estas sim são produtos de trabalho, mas a terra não.

A terra torna-se alvo de especuladores imobiliários, figura paralela à do proprietário de terra, gera renda, mas, como não é mercadoria, se constitui em um capital, que com o tempo só valoriza e favorece aqueles que têm poder, aqueles que podem aguardar a valorização, em que Harvey (1998) faz a relação com o tempo e espaço.

A lei da oferta e da procura só funciona quando novos terrenos entram no mercado de terras. Na expansão urbana, com a escassez de terra urbana, o preço da terra só aumenta, alia-se a isso, o fato de que as áreas distantes do perímetro urbano nem sempre contam com infra-estrutura básica.

A habitação é uma mercadoria de produção trabalhosa, requer cuidado quanto ao método construtivo e a qualidade construtiva, quanto à localização que faz incidir outros custos sobre o seu valor; é construída sobre um dos mais caros bens que é a terra urbana, tendo um parco desenvolvimento da indústria civil voltada para a produção em larga escala – já comprometida pelo preço da terra – e para colaborar com o cenário, invariavelmente cara e inacessível para a população carente. Comparada a bens de consumo como roupas, sapatos, alimentos, móveis, e até mesmo ao automóvel, a casa é a mercadoria mais cara, com prazos para pagamento que chegam a até 20 anos, tendo em sua política de financiamento diferenças relacionadas entre o valor de venda e a capacidade de pagamento dos adquirentes.

Diante deste cenário as características relacionadas à modalidade de arrendamento podem conjugar ou desfazer tensões que a lógica do capitalismo imprime na operação de financiamento e na forte disseminação do conceito de casa própria.

Nesse sentido torna-se vital para a política habitacional que esteja alinhada com a política urbana e articulada com o desenvolvimento e planejamento das cidades, deste modo é possível minimizar o alto custo da terra proveniente da especulação que incide no valor do produto sobre o que nela é construído: a casa.

Sendo assim, a luta, o esforço cantado na “casa do reagge” que abriu parte desta reflexão, poderia inexistir ou até mesmo ser canalizada para outras conquistas, menos ou até mais árduas, caso a habitação deixasse de ser um objeto de consumo e de desejo, arraigado no sentimento de posse, que resume a necessidade e o sonho de uma vida inteira de grande parte da população brasileira, para finalmente tornar-se um direito à moradia digna.

O direito à moradia, resguardado pelos atos legislativos e referendado pelos fóruns nacionais e mundial de habitação, elevou a questão para o campo prioritário da ação pública, tendo os fenômenos da

pobreza e precariedade a dar corpo para o consenso de que o acesso à moradia e a permanência nela configuram uma das dimensões essenciais de uma política de luta contra a exclusão. Atribui-se a questão da moradia como sendo de responsabilidade da nação em seu conjunto, ultrapassando a competência pura e simples do Estado.

O fortalecimento de outras modalidades de acesso à moradia, como o próprio arrendamento, insere novas questões na dinâmica da política habitacional, eventualmente pode criar novos agentes imobiliários, pode admitir novas relações de poder e certamente remete à necessidade da expansão do programa para outras faixas de renda, menores e maiores que as atuais, o que poderia vislumbrar na formação de uma rede de arrendamento que acolhesse as famílias pressupondo uma dinâmica que se sobrepõe à sua formação e fixação original, como o crescimento do número de membros e a necessidade de deslocamento da família para outros bairros ou cidades, que possibilitasse não apenas a aquisição a médio ou longo prazo – o que apenas reforça o paradigma da casa própria inacessível para a maior parte da população brasileira, consequentemente ineficaz para a solução do déficit habitacional – mas que permitisse o acesso à moradia melhor sob algum aspecto.

A casa própria tal como conceito difundido no Brasil significa segurança de um teto para a família, significa um patrimônio adquirido muitas vezes através de árduos esforços, não raro a única herança de toda uma vida, expondo a incerteza das futuras gerações ao acesso à moradia através da aquisição. Seria importante para a questão habitacional brasileira se distanciar do conceito de casa própria, pois já se tem dados suficientes e o próprio déficit habitacional crescente é prova cabal de que o modelo calcado apenas na aquisição tem se revelado um grande impeditivo para o aumento do acesso à moradia digna. Melhor seria aproximar-se de uma política habitacional capaz de fortalecer o conceito da moradia apenas digna e não mais ou somente própria, mediante programas sólidos, contínuos, diversificados, subsidiados, alinhados com a política de desenvolvimento urbano e que de tão sólidos e consistentes, pudessem introduzir o conceito de arrendamento como uma possibilidade que transcendesse gerações.