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CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONSUMO E DA ÉTICA

No documento DIREITOS HUMANOS E DEMOCRACIA (páginas 161-167)

Walter Lucas Ikeda79 Rodrigo Valente Giublin Teixeira80

RESUMO: O trabalho se propõe a analisar o conceito de indústria cultural como elemento que pode enriquecer, com as reservas necessárias, a proposta ética de Emmanuel Levinas. Ao final, busca- se uma breve interlocução com o Direito. O trabalho se justifica pelas aporias contemporâneas de ruptura com a insensibilidade humana. A metodologia é a bibliográfica cujas principais fontes serão as obras Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos e Totalidade e Infinito. A pesquisa analisa positivamente a possibilidade de utilização do conceito de indústria cultural com interlocução à proposta ética e fenomenológica de Emannuel Levinas, este que propõe o rosto como elemento que não pode ser capturado e totalizado, assim, nem mesmo pela indústria cultural.

Palavras-chave: Cláusula geral de proteção da personalidade. Dialética do esclarecimento. Outro.

Subjetividade. Totalidade e infinito.

INTRODUÇÃO

Essa pesquisa se propõe a revisitar o conceito de indústria cultural cunhado por Adorno e Horkheimer, na obra Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos, com a finalidade de analisar a questão da subjetividade, a constituição do Eu, questão indispensável para os debates atuais sobre ética e política na sociedade de consumo.

A questão da subjetivação tem sido cada vez mais debatida no meio acadêmico, principalmente com as influências de Michel Foucault, Giorgio Agamben, Carl Schmitt, entre outros, que propõem uma ideia criação de identidades entre o Nós e o Eles, a partir da noção de raça política, e que permi- tem a reflexão sobre conceitos como o Estado de Exceção, o poder soberano de fazer viver e deixar morrer, entre outras discussões de cunho político e jurídico.

Nesse sentido, o presente trabalho busca fazer uma abordagem diversa da acima exposta, mas cujas conexões são inegáveis, assim, busca-se realizar uma análise da indústria cultural e do processo de subjetivação como uma criação de identidade vazia e exclusiva que propiciou o fomento da insensi- bilidade perante o Outro de hoje e a vocação do humano hodierno ao consumo como fim em si mesmo.

Dessa forma, o objetivo do presente trabalho é analisar a ética, ou a sua possibilidade, no contexto da sociedade do consumo, especificamente quanto à sua interlocução com o conceito de indústria cultural.

A metodologia utilizada é zetética, com análise de revisão bibliográfica a partir do eico teórico central das obras Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos e Totalidade e Infinito, com o fito de buscar uma interlocução entre as obras e alinhar alguns elementos da indústria cultural com a proposta do filósofo Emmanuel Levinas e sua ideia ética, na qual identificaremos ou não, uma aproxi- mação das ideias e uma proposta ética e política.

79 Doutorando em Ciências Jurídicas pela UniCesumar. Mestre em Direito pela Unicesumar. Pós-Graduado pela PUC-PR. Gra- duado em Direito pela Faculdade de Direito Professor e advogado. E-mail: walterlucasikeda@gmail.com.

80 Doutor em Direito pela PUC/SP. MBA em Business Law pela FGV. Mestre em Direito pela UEL/PR. Bolsista Produtividade em Pesquisa do ICETI – Instituto Cesumar de Ciência, Tecnologia e Inovação. Professor Titular do Doutorado, Mestrado e da

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1 A INDÚSTRIA CULTURAL E O OUTRO

A concepção de indústria cultural advém das reflexões cunhadas por Adorno e Horkheimer (2009), na obra intitulada Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos, que contou com a observação dos seus autores para um momento de transição do capitalismo liberal do século XIX para o capitalismo monopolista do século XX. Em paralelo ao movimento do capital, dentre outras circunstâncias externas que influenciaram a emergência da terminologia, a cultura passou a ser objeto da industrialização, tornando-se mercadoria, e, assim, acessível à massa trabalhadora da sociedade.

Com efeito, a transformação da cultura como objeto da industrialização contou com diversos fatores externos que não podem ser menosprezados, mas cujo foco deste trabalho não é o de esgotar este tema, apenas ilustrar brevemente alguns pontos, que entendemos pertinentes ao nosso objetivo, assim, menciona-se que houve o fomento de melhores condições da saúde pública, e o maior tempo de descanso e lazer dos trabalhadores.

Pode-se depreender, com as reservas necessárias, que os eventos acima destacados, permitiram a criação de uma massa de trabalhadores com tempo para se entreterem. As opções de entretenimento, à época, limitavam-se a bares e pequenos festivais locais, posteriormente, com o desenvolvimento tecnológico de emissão de imagens e áudios, permitiu-se o fomento do acesso coletivo ao entretenimento.

O termo cultura de massas emergiu desse novo contexto social, em que o povo produzia entretenimento espontaneamente, do povo para o povo, e, justamente por essa concepção de cultura de massas que, Adorno e Horkheimer cunharam um termo diferente, o termo indústria cultural busca designar um fenômeno diverso do de cultura de massas.

No texto Industria cultural: o esclarecimento como mistificação das massas, pode-se destacar alguns pontos centrais da tese dos pensadores, que nos ajudam a pensar este conceito, como a manipulação promovida pela indústria cultural, que teria um viés de anteder aos desejos presentes, mas concomitan- temente, criar desejos e necessidade, eleger padrões à massa de trabalhadores, incluindo o destaque ao controle do conteúdo por meio de pesquisas sobre o gosto da massa de trabalhadores, que é concretizada por meio da promessa do divertimento à massa, e que alcançam uma dimensão moral e até mesmo, em última análise, política na medida em que impõe valores e necessidades para a coletividade.

Na verdade, pode-se observar que a cultura perde sua capacidade formativa, para propiciar um eter- no consumidor, este satisfaz suas “necessidades” num sistema que estimula ou cria uma novas necessida- des, cria-se uma espécie de eterno retorno do mesmo, em que a pessoa busca suprir sua necessidade em uma grande lista de itens que tem um mesmo objetivo final de reiniciar o ciclo de seu consumo.

[...] mas a necessidade intrínseca ao sistema de não largar o consumidor, de não lhe dar a sensação de que é possível opor resistência. O princípio básico consiste em lhe apresentar tanto as necessidades como tais, que podem ser satisfeitas pela indústria cultural, quanto por outro lado organizar antecipadamente essas necessidades de modo que o consumidor a elas se prenda, sempre e apenas como eterno consumidor, como objeto da indústria cultural (ADORNO;

HORKHEIMER, 2009, p. 23).

Dessa forma, promove-se a subjetivação, ou mesmo dessubjetivação, da pessoa humana, emergindo uma pessoa padronizada, moldada de acordo com as diretrizes impostas, e apenas na medida em que sua individualidade seja aceita numa margem do padrão imposto.

Na indústria cultural o indivíduo é ilusório não só pela estandardização das técnicas de produção.

Ele só é tolerado à medida que sua identidade sem reservas com o universal permanece fora de con- testação. Da improvisação regulada do jazz até a personalidade cinematográfica original, que deve ter um topete caído sobre os olhos para ser reconhecida como tal, domina a pseudoindividualidade.

O individual se reduz à capacidade que tem o universal de assinalar o acidental com uma marca tão indelével a ponto de torná-lo de imediato identificável (ADORNO; HORKHEIMER, 2009, p. 33).

Dessa forma, por meio da subjetivação dos seres humanos com uma pseudoindividualidade é que se permite captura-los integralmente numa universalidade, na verdade, não apenas “A particularidade do Eu é um produto patenteado, que depende da situação social que é apresentado como natural”

(ADORNO; HORKHEIMER, 2009, p. 33), mas para os pensadores, “o princípio da individualidade sempre

foi contraditório. Antes de tudo, nunca se chegou a uma verdadeira individualização” (ADORNO;

HORKHEIMER, 2009, p. 34).

A questão que se busca colocar é que todos os elementos da vida urbana são colocados à disposição da indústria cultural, desde objetos de vestimenta até identidades, e aqui, em última análise, podemos analisar que o próprio processo de subjetivação passa pelo consumo, totalizando toda a realidade social.

A indústria cultural se apropria de todos os elementos da vida social, não se trata de uma legislação ou um decreto que pode ser revogado, mas um modo de viver e fazer viver – que possibilita aqui sua interpretação de poder em sentido contrário –, assim, totaliza tudo, cria um universal que abrange apenas aquilo que lhe interessa, pois propõe uma epistemologia a partir do consumo e da diversão, do que pode Ser e o que não pode, o que pode ser o Eu e o que é o Outro.

É importante destacarmos que a diversão só consegue prover a concordância da massa com uma alienação do pensamento crítico, da dor e com a criação da impotência humana, pois a diversão que estamos a discutir é infantil e “consiste em se dirigir às pessoas fingindo tratá-las como sujeitos pensantes, quando seu fito, na verdade, é o de desabituá-las ao contato com a subjetividade” (ADORNO; HORKHEIMER, 2009, p. 25).

Neste contexto apresentado, poderíamos pensar em resistência? Para os pensadores, a indústria cultural cria uma condição de impotência humana e uma fuga da realidade, “de fato, fuga, mas não, como pretende, fuga da realidade perversa, mas sim do último grão de resistência que a realidade ainda pode haver deixado” (ADORNO; HORKHEIMER, 2009, p. 25).

Podemos questionar: e aquilo que não é absorvido pela indústria cultural? O que não é totalizado pela mesmidade deste sistema? Onde fica aquela pessoa que não se encontra na pseudoidentidade paradigma, isso é, como fica o Outro? Aquilo que não se encaixa neste sistema é descartado.

A mesmice promovida pela indústria cultural instrumentaliza uma novidade do estágio anterior da cultura de massa, pois exclui o diferente, o que não se encaixa no seu ciclo ou que não o promove, a máquina do consumo gira em torno do seu próprio eixo, chegando ao ponto de determinar o consumo e daquilo que não deve ser consumido, e, logo, descartado do sistema (ADORNO; HORKHEIMER, 2009, p. 16).

O pensamento totalizante não é exclusividade da indústria cultural, as críticas a uma concepção de mundo administrado por tecnologias e discursos já foi muito exposta pela Escola de Frankfurt e faz parte da nossa própria história ocidental. De toda forma, para o filósofo Emmanuel Levinas há um elemento que não pode ser capturado, há um elemento que fica longe do alcance da indústria cultura e da razão totalizante, um elemento que nos permite pensar em uma chave ética capaz de romper com o fetiche que nós temos com nossa potência ética e humanística, o que nos permitiria pensar em uma nova estrutura política e social que iria de encontro com os dispositivos de captura denunciados, esse elemento é o rosto do Outro.

2 O QUE ESTÁ FORA DO MESMO E O QUE ME É EXIGIDO

O filósofo Emmanuel Levinas, lituano-francês, direcionou suas reflexões e preocupações, em grande medida, ao tema da instrumentalização da razão, e realiza um pensamento crítico e de resistência. O filósofo cuidou de reflexões a partir de conceitos como o do rosto (visage) e o Outro, figuras essenciais em suas reflexões, pois é o rosto do Outro que me interpela, que exige de mim uma responsabilidade, o fomento de uma fraternidade, de um amor que não pode ser capturado e de um desejo de infinito que rompe com o ciclo de mesmice da razão totalizadora e da subjetivação cíclico-vazia.

É fundamental destacar preliminarmente que Adorno e Horkheimer se aproximam de Levinas, no que concerne às suas teses, na ideia de subjetivação do ser humano por meio de uma totalização, é nesse sentido que Levinas expõe ser a ideia de pessoa um reflexo daquele posto por quem se diz humano (LEVINAS, 1988b, p. 24).

O que se pode observar nas reflexões acerca da indústria cultural é uma espécie de luta pelo reconhecimento, por uma espécie fugaz de existência que é alcançada ao atingir um padrão e uma promessa de consumo imposto pela indústria cultural, assim, temos que o Eu se encontra num padrão de consumo, e aquele que não galga ao padrão estabelecido imposto se torna um Outro, alguém para quem os olhos não são direcionados.

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Este Eu que emerge do projeto moderno, e alcança um novo patamar com a indústria cultural, expõe uma subjetivação vazio-cíclica e solipsista de um indivíduo egocêntrico e narcisista, que passa a acreditar apenas na sua própria existência que é ratificada pela sua própria razão totalizante de mesmidade.

Apesar da consideração dos pensadores que cunharam o termo da indústria cultural, acerca da impossibilidade de resistência, a leitura das ideias de Emmanuel Levinas nos permite pensar na criação de um novo pensar crítico e de resistência, pois como já foi enunciado, o rosto não pode ser capturado pela razão totalizante.

Uma vez que sejamos levados a admitir a existência de um indivíduo que se fecha em si mesmo, numa totalização do mesmo, apenas daquilo que lhe é imposto e do que pode dizer que é, quando pode dizer que é, emerge um lastro social que devemos voltar nossos olhares, que é o Outro.

Levinas chama atenção aos Judeus mortos em Auschwitz, e do mesmo modo que trata do órfão e da viúva, identificados como Outros, buscando uma interlocução com Adorno e Horkheimer, o Outro é aquele que não está no padrão imposto, e foi condenado como algo a ser descartado, mas é justamente no Outro, declarado como descartável, que podemos encontrar uma chave de ruptura à insensibilidade promovida pela subjetivação da mesmidade.

Nesse sentido, o Outro de Auschwitz, o Outro que morreu na pandemia como mais um número na estatística, o Outro da favela que é atacado pelas forças de segurança, o Outro que opta por uma orientação sexual diversa e é discriminado, o Outro de outra religião que é perseguido, o Outro que tem um posicionamento político diverso que é estereotipado, o Outro que me pede dinheiro no semáforo e a quem desviamos os olhos ou ignoramos sua existência, o Outro que é deixado para morrer num sistema carcerário declarado como estado de coisa inconstitucional, o Outro que não sou Eu e que ignoro a sua existência; todos estes Outros e todos os Outros, são ligadas com o Eu por meio de uma experiência ética indelével.

A outra pessoa viva diante de mim hoje e a outra pessoa morta em Auschwitz estão interfoliadas na experiência ética: por um lado, esquecer ou abandonar aqueles que foram assassinados seria ignorar o rastro de seu sofrimento que está nas responsabilidades para com e por outras pessoas hoje, e, por outro, a face da outra pessoa é uma lembrança da vulnerabilidade humana especialmente do sofrimento das vítimas (LEVINAS, 1988a, p. 67).

O reconhecimento do Outro é imprescindível para podermos falar em ética, pois a ética apenas é possível com plurais, e por plurais, devemos entender diferentes (SOUZA, 2016, p. 43), pois o reconhecimento do Outro não deve integrar um “nós” em que somos todos iguais, mas um “nós” que exige o reconhecimento de diferentes, ou seja, “A colectividade em eu digo tu ou nós não é um plural do eu, Eu, tu, não são indivíduos de um conceito comum” (LEVINAS, 1988a, p. 26).

É a partir do rosto (Visage) que se encontra o elemento que não foi capturado, não foi totalizado e nunca poderá ser totalizado por absoluta impossibilidade, pois o rosto é o elemento de resistência por exce- lência à razão totalizadora, tendo em vista que propõe um convite à metafísica do infinito (LEVINAS, 1988a).

O rosto, que não se reduz em si mesmo, isso é, o rosto não se limita ao nariz, testa e outros elementos, nem se reduz ao rosto de uma pessoa particular, mas constitui um elemento concreto que vincula o infinito, diverso do ciclo infinito que se reduz ao mesmo da indústria cultural, o rosto abre ao infinito metafísico e da subjetivação humanística, na medida em que apenas ao reconhecer o Outro poderei ter acesso ao que não sei e alcanço, e esta possibilidade permite um desejo de reconhecer ao Outro de forma a alcançar o infinito.

É no rosto que encontro a recapitulação de toda a dor e insensibilidade humana, e que sou instado, a me responsabilizar por aquele que me é colocado no face a face, a responsabilidade pelo Outro é metafísica, tendo em vista que antecede a ontologia, isso é, a responsabilidade ética pelo Outro precede a questão sobre o Eu.

Quanto à subjetivação, é importante ser destacado que ao olharmos para o rosto (visage) do Outro, somos instados a sermos responsáveis, existe a emergência do cuidado com aquele que nos coloca numa situação de face a face, e a responsabilidade pelo Outro é a filosofia primeira. A ética como filosofia primeira significa:

[..] todo o contato com a realidade, toda interpretação destes fatos se dão eticamente, onde o contato e a ação éticos substituem o conhecimento classificador tradicional e podem vir a fundamentar um conhecimento sobre bases absolutamente novas, com outro sentido. Todo o

conhecimento é então necessariamente secundário – derivados – a uma ética primeira frente às mais diversas dimensões da realidade perceptível, a um nascimento compartilhado eticamente, talvez um retorno à origem da co-naissance (SOUZA, 2016, p. 139).

Não temos necessariamente uma posição de epistemologia do conhecimento com a posição de Levinas, mas muito mais de maiêutica, com contornos próprios, trata-se de uma maiêutica que vem do exterior a mim, vem do Outro, e abre um campo que o Eu não contem, e essa abertura ao Outro, leva ao infinito, rompendo com a mesmidade contemporânea.

Emmanuel Levinas propõe algo inovador no pensamento ocidental, propondo uma subjetividade diferenciada, a partir do Outro, e não do Eu, e que reverbera no mundo jurídico inevitavelmente, a proposta a ser realizada é muito mais do que um procedimento processual ou organização do ordenamento jurídico, considerando que:

E isto a história comprova, pois nenhuma doutrina jurídica conseguiu até agora fazer com que os fracos e oprimidos deixassem de sê-lo; e o mundo está aí, com suas guerras, com o subdesenvolvimento e a fome, com a exploração dos pobres, indivíduos e povos, a coisificação da pessoa, com a dominação de uma parte do mundo por alguns Estados, isso tudo em nome da liberdade, da dignidade e do respeito pela pessoa humana, e ultimamente em nome dos direitos humanos (ZENNI, 2018, p. 159).

Na verdade, em primeiro momento, não se trata de uma mudança em algum artigo, decreto ou legislação, trata-se muito mais de uma mudança na dimensão metajurídica, no sentido ético e político, e com maiores análises, uma mudança no fundamento e sentido da figura do sujeito de direito.

De toda forma, a fim de expor uma possibilidade de entrada normativa da questão em nosso ordenamento, pode-se mencionar que os direitos de personalidade ostentam uma cláusula geral de proteção da personalidade, e que neste contexto, poderíamos pensar em uma proteção levinasiana a partir desta cláusula geral de proteção.

Com efeito, deve ser invocado os direitos da personalidade que ostentam um direito geral da perso- nalidade e que é dotado de um quadro jurídico preciso, provido de operacionalidade prática, com inventa- riação e projeção de seu objeto, a determinação de seus sujeitos passivos e ativos nas relações sociais-ju- rídicas, seguido de determinado contorno e encaixe dos poderes e deveres jurídicos desses sujeitos, “com garantias eficazes, com delimitação criteriosa e articulação eficaz do direito geral da personalidade, com os direitos especiais da personalidade e com os direitos próximos ou afins” (CAPELO DE SOUZA, 1995, p. 624).

Há um dimensionamento crescente dos direitos da personalidade, de acordo com a evolução do corpo social, da tecnologia e do conhecimento das demais ciências que provocam um fracionamento dos direitos da personalidade que se desenvolvem ao infinito e que não passa incólume aos críticos que se assemelham aos críticos dos direitos de personalidade no século XIX.

A enumeração dos direitos da personalidade está fadada ao incompleto e a insatisfação social cuja única solução satisfatória se agasalha na categoria geral de direitos da personalidade, pois os direitos da personalidade, ainda que típicos, crescem sem limites, jamais encontram a exaustão. No direito europeu, pode-se constatar quase que em toda sua extensão, a adoção da categoria geral de direito de personalida- de, expressa por cláusula geral e destinada a tutelar a personalidade humana (SZANIAWSKI, 1993, p. 127).

Diante do exposto, considerando que a evolução social nos traz uma grande insensibilidade humana, apesar de todo o discurso de dignidade e direitos positivados, os direitos da personalidade são capazes de denotar um encontro entre o rosto concreto e o rosto metafísico, um encontro entre o direito geral de personalidade e o julgamento de um caso concreto, ou seja, uma abertura fenomenológica entre ética e direito, entre ética e política, entre ética e o judiciário, e, em última análise, entre Eu e o Outro.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ética levinasiana propicia a construção de uma nova posição crítica frente aos atos de totalização, como o da indústria cultural, mas para além desta, a ética proposta é elemento de resistência à razão instrumental e totalizadora que encontram grande fomento no projeto moderno.

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Pode-se constatar que a indústria cultural que se desenvolve com o capitalismo do século XX, com o auxílio de diversos fatores externos, como o desenvolvimento da tecnologia de imagem e som, a possibilidade de maior tempo disponível e a de acesso à cultura que se abre na passagem do século XIX ao XX, tem em sua estrutura, em última análise, a razão totalizadora.

A razão totalizadora captura toda a vida social e forma um padrão do que é desejável, excluindo tudo aquilo que não se encontra nesta dimensão, incluindo o processo de subjetivação das possíveis identidades passíveis de consumo, excluindo-se o Outro que não se encaixa no padrão imposto. Para os filósofos que cunharam o termo indústria cultural, a resistência teria sido colocada numa escala de impotência.

Por outro turno, foi possível analisar que o pensamento de Emmanuel Levinas levanta um pensamento crítico e de resistência a partir daquele que é deixado de fora do eixo de reconhecimento imposto pela indústria cultural, o Outro, este que nos interpela a um caminho de desejo infinito e ético, tendo em vista que nos subjetiva a partir do Outro e da nossa responsabilidade ética com o Outro.

Dessa forma, é possível perceber uma aproximação das ideias contidas nas obras Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos e Totalidade e Infinito, especialmente quanto à problemática da razão totalizante e da subjetividade da mesmidade, com as reservas terminológicas elegidas por cada um dos pensadores, em que podemos complementar as críticas de Levinas num viés sociológico rico trazido pela obra que cunha a ideia de indústria cultural, enquanto a aporia de resistência ou da negação de potencia denunciadas por Adorno e Horkheimer colhem um elemento que permite reflexões para um novo pensar em face da totalização.

Por derradeiro, podemos apontar que as críticas de Adorno e Horkheimer, assim como outras teses propostas pela Escola de Frankfurt, colocam em xeque a razão instrumental e totalizadora, o que também é criticado por Emmanuel Levinas e onde se observa um campo de aproximação da qual são cabíveis outras pesquisas que possam destacar a aproximação ou distanciamento dos pensamentos.

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. Industria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

CAPELO DE SOUZA, V.A Rabindranath. O Direito Geral da Personalidade. Coimbra: Coimbra Editora, 1995.

LEVINAS, Emmanuel. Ética e infinito: diálogos com Philippe Nemo. Lisboa: Edições 70, 1988.

LEVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito. Lisboa: Edições 70, 1988.

SOUZA. Ricardo Timm de. Ética como fundamento II: pequeno tratado de ética radical. Caxias do Sul: Educs, 2016.

SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.

ZENNI, Alessandro Severino Valler. Pessoa e justiça: questão de direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2018.

No documento DIREITOS HUMANOS E DEMOCRACIA (páginas 161-167)