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DIREITO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

No documento DIREITOS HUMANOS E DEMOCRACIA (páginas 154-161)

Daniel Rubens Cenci77 Norberto Milton Paiva Knebel78

RESUMO: O objetivo deste é apontar como o ecossocialismo e o Bem Viver podem se associar como uma crítica ao conceito jurídico de Desenvolvimento Sustentável, tendo em vista a associação desse Direito Humano aos fundamentos do desenvolvimento econômico - sendo a ele estruturalmente atrelado. Para isso, utiliza o método dedutivo e a técnica da revisão bibliográfica para descobrir como expor uma crítica ao fundamento da sustentabilidade juridicamente constituída.

Palavras-chave: Ecossocialismo. Sustentabilidade. Crítica ao direito. Marxismo.

INTRODUÇÃO

O tema de pesquisa é a teoria marxista ecossocialista e as críticas à forma jurídica num contexto de expansão das normas ambientais – considerando assim, um alargamento do Direito Ambiental.

Dessa maneira, a crítica ao Direito fundamentalmente ligada à crítica da economia política marxista possui um dilema, entre apoiar normas protetivas ambientais promovidas pelo sistema jurídico ou propor alternativas. Na atualidade da crise ambiental e da ineficácia das normas jurídicas ambientais, a política ecológica encontra-se entre a expansão de um Direito Ambiental e a necessidade de uma crítica da economia política capitalista, entretanto, há um dilema entre buscar mais direitos ou pensar para além dele. Assim, é preciso estabelecer posições coerentes em relação ao Direito, afastadas da ideologia jurídica que sustenta uma ideia de neutralidade.

Por isso, como questão de investigação, resta: Do ponto de vista da teoria ecossocialista e do Bem Viver como é possível conceber uma crítica ao Direito? A hipótese importante que orienta a resposta ao problema de pesquisa está na concepção jurídica de desenvolvimento sustentável - conceito contraditório trazido por certa visão de direito humano que tenta alinhar interesses inconciliáveis do desenvolvimento econômico capitalismo, essencialmente predatório, com o da sustentabilidade da vida humana e não-humana. Por isso, neste artigo o objetivo geral é de expor na teoria ecossocialista uma crítica à forma jurídica e, especificamente, revelar no pensamento ecossocialista e do Bem Viver uma crítica ao Estado e ao Direito e explorar a contradição ambiental do capitalismo na perspectiva jurídica – de que forma é possível proteger o ambiente sem promover a manutenção do sistema jurídico, descrevendo as posições do núcleo do pensamento ecossocialista acerca do Direito.

Para responder o problema de pesquisa será adotada uma abordagem dedutiva, ao ponto de reunir em movimento as duas teorias e trazer em síntese a resposta. Tendo como objetivo expor contradições e semelhanças entre as duas teorias citadas no marco teórico. Como técnica, será utilizada a pesquisa bibliográfica descritiva. Trazendo a leitura atual sobre o tema dentro do marco teórico estabelecido, trazendo assim uma reflexão teórica. O marco teórico dessa pesquisa é formado por duas grandes teorias, ou dois movimentos ou lastros de pesquisa: (I) o ecossocialismo e o bem viver (II) a crítica da forma jurídica.

1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO DIREITO HUMANO

O tema da degradação ambiental tem sido repetidamente citado pela política no Brasil, desde a promoção de ideias que julguem necessário um desenvolvimento sustentável até aquelas cuja posição se

77 Docente do PPGDH da Unijuí.

78 Doutorando do PPGDH da Unijuí.

insere num eixo político que considera o processo de produção capitalista eivado de uma grande contradição ambiental – tornando-o obrigatoriamente insustentável do ponto de vista ambiental, de que a lógica baseada no lucro e na produção em massa é incompatível com a sobrevivência ecológica do planeta terra.

Atualmente, no ordenamento jurídico, está consolidado que a qualidade de vida ambiental é fundamentalmente atrelada à dignidade da pessoa humana – e dos animais não-humanos. Também, que não há forma de desenvolvimento econômico aceitável que não seja de forma ambientalmente sustentável. Por mais que as formas de colocar isso em prática sejam amplas e as legislações diversas, o princípio é elementar e explícito na Constituição Federal da República do Brasil de 1988, no Art.

225: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê- lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Assim, não há motivos para elencar ou criar novas normas jurídicas que sustentem um interesse do Estado Democrático de Direito em proteger o meio ambiente, esse já é um princípio jurídico consolidado e conhecido: No Brasil, o meio ambiente é considerado sob o ponto de vista da coletividade, da qualidade de vida e da preservação ambiental.

Entretanto, do ponto de vista político, talvez essa garantia jurídica não seja suficiente, podendo, até mesmo, ser considerada contraditória – tendo em vista as práticas jurídicas.

Esse estado da arte da proteção ambiental, baseada no desenvolvimento sustentável, é resultado direto dos Direitos Humanos relativos à preocupação ambiental - evidentemente transnacional e ubíqua. As Nações Unidas, em sua Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, assume dezessete objetivos para tal, também constituinte uma série de metas de cooperação global para sua efetivação - reconhecendo uma dimensão tríplice desse desenvolvimento, sendo ele econômico, social e ambiental, no qual o desenvolvimento ambiental não pode ser dissociado do desenvolvimento humano, todavia, também do desenvolvimento econômico.

A ideia de desenvolvimento pessoal está consagrada na Declaração Universal dos Direitos do Homem, no seu art. 22, contemplando os direitos econômicos, sociais e culturais como indispensáveis à realização do desenvolvimento da personalidade. No artigo 1 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos a autodeterminação das nações está diretamente vinculada ao seu desenvolvimento econômico, civil e cultural. Essa integração entre homem, economia e sociedade promovida pelo desenvolvimento é também a noção de desenvolvimento integral anotada na Carta de Bogotá de 1948, no seu art. 29, “o desenvolvimento integral abrange os campos econômico, social, educacional, cultural, científico e tecnológico”. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos promove a ideia de

“desenvolvimento progressivo” que alinham interesses econômicos, sociais, educação, ciência e cultura.

Portanto, o desenvolvimento é parte essencial da ideologia dos Direitos Humanos, sendo a mais recente a ideia de proteção ambiental no desenvolvimento sustentável, como mais uma esfera do ideário desenvolvimentista. A agenda 21, resultante da Rio 92, das Nações Unidas faz essa afirmação ao declarar, no seu quarto princípio, que o desenvolvimento sustentável “a proteção ambiental deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento, e não pode ser considerada isoladamente deste.”. Portanto, pela própria definição dos Direitos Humanos ao desenvolvimento e do desenvolvimento, não há como pensar o desenvolvimento ambiental sem pensá-lo dentro de um complexo de desenvolvimento econômico e social.

No âmbito brasileiro, na Constituição Federal de 1988, o art. 225 aponta o Desenvolvimento Sustentável como o direito ao meio ambiente equilibrado, ligado ao uso comum e impondo o Estado a preservá-lo. Caracteriza o reconhecimento ao Direito Humano ao desenvolvimento no ordenamento jurídico nacional, aliado aos princípios de ordem econômica.

Essa forma de desenvolvimento pressupõe uma lógica econômica-ecológica pautada no bem- estar humano no limite dos níveis aceitáveis de exploração dos recursos naturais (ROMEIRO, 2012, p.

84), todavia, a realidade brasileira, em particular, revela uma eterna tensão ao conciliar esses interesses aos da necessidade de crescimento, tendo em vista as crises econômicas recorrentes ligadas aos Estados estacionários. Essa correlação de forças pauta a formação de estratégias da política nacional do Meio Ambiente (ABRAMOVAY, 2010), colocando em xeque a natureza obrigatória e indisponível da proteção ambiental.

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2 ECOSSOCIALISMO E BEM VIVER COMO CRÍTICA AO DESENVOLVIMENTO

É preciso refletir se os movimentos políticos em prol do meio ambiente e que apontem contradições sociais que o degradem tem, realmente, interesse na produção de normas jurídicas, pois ao mesmo tempo que parecem criar ferramentas para proteção ambiental, consolidam práticas e estabilizam críticas em nome de uma pretensa resolução de conflitos ambientais. Dessa maneira, a teoria marxista do ecossocialismo é capaz de trazer uma reflexão sobre o papel do Direito Ambiental na proteção ambiental, que talvez não seja unânime – na ideia da concepção absoluta do princípio jurídico de meio ambiental ecologicamente equilibrado -, revelando as contradições da forma jurídica.

Michael LOWY (2013) compreende o ecossocialismo como a visão política que aponta a crise ecológica como uma crise da civilização capitalista – justamente porque a dinâmica interna do sistema capitalista transforma seres humanos e recursos naturais em mercadorias “necessárias à expansão dos negócios e acumulação de lucros”. Portanto, a política ecossocialista seria a alternativa utópica, mas não abstrata, de alterar o paradigma civilizatório da predação capitalista. Não ao acaso, coerente com essa visão, SATIE (2005) assina “ecossocialismo ou barbárie”, ao afirmar que a relação entre o Capital e a natureza no Brasil sempre foi de agravada exploração dos recursos – que vão da colonização à dependência econômica, tanto na questão agrária como na questão urbana.

O ecossocialismo teria por objetivo trazer uma nova concepção de sociabilidade, justamente por constatar como esgotada a sociedade capitalista – sob o ponto de vista ambiental. É inspirado justamente nas respostas da sociedade civil e seu potencial transformador quanto a crise ambiental que é planetária (MELO, 2010). O ecossocialismo é, portanto, uma proposta anticapitalista de sociedade, tendo como foco a contradição ambiental desse sistema – por isso é, também, uma crítica aos movimentos políticos ambientalistas não radicais, que não reconhecem tal questão estrutural (KOVEL, 1997). O paradigma civilizatório capitalista é o ponto central da crítica ecossocialista de Michael Lowy (QUERIDO, 2013), portanto, é uma grande crítica das ideologias do progresso (como fala W. Benjamin), sendo indispensável para essa teoria uma crítica ampla do capitalismo – tanto como economia política como civilização – formando um complexo que atualiza e renova o socialismo ecológico marxista.

Nessa ideia, existe a certeza que o socialismo e a ecologia partilham valores qualitativos fundamentais, diretamente opostos àqueles da forma mercadoria (do mercado), por isso é uma teoria que sugere uma ética ecossocialista (LOWY, 2014, p. 65). Por isso que se afeiçoa naturalmente a ideia de um planejamento democrático, ou seja, contempla formas coletivas de gestão e de apropriação comum, radicais e rompedoras aos limites impostos pelas políticas sócio liberais adaptadas à globalização capitalista (LOWY, 2009). Dessa forma, o ecossocialismo concebe práticas alheias aos do Direito e do Estado, não requer e nem almeja direitos sociais, justamente porque parte de uma descrença geral sobre a forma jurídica como transformador da sociedade, suas concepções não jurídicas de sociedade indicam a necessidade de uma utopia de fim do capitalismo e, possivelmente, de fim do direito.

É possível identificar um caráter tríplice na utilização do conceito de Bem Viver pelo autor: (I) crítico, (II) analítico e (III) político/propositivo: O autor utiliza desse conceito tanto para apontar os problemas da ideologia do desenvolvimento sob o capitalismo, inerentemente insustentável devido a evidência predatória que sustenta o modo de produção - ou seja, é o caráter crítico do Bem Viver;

também, utiliza para analisar formas de vida existentes, tanto as que deram origem ao conceito como as que constroem utopias em movimento - é o caráter analítico do Bem Viver; e também como proposta de sociedade, não uma alternativa a ser escolhida entre tantas outras, é uma alternativa às alternativas, ou falsas alternativas - é o caráter político propositivo do Bem Viver.

A (I) crítica trazida pelo Bem Viver reside na crítica ao desenvolvimento capitalista - uma ideologia que sustenta o eterno crescimento econômico como fundamental a satisfação das necessidades humanas. O alinhamento da noção de desenvolvimento econômico com metáforas de desenvolvimento social e pessoal cria as bases do imperialismo predatório, como uma meta a ser alcançada pela humanidade. Isso alcança a geopolítica mundial, tendo em vista que até mesmo os países pobres aceitam tal pauta em busca do resgate de seu “atraso”, pautando o desenvolvimento como objetivo - implicando na aplicação de diversos instrumentos e indicadores desenvolvimentistas. Essa ideologia sustenta uma estratificação exploratória do mundo, pautando uma noção neocolonial de civilizado- selvagem, permitindo a submissão daquelas menos “desenvolvidos” em prol do alinhamento do

progresso civilizatório que está por sustentar o desenvolvimento uno - das esferas econômica, social e humana. Conforme Acosta (2018, p. 50):

O desenvolvimento, enquanto proposta global e unificadora, desconhece violentamente os sonhos e as lutas dos povos subdesenvolvidos. A negação agressiva do que é próprio desses povos foi muitas vezes produto da ação direta ou indireta das nações consideradas desenvolvidas:

recordemos, por exemplo, a atuação destrutiva da colonização ou das próprias políticas do fmi.

O caráter (II) analítico do Bem Viver permite dar atenção ás práticas reais que são apagadas ou desconsideradas pela história. A utopia e a construção da diferença que já permeia o mundo em formas afugentadas - elas são tanto a origem do conceito de Bem Viver como significam sua eterna transformação, ou seja, um conceito em movimento. No livro, em específico, o autor analisa a experiência trazida pela iniciativa Yasuní-Itt - projeto Equatoriano pautado na resistência indígena ao extrativos e exploração de petróleo nos campos Tambococha e Tiputini, na qual a não exploração teria como equivalência uma ajuda financeira internacional. Essa iniciativa de não exploração é uma utopia importante, tendo em vista que em um mundo viciado em petróleo, explorá-lo parece obrigação - e o fracasso do projeto indica que é sim a realidade dura -, entretanto, fundamentou- se pelo reconhecimento de interesse diverso daquele do desenvolvimento, baseado no sentimento daqueles atingidos pela atividade petrolífera, ou seja, é uma proposta baseada na materialidade das resistências e das formas alternativas de viver. Todavia, uma análise a partir do Bem Viver permite identificar uma contradição fundamental na proposta: a compensação financeira, principalmente por expor a realidade daqueles territórios ao critério quantitativo fungível. (ACOSTA, 2018, p. 213-230).

Também, a análise de processos pelo Bem Viver apresenta uma tese sobre a construção de um Estado Plurinacional, como no Equador, traçando a importância da superação do conceito de nação trazido pela colonialidade - pautado no racismo e na estratificação da população do planeta. A plurinacionalidade possui, assim, um caráter emancipador por pressupor um reconhecimento ativo dos povos e das nacionalidades, permitindo aos territórios desenvolvimento de suas práticas ao mesmo tempo que incorpora melhores práticas pautadas nas culturas locais - superando o apagamento das histórias locais e do implante alienígena de teorias que pautas o Estado e o Direito nas nações latino americanas:

A falta de compreensão e aceitação das verdadeiras raízes de muitos países latino-americanos talvez explique a existência de Estados (quase) fracassados ou nações que simplesmente não conseguem amadurecer. O problema surge por jamais terem assumido e incorporado seus povos e nacionalidades. A plurinacionalidade não dissolve os Estados, mas exige espaços de autogoverno e autodeterminação. Isso, obviamente, traz implícito um difícil choque com quem defende a tese do Estado-nação tradicional. (ACOSTA, 2018, p. 151)

A aplicabilidade (III) política/ propositiva do Bem Viver sugere a radicalidade de oposição franca a todas as “alternativas” ligadas ao desenvolvimento sustentável, é a alternativa das alternativas - uma alternativa radical ao desenvolvimento (GUDYNAS, 2011). A oposição ao desenvolvimento e a fundamentação da economia do dia-a-dia em formas já existentes de vida, que se baseiam em práticas não predatórias e de valorização de elementos qualitativos do viver, por isso é a “outra economia para outra civilização”. É uma economia pós-desenvolvimentista que destaca-se pela solidariedade e a sustentabilidade, além da reciprocidade, complementaridade, a responsabilidade, a integralidade dos seres vivos, a suficiência (a eficiência verdadeira, baseada no melhor uso das coisas necessárias), a diversidade cultural, identidade, equidade e a democracia. É uma economia ambientalmente sustentável na qual os processos econômicos sejam pautados pelo respeito aos ciclos ecológicos, uma inversão de valores, portanto. E isso é impossível sem que ela seja sustentável do ponto de vista social, implicando na autodeterminação democrática - que sustenta os dois objetivos sociais principais de sustentabilidade e solidariedade. È uma “nova contratualidade política, jurídica e natural” (DÁVALOS, 2008).

A forma econômica proposta é de autocentramento, ou seja, do desenvolvimento de forças produtivas locais, endógenas, capacitando formas humanas e recursos produtivos locais - opondo-se a noções centralizadoras da produção e dos padrões de consumo. Isso tudo sendo acompanhado por um processo político de participação plena e de contrapoderes locais, portanto, uma coletivização da economia. Nesse sentido, a produção de bens seria um meio, nunca um fim, assumindo posição oposta

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à fetichização da mercadoria, tendo em vista a humanização da economia e da fundamentação de necessidades verdadeiras, ligadas aos bens comuns da humanidade (HOUTART, 2011) - principalmente porque lógicas como essas já existem, mesmo que escondidas pela ideologia do desenvolvimento.

3 CRÍTICA AO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Essas duas teorias apontam a “sustentabilidade impossível” (VIZEU; MENEGHETTI; SEIFERT, 2012) do conceito de desenvolvimento sustentável, que acaba por sustentar uma racionalidade instrumental em nome do desenvolvimento ideologicamente consolidado - essencialmente econômico. E o processo que media essas relações e estabelece o respeito à “sustentabilidade” é o DIreito, sustenta-se aqui que não é um caso, tendo em vista que a forma jurídica é a mediadora universal das relações capitalistas. A tese em que forma jurídica e forma mercadoria são formações capitalistas é uma leitura que começa no pensamento de PACHUKANIS (2017) ao compreender o Direito sob o ponto de vista do materialismo histórico, identificando a ideologia jurídica. Tal qual a forma mercadoria só se realiza dialeticamente na relação entre sujeitos, o mesmo se dá na forma jurídica – que como conjunto de normas lógico-formal nada é de significativo.

O Estado e o Direito possuem esse papel de mediador dos conflitos de classe da sociedade capitalista, o primeiro como instância e o segundo como norma, que separam e alienam as relações sociais – inerentemente de exploração. Nessa corrente teórica, não há que se afirmar que existe uma apropriação burguesa do Estado, pois essa forma deriva das relações mercantis, possuindo autonomia em relação às classes, mas não da reprodução capitalista (MASCARO, 2013. p. 61). Por isso a perspectiva utópica em relação a superação do Estado e do Direito são fundamentais, pois a crítica a forma jurídica revela esse estreitamento da reprodução capitalista com as formas estatais.

A superação do capitalismo compreende, necessariamente, a superação do Estado e do Direito, o marco deixado pelo pensamento de Pachukanis, sob o ponto de vista político, é de uma afirmação irredutível de que é impossível existir um Direito Socialista, de que a transformação das relações de produção indica o fim do direito (NAVES, 2000, p. 87). A crítica a forma jurídica afirma que é impossível “salvar” a forma jurídica dando a ela tarefas que socialmente ela jamais poderá concretizar (FEITOSA, 2015). A sustentabilidade é uma delas - ou há uma sociedade ecologicamente equilibrada ou há capitalismo e Direito.

Portanto, a relação da crítica ao Direito e o ecossocialismo é, no ponto ambiental, no que aponta os limites do Direito Ambiental em preservar os recursos naturais e de promover um ambiente equilibrado, justamente porque é necessário superá-lo, trazendo novos paradigmas transdisciplinares de sociedade.

Atualmente, tal questão já tem sido vista sob o ponto de vista do pluralismo jurídico (RUSCHEL, 2018), por exemplo, demonstrando que a relação entre a ecologia e a crítica ao direito são atuais e necessárias.

Um paradigma verdadeiramente ecocêntrico precisa superar as marcas estruturas do Direito e conceber tendências de autonomia e autodeterminação territorial (MALISKA; MOREIRA, 2017).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Resta concluído, sob o marco teórico elencado e o método estabelecido, que o ecossocialismo como teoria é, também, uma crítica ao Direito em sua forma jurídica inerentemente capitalista, e o Bem Viver é uma proposta de alternativa ao desenvolvimento - não de desenvolvimento alternativo. Tal qual crítica ao ambientalismo difuso que não enxerga uma contradição entre a preservação ambiental e o modo de produção capitalista, o Direito para o ecossocialismo também é visto sob suas contradições, tendo em vista ser o mediador universal das trocas capitalistas. A manutenção do Direito pressupõe a preservação da forma estatal e política do capitalismo, inerentemente e estruturalmente contrárias ao interesse de preservação ambiental. Por isso, é visível na literatura do ecossocialismo uma crítica ontológica ao Direito, exigindo em seus meios o fim da forma jurídica.

O acréscimo do adjetivo sustentável ao desenvolvimento, de direta obrigação ambiental, não implica no ponto de mutação tal Capra (1999, 1982) menciona como valor de evolução da sociedade, como significante da mudança dos padrões culturais - pelo contrário, a sua transformação em forma jurídica pauta o contrário, é o condicionamento da proteção ambiental à universalização da

forma mercadoria que mantém o modo de produção capitalista, a afirmação de um contraditório desenvolvimento sustentável dá substrato para a exploração econômica das pessoas e da natureza, pautados em princípios que supostamente estariam ligados à proteção do meio ambiente que vivemos.

Enquanto o Bem Viver promove formas de vida que contemplam a superação da crise ambiental capitalista, o Ecossocialismo denuncia a ineficácia das pautas progressistas que ainda se mantém atreladas ao Estado e ao Direito - visto o fracasso em promover proteção ambiental na América Latina (GAUDICHARD, 2016) - por isso é necessário reconstruir utopias tanto de novas formas de vida como oposição radical à estrutura social capitalista, superando a promoção singular de contra-hegemonia e efetivamente construindo uma alternativa de longo prazo (FERNANDES, 2019, p. 29).

REFERÊNCIAS

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