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NO COMBATE À PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS

No documento DIREITOS HUMANOS E DEMOCRACIA (páginas 114-122)

Rômulo José Barboza dos Santos46 Denise Tatiane Girardon dos Santos47

RESUMO: A presente pesquisa versa sobre os resultados parciais obtidos a partir de estudos desenvolvidos no Projeto de Pesquisa da Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ), intitulado Estado de Direito e Democracia: espaço de afirmação dos Direitos Humanos e Fundamentais. Objetiva-se tecer considerações a respeito do enfrentamento da COVID-19, especialmente nas favelas do Brasil, tendo em vista o fenômeno da Colonialidade, que contribuiu para alocar o negro como raça inferior segundo os critérios estabelecidos pelo homem Europeu. Por conseguinte, como hipótese, tem-se que a desigualdade social, principalmente durante o período de pandemia, se mostra ainda mais acentuada nas comunidades. Ademais, necessário mencionar a dificuldade de angariar dados sobre a pandemia no País, destacadamente nas favelas.

Palavras-chave: COVID-19; Favelas; Brasil; Colonialidade; Desigualdade Social.

INTRODUÇÃO

A pandemia do Novo Coronavírus, causador da COVID-19, potencializou problemas já enfrentados no País, especialmente nas favelas, considerando a desigualdade social vislumbrada, principalmente, no cotidiano da população negra, que compõe a comunidade. Esse fator decorre, pela perspectiva da historicidade da América Latina, também, da colonialidade, entendida como o resultado dos processos colonizatórios do/no Continente, que tornaram vítimas os negros, uma vez que foram escravizados, usados como mão de obra e tiveram direitos negados, mesmo após a abolição oficial da escravatura.

No Brasil, o período escravagista resultou em um tráfico intenso de pessoas do Continente Africano, que foram trazidas de modo forçado para serem escravizadas. Consequentemente, passaram a fazer parte da composição populacional do País. Atualmente, os negros representam cerca de a metade da sociedade brasileira em número de pessoas. Esse dado difere da proporção dos direitos que exercem, citando, a título exemplificativo, a ocupação de cargos públicos nos espaços onde se encontram, assim como a ocupação de espaços nas cidades48, o que aponta para algumas das consequências da desigualdade social.

Nesse viés, como probabilidade do presente estudo, tem-se a ideia de que, atualmente, em decorrência da pandemia, a desigualdade social se mostra ainda mais acentuada nas comunidades, o que facilita, ainda mais, a vulnerabilização da população negra.

46 Acadêmico do 10º semestre do Curso de Direito da Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ). Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Integrante do Projeto de Pesquisa Estado de Direito e Democracia:

espaço de afirmação dos Direitos Humanos e Fundamentais. E-mail: romullobarboza@hotmail.com.

47 Doutora em Direito - UNISINOS. Mestra em Direito - UNIJUÍ. Especialista em Educação Ambiental - UFSM. Bacharel em Direito - UNICRUZ. Graduanda em Filosofia-Licenciatura – UFPel. Coordenadora do PIBEX Empoderamento dos Povos Indíge- nas do Rio Grande do Sul: proteção aos conhecimentos tradicionais pela Educação Ambiental e do PIBIC Estado de Direito e Democracia: espaço de afirmação dos direitos humanos e fundamentais - UNICRUZ. Integrante do Grupo de Pesquisa Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná UFPR. Integrante do Grupo de Pesquisa Jurídica em Cidadania, De- mocracia e Direitos Humanos – GPJUR. Docente no Curso de Direito e do Núcleo Comum da UNICRUZ e do Curso de Direito das Faculdades Integradas Machados de Assis - FEMA. Advogada. Conciliadora Judicial - TJ/RS. E-mail: dtgsjno@hotmail.com.

48 A expressão cidade se relaciona ao centro. Por consequência, os negros estão na periferia.

O objetivo desta pesquisa é produzir um levantamento qualitativo e bibliográfico a respeito do enfrentamento da COVID-19, especialmente, nas favelas do Brasil, tendo, como perspectiva teórica, o fenômeno da colonialidade, que contribuiu para alocar o negro como raça inferior, segundo os critérios, estabelecidos pelo homem europeu. O método será o dedutivo, com abordagem qualitativa, sendo a pesquisa bibliográfica e documental e a estratégia explicativa.

1 DESENVOLVIMENTO

Em decorrência dos processos de escravização na/da América Latina, que foram promovidos pe- los colonizadores espanhóis e portugueses, a população negra, historicamente, sofreu com a ausên- cia de efetivação de direitos, considerando que foram explorados como mão de obra, mas excluídos da partilha de recursos, o que corrobora para a construção do Mito da Modernidade. Nesse sentido, Enrique Dussel (1993, p. 7) destaca que:

Trata-se de ir à origem do ‘Mito da Modernidade’. A Modernidade tem um ‘conceito’ emancipador racional, que afirmaremos, que subsumimos. Mas, ao mesmo tempo, desenvolve um ‘mito’ irra- cional, de justificação da violência, que devemos negar, superar.

Necessário mencionar, também, que a escravização das populações negras, nos países da América Latina, possui contextos históricos e socioculturais semelhantes, destacando-se o colonial e o de escravidão em que foram inseridas. Os negros africanos foram trazidos para o Continente de modo forçado, que segundo Ribeiro e Silva (2017, p. 291),

[...] possibilitou a exploração intensiva da mão de obra de milhões de indivíduos, influenciando profundamente o desenvolvimento das sociedades americanas, das nações europeias diretamente envolvidas na colonização e das sociedades africanas escravizadoras e escravizadas. O tráfico de escravos e as lutas por sua extinção no século XIX foram fundamentais para definir as identidades de negros e brancos, legando importantes consequências socioculturais no mundo atlântico.

No que concerne ao Brasil, não se sabe, exatamente, o período em que se iniciou o tráfico de negros, porém, acredita-se que se deu nos primeiros anos de colonização. Os escravos africanos, de acordo com os objetivos da Coroa Portuguesa, desempenhavam funções secundárias, restritas aos afazeres domésticos; todavia, em razão da falta de indígenas para a mão de obra na exploração de recursos naturais, pois sucumbiam ou eram protegidos por padres jesuítas, criou-se um comércio direto de escravos entre a Colônia de Portugal e o Continente Africano, cujo grande tráfico, como destaca Rodrigues (2010, p. 20-21), se iniciou

[...] com alguns navios, por particulares, enviados à África. Ainda assim, o problema étnico devia surgir aos poucos e muito depois, que nos primeiros tempos não havia povo brasileiro, mas Europeus que estendiam ao Brasil uma parte da nação portuguesa, para a qual os Negros, sem laços de sangue, nem de outras comunhões sociais, ainda estrangeiros na América, mais não eram do que simples máquinas ou instrumentos de trabalho.

A escravização no Brasil é exemplo do que decorreu no Continente da América Latina, e compõe o que Dussel aponta como a outra face da modernidade, qual seja, a colonialidade. Alguns filósofos, como Charles Taylor, Stephen Toulmin e Jurgen Habermas, defendem que a origem da modernidade é, exclusivamente, um fenômeno europeu; contudo, Dussel (1993, p. 7) propõe que “[...] a Modernidade é realmente um fato europeu, mas em relação dialética com o não-europeu como conteúdo último de tal fenômeno”, de modo que a modernidade surgiu com a afirmação da Europa enquanto centro, que alocou o restante do mundo enquanto periferia. A periferia é parte da própria definição de modernidade, mas desprestigiada, pois, para Dussel (1993, p. 7):

O esquecimento desta “periferia” (e do fim do século XV, do século XVI e começo do século XVII hispano-lusitano) leva dois grandes pensadores contemporâneos do “centro” a cair na falácia eurocêntrica no tocante à compreensão da Modernidade. Se o diagnóstico é parcial, provinciano, a tentativa de crítica ou plena realização é igualmente unilateral e parcialmente falsa.

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A teoria do mito da modernidade originou-se e mundializou-se a partir da América, uma vez que não é possível falar de modernidade sem considerar a colonialidade, que se caracteriza como um elemento constitutivo e específico do padrão mundial capitalista, e se funda “[...] na imposição de uma classificação racial/étnica da população do mundo como pedra angular do dito padrão de poder e opera em cada um dos planos, âmbitos e dimensões materiais e subjetivas, da existência social cotidiana e da escala social” (BALLESTRIN, 2013, p. 10 apud QUIJANO, 2000, p. 342).

Para Mignolo (2017), a modernidade é uma narrativa complexa, que construiu a civilização ocidental quando celebrou suas conquistas, tendo, como ponto de origem, a Europa; porém, escondeu o seu lado mais escuro, que é a colonialidade, esta que se caracteriza como o resultado dos processos de colonização, uma vez que, ainda que tenha havido a independência das colônias ibéricas latino- americanas, elas prosseguiram subjugadas pelos nortistas. Nesse sentido, os negros desempenharam um papel essencial para o desenvolvimento do mito da modernidade, pois foram explorados como mão de obra escrava, mas não participaram da partilha dos recursos obtidos com o trabalho desempenhado.

O tráfico negreiro, caracterizado como a ação de roubar e sequestrar, inicialmente, homens, e, posteriormente, mulheres, foi iniciado no litoral da África pelos portugueses, que vislumbraram a possibilidade de se beneficiarem com essa prática, dando início a uma prática, até, então, inédita:

a escravidão mercantil. Os espanhóis também adotaram essa prática, dada a ampla vantagem eco- nômica, decorrente da exploração dos negros, sujeitos à escravidão. Para Mignolo (2017, p. 5 apud CUGOANO, 1787), além dos portugueses e espanhóis,

[...] os franceses e ingleses, e algumas outras nacoes da Europa, enquanto fundavam assentamentos e colonias nas Indias Ocidentais ou na America, prosseguiram da mesma maneira, e se juntaram

“mano a mano” com os portugueses e espanhois para roubar e pilhar a Africa, assim como para destruir e desolar os habitantes do continente ocidental.

Uma consequência da colonialidade na América Latina foi a classificação de pessoas e sociedades pela ideia de raça, que se caracteriza como um conceito moderno, pois, antes do processo colonizatório, as definições eram decorrentes da posição geográfica. O conceito de raça, para além das diferenças fenotípicas, significa a diferenciação estabelecida, pelos europeus, entre colonizadores e colonizados, entre sociedades centrais (europeias) e periféricas (demais Continentes), em que, aqueles, para se autoafirmarem como sujeitos superiores, alocaram os demais na periferia, enquanto inferiores, selvagens/bárbaros, justificando sua submissão. Para Quijano (2005, p. 117), uma consequência da formação dessas relações sociais, que foram fundadas nessa ideia de raça, produziu, na América,

[...] identidades sociais historicamente novas: índios, negros e mestiços, e redefiniu outras.

Assim, termos com espanhol e português, e mais tarde europeu, que até então indicavam apenas procedência geográfica ou país de origem, desde então adquiriram também, em relação às novas identidades, uma conotação racial.

As relações sociais foram baseadas em relações de dominação, uma vez que a classificação dessas identidades foi atrelada à ideia de hierarquia, lugares e papeis sociais correspondentes. Além disso, com a criação dessas identidades, o padrão de dominação seguiu a raça e a identidade racial, estabelecidas como instrumentos de classificação social básica da população. Dessa forma, da ideia de raça decorreu o racismo (como parte da colonialidade), que prosseguiu a prejudicar os negros na América Latina (QUIJANO, 2005).

Imprescindível aduzir, também, que, para Fanon (2008), o negro possui duas dimensões, cintando a primeira com seu semelhante e a segunda com o branco. Consequentemente, um negro tende a se comportar, diferentemente, ao tratar com o branco e ao tratar com outro negro. Nesse viés, o racismo se mostra como um fenômeno mais complexo, estruturado a partir de um contexto histórico e político, que, por consequência, criou a ideia classificatória de raça como inerente à espécie Homo Sapiens, no intuito de manter a hierarquia social e o status das elites e promover o apagamento do outro49 e sua

49 O outro está relacionado a tudo aquilo que não é europeu. Com o surgimento da ideia de Modernidade no ano de 1492, nas cidades europeias medievais livres, a Europa assumiu a posição de conquistadora, colonizadora e desbravadora, ocasião em que passou a enfrentar o outro, utilizando-se de violência para controlá-lo e vencê-lo. Apesar de toda a história contada, o outro não foi descoberto, mas, sim, encoberto, surgindo daí o Mito da Modernidade (DUSSEL, 1993).

história, cultura e organização social (FERNANDES, 2017). Por oportuno, cita-se Almeida (2019, p. 32) que assim explica:

O racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam.

Adesky (2001, p. 46-47) salienta que, no Brasil, a palavra raça é utilizada pelos líderes do Movimento Negro, podendo ser entendida como um índice de diferenças fenotípicas classificatórias.

Nesse ponto, destaca-se o seguinte trecho:

A utilização, cada vez mais freqüente entre os intelectuais do Movimento Negro, de termos como etnia ou comunidade não faz prever o declínio da palavra raça. Um dos defensores de seu uso é a antropóloga Nilma Bentes. Para ela, a palavra raça serve como alavanca para a conscientização da população negra do Brasil. Ela considera que não seria correto abandonar o uso da palavra raça porque isso implicaria a substituição da palavra racismo pela palavra etnocismo, por ela conside- rável muito difícil de entender e de explicar a uma população que, em geral, compreende com faci- lidade a noção de raça. Do ponto de vista lexical, é necessário observar também que o termo raça reforça, por associação gramatical, o emprego corrente da tradicional classificação da população em brancos, negros, amarelos etc. De fato, o uso da palavra raça associada, por exemplo, às cate- gorias louro, ruivo, mulato moreno etc., não foi consagrado nem pelos antropólogos nem pelo uso corrente. Melhor dizendo: a raça, de um ponto de vista simbólico, associa-se, de preferência, com a classificação tradicional de branco, negro e amarelo. Mas é também necessário observar que essa associação lexical não é absoluta. Com efeito, as palavras branco, negro, amarelo, enquanto categorias raciais classificatórias, têm vida própria. Pode-se falar dos negros, dos brancos, como dos mulatos ou dos morenos etc., sem o obrigatório recurso explícito à noção de raça. Portanto, essas classificações apresentam certa autonomia, certa independência em relação ao termo raça.

Compreendidos os processos colonizatórios da população negra na América Latina, destacada- mente no Brasil, o que corroborou, também, para a criação do conceito de raça, bem como, para alocar o negro como inferior, sendo esse processo definido como Colonialidade, mostra-se necessário apre- sentar a formação das favelas no País, que representam a periferia, epicentro da desigualdade social.

Dentre as regiões brasileiras que possuem os complexos denominados como favelas, merece destaque a região Sudeste, especialmente a cidade do Rio de Janeiro, considerando o elevado número de comunidades que lá se formaram, principalmente, em decorrência dos processos de segregação espacial, ocorridos em razão do contexto histórico escravocrata e excludente. Nesse sentido, o CEN- SO do IBGE, no ano de 201050, apresentou um levantamento de que, na cidade carioca, existem 763 favelas que abrigam 22% da população (OBSERVATÓRIO LEGISLATIVO DA INTERVENÇÃO FEDERAL NA SEGURANÇA PÚBLICA DO RIO DE JANEIRO, 2018).

O surgimento das favelas, no Brasil, dialoga com o objetivo da elite brasileira de reconstruir a capital federal, na tentativa de criar a imagem de um espaço calcado nas pretensas percepções de civilização e modernidade. Por conseguinte, como método para efetivar a segregação da população negra, foram elaboradas campanhas pelo governo brasileiro, no intuito de extinguir os cortiços51, uma vez que eram considerados o berço do crime e do vício, bem como, o núcleo das nominadas classes perigosas (SANTOS, 2019). Esse movimento reflete a influência da colonialidade na vida do negro, haja vista que, mesmo com a abolição da escravatura, sofria estigmas decorrentes da imagem construída de que era um ser inferior.

Ao que tudo indica, a primeira favela do Brasil surgiu no ano de 1897, no centro do Rio de Janeiro, sendo representada pelo morro da Província. Os registros dão conta de que a ocupação se deu por soldados, que participaram da Guerra de Canudos na Bahia, e acabaram desembarcando na cidade, reivindicando, ao governo, moradia aos combatentes. Os pedidos foram atendidos, porém, se construíram diversos barracos na região denominada como favela da Província, que se tratavam de casas precárias (DIAFERIA; NAVARRO, 2018).

Com efeito, o fenômeno da desigualdade vai de encontro ao princípio da isonomia, se constituindo de

50 Foram usados os dados do ano de 2010 pela ausência de censos atualizados, relacionados às favelas.

51 Os cortiços representaram moradias populares e precárias, caracterizadas por um elevado número de pessoas em sua

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arbitrariedades, implicando, para Comparato (2003, p. 287), na “[...] negação da igualdade fundamental de valor ético entre todos os membros da comunhão humana”. Nesse diapasão, Sawaia (2001) compreende que a desigualdade dialoga com uma consequência negativa do défice de participação de todos os indivíduos no Estado, bem como, com o cuidado que este deveria ter com todos os cidadãos.

A desigualdade social, no Rio de Janeiro, é resultado de décadas de negligência pelo Poder Público, que não adotou medidas eficazes para amenizar os problemas desencadeados por aquela.

Como demonstração, tem-se que, no período de 1996 a 2008, no referido Município, houve um aumento do nível de pobreza, elevando o índice de 9,61% para 10,18. Entre 2005 a 2008, aumentou o índice de renda auferida pela população das favelas, representando 14%; todavia, desproporcional se comparado às condições da população dos bairros (VEJA, 2010).

Segundo Carvalho e Lima (2016), o senso comum52 define as favelas como um espaço de pobreza, violência e marginalidade. No mesmo sentido, os Autores destacam que uma pesquisa, do ano de 2015, realizada pelo do Instituto Popular, demonstrou a visão, da sociedade brasileira, em relação às favelas: a pesquisa foi realizada com consulta a 3.050 pessoas, em 150 cidades do País, e apontou que 69% dos entrevistados disseram que sentem medo quando estão próximos a uma favela. Além disso, 51% afirmaram que as primeiras palavras que lhes vêm à mente quando ouvem falar de favela são droga e violência.

A desigualdade social, no Brasil, é tão acentuada que garante ao País a décima colocação do ranking mundial, bem como, a quarta posição da América Latina. Nesse ponto, o índice de desenvolvimento humano, que é medido pela Organização das Nações Unidas, atribui, como média brasileira, a nota de 0,561, sendo as medidas de zero a um, e o índice padrão 0,754. Quanto ao nível mundial, empata com Panamá e Coreia do Sul (POLITIZE, 2017).

Os dados de renda, do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), contribuem para demonstrar a visão de que o Brasil não investe em políticas públicas eficazes contra a desigualdade social. As favelas são descritas como bolsões da pobreza, levando-se em conta o aspecto do espaço geográfico. Ainda, ao analisar os dados relacionados à desigualdade em comparação a toda a cidade, as favelas representam índice muito menor de aferimento de renda (CARVALHO; LIMA, 2016).

Demonstrados os aspectos basilares da desigualdade social no Brasil, notadamente, nas favelas no Rio de Janeiro, é importante refletir sobre o enfrentamento da pandemia do Novo Coronavírus, causada pelo SARS-CoV-2, no que concerne à população que constitui as favelas, em sua maioria, negra. As principais fontes de pesquisa são notícias, uma vez que não há dados oficiais do Governo Federal, tanto que foi necessária a adoção, pelos veículos de imprensa, de um consórcio, no intuito de publicizar, com a maior exatidão possível, os reflexos da COVID-19 (G1, 2020).

Apesar do atual contexto de desatendimento, pelo Poder Público, enfrentado pela população das favelas no Rio de Janeiro, destaca-se a mobilização das comunidades em buscar recursos individuais e coletivos para amenizar as consequências da pandemia. Não obstante às precárias condições de vida, pobreza e segregação, bem como, a inércia do Estado em promover ações eficazes de combate, se constata determinada movimentação pelas próprias pessoas da comunidade, que demonstra, por consequência, o enfrentamento da colonialidade. Dentre as organizações atuantes dentro das favelas, destacam-se a Central única das Favelas (CUFA) e a AfroReggae (JOVCHELOVITCH, 2013).

Como demonstração da organização da própria comunidade para o enfrentamento das consequências do vírus, tem-se o site COVID-19 nas FAVELAS, que iniciou no início da pandemia, cujo o objetivo é unir os Coletivos para angariar doações, que são revertidas para famílias da comunidade do Rio de Janeiro e Região. Atualmente, os Coletivos envolvidos são: Coletivo Fala Akari, Conexão Favela e Arte: cuidando dos nossos, SAAF, B.A.S.E, Complexo da Maré contra o Coronavírus, União Coletiva pela Zona Oeste, Coletivo Papo Reto e Movimenta Caxias. Até junho do corrente ano, já se angariou mais R$

250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) em arrecadações (COVID-19 NAS FAVELAS, 2020).

No mês de maio de 2020, em razão da discrepância dos dados oficiais com relação aos dados emitidos pelo Governo Federal sobre os casos de COVID-19 nas favelas do Rio de Janeiro, as organizações atuantes nas comunidades tiveram a iniciativa de fazer os levantamentos dentro da periferia. Nesse viés, o Jornal Comunitário Voz das Comunidades, do Complexo do Alemão, elaborou um painel de dados de contágio do vírus, que são verificados, também, em comparação aos dados oficiais (AGÊNCIA BRASIL, 2020).

52 Da população, em geral.

A organização Viva Rio, no mês de maio de 2020, realizou pesquisa, em que se observou que 75% das pessoas, residentes nas favelas e com sintomas de COVID-19, decidem por não procurar atendimento médico, sendo que a metade conhece alguém que morreu pela doença. Quanto aos óbitos, 10% ocorreram dentro de casa, sem assistência médica. No mais, é referido que 8,8% das residências das favelas têm, no mínimo, uma pessoa infectada (AGÊNCIA BRASIL, 2020).

Conforme matéria publicada pelo site do Estadão no mês de junho de 2020, apesar dos Estados Unidos estarem à frente do Brasil no número de casos de pessoas com COVID-19, deve ser considerado o fator primordial e alarmante, que aloca os brasileiros a um possível epicentro da doença: a acentuada disparidade social. Na publicação, é destacado que, em 2010, a cidade do Rio de Janeiro encomendou pesquisa sobre o CENSO das favelas, em que se constatou, por exemplo, a existência de mais de cem mil pessoas habitando os noventa e três hectares da favela da Rocinha, que é considera a maior do País. Esse dado é preocupante à medida que, nas vielas dos morros, há uma maior circulação de pessoas, o que corrobora para potencializar o contágio do vírus (ESTADÃO, 2020).

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no mês de julho de 2020, publicizou pesquisa referente ao contágio de COVID-19 nas favelas cariocas, em se que constatou maior letalidade da doença nos homens do que nas mulheres, sendo maior o percentual de óbitos na população negra dos territórios periféricos. No Informativo emitido, foi revelado, ainda, que nos bairros classificados como

“concentração altíssima”, “concentração alta” ou “concentração mediana” de áreas cobertas por favela, a ocorrência da doença é maior na população negra. Por sua vez, nos bairros classificados como

“concentração baixa), os índices de contágio da população negra são de 25,6%, sendo próximo da população branca, que é de 27,6% (PORTAL FIOCRUZ, 2020).

Como se constata, o processo colonizatório sofrido pelo Brasil reflete, diretamente, na desigualdade social impregnada na sociedade, que afeta, principalmente, a população negra periférica, sendo a criação de raça uma construção social, da qual advém o racismo.

No mais, a mobilização da população das favelas em unir-se contra a COVID-19, bem como, emitir dados efetivos e reais sobre o cenário pandêmico, demonstra um meio de combate à colonialidade.

Ainda que precária a atuação do Estado, seja nos níveis federal ou estadual, e, dentro de sua competência, o municipal, verifica-se, por um lado, que as favelas são espaços em que os números de contágio e óbitos pela COVID-19 são os mais altos; por outro, a autonomia da população em adotar medias próprias de enfrentamento da pandemia, seja com organizações para fins de mapeamento, de monitoramento e de distribuição de auxílio e atendimento, o que, em si, é um ato de resistência ao sistema centro-periferia e aos aspectos colonialistas, ainda presentes no Brasil.

2 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que a desigualdade social, enfrentada pela população negra nas favelas do Brasil, especialmente, na cidade do Rio de Janeiro, é um dos reflexos dos processos colonizatórios ocorridos na América Latina, que tornaram vítimas os negros, haja vista que foram utilizados como mão de obra escrava, bem como, tiveram seus direitos negados.

Ademais, o atual cenário corrobora para potencializar os reflexos da COVI-19, uma vez que a po- pulação negra periférica é a principal atingida. Apesar disso, necessário desatacar que a mobilização, pelas próprias comunidades das favelas, representa uma busca e tentativa de combate à colonialida- de, entendida como o resultado dos processos colonizatórios da/na América Latina.

Por fim, restou demonstrada a insuficiência do Estado em efetivar políticas públicas de caráter emergencial para amenizar os efeitos do vírus no cotidiano da população negra periférica, bem como, a ausência de apresentação de dados oficiais efetivos sobre a pandemia, tanto que foi criado, pelos veículos de comunicação, um consórcio informativo, no intuito de publicizar, com a maior exatidão, os reflexos da COVID-19.

No documento DIREITOS HUMANOS E DEMOCRACIA (páginas 114-122)