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CULTURAS JOVENS: NOVAS IDENTIDADES, NOVOS MODOS DE SER E ESTAR NO MUNDO

No documento KIDS ONLINE BRASIL - (www.pgcl.uenf.br). (páginas 79-83)

As culturas infantis e juvenis de hoje são marcadas por uma presença predominante das imagens. Imagens criam significados em todo tipo de comunicação. Embora a palavra escri- ta tenha recuperado sua importância (quase) perdida na era da televisão, graças à Internet, as novas gerações percebem e se expressam via imagens. Imagens produzidas e distribuí- das tecnicamente são elementos extremamente significativos na construção dos imaginá- rios infanto-juvenis e, portanto, das identidades e representações. Podemos dizer, então, que as culturas jovens são fundamentalmente audiovisuais. Além disso, os novos modos de aprender desenvolvidos pelas crianças no convívio com as TIC, fora da escola e à sua reve- lia, desafiam educadores e pesquisadores do campo da Pedagogia e da Educação: crian- ças aprendem cada vez mais por ensaio e erro, de modo lúdico, autônomo e colaborativo (BELLONI, 2010; BELLONI; GOMES, 2008).

Gerações mutantes, nativos digitais, e-generation, geração Y, seres híbridos de organismo e máquina, ciborgs… muitas têm sido as tentativas de definição dessas novas gerações nasci- das na era da informática e das telecomunicações. Todas elas deixam a desejar, pois definem o fenômeno a partir do suporte técnico, colocando a tecnologia no centro do processo, como o fator essencial de mudança e negligenciando os fatores socioculturais e psicológicos.

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Do ponto de vista da sociologia da infância e da educação, todavia, a questão é compreender como as mensagens midiáticas, que invadem o espaço privado e constroem o espaço público, concorrem para a construção das identidades infantis e adolescentes. Crianças e jovens apro- priam-se dessas mensagens produzidas por adultos profissionais, reinterpretando-as e cons- truindo a partir delas suas culturas, uma nova ética e uma nova estética, um imaginário povo- ado de seres virtuais que lhes fornecem exemplos, valores e modelos de comportamento, mas também formas estéticas do que é belo e desejável.

A grande inovação dos anos 2000 é, sem dúvida, a incrível difusão das redes sociais e a adesão incontestável da quase totalidade dos jovens a essa nova forma de interagir com os pares. As redes sociais são hoje, provavelmente, o mais poderoso instrumento de formação de uma “cul- tura de pares” on-line. Essa horizontalidade e a democratização do acesso à participação ati- va geram uma transformação radical nos modos de comunicação interpessoal. As redes sociais funcionam como novos espaços culturais, onde se tecem novas formas de relações sociais.

Espaços on-line como Facebook, World of Warcraft e YouTube fornecem aos adolescentes novos contextos para explorar identidades e avaliar outras respostas(DELICADO, 2010).

As redes sociais se tornaram um dentre muitos “playgrounds on-line”, disponíveis na Internet para as crianças de hoje. As redes sociais não apenas fornecem uma convergência inédi- ta de atividades (e-mail, copiar músicas e/ou vídeos, escrever diários, álbuns de fotos), mas criam oportunidades de autoexpressão, sociabilidade e criatividade para muitos. Segundo Livingstone (2008), essa possibilidade de criação de conteúdos por todos os usuários facilita o aparecimento de uma peer culture inovadora entre os jovens, em nível local e global.

Embora enquadrados pelos conteúdos e veículos (mídias) técnicos, os jovens interagem com pessoas reais, seus pares, e constroem novas formas sociais a partir da exposição da intimida- de e da construção de personagens alternativos e identidades outras. Páginas do Facebook são verdadeiros diários “êxtimos”, que invertem as direções das relações afetivas: o que antes só se contava à melhor amiga agora se publica no Facebook. A distanciação psicológica permi- tida pela ferramenta técnica tende a gerar uma ausência de superego, uma liberação de todos os códigos sociais (“pode tudo na rede”) que, na net, facilita a passagem ao ato transgressivo.

Assim, “a mídia da ‘abolição da mediação’ não é apenas liberdade feliz, mas pode também se tornar regressão infeliz” (DAGNAUD, 2009).

A tecnificação intensa e rápida da vida social, difundida em escala planetária por todas as mídias pode também levar ao esvaziamento do sentido da vida (sensibilidades e valores substi- tuídos por lógicas técnicas). A difusão em massa de imagens de situações de extrema violência física e psicológica tende a gerar uma dessensibilização do ser humano em formação com rela- ção aos sentimentos e necessidades do outro, ao sofrimento de outras pessoas, à banalização e à espetacularização da violência e da sexualidade e ao enfraquecimento da solidariedade.

A individualização exacerbada, sob a aparência de interações multiplicadas ao infinito (gera- ções mutantes; nativos digitais; crianças constantemente plugadas) vai substituindo aos pou- cos as redes convencionais de interações reais sociais e afetivas. Desenvolve-se um consumis- mo “adictivo”, típico de um sistema que promete a felicidade na mercadoria, especialmente nas mercadorias abstratas que são as mensagens midiáticas.5 Nossas crianças são seres huma-

5 Segundo pesquisas de mercado recentemente publicadas na Europa, o sonho de consumo dos jovens deixou de ser o carro para ser o tablet.

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nos constantemente ligados (plugados) a alguma máquina de comunicar: crianças sem tempo livre (livre da presença adulta, mesmo virtual), que não conseguem mais viver (brincar, sonhar, se construir) sem a ajuda de algum desses dispositivos técnicos, altamente sofisticados, plane- jados para… para o quê? Afinal, para que serve a Internet?

Tal reflexão é o único caminho para que os jovens humanos coloquem as máquinas a serviço de suas aspirações e de sua criatividade e não se coloquem sob influência delas como partes de redes sociotécnicas governadas pela lógica técnica da máquina e pela lógica econômica do mercado. Escapar do domínio dessas lógicas e da ingenuidade de pensar que as virtudes demo- cratizantes das redes técnicas levam automaticamente à democratização da sociedade exige formação, reflexão, ou seja, mídia-educação.

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O USO DAS TIC POR CRIANÇAS E O IMPACTO

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