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FATORES QUE IMPACTAM POSITIVAMENTE O USO SEGURO DA INTERNET

No documento KIDS ONLINE BRASIL - (www.pgcl.uenf.br). (páginas 107-113)

Um modelo de regressão logística foi estimado para avaliar a associação entre a habilidade e as variáveis: gênero e idade; tempo, local e frequência de uso; renda familiar, classe social e escolaridade do responsável; número de moradores; modos de uso e mediação parental. A habilidade foi considerada como uma variável dicotômica, ou seja, cada jovem foi classifica- do como tendo maior habilidade se respondeu “sim” para sete ou mais itens entre os 14 defi- nidos na escala e como tendo menor habilidade caso contrário (respondeu “sim” para até seis itens). Assumimos a suposição de que todos os 14 itens possuem o mesmo peso para compor a habilidade; assim, não importa o item em si, mas o número praticado pelo jovem. Da mesma forma, a variável “modos de uso” classifica cada jovem como tendo diversas maneiras de uso se respondeu “sim” para sete ou mais itens entre os 14 definidos na escala e a variável media- ção se respondeu “sim” para cinco ou mais itens entre os 10 definidos na escala.

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O modelo de análise nos possibilita agrupar as variáveis e avaliar o grau de coerência que exis- te nesse agrupamento e, ao mesmo tempo, perceber o quanto essas variáveis, em conjunto, impactam as habilidades de navegação segura. A Tabela 1 apresenta o modelo adotado e indi- ca o grau de significância de cada variável:

TABELA 1

ESTIMATIVAS PARA O MODELO DE REGRESSãO LOGíSTICO – hABILIDADE é A VARIÁVEL DEPENDENTE

Intercepto - 4,4 (0,73)***

Feminino - 0,07 (0,14)

Idade 0,24 (0,05)***

Tempo de Uso 0,09 (0,04)*

Modos de uso 1,73 (0,16)***

Mediação 0,46 (0,17)**

Número de moradores - 0,09 (0,05) Local do uso

quarto 0,25 (0,19)

Sala 0,49 (0,19)**

Escola 0,07 (0,16)

Lanhouse 0,42 (0,18)*

Biblioteca 0,001 (0,37)

Casa de amigos 0,55 (0,18)**

Casa de parentes - 0,03 (0,17) Na rua com celular 0,33 (0,2) Frequência do uso

Uma ou duas vezes por semana - 0,04 (0,18)*

Uma ou duas vezes por mês - 1,06 (0,29)***

Menos de uma vez por mês - 1,62 (0,49)***

*** p < 0.1%; ** p < 1%; * p < 5%; erro-padrão entre parênteses; AIC=1172

Os resultados que obtivemos nos permitem dizer que a idade do jovem, associada ao tempo de uso da Internet, à frequência com que esse uso se dá (todos os dias ou quase todos os dias, comparada com menores frequências de uso), ao local de uso (na sala de casa ou na casa de amigos, comparados ao uso na escola ou no próprio quarto), ao modo de uso (maior repertó- rio de atividades) e à mediação dos pais, impacta positivamente as habilidades necessárias a uma navegação segura na Internet. Em outras palavras, ter mais idade, usar a Internet há mais tempo, usar todos os dias ou quase todos os dias, ter maior repertório de atividades, usar em determinados locais, como na sala de suas casas ou na casa dos amigos e com orientação dos pais, aumenta significativamente a probabilidade de o jovem vir a adotar procedimentos mais seguros na navegação na Internet.

O que isso nos diz sobre medidas que favoreçam a navegação segura? Em primeiro lugar, que não é preciso esperar que as crianças cresçam para permitir que façam uso da Internet; ao contrário, se o tempo de uso favorece a segurança, quanto mais cedo aprenderem a navegar e quanto mais tempo puderem fazer isso em sua vida cotidiana, maiores serão as chances de

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aprenderem a se defender de eventuais riscos e, portanto, de usufruírem melhor das oportu- nidades oferecidas pelo acesso à rede. E, mais do que isso, se esses fatores forem combina- dos com a supervisão de adultos da família e realização de atividades colaborativas – que é o impacto positivo do uso da Internet na casa de amigos.

Nenhum dos modelos testados indicou impacto significativo de variáveis associadas à classe social, renda familiar e escolaridade dos pais ou responsáveis, que compõem, em última aná- lise, o que pode ser definido como fator socioeconômico. Causa estranheza, sem dúvida, que esse fator não tenha impacto direto sobre o desenvolvimento de habilidades de uso da Internet, especialmente em um país com enorme desigualdade social, como é o nosso.

A partir dos dados utilizados, não foi possível tirar conclusões a respeito da influência da escolaridade dos pais ou responsáveis, classe social e renda familiar na habilidade dos jovens, porém levantamos algumas hipóteses explicativas para isso.

Em primeiro lugar, é difícil estabelecer parâmetros precisos para configuração de classes sociais no Brasil, visto que o fator renda, além de ser um dado considerado difícil de ser cole- tado — em geral, quem recebe mais afirma receber menos e vice-versa — sofre influência das políticas recentemente adotadas de distribuição indireta de renda, tais como Bolsa Família, entre outros, que, embora integrem a renda familiar, não são computados como renda pelos que os recebem quando estes respondem ao quesito nas entrevistas de pesquisa. Além disso, a posse de bens duráveis — carro, moto, geladeira, fogão, telefone celular, computador, entre outros —, outro parâmetro importante para a definição da classe social, vem sendo ampliada no país por medidas de redução de impostos e de juros para créditos pessoais, que, em geral, favorecem a população de menor renda.

Em relação à escolaridade dos pais ou responsáveis, esperávamos que, quanto maior fosse a escolaridade dos pais, maiores seriam as probabilidades de os jovens desenvolverem habilida- des de uso da Internet, visto que o uso mais adequado dos recursos da rede parece estar, em princípio, associado à escolarização. é possível que tanto escolaridade como renda familiar tenham sido anulados, no modelo, pela variável “mediação parental”. Essa variável é compos- ta por itens do questionário que buscam captar a percepção que os adolescentes têm do tipo de orientação dada pelos adultos da família acerca do uso da Internet. Os adolescentes res- ponderam a perguntas relativas a: interesse que percebem que os pais tenham nas atividades que realizam na Internet; tipo de conversa que os pais costumam ter com eles a esse respeito;

orientações que recebem dos pais sobre como agir e como se comportar na Internet com outras pessoas, entre outras dessa natureza.

Assim, outros estudos são necessários para verificar a relação entre essas variáveis e a media- ção, inclusive para verificar se a relação não é inversamente proporcional à escolaridade, ou seja, que, quanto menor a escolaridade dos pais, menor seja o conhecimento do que ocorre nos ambientes on-line e, portanto, maior seja a preocupação com as atividades que os filhos realizam ali e os riscos a que possam ser expostos.

Estudo realizado por Migliora (2007), com cerca de 800 crianças, de classes populares, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, sobre a relação que elas tinham com a televisão, indicou alto grau de mediação dos pais. Cerca de 70% das crianças que responderam ao questionário informa- ram ter mais de um aparelho de televisão em casa, e uma em cada três informou ter televisão no quarto. Ainda assim, 68% dessas crianças informaram que viam televisão com pelo menos

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um adulto da família, quando não com toda a família, no horário do jantar. De acordo com as respostas ao item sobre com quem a criança assistia à televisão, elas o faziam prioritariamente com os adultos, os irmãos e os primos, por opção; a maioria delas informou que assistiam a seus programas preferidos com o pai e/ou com a mãe, o que sugere que a apropriação dos conteúdos dos programas estava sendo, de alguma forma, mediada pelos valores da família.

Pesquisas sobre desempenho escolar realizadas no Brasil (MARTURANO, 2006; ANDRADE;

LAROS, 2007; BONAMINO; ALVES; FRANCO; CAZELLI, 2010) vêm detectando indicadores significativos de diálogo familiar sobre as atividades escolares das crianças, em famílias de bai- xa renda, de crianças com melhor desempenho, o que evidencia que a preocupação dos pais com a vida escolar das crianças pode ter efeito positivo no desempenho delas nos estudos.

Estudos feitos em outros países (PEREIRA et al, 2012; MENDONZA, 2009; STRASBURGER et al, 2009) indicam que os pais exercem influência nos modos de consumir as mídias, bem como nas aprendizagens que ocorrem a partir desses usos. Alguns desses estudos sugerem que os pais devem ser sensíveis às necessidades dos filhos e devem buscar recursos de como tratar as experiências deles com as mídias.

O estudo acima mencionado (MIGLIORA, 2007) identificou índices significativos de diálogo familiar sobre o conteúdo da programação de televisão: 55,7% das crianças que participa- ram da pesquisa afirmaram que os pais conversavam com elas “algumas vezes e quase sem- pre” sobre o que viam na televisão, 36,1% afirmaram que os pais faziam isso “sempre”, e ape- nas 6,3% disseram “nunca ou raramente” conversar sobre o assunto com adultos da família.

Nesse contexto, o diálogo familiar aponta a coesão da fonte de mediação da família, que é a primeira formadora de parâmetros e valores, orientando as crianças dentro dos pressupostos do grupo social a que pertencem.

Pesquisa realizada pela Unesco4, em parceria com o Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística (Ibope), analisou o que o Brasil pensa da televisão, com o objetivo de contribuir com as discus- sões acerca da classificação indicativa para programas de TV.5 Os resultados indicaram que, muitas vezes, o conteúdo dos programas atuava como catalisador para a discussão de temas polêmicos e/ou constrangedores no âmbito familiar. Indicaram, também, que, especificamen- te junto às classes de menor poder aquisitivo, a televisão atuava como um estímulo para man- ter os filhos em casa, amenizando os riscos associados ao mundo externo, onde a violência e o uso de drogas se apresentavam como ameaças bastante próximas.

O efeito positivo da mediação parental nas habilidades para uso seguro da Internet, eviden- ciado na análise que fizemos dos dados da pesquisa TIC Kids Online Brasil 2012, sugere que o padrão adotado pelas famílias com relação à televisão pode estar sendo transferido para a relação com a Internet, no interior dos lares. Cabe mencionar que 52% dos pais que respon- deram ao questionário da pesquisa TIC Kids Online Brasil 2012 declararam que obtêm na tele- visão informações sobre como orientar o uso que as crianças fazem da Internet. De fato, tele- novelas e seriados de ficção produzidos no Brasil nos últimos anos têm inserido, com alguma

4 Resultado da pesquisa extraído do site Observatório da Imprensa. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.

com.br>.

5 Classificação indicativa é aquela que o poder público fornece sobre os espetáculos e diversões públicas, incluindo-se programas de televisão informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horá- rios em que sua apresentação se mostre inadequada. é regulada pela Portaria n° 264, de 9 de fevereiro de 2007.

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regularidade, situações que alertam os pais sobre os riscos a que podem estar expostas as crianças que utilizam a Internet sem orientação de adultos. Um merchandising desse tipo foi inserido em um dos episódios do seriado A grande Família, da Rede Globo de Televisão, exi- bido no período em que os dados da pesquisa estavam sendo coletados.

Ao que tudo indica, a tradição das famílias de classes populares brasileiras de fazer pelo menos uma refeição diária em conjunto e de conversar sobre o conteúdo do que é veiculado pelos meios de comunicação de massa — especialmente a televisão — parece estar sendo ado- tada na relação com a Internet, sobretudo se considerarmos o impacto positivo, também signi- ficativo, do uso da Internet por adolescentes na sala de suas casas.

O que observamos até aqui sugere que políticas públicas destinadas a favorecer o desenvol- vimento de habilidades necessárias ao uso seguro da Internet deveriam, por um lado, gerar medidas que propiciem a toda a população o acesso a computadores conectados, reduzindo a desigualdade que se constata hoje entre classes sociais e entre regiões geográficas. Por outro lado, é necessário estimular pais e responsáveis a permitir que as crianças, desde cedo, façam uso regular da Internet, orientando e acompanhando, mais do que controlando, a exploração e as descobertas que elas fazem na rede mundial de computadores.

REFERÊNCIAS

ANDRADE; LAROS. Fatores associados ao desempenho escolar: estudo multinível com dados do SAEB/2001. Psicologia: teoria e pesquisa, v.23, n.1, p. 33-41, 2007.

BONAMINO; ALVES; FRANCO; CAZELLI. Os efeitos das diferentes formas de capital no desempenho esco- lar: um estudo à luz de Bourdieu e de Coleman. revista Brasileira de educação, v.15, n.45, p. 487-499, 2010.

DUARTE; CAZELLI; COIMBRA; MIGLIORA. Jovens estudantes do Rio de Janeiro e sua relação com mídias digitais. In: CARRANO; FáVERO (Coord.). narrativas Juvenis e espaços Públicos: olhares de pesquisas em educação, mídia e ciências sociais. RJ: EdUFF, 2013.

EU KIDS ONLINE II. enhancing knowledge regarding european children’s Use, risk and Safety online.

Publicado em 2011. Disponível em: <http://www2.lse.ac.uk/media@lse/research/EUKidsOnline/Home.

aspx>. Acesso em: 5 jan. 2013.

FONTAR, B.; KREDENS, E. comprendre le comportement des enfants et adolescents sur Internet pour les proté- ger des dangers. Publicado em 2010. Disponível em: <http://www.isjm.fr/docs/apel/rapport%20Prevention%20 nouv%20techno.pdf?PHPSESSID=304ba8420f5eb5bf6ce3fcf6dd3ae5ab>. Acesso em: 5 jan. 2013

MARTURANO, E. O inventário de recursos do ambiente familiar. Psicologia: reflexão e crítica, v. 19, n. 3, p. 498-506, 2006.

MEDIAPPRO. the appropriation of new media by youth. Final report. Publicado em 2006. Disponível em:

<http://www.mediappro.org/publications/finalreport.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2013.

MENDONZA, K. Surveying parental mediation: connections, challenges and questions for media literacy.

Journal of media literacy education, n. 1, p. 28-41, 2009. Disponível em: <www.jmle.org>. Acesso em:

10 dez. 2012.

MIGLIORA, R. crianças e televisão: um estudo de Audiência Infantil e de Fatores Intervenientes.

Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2007.

Português

PEREIRA, S; PINTO, M.; PEREIRA, L. Recursos para La alfabetización mediática: investigación y propues- tas para niños. In: comunicar, 39, p. 91-99, 2012. Disponível em <http://www.revistacomunicar.com>.

STRASBURGER, V.; WILSON, B.; JORDAN, A. Children, Adolescents and the media. Thousand Oaks: Sage Publications, 2009.

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No documento KIDS ONLINE BRASIL - (www.pgcl.uenf.br). (páginas 107-113)