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– PósGraduação em Letras Neolatinas

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POÉTICAS DO DESLOCAMENTO NA LITERATURA HISPANO-CANADENSE CONTEMPORÂNEA: A OBRA DE JOSÉ LEANDRO URBINA

Claudia Sulami Ferraz Neustadt

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NA LITERATURA HISPANO-CANADENSE CONTEMPORÂNEA: A OBRA DE JOSÉ LEANDRO URBINA

Por

Claudia Sulami Ferraz Neustadt

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Literários Neolatinos – Literatura Hispânica)

Orientadora: Professora Doutora Elena Cristina Palmero González.

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FICHA CATALOGRÁFICA

Neustadt, Claudia Sulami Ferraz.

Poéticas do deslocamento na literatura hispano-canadense con- temporânea: a obra de José Leandro Urbina/ Claudia Sulami Ferraz Neustadt – Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2015.

xi, 97f; 30cm.

Orientadora: Elena Palmero González.

Dissertação (mestrado) – UFRJ/Faculdade de Letras/Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas, 2015.

Referências Bibliográficas: f. 89-97.

1. José Leandro Urbina 2. Literatura hispano-canadense con- temporânea. I. González, Elena Palmero. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, III. Poéticas do desloca- mento na literatura hispano-canadense contemporânea: a obra de José Leandro Urbina.

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Ao meu Deus, razão do meu viver, sem Ele, certamente eu não conseguiria chegar até aqui.

A minha orientadora, mentora Elena Palmero González, por sua paciência, compreensão, carinho, por acreditar em mim e por sempre me incentivar a seguir em frente.

Aos meus pais Emilio Neustadt e Raquel Neustadt que tanto me encorajaram nesta caminhada.

A minha irmã Mariana Barros que mesmo estando distante geograficamente, sempre me apoiou, ao meu cunhado Jorge Barros e ao meu sobrinho Jorge III.

A minha família: avós (in memorian), tios, tias, primos e primas. A todos os meus amigos.

À Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Aos professores que me deram aula na graduação e no mestrado.

Aos meus colegas mestrandos.

Às professoras Dra. Silvia Cárcamo e Dra. Elena Palmero que me ajudaram a adquirir fontes para a pesquisa.

Aos membros da banca examinadora.

A CAPES pela concessão da bolsa de estudos.

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No tengo que verlas para reconstruir sus

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NEUSTADT, Claudia Sulami Ferraz. Poéticas do deslocamento na literatura hispano-canadense contemporânea: a obra de José Leandro Urbina. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2015. Dissertação de mestrado em Literaturas Hispânicas. Esta pesquisa propõe mostrar como a escrita do autor José Leandro Urbina, em permanente deslocamento, produz temas e um modo de escrever muito singular. Através da análise dos romances Cobro revertido (2003), Las memorias del Baruni (2009) e El basurario del Baruni (2011) busco uma caracterização geral da práxis artística do escritor, centrada no tratamento dado ao tema da memória, no problema do gênero literário e no problema da auto-representação do autor. Tentamos verificar como a construção e a representação da memória em sua obra, expressa as profundas influências da mobilidade; também damos atenção ao diálogo intergenérico entre romance, autobiografia e memórias que o escritor desenvolve em seus textos; além de examinar os procedimentos de elaboração das figuras do autor, do narrador e da personagem, em seus jogos de ambiguidade e na órbita do deslocamento genérico. Os pressupostos teóricos que alicerçam a pesquisa estão em M. Alberca (1996), A. Apadurai (2001), G. Agamben (2007), J. Amícola (2007), L. Arfuch (2010), R. Barthes (1984), J. Baudrillard (1991), N. Catelli (2007), M. Foucault (1992), N. García Canclini (1997), J. Clifford (1995), S. Hall (2003), L. Hutcheon (1989), J. Le Goff (2003), P. Lejeune (2008), J. Philippe Miraux (2005), S. Molloy (1996), E. Palmero (2010, 2011, 2012), A. Pizarro (2004), J. María Pozuelo (2010), P. Ricoeur (2007), S. Santiago (2000) e G. Speranza (2008).

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NEUSTADT, Claudia Sulami Ferraz. Poéticas do deslocamento na literatura hispano-canadense contemporânea: a obra de José Leandro Urbina. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2015. Tesis de maestría en Literaturas Hispánicas.

Esta pesquisa propone señalar como la escrita del autor José Leandro Urbina, en permanente desplazamiento, produce temas y un modo de escribir muy singular. A través del análisis de las novelas Cobro revertido (2003), Las memorias del Baruni (2009) y El basurario del Baruni (2011) intento obtener una caracterización general de la praxis artística del escritor, centrada en el tratamiento dado al tema de la memoria, el problema del género literario y el problema de la autorepresentación del autor. Intentamos verificar como la construcción y la representación de la memoria en su obra, expresa las profundas influencias de la mobilidad; también ponemos atención al dialogo intergenérico entre romance, autobiografía y memorias que el escritor desarrolla en sus textos; además de examinar los procedimientos de elaboración de las figuras del autor, el narrador y el personaje, en sus juegos de ambiguidad y en la órbita del desplazamiento genérico. Los presupuestos teóricos que basan la pesquisa están en M. Alberca (1996), A. Apadurai (2001), G. Agamben (2007), J. Amícola (2007), L. Arfuch (2010), R. Barthes (1984), J. Baudrillard (1991), N. Catelli (2007), M. Foucault (1992), N. García Canclini (1997), J. Clifford (1995), S. Hall (2003), L. Hutcheon (1989), J. Le Goff (2003), P. Lejeune (2008), J. Philippe Miraux (2005), S. Molloy (1996), E. Palmero (2010, 2011, 2012), A. Pizarro (2004), J. María Pozuelo (2010), P. Ricoeur (2007), S. Santiago (2000) y G. Speranza (2008).

Palabras clave: José Leandro Urbina; literatura hispano-canadiense; desplazamiento cultural.

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NEUSTADT, Claudia Sulami Ferraz. Poéticas do deslocamento na literatura hispano-canadense contemporânea: a obra de José Leandro Urbina. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2015. Master Thesis in Hispanic Literature.

This reseach proposes to show how the writings of author José Leandro Urbina, in continuous displacement, haveproduced topics and a very singular way of writing. Through the analysis of the novels Cobro revertido (2003), Las memorias del Baruni (2009) and El basurario del Baruni (2011) I looked for the general characterization of

the author‟s praxis, centered in the topic of memory, in the problem of the literacy

gender, and in the problem of the author‟s representation. We attemped to verify how the construction and representation of memory in Lubina‟s works express the great

influence of displacement; we also gave attention to the intergeneric dialogue between the novel, autobiography, and the memory the author describes in his works; we also examined the procedures involved in the creation of the author, the narrator, and the character, in their ambiguity and genetic displacement. The foundation for this research can be found in em M. Alberca (1996), A. Apadurai (2001), G. Agamben (2007), J. Amícola (2007), L. Arfuch (2010), R. Barthes (1984), J. Baudrillard (1991), N. Catelli (2007), M. Foucault (1992), N. García Canclini (1997), J. Clifford (1995), S. Hall (2003), L. Hutcheon (1989), J. Le Goff (2003), P. Lejeune (2008), J. Philippe Miraux (2005), S. Molloy (1996), E. Palmero (2010, 2011, 2012), A. Pizarro (2004), J. María Pozuelo (2010), P. Ricoeur (2007), S. Santiago (2000) and G. Speranza (2008).

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INTRODUÇÃO---12

I – LITERATURAS EM DESLOCAMENTO: A OBRA DE JOSÉ LEANDRO URBINA NO CONTEXTO HISPANO-CANADENSE---17

1.1 – Deslocamento cultural: generalidades---18

1.2 – A literatura hispano-canadense: coordenadas históricas---23

1.3 – A literatura hispano-canadense: poéticas do deslocamento---32

1.4 – A obra de José Leandro Urbina no contexto da literatura hispano-canadense---35

II – MEMÓRIA, GÊNERO E AUTOFIGURAÇÃO AUTORAL EM COBRO REVERTIDO: PARA UMA CARACTERIZAÇÃO DE UMA POÉTICA DO DESLOCAMENTO---41

2.1 – A representação da memória em Cobro revertido---42

2.2 – O gênero literário em Cobro revertido---47

2.3 – A figuração do autor em Cobro revertido---56

III – MEMÓRIA, GÊNERO E AUTOFIGURAÇÃO AUTORAL EM LAS MEMORIAS DEL BARUNI E EL BASURARIO DEL BARUNI: PARA UMA CARACTERIZAÇÃO DE UMA POÉTICA DO DESLOCAMENTO---62

3.1 – A representação da memória na saga de Baruni/Urbina---63

3.2 – O gênero literário na saga de Baruni/Urbina---68

3.3 – A figuração do autor na saga de Baruni/Urbina---82

CONCLUSÕES---87

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INTRODUÇÃO

Esta investigação pretende colaborar para uma caracterização geral da literatura produzida por uma comunidade emigrada de origem hispânica no âmbito do Canadá. Este trabalho se iniciou no segundo semestre de 2010 quando fui apresentada a Profa. Dra. Elena Palmero González por intermédio do Prof. Dr. Júlio Daloz. Tornei-me, então aluna bolsista de Iniciação Científica do CNPQ e também passei a integrar o projeto de pesquisa Deslocamento cultural e processos literários nas letras hispânicas contemporâneas: a literatura hispano-canadense, organizado por Palmero González. Minha participação nesse projeto se sustenta no estudo da obra de José Leandro Urbina, um escritor chileno que produz a maior parte de sua obra no Canadá. Atualmente faço parte desse projeto como aluna do Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas, mas, meu primeiro contato com a literatura hispano-canadense se deu sendo bolsista de iniciação científica, período em que me dediquei a estudar as antologias literárias de escritores hispano-canadenses. Esse trabalho com antologias, como fonte de historiografia literária e lugar de memória cultural, ofereceu subsídios ao projeto geral do qual participava e ainda teve resultados individuais, que foram apresentados em jornadas científicas. Não obstante, na medida em que me debruçava na pesquisa foi preciso desenvolver recortes científicos. Foi assim que percebi que seria conveniente focalizar o estudo na obra de um escritor de singular relevância no universo hispano-canadense, a obra do autor José Leandro Urbina.

Estudo assim nesta dissertação a obra de José Leandro Urbina, especificadamente nos seus romances intitulados Cobro revertido (2003), Las memorias del Baruni (2009) e El basurario del Baruni (2011), tendo como o objeto caracterizar na escrita do autor alguns rasgos do que Elena Palmero (2010,2011,2012) define como uma poética do deslocamento.

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um local, ela está necessariamente relacionada ao deslocamento e à relocalização (Clifford, 1995). Nesse contexto, escritores latino-americanos, como Leandro Urbina, que vivem a experiência do deslocamento, assumem um lugar enunciativo híbrido e produzem uma obra marcada pelo transcultural. O ponto de vista na obra desses autores é impuro como aponta o conceito de hibridismo (Canclini, 1995). Diante dessa realidade, nos perguntamos: como se articulam os processos da memória e da imaginação, as dinâmicas da fixação e do movimento, os questionamentos identitários numa escrita produzida em condições de mobilidade cultural? Como caracterizar essa escrita partindo do estudo dos romances Cobro revertido (2003), Las memorias del Baruni (2009) e El basurario del Baruni (2011) do escritor Leandro Urbina?

Em relação às hipóteses desta pesquisa pode-se dizer que os procedimentos de elaboração das figuras do autor, do narrador e da personagem nos romances Cobro revertido (2003), Las memorias del Baruni (2009) e El basurario del Baruni (2011) podem ser estudados na órbita do deslocamento genérico. Interessa nesta pesquisa vincular essa singularidade escritural a uma poética geral do deslocamento. Romance, memórias, autobiografia e autoficção são gêneros narrativos colocados em questão a partir de um produtivo exercício auto-reflexivo e metaficcional. Nesse jogo de ficções, a figura autoral e suas experiências vitais aparecem textualizadas, podendo ser interpretadas à luz de uma poética do deslocamento. Na mesma direção, vinculamos o tratamento dado ao tema da memória a essa poética escritural, considerando que a memória funciona nestes textos no jogo ambíguo da lembrança e do esquecimento, no permanente movimento de apagamento e elaboração criativa, pois a memória, como em todo sujeito deslocado, é para Urbina, um exercício criativo.

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dos textos ao exercício interpretativo, procedendo ao estudo das obras na órbita das poéticas do deslocamento.

A escrita de José Jeandro Urbina em permanente deslocamento gera temas e uma maneira de escrever muito particular, essas são questões que despertaram o meu interesse. Dentro de uma caracterização geral dessa poética escritural, irei nesta dissertação centrar em três problemas: o tratamento dado ao tema da memória, o problema do gênero literário e o problema da auto-representação autoral. Estes três problemas Palmero González (2011, 2012) e outros críticos como Luis Torres (2002) e Hugh Hazelton (2007) associam como uma poética das escritas em deslocamento. Para desenvolver uma discussão em torno a esses problemas preparei três capítulos, um primeiro capítulo de contextualização da obra de José Leandro Urbina, e os outros dois de análise da sua obra narrativa, um dedicado à análise do romance Cobro revertido (2003) e outro em que analiso conjuntamente Las memorias del Baruni e El basurario del Baruni. Reúno estes dois romances num mesmo capítulo pelo fato de que ambos os textos têm sido sistematicamente apresentados pelo escritor como partes de uma saga. Trata-se de uma coleção de volumes que integram as memórias do personagem José Luiz Baruni, editadas por Leandro Urbina.

No primeiro capítulo desta dissertação, em sua parte introdutória, apresento uma caracterização geral do mundo contemporâneo - marcado pelos intensos fluxos migratórios humanos e pelo trânsito acelerado de imagens, informações e ideias - isto porque minha pesquisa se insere a esse contexto histórico e cultural. Para apoiar essa caracterização recorri a importantes teóricos da cultura como Homi K. Bhabha (1998), Jesús Martín-Barbero (1997) e Zygmunt Bauman (2001). Para uma caracterização do modernismo, como estética que se corresponde ao período histórico da pós-modernidade acudi à crítica canadense Linda Hutcheon em seu livro Poética do Pós-modernismo (1991).

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15 discutidas no verbete „Deslocamento‟, que a autora preparou para o Diccionario das mobilidades culturais: percursos americanos (Bernd, 2010, p. 57-81) e em outros de seus estudos críticos. Nesse âmbito do deslocamento acudi a escritores como Arjun Appadurai (2001), quem argumenta que a sociedade contemporânea gerou uma nova subjetividade profundamente marcada pelo desenvolvimento acelerado dos meios de comunicação e pela intensidade dos movimentos migratórios de caráter global; ao antropólogo James Clifford (1995), quem articulou o deslocamento a todo seu pensamento sobre a cultura; ao teórico jamaicano Stuart Hall (2003), quem estuda o conceito de diáspora nas atuais condições de translocalidade; ao crítico argentino Nestor García Canclini, (1997) e sua teorização das culturas híbridas e ao crítico literário Silviano Santiago (2000), quem lê a cultura latino-americana e o lugar do intelectual latino-americano desde o entre-lugar. É nesse entre-lugar definido por Santiago que os escritores latino-americanos que viveram a experiência do deslocamento se situam.

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hispanoamericanas contemporáneas: la literatura hispano-canadiense. A ensaísta estuda o tema de uma topografia imaginária na obra de escritores hispano-canadenses, como um dos traços que caracterizariam essa poética. Terminado este tópico apresento uma caracterização geral da obra de Leandro Urbina no contexto hispano-canadense e um rápido balanço da crítica sobre a obra de Urbina.

No segundo capítulo analiso o romance Cobro revertido a partir de três problemas fundamentais que vinculo à caracterização de uma poética do deslocamento: o tema da memória e sua representação ficcional, o problema do gênero literário, híbrido e ambíguo neste caso e o problema da auto-representação do autor.

O terceiro capítulo está dedicado ao estudo de Las memorias del Baruni e El basurario del Baruni . Aqui reitero o plano de estudo desenvolvido no capítulo anterior, no referido ao tratamento dado ao tema da memória, ao problema do gênero literário e ao problema da autofiguração autoral, no intuito de completar uma caracterização da poética escritural de Urbina, vinculando seu proceder estético ao que alguns críticos caracterizam como uma poética do deslocamento.

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Literaturas em deslocamento: a obra de José Leandro

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1.1DESLOCAMENTO CULTURAL: GENERALIDADES

O período histórico que chamamos de pós-modernidade ficou caracterizado na história da cultura por ser um momento de grandes mudanças. A economia, a sociedade e a tecnologia experimentaram transformações aceleradas. A ciência e a cultura vivenciaram um período extraordinário de desenvolvimento e fecundidade; enquanto que a arte e a literatura têm se submetido ao impacto dos novos meios de comunicação e à mobilidade de grandes grupos humanos, provocando uma verdadeira transformação nas identidades de grupos e na própria percepção do identitário.

No intuito de apresentar uma caracterização geral do mundo contemporâneo, isto porque minha pesquisa se insere a esse contexto histórico, recorro a importantes autores que teorizaram sobre várias questões que se vinculam ao tema do deslocamento cultural.

Considerando as importantes argumentações do teórico indiano Homi K. Bhabha em seu livro O local da cultura (1998), colocar a questão da cultura no âmbito do além é a metáfora dos tempos atuais. A existência é hoje evidenciada por uma sensação de

viver nas fronteiras do “presente”, para as quais parece existir somente o atual e controverso deslizamento do prefixo “pós”.

De acordo com o autor, “é na emergência dos interstícios [...] que as experiências intersubjetivas e coletivas de nação, o interesse comum ou o valor cultural são negociados” (BHABHA, 1998, p. 20). O ensaísta questiona de que maneira os

sujeitos são formados nos “entre-lugares”, nos excedentes da soma das partes da diferença usualmente expressas como raça, classe, gênero e etc. A força dessa questão é corroborada pela linguagem de recentes crises sociais detonadas por histórias de diferença cultural. A articulação social da diferença, da perspectiva da minoria, é uma negociação complexa, em andamento, que busca dar autoridade aos hibridismos culturais emergentes em momentos de mudança histórica.

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futuro em seu lado de cá. Dessa maneira, o espaço intermediário além se torna um espaço de intervenção no aqui e no agora. Bhabha descreve:

O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com “o novo” que não seja parte do continuum de passado e presente. Ele cria uma ideia do novo como ato insurgente de tradução cultural. Essa arte não apenas retoma o passado como causa social ou precedente estético; ela renova o passado, refigurando-o como um “entre-lugar” contigente, que inova e interrompe a atuação do presente. O “passado-presente” torna-se parte da necessidade, e não da nostalgia, de viver (Bhabha, 1998, p. 20).

O filósofo espanhol-colombiano Jesús Martín-Barbero, pesquisador das relações entre comunicação e cultura e um dos expoentes nos estudos culturais contemporâneos, em seu livro Dos meios às mediações (1997) reflete sobre a cultura vinculando-a a aspectos da política, da sociedade e dos costumes sociais. Barbero seleciona as mediações em contraposição aos meios. Para o autor, o que é significativo é entender o processo comunicativo, em sua obscuridade e em suas singularidades. A comunicação deve ser utilizada como um meio de pensar e enfrentar as questões da atualidade.

De acordo com Barbero, os fatos recorrentes, os processos sociais da América Latina alteraram o objeto de estudo dos investigadores da comunicação e da cultura. A questão transnacional designa uma fase dentro da dinâmica do capitalismo, na qual o âmbito da comunicação passa a ter papel decisivo, que é a guinada para a internacionalização de um modelo político. Assim afirma:

Como a transnacionalização opera principalmente no campo das tecnologias de comunicação, é no campo da comunicação que a questão nacional encontra o seu ponto de fusão. E isto ocorre tanto na esfera das relações entre classes quanto no âmbito das relações entre os povos e as etnias, que convertem a Nação em palco de contradições e conflitos inéditos, cuja validez social não cabe mais nas fórmulas políticas tradicionais, já que estão trazendo à luz novos atores sociais que questionam a cultura política tradicional tanto da esquerda quanto da direita (BARBERO, 1997, p. 283).

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regras e padrões das relações sociais desenvolvidas de forma deficiente para trocá-las por novos padrões sociais. Para Bauman, a modernidade líquida é um momento em que a sociabilidade humana experimenta uma transformação assinalada pelo desapego; provisoriedade e um ligeiro processo de individualização.

Essa modernidade líquida, que outros autores chamam de pós-modernidade, se expressa em todos os âmbitos da vida social, e consequentemente na criação artística e cultural. Nesse sentido, podemos falar de uma poética do pós-modernismo. Segundo a crítica canadense Linda Hutcheon em seu livro Poética do Pós-modernismo (1991), o pós-modernismo é um fenômeno antagônico, “que usa e abusa, instala e depois subverte” (HUTCHEON, 1991, p.19), os mesmos conceitos que enfrenta. Aquilo que a autora quer chamar de pós-modernismo é:

[...] fundamentalmente contraditório, deliberadamente histórico e inevitavelmente político. Suas contradições podem muito bem a ser as mesmas da sociedade governada pelo capitalismo recente, mas, seja qual for o motivo, sem dúvida essas contradições se manifestam no importante conceito pós-moderno da “presença do passado”. Não é um retorno nostálgico; é uma reavaliação crítica, um diálogo irônico com o passado da arte e da sociedade, a ressurreição de um vocábulo de formas arquitetônicas criticamente compartilhado (HUTCHEON, 1991, p. 20).

Hutcheon considera o pós-modernismo como um processo ou como uma atividade cultural em processo. Para a autora, o que necessitamos é de uma poética, uma estrutura teórica aberta, em constante transformação, com a qual possamos ordenar nosso conhecimento cultural e nossos procedimentos críticos (HUTCHEON, 1991, p. 31-32).

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O deslocamento no âmbito dos estudos culturais permite remetermos a diferentes formas de mobilidade: física, espiritual, linguística; a práticas coincidentes de emigração, mas não equivalentes como exílio, diáspora, êxodos, nomadismos, e está ligada a uma noção de identidade também vista na esfera da mobilidade. Ainda pode ser compreendido como vivência dos sujeitos, sendo assim um conceito essencial nos estudos a respeito do imaginário e da memória cultural (Palmero González, 2010, p.57-58).

O conceito de deslocamento é importante para se estudar nossa “modernidade desbordada”. Segundo o teórico da cultura Arjun Appadurai, a sociedade contemporânea gerou uma nova subjetividade, profundamente marcada pelo desenvolvimento acelerado dos meios de comunicação e pela intensidade dos movimentos migratórios de caráter global (Appadurai, 2001). Ambos elementos geraram um movimento (de pessoas, de imagens, de informações) sem igual na história da cultura, daí que, para Appadurai, o signo do nosso tempo seja o deslocamento.

Não por acaso, o antropólogo James Clifford, articula ao deslocamento todo seu pensamento sobre a cultura. Em sua obra Dilemas de la cultura. Antropología, literatura y arte en la perspectiva posmoderna (1995), o autor estuda variadas práticas de mobilidade para concluir que todas as culturas foram originariamente nômades. O pensamento de Clifford sobre a ideia de cultura baseada no deslocamento tem equivalência a uma noção de identidade também vista na órbita da mobilidade. De acordo com o autor, a identidade não se refere somente a um local; está necessariamente relacionada ao deslocamento e à relocalização, por esse motivo é plural e possui várias faces. Além disso, podemos afirmar que os pensamentos de Clifford nos levam a perceber que as identidades diaspóricas, fronteiriças e híbridas têm como tendência a união de idiomas, tradições, imaginários de maneira totalmente criativa.

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culturas de adoção, delas se alimentam e a elas alimentam, sendo assim estéticas da fertilização.

O teórico argentino Nestor García Canclini, que desenvolveu um importante estudo sobre culturas híbridas nas últimas décadas do século XX (1997), discute os cruzamentos culturais nascidos da experiência dos exílios e das novas raízes. O autor destaca que o deslocamento cultural tão discutido hoje em dia, não é realmente um fenômeno novo na cultura latino-americana, este já era uma realidade para nossos escritores modernos que produziram sua obra no exílio. O ponto de vista expresso nas obras destes escritores não é homogêneo, é ao contrário impuro como propõe o conceito de hibridismo. Porém, o verdadeiramente novo seria a forma multiplicada e extensiva com que essa realidade toma conta dos escritores contemporâneos latino-americanos.

Já para o crítico literário Silviano Santiago o lugar da cultura latino-americana e do intelectual latino-americano tem sido desde sempre o entre-lugar. O entre-lugar de Santiago (2000) desprivilegia uma ideia homogênea do nacional ao priorizar as diversas exclusões. Santiago articula o local, o nacional e o global com indiferença ao eurocentrismo. Elimina a primazia do conceito de origem, critica os conceitos de unidade e pureza na cultura e possui uma visão de proliferação e fecundação do continente latino-americano. É nesse entre-lugar definido por Santiago que os escritores latino-americanos, que viveram a experiência do deslocamento se situam. Nesse lugar intermediário, esses escritores perdem um pouco de sua cultura, mas em contrapartida ganham da nova cultura que estão em contato. Santiago afirma:

La mayor contribuición de América Latina a la cultura occidental viene de la destrucción sistemática de los conceptos de unidad y de pureza: estos dos conceptos pierden el contorno exacto de su significado, pierden su peso opresor, su signo de superioridad cultural, a medida que el trabajo de contaminación de los latinoamericanos se afirma, se muestra cada vez más eficaz. América Latina instituye su lugar en el mapa de la civilización occidental gracias al movimiento de desvío de la norma, activo y destructivo, que transfigura los elementos acabados y inmutables que los europeos exportaban al Nuevo Mundo (SANTIAGO, 2000, p. 67-68).

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aprofundar neste tema, me detenho a seguir na caracterização de um corpus literário muito singular no contexto das Américas, trata-se da literatura hispano-canadense. 1.2A LITERATURA HISPANO-CANADENSE: COORDENADAS HISTÓRICAS

Ana Pizarro (2004), em sua caracterização das áreas culturais da América Latina, enfatiza a necessidade de se considerar uma zona cultural de natureza extraterritorial, transnacional e multilíngue que se desenha claramente a partir da migração de cidadãos latino-americanos para os EUA no século XX. Elena Palmero González (2011), por sua parte, insiste na necessidade de estender os limites dessa área e pensar também na literatura produzida por escritores latino-americanos no Canadá.

A literatura hispano-canadense é um sistema literário que se configurou a partir dos processos migratórios que caracterizam os últimos cinquenta anos do século XX. Suas origens se remontam à chegada de emigrados espanhóis do franquismo a terras canadenses, porém, foi a emigração de cidadãos latino-americanos nos anos sessenta do século XX que deu um perfil mais homogêneo e definitivo à literatura hispano-canadense.

Inicialmente a literatura hispano-canadense se concentrou na produção dos exilados políticos chilenos e argentinos dessa época, porém mais tarde com as imigrações em massa dos anos 70 e 80 de latino-americanos provenientes de outros países, as letras hispano-canadenses começam a tomar grandes dimensões. Hoje, o panorama é bem dinâmico, pois articula a essas duas camadas geracionais anteriores, a produção literária de uma geração que emigrou muito jovem (filhos dos primeiros emigrados políticos) ou que nasceu no Canadá.

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norte-americanas e canadenses por essa literatura. No Brasil, essa reflexão crítica é relativamente recente e está articulada, fundamentalmente ao trabalho do GT/ANPOLL Relações Literárias Interamericanas, assim como a produção científica de alguns programas de pós-graduação do país.

Os escritores que emigraram nos anos 60, fundamentalmente exilados políticos dos regimes ditatoriais do Cone Sul, desenvolveram uma literatura ambientada quase que totalmente no seu país de origem clamando de maneira comovente por uma justiça econômica e social. Para estes escritores o Canadá era apenas um país de abrigo pelo qual eles não tinham nenhum vínculo cultural. Para alguns deles a dura realidade traumática da repressão ainda está muito viva, por isso ainda que estejam fisicamente no Canadá, vivem com o pensamento em seu país natal.

Já no caso dos escritores que emigram a partir dos anos oitenta, as razões da emigração são mais variadas e se observa neles outro grau de identificação com o ambiente multicultural de Canadá.

Deve observar-se que a literatura hispano-canadense se desenvolve paralelamente às literaturas já existentes nos idiomas oficiais do Canadá. Alguns escritores passam a escrever ou traduzir suas obras ao inglês e ao francês, porém nem todos abandonam a língua espanhola. Assim a literatura hispano-canadense se desenvolve dentro de um ambiente no qual o multicultural é dominante.

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escritores se produz num país com dois eixos culturais dominantes, anglófono e francófono, eixos com os quais os escritores hispano-canadenses têm tido que manter uma relação de negociação cultural. Sem falar no eixo temporal já referido, das diferentes camadas geracionais dentro da literatura hispano-canadense.

Ocorre nesse contexto uma grande integração cultural entre eles, o que resultará num ambiente literário rico, onde o conceito fechado de cultura, língua e literatura nacional num sentido homogêneo é posto em crise.

Hoje já podemos verificar três gerações dentro do âmbito da literatura hispano-canadense; isso nos possibilitará ver escritores com diferentes perspectivas, também nos permitirá distinguir, por exemplo, variações de temas e distintas influências estéticas. A circunstância temporal permite suscitar nos escritores mais antigos temas de violência política, a nostalgia da terra natal e a síndrome de Ulisses. Já nos escritores que chegaram mais recentemente pode-se verificar uma visão mais harmônica do exilado, onde o ato de se apropriar do intercultural se converte em elemento identitário.

Com relação aos escritores mais jovens pode-se dizer que o deslocamento é assimilado como estado natural, pois o tema da imigração não é central nas suas produções literárias, nem mesmo o protagonista desses textos se mostra em crise com relação a sua identidade exilada ao se assumir como alguém que vive uma nova cultura. A vivência diaspórica vai se transformando com o acelerado desenvolvimento dos meios de comunicação, com as novas subjetividades que surgem, enfim com as novas formas de imaginação.

Também é importante mencionar que já é possível visualizar uma nova geração de escritores de origem hispano-americana que nasceram no Canadá ou que migraram ainda menino. Nestes a condição bicultural é assumida naturalmente e sem traumas.

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com o seu país de adoção, porém com uma visão bastante assimilada do seu país de origem; fisicamente está no novo ambiente, mas mentalmente está no antigo.

De acordo com Hazelton, alguns escritores começam a se distanciar desse desapego pelo país de origem antes que outros. É o caso, por exemplo, do contista chileno Hernan Barrios. Em seu primeiro livro de contos, Landed Immigrant (1990), Barrios insiste no tema da nostalgia do país de origem, assim como o desejo de retornar a sua amada pátria, escrevendo contos ambientados no Canadá, vividos por personagens latinos, formando uma só realidade. “Las noctilucas” ilustra bem esse aspecto, quando o autor relata a alegria de um pai chileno que encontra um plâncton fosforescente que conheceu no Chile, durante uma viagem a praia no estado de Maine. O pai vê o plâncton como um vínculo que liga seus filhos canadenses a realidade chilena, diminuindo assim sua alienação e solidão.

Hazelton explica que a aceitação da dualidade pode sofrer oposições, como é o caso do escritor e dramaturgo espanhol Alberto Kurapel. Residindo vários anos em Montreal, Kurapel transforma seu exílio na metáfora principal de sua obra, mesmo tendo conseguido adaptar-se com mais êxito do que Barrios à literatura quebequense. Kurapel, por exemplo, conseguiu conquistar tanto financiamento como público e interesse por sua obra, tanto em Quebec como no Canadá de língua inglesa. Mas mesmo assim, se concentrou no tema da luta para liberar sua pátria, da alienação, e do isolamento do exilado.

Para Kurapel, o exílio se transformou em símbolo universal da solidão existencial do ser humano, como se poderá ver em escritos posteriores, influenciados por Artaud e Brecht, e com uma estampa experimental e vanguardista. Em 1997, Kurapel volta ao Chile, e mesmo assim rejeita firmemente a possibilidade de integração a todo tipo de sociedade, com exceção de suas primeiras obras literárias. Seu grupo de teatro, por exemplo, se chamava “La Compagnie des Arts Exilio”.

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Outros autores, diferentemente de Patiño, receberam uma influência por uma militância social mais extremada, denunciando assim o autoritarismo de seu próprio país, e se adaptando ao discurso político de seu país adotivo. O escritor Alfredo Lavergne, um poeta chileno que vive em Quebec e Ontario, dirige boa parte de sua obra, composta de doze volumes, ao tema da injustiça social canadense, tornando-se assim um exemplo dessa adaptação ao discurso político de seu país adotivo.

No entanto, em suas mais recentes obras, Lavergne tem começado a projetar sua eterna militância, em direção ao dilema do exílio, de maneira cômica. No poema “Y en

la radio...Marjo cantaba”, por exemplo, um imigrante norte-americano faz amor com uma jovem quebequense, na tentativa de superar seu isolamento. É interessante observar que em El Puente (1995), há uma série de poemas muito maior sobre o exílio, que relatam como o sujeito enunciador, neste caso uma representação do próprio autor, aventura-se em uma viagem ao seu país de origem, mas acaba não encontrando um espaço físico ou psicológico que seja verdadeiramente seu. Este então percebe que após passar vários anos longe de sua terra natal, tornou-se um estrangeiro na mesma.

A aceitação filosófica da solidão essencial da existência é a ponte que transcende a angústia do exílio, em seu poema final, o sujeito enunciador conclui que todos os habitantes das Américas são “transterrados”. Este neologismo implica tanto o desarraigamento quanto a busca de novos territórios. Espera-se que ao atravessar esta ponte, o exilado descubra finalmente um lugar, concluindo, então que sua verdadeira pátria reside no seu foro interior.

Hazelton ainda acrescenta o exemplo da escritora chilena de Vanvouver, Carmen Rodriguez, quem escreve sobre a angústia e aceitação do exílio. Rodriguez possui uma grande afinidade com a língua e a literatura inglesa. O golpe de estado no Chile em 1973, fez com que esta autora imigrasse para o Canadá. Lá, a mesma se especializou em inglês, chegando a ensinar o idioma no Chile, Bolívia, e Argentina. Hoje está engajada em projetos de alfabetização adulta no Canadá, assim como no comitê de redação da revista bilíngue Aquelarre, que se concentra na condição feminina nas Américas.

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Toronto. Sua coleção de contos foi publicada primeiro em espanhol (1997) com o título De cuerpo intero, e em inglês, alguns meses depois como And a Body to Remember with. Muito sugestivas são as afirmações de Rodriguez, que Hazelton cita e traduz:

[...] en los últimos diez años he movido de chilena a chileno-guión- canadiense. Vivo aquí, trabajo aquí, lucho aquí, escribo aquí. [...] Pero no puedo olvidar de donde soy. Mi corazón vive aquí también, pero siempre mira al sur. Por eso he llegado a la conclusión de que vivo en un guión" (apud Hazelton, 2005, p. 05).

De acordo com Hazelton, Rodriguez trata do enigma do exílio, assim como a paixão angustiante de voltar à pátria de origem através de seus contos. O melhor exemplo encontra-se em “Agujero negro”, que examina a ambiguidade que subjaze da decisão de um casal chileno de imigrar ao Canadá. Neste conto, Estela, a esposa se identifica com certas imagens que havia visto em um antigo número da National Geographic.

Neste conto podemos encontrar inúmeros diálogos entre Estela e sua mãe que reside no Chile. Próximo ao fim, a mãe interrompe uma visita a sua filha e família, e regressa ao Chile, de onde escreve:

Siento una pena muy honda, la gente no entiende el significado de la palabra "exilio". El pelo de Manuel, totalmente blanco, y el dolor que tú llevas en los ojos, hija, no quise decirte nada cuando estuve allá, pero no puedo guardármelo más. [...] Te ves bien, pero tus ojos están tan tristes. Yo te conozco, Estela, por algo eres mi hija, y sé que algo murió adentro tuyo (apud Hazelton, 2005, p.06).

Após seis anos, a mãe liga para Estela e lhe dá a feliz notícia de que seu nome, e de seu marido não se encontram mais na lista negra dos militares. A partir de então, Estela começa a recuperar seus costumes e ritos chilenos, chegando a sonhar durante a noite que caminha por lugares oníricos que misturam as praias chilenas e as ruas de Vancouver. Porém, uma noite ela sonha que se encontra rodeada por buracos negros, e cai de costas dentro de um deles.

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Por muitos anos, Estela reprimia contradições que a mesma não percebia, porém foram imediatamente detectadas por sua mãe. Neste momento lhe sobrevém uma apoteose de angústia e insegurança. Ela percebe que está sozinha, uma náufraga em nenhuma parte.

O dilema complexo da aceitação do exílio tem sido expressado através de metáforas ambíguas por dois autores hispano-canadenses muito distintos entre si. O primeiro deles é Jorge Etcheverry, um poeta, prosista, crítico e artista visual chileno que se instalou em Ottawa nos anos setenta. Etcheverry teve dificuldades em adaptar-se a vida despolitizada e anti-séptica do Norte, assim como a uma tradição literária completamente alheia, a um estilo anglo-canadense de poesia direta e narrativa, afim às tendências experimentais da poesia chilena dos setenta. O romance De chacharas y largavistas, publicado em Ottawa em 1993 é um dos resultados desta marginalização literário-cultural. Pedro Jorquera, o protagonista, é um exilado chileno que vive sozinho em Ottawa. Um dia ele descobre um excelente binóculo aparentemente abandonado num centro comercial, e passa a usá-los para observar sua vizinha, desenvolvendo assim, o desejo de entrar em sua vida. O amigo de Jorquera, Patrick Philmore dá complemento a metáfora do exilado totalmente isolado da sociedade dominante. Na verdade, Patrick Philmore, é um pseudônimo anglo-canadense que Etcheverry usa para publicar em inglês.

O outro exemplo é Yvonne Truque, uma colombiana que se erradicou em Montreal em meados dos anos oitenta e morreu em 2001. Truque, embora tenha atingido uma afinidade mais estreita com o norte, reconhecia que sua qualidade de imigrante sempre lhe causaria dor. No final de sua vida, sua obra se orientava muito mais ao Norte do que ao Sul, tal fato pode ter ocorrido devido ao fato de que os anos vividos em Quebec tenham se igualado aos anos vividos na Colômbia. Em entrevista concedida a Hazelton, Truque afirma que:

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Mesmo tendo conseguido este equilíbrio e afinidade com o país adotivo, a angústia do exílio não deixa de aparecer em suas obras. Em seu poema inédito “La misma estrella”, um menino pobre visita o sujeito exilado em seus sonhos, menino este que é vítima das guerras latino-americanas de contra-insurgência, e que busca seu calor e proteção. Em seu poema VII (1986), dedicado a sua filha, é possível ver todo seu questionamento e pena do imigrante, independente de seu grau de adaptação.

Na conclusão de seu ensaio Hazelton declara que na geração de escritores que emigraram nos anos sessenta e setenta, fundamentalmente por razões políticas, o estigma do exílio é ainda forte. Mesmo aceitado, o exílio ainda gera emoções antitéticas. A tristeza, o rasgamento e a solidão fazem parte desses escritores. Porém, nem o próprio exilado nota o quanto através de suas dores e traumas contribui e enriquece culturalmente seu novo país.

Já Norman Cheadle no seu ensaio intitulado El Canadá americano de Alejandro Saraiva (2011) estuda outra geração de escritores, a que emigra nos oitenta, muito mais integrada ao universo canadense e também muito mais expressivas do mundo transnacional de hoje. Cheadle centraliza seu estudo na obra de Alejandro Saraiva, um escritor boliviano-canadense que tem conseguido interpelar com sua obra tanto aos leitores canadenses anglófonos, como os canadenses francófonos, além dos hispanos radicados no Canadá. A obra de Saraiva também tem conseguido uma ótima inserção no âmbito da crítica especializada sobre a literatura e a identidade canadense.

Alejandro Saraiva desenvolve toda a sua obra nos ambientes de Montreal. Cheadle expõe que Saraiva no seu poemário Lettres de Nootka (2008) tenta reterritorializar a língua castelhana no vasto território canadense, invocando navegantes espanhóis e novohispanos na costa do que hoje se chama British Columbia (província canadense que faz costa com o Oceano Pacífico).

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No romance autobiográfico Rojo, amarillo y verde (2003) denuncia as ditaduras militares bolivianas, mas também ao imperialismo econômico dos EUA que alenta tais ditaduras. A originalidade de Saraiva está na curiosidade pela nova terra. Sua atitude aberta, ainda que crítica está sempre caracterizada por um sincero interesse no que tem sido e continuará sendo do Canadá. Essa atitude somada ao domínio de Saraiva na língua inglesa e francesa constitui a originalidade da obra de Saraiva, sobretudo no poemário Letrees de Nootka.

Na visão de Cheadle, Saraiva conhece o país verdadeiramente, tendo uma exata ideia da imensidão e da multiplicidade do Canadá. Seu conhecimento da literatura canadense é vasto, em sua obra alude de maneira frequente, direta ou indiretamente, a vários autores da tradição literária canadense, especialmente à do francófono Louis Riel, conhecido por ser um autor histórico muito questionado.

No primeiro poema de Lettres de Nootka, “L‟amoureuse de Côte-des-Neiges”, Cheadle a remete a Voltaire, e ao poeta de Montreal Émile Nelligan (1879-1941). Já o título recorda o poema “Notre-Damedes-Neiges” (1952), porém são os versos de Saraiva que mais falam de “des cartes géographiques / sur sa paume, sur la neige qui neigait / dans les rues de Côte-des-Neiges” (apud CHEADLE, 2011, p. 117).

Em Rojo, amarillo y verde, Saraiva cita a um importante autor de Montreal, o anglófono Hugh MacLennan, autor de Two Solitudes (1945). O título de MacLennan referencia às culturas francesa e inglesa, historicamente paralelas e incomunicadas, tema que logo se transformou em tópico da literatura canadense. O que chama a atenção de Cheadle é que Saraiva evita mencionar a este romance de MacLennan, muito provavelmente porque não diz respeito a sua experiência em Montreal. Ao invés, Saraiva opta por citar outro romance do autor o The Watch That Ends the Night (1958).

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alone, alone / We are a shadow free from the cave / An illustrated echo, a lost Descartes // Here we stand, naked, without Reason / No History, nor Language or

Name” (apud CHEADLE, 2011, p. 122). Saraiva trama uma pluralidade de perspectivas sobre o norte, articulando a típica percepção canadense a outra mais pessoal e transculturada. Ao final do poema Sedna, Saraiva vincula a deusa inuit com

um ente mítico boliviano: “Sedna herida que se hunde en el metal helado del Ártico ...

no sabe que también es hermana del Tío / del dios andino y minero” (apud CHEADLE, 2011, p. 124) Dessa forma, se abre uma perspectiva interamericana, que intervém produtivamente no recente diálogo da escrita nas três Américas. Para Cheadle, a obra de Saraiva:

nos permite vislumbrar un Canadá que, pese al lastre de su historia colonial y más allá de su (auto) subyugación al imperialismo estadounidense, lleva dentro de sí las semillas de un Canadá americano, ni neocolonial ni neocolonizador. Un Canadá que, dando la bienvenida a la “fragrante novia” hispanoamericana, le extienda una mano fraternal, por encima del gigante de al lado, a las naciones sureñas de estas Américas (CLEADLE, 2011, p. 126).

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Como se pode notar, a obra de Alejandro Saraiva se apresenta sem vínculos diretos com o tema do exílio, nem como o país de origem. Saraiva fala em três línguas, transita comodamente pela cultura latino-americana e canadense. Nesse sentido, Norman Cheadle define ao escritor como o verdadeiro sujeito interamericano dos nossos tempos.

É importante mencionar que existe um consenso em delimitar dentro da literatura hispano-canadense uma primeira geração de escritores (emigrados dos anos 60-70) mais vinculada ao exílio político; uma geração intermediária (emigrados dos anos 80-90), vinculada à migração econômica e à violência desses anos, fundamentalmente na América Central, e ainda uma geração atual, do XXI, que expressa muito bem ao indivíduo transcultural pós-moderno, o sujeito híbrido e fluído do nosso tempo como podemos observar em Alejandro Saraiva. Uma geração nascida no Canadá ou que chegou muito jovem completaria esse panorama. Sobre esse corpus começam a aparecer agora os primeiros estudos críticos.

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Este panorama histórico nos permite avançar em nossa reflexão, para caracterizar, a seguir, as poéticas e as práticas de escritura dominantes na atual literatura hispano-canadense.

Elena Palmero González vem sistematizando estudos em torno do tema, no intuito de caracterizar essa práxis escritural, mas também no interesse de definir uma poética do deslocamento a partir desse corpus literário específico. Palmero González (2001) estuda o tema de uma topografia imaginária na obra de escritores hispano-canadenses, como um dos traços que caracterizariam essa poética. A autora observa na obra desses escritores uma marcada presença de uma cronotopia imaginária, que entrecruza tempos e espaços diversos. Nessa cronotopia imaginada pode-se ver a terra de origem e a terra de acolhida; a memória e o esquecimento; o passado e o presente se interceptando; com a presença constante dos tópicos da viagem, do regresso e dos sonhos. Assim, podemos encontrar textos que circulam pelos arquetípicos tópicos da viagem, do regresso, ou dos sonhos, isto através de imagens que reconstroem um paraíso perdido, em referência talvez mais imediata a uma origem; textos que atestam tempos e espaços contemporâneos de trânsito como, por exemplo, aeroportos, chamadas telefônicas, salas on-line de redes sociais; também textos que toda referência a uma origem é totalmente apagada. Nestes últimos, segundo Palmero González, os cronotopos do corpo e da própria escrita ocupam um lugar central.

As reescritas míticas da terra de origem ou a criação utópica de cidades imaginárias se desenvolvem no contexto de uma literatura centrada no retorno à terra natal. Dessa maneira, para Palmero González, é possível verificar assim uma Plata mítica nos textos de Nela Rio ou uma selva ilusória no romance Silver (1993), de Pablo Urbanyi. Também a reinvenção da viagem como espaço habitável pode ser vista na

experiência poética de Yvonne Truque, em Recorriendo la distancia/Franchir la distance (2007), onde o motivo de habitar a distância nos conecta com um sujeito assumidamente híbrido, protagonista de uma viagem transcultural, sem início nem fim, viagem em si mesmo (Palmero González, 2011, p.72).

Segundo Palmero González, o exame do regresso alcança vôo poético nas obras

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emigrado: a que lugar realmente retornamos? Palmero destaca o poema “Las preguntas”: “¿Encontrará su forma el cuerpo?/ ¿Será otra vez lo que ya fuera?/ Exiliado de sí mismo, cuerpo en ruinas, / ¿entrará su cuerpo en otro cuerpo al volver?” (apud Palmero, 2011 p.73)

Para a ensaísta, o tópico auto-reflexivo do corpo, isto é, um corpo assumido

como lugar de reconciliação e reconhecimento identitário; não como expulsão e exílio, toma consistência poética nesta cronotopia imaginária. Nesse sentido, estuda o universo

poético da escritora Nela Rio. No ensaio El Cuerpo torturado, mutilado en la obra poética de Nela Rio (2006), Palmero explica que o corpo torturado, mutilado, envelhecido, mas amado e dotado de poder, se instaura no sistema poético de Nela Rio. Este se revela como um lugar de enunciação privilegiado por onde decorrera um autêntico discurso da identidade.

Também a própria escritura, insistentemente metaforizada como espaço de liberação, de resistência e de vida, é motivo recorrente na obra de Nela Rio. Através da leitura de dois livros de Nela rio [(Tunel de proa verde/Tunnel of the green prow (1998) e Cuerpo Amado/ Beloved Body (2002)] Palmero tenta alcançar o sistema metapoético e auto-reflexivo da autora. Em seu estudo Desplazamiento cultural y procesos literarios en las letras hispanoamericanas contemporáneas: la literatura hispano-canadense (2011), Palmero González completa o ensaio anterior e afirma que a escrita, como tema e matéria poética, ocupa um lugar dominante na práxis literária hispano-canadense, verificando a recorrência nesse corpus das invenções de autor, dos travestismos literários, dos palimpsestos, das reescritas.

Em Los espejos hacen preguntas (1999) de Nela Rio, Palmero destaca que a obra se apresenta como um excelente exercício palimpsesto e travestismo literário. Nesta obra, Nela Rio, explicitamente toma o lugar, as vestes e o discurso de Sor Leonor de Ovando, nossa primeira poeta em terras americanas, e desenvolve um livro especular, onde aparecem ecos de Santa Teresa de Jesus “tan grande tu amor por ella/ que por ella sola murieras/ y por marte ella tanto/ al divino fuego abrazara/ y contigo

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todo ato escritural. Segundo Palmero, a escritora cria um lugar habitável em sua própria genealogia poética nessas transmigrações literárias. Palmero acredita que as narrativas autobiográficas, as metalepses de autor ganham espaço nessa práxis, mostrando um sujeito de múltiplos centros, transitando entre a realidade e a ficção. Aqui Palmero faz referência aos romances Cobro revertido (2003) e Las memorias del Baruni (2009), de José Leandro Urbina

Segundo Palmero, a imersão na prática da auto-reflexividade transforma a própria língua em um lugar instável e fluído, onde os efeitos da negociação cultural são mais evidentes. No livro, Extraterritorial (2002), o autor George Steiner cunhou o termo para se referir ao paradigma estético que se cria em condiçoes de deslocamento linguístico. Segundo Steiner, escritores plurilíngues instauram uma nova poética escritural quando escrevem em outros idiomas, e abandonam o materno. Nesse sentido, o Extraterritorial pode ser visto como uma poética da criação, e não somente como uma realidade cultural e linguística. Por outro lado, Steven Kellamn (2010) estuda a imaginação translinguística em escritores que se movem por vários universos linguísticos, considerando que essas posições entre línguas lhes permite desafiar os próprios limites da literatura, criando uma mobilidade na mesma.

Segundo Palmero, uma vez que a extraterritorialidade e o translinguismos são assumidos como poéticas, abre-se espaço para a legitimação estética do spanglish em artistas hispano-canadenses que, ponderando a poeticidade da linguagem, não fazem mais do que expressar o deslocamento como realidade vivida que precisa ser discursivizada. Assim cita a obra de David Rozoto ou a escrita translingual de Alejandro Saraiva.

Palmero ainda faz referência ao caminho inverso do escritor quebequense de origem chilena Mauricio Segura. Em seu romance Cote-des-negres (1998), ele faz do espanhol e do creole dois universos linguísticos que deslizam sobre o francês quebequense.

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No contexto da literatura hispano-canadense, a obra de José Leandro Urbina é uma referência inegável. Ela vem se desenvolvendo de maneira consistente desde os anos noventa e resulta um exemplo eloquente de como o deslocamento, como experiência do escritor, impacta também a criação artística.

José Leandro Urbina nasceu em Santiago do Chile no bairro Independencia em 1948 e se exilou em 1974, devido o regime militar de Augusto Pinochet, passando a residir no Canadá no ano de 1977. No Canadá, além de escrever, Urbina deu aulas na universidade, foi tradutor, diretor de cinema e jornalista. Também residiu nos Estados Unidos, onde fez um doutorado na Universidade Católica de Washington D. C. se especializando em literatura latino-americana. Recentemente retornou ao Chile. Em Santiago, Urbina trabalha no Departamento de Lengua y Literatura da Universidade Alberto Hurtado, está publicando em editoras chilenas e sua obra está tendo uma ótima recepção crítica tanto no âmbito chileno como no âmbito canadense.

Escreveu o romance Cobro revertido, publicado em 1992 e reeditado em 2003 pela editora Lom. O romance também foi publicado em inglês em 1999 com o título Collect call. Através de Cobro revertido, Urbina ganhou o Prêmio do Conselho Nacional do Livro e da Leitura do Chile, em 1993 e se destacou entre os finalistas no concurso Planeta Argentino; em 2000, publicou a coleção de contos Las Malas Juntas. Mais recentemente em 2009, Urbina publicou o romance Las memorias del Baruni e em 2011 o romance El basurario del Baruni.

Minha investigação se concentra especificadamente, no estudo dos romances Cobro revertido (2003) Las memorias del Baruni (2009) e El basurario del Baruni (2011). Nesse corpus, discuto o problema da construção memorial, da autofiguração autoral e da ambiguidade do gênero literário, como elementos caracterizadores de uma poética do deslocamento.

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estudada por Sonia Torres, professora da UFF e por alunos vinculados aos projetos da professora. Exponho aqui as ideias de alguns desses autores.

Em Contraputeo de Don Latino y doña Canadiense: transculturación narrativa em Cobro revertido (1992) de José Leandro Urbina y Exile (2002) de Ann Ireland (2004), Cheadle caracteriza a obra de Urbina a partir da poética da transculturação desenvolvida por Ángel Rama. Remetendo ao crítico uruguaio, mas antes ao antropólogo cubano Fernando Ortiz (1949), Cheadle afirma que o protagonista de Cobro revertido será “don Tabaco amargo y aromático, y intelectual y machista” (CHEADLE, 2004, p. 04), mas seus antagonistas femininos não se adéquam ao “patrón

don Azúcar” (CHEADLE, 2004, p. 04). Quanto à linguagem Cheadle explica que Cobro revertido é um texto transculturador de acordo com a concepção de Ángel Rama (1982). Está escrito num espanhol típico do Chile que por sua vez se divide em vários registros. A prosa é desordenada, excessiva, embriagadora, “una prosa tabaco” como se refere Cheadle (CHEADLE, 2004, p. 05), utilizando-se de giros verbais das duas línguas oficiais do Canadá e até mesmo hispanizando vocábulos como quebecuá.

Cheadle afirma que no romance a soberania cultural criolla se move comodamente no contexto canadense. A linguagem popular se cruza com outros registros da linguagem culta e acadêmica e o espaço cultural de Montreal se apresenta como um lugar de trânsito livre entre as culturas anglófona, francófona e hispânica. Montreal começa a lhe inspirar algo novo, criando outro discurso diferente do tecido cultural canadense.

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histórias pessoais se combinam por meio desta duplicação narrativa, com a finalidade de formar uma história coletiva de deslocamento e desarraigamento, em última instância não existe outra solução para os personagens senão viver das suas próprias recordações.

O crítico Grinor Rojo (1993) em seu ensaio Cuatro Lecturas para la primera novela de José Leandro Urbina, manifesta que Cobro Revertido é um romance de vastas projeções. Nesta narrativa ocorre uma inversão do modelo europeu. A viagem do protagonista vai da barbárie à civilização e não ao contrário da civilização à barbárie. Mas, Rojo explica que não sabe ao certo se Leandro Urbina faz essa inversão conscientemente. Segundo Rojo, desde as primeiras páginas da obra, Urbina dirige a história com três variáveis e não com duas variáveis que constituem ao paradigma europeu que lhe serve de base. O carnaval caribenho introduz um Terceiro Mundo no repertório semântico deste romance. Ou seja, introduz um sistema de referências culturais de outra ordem. Outro ponto no romance é que o vínculo que existe entre o protagonista e a mãe se desgasta pela distância, mas, este distanciamento não desfaz este vínculo. O que ocorre é que esse distanciamento produz uma falsa sensação de liberdade.

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categoria de editor de los textos, nos recordando aos Los siete locos y Los lanzallamas, a Jan Potocki y Don Quijote. Porém, o romance não só propõe um assunto de gêneros ou estatutos de ficção. Também não é apenas uma disputa entre crônica, romance ou história recente. Trata-se do despertar sexual do romance francês e da narrativa realista chilena. Este romance, segundo Juan Manuel Silva, traça um desordenado mapa de relações entre a questão dos Barunis serem estrangeiros, a mistura de religiões e costumes, a diversidade de sentidos do espaço urbano em Santiago e a corrupção de uma ética de trabalho entre outros aspectos.

Lucero de Vivanco em En busca del barrio perdido (con nostalgia y buen

humor): sobre “El basurario del Baruni” (2012) opina que José Leandro Urbina, em El basurario del Baruni parece ter sua própria definição de bairro. Esta definição seria que o bairro é o lugar de amigos callejeros onde um fica sabendo da vida pessoal do outro. Segundo Vivanco, o texto é muito mais que personagens e situações. A verdadeira aposta imaginária se alça sobre a linguagem seus traços de oralidade, onde os versos de Neruda são transportados pelas criações espontâneas de poetas callejeros e pelas rimas picarescas dos “curaos”. Finalizando, o autor afirma que a convocatória musical que Urbina faz para construir o mundo do texto merece uma valorização, pois compõe-se de: cumbias y cantos gregorianos, pasodobles y música popular chilena,

Elvis y los Beatles (“¡lav, lav mi du!”), el rock del mundial y el twist del esqueleto. Y

siempre con la avidez de un “¡uan mor taim!” tras cada hit del momento.

Juan Manuel Silva (2013) em seu texto sobre o El basurario del Baruni expõe que esta narração mostra como se relaciona e vive uma coletividade nos arredores do bairro Independencia e da rua Maruri. O grupo de amigos dos niños Baruni, las consiguientes niñas, el Tarzán del cine y las vecinas cahuineras y ladronas, que se enquadram neste relato a vozes fantástico sobre os gatos de uma vizinha defunta compõe as peças de um quebra-cabeça ou uma vasilha, como diria Walter Benjamin, que ainda conserva as impressões de quem as fez.

Muito se tem escrito ultimamente sobre a obra do escritor José Leandro Urbina,

seus textos têm chamado a atenção de vários estudiosos, destacando-se assim dentro do

universo literário hispano-canadense e fora dele. Tais considerações são apenas uma

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40 Urbina, especificamente em seus romances Cobro revertido, Las memorias del Baruni e

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Memória, gênero e autofiguração autoral em

Cobro

revertido:

para uma caracterização de uma poética do

deslocamento.

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2.1 A REPRESENTAÇÃO DA MEMÓRIA EM COBRO REVERTIDO

O romance Cobro revertido, cujo título pode traduzir-se ao português por Chamada a cobrar, desenvolve-se a partir de uma chamada telefônica, informando o falecimento da mãe do protagonista. A partir desse momento, origina-se uma sequência de recordações no personagem, que compreendem desde sua infância até seu exílio em Montreal. A narração se desenvolve em 24 horas e se centra na decisão do personagem de regressar ao seu país de origem com a finalidade de ir ao funeral de sua mãe, mesmo correndo riscos, devido ao fato de no passado, ter sido um integrante do Movimento Estudantil.

O retorno à terra natal realiza-se somente na imaginação do personagem, isto é, é meramente simbólico. Este não consegue sair de sua cidade, embora tenha prometido ao tio que iria regressar. O protagonista se arrepende de tal promessa, prometer voltar foi uma atitude precipitada e mesmo sabendo que deveria cumprir com o dever de ir ao funeral da mãe, não o quis fazer. Deixar o país adotivo e retornar ao seu país de origem constitui-se algo impossível na narrativa. A experiência traumática que viveu no Chile foi muito intensa para que um desejo de retorno falasse mais alto.

O narrador de Cobro revertido é autodiegético, isto é, relata a história como sendo seu protagonista. Este narrador-personagem, um sociólogo anônimo, é cosmopolita e instruído. No entanto, está fracassado, abandonou os estudos, a carreira está paralisada, deve dinheiro a muitos e sobrevive fazendo alguns trabalhos manuais. Trata-se de um sujeito indisciplinado que acabou buscando refúgio no alcoolismo e que vive na promiscuidade. O estado caótico físico e emocional deste não o permite controlar sua vida. Vejam-se alguns fragmentos:

Estaba tratando de forzar la cerradura con la llave cambiada, mierda, y le dolía el costado, la puntada de un golpe de un puñetazo recibido entre los gritos y los insultos para el expulsado de la fiesta [...] el borracho calavera ydespreciable, hediendo a cerveza y cigarrillos nauseabundos, que se mantenía en pie a pura fuerza de orgullo. Porque a él nunca nadie lo había visto en cuatro patas, no, señor [...] Dame un cigarrillo, le ordenó él, volviendo a sentarse con todo el cuerpo adolorido. Aquí você nao fuma, sacana, levantó la voz el outro e hizo un gesto sucio con su mano gorda (URBINA, 2003, p. 09-10).

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em sua infância e juventude no Chile e ainda podemos visualizar suas experiências a partir de seu exílio no Canadá.

A memória sempre esteve em debate em muitos campos do conhecimento, no decorrer da história da humanidade. É através das memórias que articulamos o passado ao presente, que recuperamos nossas experiências vividas, descrevendo nossas sensações e emoções. Segundo Paul Ricoeur (2007) o melhor e único meio para termos acesso a uma experiência anterior é através da memória. Nas palavras do autor:

A meu ver, importa abordar a descrição dos fenômenos mnemônicos do ponto de vista das capacidades das quais eles constituem a efetuação 'bem sucedida'. [...] o que justifica essa preferência pela memória 'certa' é a convicção de não termos outro recurso a respeito da referência ao passado, senão a própria memória [...] (RICOEUR, 2007, p. 40).

Quando rememoramos podemos recriar as coisas e a nós mesmos. No processo da escrita de memórias o sujeito reconstrói papéis e posições identitárias por meio da sua subjetividade.

Podemos observar no romance Cobro revertido (2003) como o narrador ficcional articula a escrita de suas memórias no Chile, seu país de origem. Depois de ser informado pelo seu companheiro de quarto que o haviam chamado do Chile para dar a notícia que sua mãe estava muito mal, o sociólogo, personagem protagonista e narrador da história, se dá conta que sua mãe havia morrido. Em seu quarto, o protagonista começa a refletir, recordando sua vida, e desse modo, na sua mente, inicia-se um deslocamento do personagem, indo e voltando do Chile, entrando ora no passado ora no presente por meio de suas recordações de infância ao lado de sua mãe até seu exílio em Montreal.

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podía ver su cara en el vidrio del gran acuario con el que dividían las dos habitaciones. Siempre que me ocultaba en ese sector de la casa y apagaba las luces para estar a solas y observar los peces que se movían lentos, suspendidos entre las algas, como colgando de largos cabellos invisibles, ella aparecia [...] escuchaba mi nombre y miraba el acuario y ahí estaba la cara de mi madre balanceándose ante mí como una luna con unos ojos grandes y sus dientes de coneja sonriéndome con sus trenzas orejonas y yo no sabía si estaba detrás de mi o al otro lado del acuario, pues su cara se achataba sobre una hoja de aluminio enceguedor, ondulando que daba miedo, como si se hubiera metido en silencio, con ropa y todo, dentro del acuario con las bolsas de la verdura y ahora flotara feliz con el pelo suelto como algas por todas partes, echando burbujas por la boca mientras se reía, bocanadas de burbujas, intentando hablarme con los ojos achinados [...] el agua se iba poniendo amarilla como una sopa salada con un sonido de mar amenazante y a mi se me apretaba el estómago y empezaba a oler a levadura añeja y la cara de mi madre nebulosa se agrandaba y allá atrás comenzaban a soltar-se también sus medias y sus zapatos, y su nariz y su boca se apretaban contra el vidrio hasta que yo no aguantaba más y le gritaba como verraco que parara y el acuario entero comenzaba a quebrarse soltando el agua como una catarata (URBINA, 2003, p. 10-11).

Essa dualidade também aparece quando o protagonista se lembra de três ou quatro fotografias que guardava em uma caixa encima da cômoda. Tais fotografias estimulam as recordações do protagonista. Estas servem para desencadear as recordações do sociólogo. "No tengo que verlas para reconstruir sus imágenes en mi mente, basta con cerrar los ojos y aparecen con mayor claridad" (URBINA, 2003, p.17). Ocorre uma oscilação do foco narrativo quer na terceira pessoa representando o presente, quer na primeira pessoa representando o passado. A entrada do sociólogo em um bar marca o tempo presente e real da narrativa, porém durante as diversas discussões com o seu grupo de amigos, o protagonista permite que o seu pensamento vague de volta ao passado, recordando sua mãe, para, então, voltar a se integrar ao presente.

Referências

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