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Roman Ingarden - A Obra de Arte Literária

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A O B R A

DE ARTE LITERARIA

T r a d u ç ã o de A l b í n E. B e a u M a r i a da C o n c eiçã o P u g a João F. B a r r e n t o P r e fá c io dè Ma r ia Ma n u e l a Sa r a iv a 2 .11 ediçao F U N D A Ç Ã O C A L O U S T E G U L B E N K I A N | L I S B O A

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Prefácio à edição portuguesa

Haverá um conhecimento objectivo de uma obra literária, conhecimento certo, a distinguir de opiniões subjectivas e erra­ das? Román Ingarden faz a pergunta no § 6 1 deste livro. Alar­ gando o problema, interrogamos: poder-se-á falar de obras objec-

tivamente difíceis, isto é, de d ifícil acesso a todo e qualquer le ito r? Não o cremos, a não ser que se tome tal ideia como um caso-limite. Pois somos tentados a acreditar que Das literarische

Kunstwerk o realiza bastante bem.

Investigação rica mas prolixa, não raro obscura, desconcer­ tante na sua economia interna, o presente estudo desdobra-se em múltiplas linhas de fractura e convergência que irradiam de um terreno fenomenológico husserliano de base para perspectivas de natureza lingüística, lógica, estética, sem deixar de afirmar com insistência a pretensão de lançar as bases de uma ciência da literatura.

1 Este Prefácio foi escrito a .partir da leitura do original alemão, quando a tradução portuguesa não estava ainda concluída. Desconhecendo a paginação do volume português, não a podíamos citar. Mas citar a paginação alemã, além de criar confusões, seria de alguma utilidade?... Um a tradução destina-se, por definição, a um público que a prefere ao original por razões várias. O facto de o livro estar dividido não só em capítulos mas também em parágrafos forneceu-nos a solução do problema. Não é ideal, mas é a única de que dispomos. O parágrafo é geralmente curto, e neste caso a numeração não muda. Por isso citaremos sempre o parágrafo e o leitor descobrirá com relativa facilidade o texto, a teoria ou a problemática que estão em causa no nosso comentário.

Algumas vezes faremos referências a Husserl e às suas Investigações

Lógicas (Logische Untersuchungen). N o caso em que tivermos de fazer

citações precisas damos em português o passo em questão, mas citamos a obra alemã, edição de 1913.

A Obra de Arte Literária tem três Prefácios, o da primeira edição,

em 1930, e os de 1960 e de 1965, respectivamente para ás segunda e terceira edições. Para simplificar, quando se trate do primeiro falaremos do Pre­ fácio de 1930, ou do Prefácio, simplesmente.

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Tudo isto em 1930, data da primeira -edição do volume que hoje sai a público em tradução portuguesa!2

Se toda a obra escrita é o espaço aberto e sempre disponível a uma infinidade de leituras diferentes, esta é-o certamente de múltiplas maneiras. Em prim eiro lugar, porque os diferentes leitores, sectorialmente situados em qualquer destes pontos de vista: literário, lingüístico, lógico, estético, filosófico..., farão, como é óbvio, a leitura para a qual os prepara a sua formação específica. Nada impede de imaginar o leitor ideal, nestes tempos em que tanto se fala de interdisciplinaridade. Não cremos, con­ tudo, que tal leitor exista ainda. E aqui temos um dos paradoxos desta obra paradoxal.

Escrita em 1930, é natural verificarmos que está ultrapassada em vários dos sectores particulares de que releva, apesar das notas acrescentadas à segunda edição, de 1960. E, no entanto, o leitor para o qual foi escrita ainda não existe... Significa isto que ela vale sobretudo, em nosso entender, pelo seu valor exem­ plar. É d ifícil imaginar o que representa de ousadia e de novidade uma obra como esta que, ao querer lançar as bases de uma ciência por nascer (e, ao que parece, ainda hoje não nascida...), o faz numa tão vasta ambição de síntese. Tão vasta que não sabemos se admirar a grandeza do projecto ou nos admirarmos perante a sua ingenuidade.

2 0 ano de 1930 pode tomar-se como o marco aproximado que separa duas épocas, tanto em lingüística como em lógica.

Em lingüística, o C ours... de Saussure havia já suscitado reflexões sobre signo, símbolo, significado, por parte de filósofos e de linguistas; mas de semântica, em sentido actual, não poderá falar-se ainda por longo tempo. Os primeiros trabalhos importantes da escola fonológica de Praga, base da lingüística estrutural, aparecem precisamente por esta altura. Dos três centros de onde irradia a renovação da lingüística e dos seus principais representantes — Trubetzkoy, Bloomfield, H jelm slev— era impossível ou pouco provável ter conhecimento em 1930. (Sem contar que a redacção de A O bra de A rte L ite rá ria começou em 1927.)

Quanto ao chamado C írcu lo de Viena, os anos trinta são os da sua maior expansão (fundação da revista E rk en n tn is, diáspora provocada pela perseguição nazi, organização de congressos internacionais). Um a nota ao § 18 de A Obra de A rte L iterá ria , acrescentada em 1960, revela a oposição de Ingarden ao program a positivista do movimento — o que se compreende facilmente pelo que a seguir diremos.

Aliás, não é a única referência ao C írcu lo de Viena. Essa nota, porém, tem especial interesse porque, ao lado de Carnap e de Wittgenstein, Ingar­ den refere-se a outra importante escola polaca de lógica, em que sobres­ saem os nomes de Lesniewski, Zukasiewcz, Tarski. Portanto, e como seria natural, conheceu o grupo de Varsóvia. N o entanto, ao falar, no Prefácio e noutros passos, da nova lógica, ou nova orientação em lógica, é a lógica fenomenológica que tem em mente.

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Do valor estético da obra literária quase ninguém jala hoje. «Ainda não é formalizável, talvez dentro de cinqüenta anos...», disse-nos alguém que se move na zona de influência de A.-J. Grei- mas, durante o Seminário de Semiología, realizado no Verão de 71, em Urbino. Mesmo o conceito de obra literária se esfuma perante outros mais englobantes, como o de escrita. Quanto à aliança entre lingüística e lógica, só na década de 50, com o segundo Wittgenstein, Chomsky e outros, se voltou a tentar. Mas isto é terra prometida e mal vislumbrada para a maioria, mesmo nos nossos dias. E todos os problemas respeitantes ao «a u tor», de que neste livro se fala, embora com certa cautela e precaução?

Ingarden ainda acreditava em tudo isso.

Não deploramos o passado nem os sacrifícios epocais, que é por vezes indispensável consentir, para uma sempre maior radicalização de conceitos básicos, para a renovação, crescimento e reajustamento dos diferentes domínios do saber. Mas não dei­ xamos de sentir a urgência de certas recuperações fundamentais. Por isso desejaríamos ver neste livro, ultrapassado em certos sectores, um sinal precursor de uma nova, futura era, de unidade e síntese (onde estas forem possíveis), mas sobretudo menos redutora, mais englobante e fiel à complexidade do real.

Fenomenología, lógica, estética... coisas a mais para o leitor médio de formação lingüística e literária, a quem se destina, afinal, esta colecção. É para ele este Prefácio. Pensamos que lhe falta o apetrechamento conceptual e terminológico de base para toda e qualquer leitura de A Obra de Arte Literária, se não dispõe de uma iniciação ã fenomenología husserliana. A b rir o caminho a esta iniciação, mais precisamente, ao entendimento deste livro no terreno de onde nascem as suas raízes mais fundas, eis o que pretendemos em prim eiro lugar.

Mas aqui as coisas complicam-se. P o r um lado, Ingarden faz um apelo constante a noções fenomenológicas fundamentais: intencionalidade (acto de simples intenção, objecto intencional, correlato intencional,, factor de direcção intencional...), intuição, representação, preenchimento (Erfüllung), doação originária... N o entanto, quem leia o seu livro e esteja familiarizado com o pensamento do «venerado mestre» verifica que expressões idên­ ticas ou semelhantes às de Husserl podem recobrir realidades diferentes! Está neste caso a noção, tão importante para Ingarden, de puramente intencional, com as subdistinções que lhe estão ligadas (§§ 20-22, entre outros). Mas o contrário também pode acontecer, isto é, que uma ligeira alteração terminológica exprima exactamente a doutrina de Husserl. Pensamos na teoria da

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Wort-laut (a palavra no seu aspecto fón ico ), em que o discípulo cuida

fazer ohra um tanto original (§§ 9, 10, 12) e que é, quanto a nós, no essencial, a teoria husserliana do signo verbal (Wortzeichen), termo a que Ingarden recorre também, sobretudo no final da obra (§§ 62, 64, 66). E há a presença constante do professor de Gõttingen pràticamente em todas as páginas deste livro, mesmo quando não é nomeado. Basta indicar o peso enorme, desmedido, da intuição em sentido husserliano, que nos parece ser o eixo em torno do qual se organizam todos os elementos que contribuem para a valorização estética da obra literária. E há as críticas e divergências apontadas p or Ingarden no Prefácio de 1930 e nalguns outros passos, nomeadamente no importante § 66.

N o âmbito destas divergências se inscreve o famoso e irri­ tante debate entre Realismo e Idealismo, que aterroriza os novos e faz sorrir os cépticos. Falar de filosofia, hoje? É verdade que se não fala muito de filosofia, que se julga possível neutralizá-la, pelo menos metê-la entre paréntesis, recorrendo a noções pura­ mente «operacionais»... È verdade também que Ingarden nem sempre é claro e que o debate entre Realismo e Idealismo passou de moda. Não nos parece, contudo, tão ultrapassado como isso ao insistir na necessidade de uma reflexão filosófica sobre o fenómeno literário 3.

Acabámos de delinear, muito p or alto e a partir de alguns exemplos mais relevantes, um estudo a fazer — as relações entre o pensamento de Husserl e o de Ingarden— , estudo que não cabe num prefácio, pois, a ser feito, teria de ser longo, minucioso, fundado em citações precisas das obras dos dois filósofos.

Não queremos, contudo, deixar o leitor não especialista com ­ pletamente desarmado. Mas não é fácil explicar em poucas pala­ vras o que é intencionalidade, constituição, redução eidética, redução transòendental e outras noções fundamentais; nem parece indispensável fazê-lo aqui. Existe uma bibliografia em português que os estudiosos de literatura e de lingüística só ganharão em conhecer4.

3 O problem a será retomado na conclusão deste Prefácio.

4 De A. F. M orujão, A Doutrina da Intencionalidade na Fenomenología de Husserl (Coim bra, separata da Biblos, X X X , 1955); Mundo e Intencio­

nalidade (Coimbra, Instituto de Estudos Filosóficos, 1961). De J. Fragata, A Fenomenología de Husserl como Fundamento da Filosofia (Braga, Livraria

Cruz, estudos public. pela Fac. de Filos, de Braga, 1959); Problemas da

Fenomenología de Husserl (Braga, Livraria Cruz, estudos public. pela Fac.

de Filos, de Braga, 1962). De G. de Fraga, De Husserl a Heidegger. Ele­

mentos para uma Problemática da Fenomenología (Coimbra, Instituto de

Estudos Filosóficos, 1966). Por último, um breve mas útil artigo de M. An­ tunes, «Crítica literária e fenomenología» (in Brotéria, L X X V I, 4, 424-35).

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X I Posto isto, retomaremos alguns dos problemas atrás indi­ cados e outros que julgarmos necessários, começando p or situá-los numa perspectiva histórica.

§ 1. Ingarden e Husserl

Ingarden foi discípulo de Husserl em Gõttingen, a partir de 1909 aproximadamente, e segue-o para Freiburg, onde este ensinou desde 1916 até ao fim da sua carreira docente 5.

Largos anos de convívio pessoal e uma comunicação de ideias que a separação não qu ebrou 6 e se traduz por numerosos artigos sobre Husserl e p or uma volumosa correspondência mantida quase até à m orte do fundador da fenomenología, em 19387.

Da profunda marca deixada pelo professor e amigo no jovem estudante polaco que, por volta dos dezoito anos, chega a Gõt­ tingen para conhecer o autor das Logische Untersuchungen, é a presente obra testemunho irrefutável. Influência profunda que se alia a não menor independência de espírito. Ê esta a sorte comum de todos os grandes iniciadores. Mas talvez só eles mereçam ter discípulos dissidentes...

O debate entre Realismo e Idealismo (que, segundo Ingarden, é o horizonte últim o dentro do qual se investiga a essência da obra literária), as sérias reservas feitas ao idealismo trancen- dental e outras posições do filósofo polaco só se podem entender à luz da doutrina das Investigações Lógicas e da evolução de Husserl durante o chamado período de Gõttingen (1901-1916). Esta evolução surpreendeu a maioria dos seus adeptos da p ri­ meira fase; H. Spiegelberg, que conheceu muitos deles pessoal­ mente, fala mesmo de consternação, « consternação crescente» 8. No começo do século, em 1900 e 1901, Husserl publica os dois volumes de uma das obras que marcarão profundamente esse mesmo século, as Investigações Lógicas, cuja repercussão no mundo intelectual alemão foi enorme. E precisamente em 1901 deixa Halle e é nomeado professor em Gõttingen. Atraídos pela

5 H. Spiegelberg, The phenomenological movement. A historical intro-

duction, vol. I (The Hague, M. N ijhoff, 1960, Fhaenamenologica 5), 169-70

e 225.

6 Supomos, por indicações do Prefácio de 1930, que Ingarden perma­ neceu um ou dois anos em Freiburg. O que perfaz cerca de oito anos de «aprendizagem» husserliana.

7 H. Spiegelberg, op. cit., 225. 8 Op. cit., 170.

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leitura deste livro, pelo prestígio do seu autor, começam, por volta de 1905, a chegar à célebre cidade universitária os primeiros discípulos, estudantes ou jovens professores. Entre eles, Adolf Reinach, lohannes Daubert, M oritz Geiger, Theodor Conrad, Hed- wig Conrad-Martius, Wilhelm Schapp, Alexander Koyré, Jean Héring, Roman Ingarden, Edith Stein e o u tro s 9. A guerra de 14 dispersa definitivamente estes primeiros ouvintes e críticos que, entretanto, formaram «círculos fenomenológicos» em Munique e em Gõttingen 10. Mas a «Primavera fenom enológica», como J. Hé­ ring chamou a esta época de intensa vitalidade e entusiasmo n, declina m uito antes, se a entendermos como adesão sem reservas. Husserl nunca teve a equipa de investigadores que desejou, tra­ balhando sistemáticamente segundo o seu plano e o seu método 12. Não falando já das defecções célebres de Max Scheler e de Hei- degger, esta numa fase posterior, o prim eiro choque que alertou o ainda reduzido grupo de fenomenólogos-aprendizes foi o curso de Verão de 1907, que ficou inédito até 1947 13. Aí aparece, segundo os comentadores actuais, o prim eiro esboço da redução transcen­ dental. P or outras palavras, aí começa Husserl a abrir caminho para a verdadeira fenomenología, que tem o seu acto oficial de nascimento em 1913 com a publicação do vol. I das Ideias para

uma Fenomenología Pura e Filosofia Fenomenológica 14.

Em 1929, R. Ingarden trabalhava no presente estudo quando aparece Lógica Formal e Transcendental, onde o idealismo husser- liano é confirmado uma vez mais; a esta obra se refere no Prefácio de 1930, para sublinhar com júbilo os pontos de convergência entre o seu pensamento e o do antigo mestre, para recusar, com certa subtileza mas de maneira inequívoca, o idealismo trancen- dental. Este é, de facto, quanto a nós, a opção filosófica de base

9 H. Spiegelberg, op. cit., 169-70.

10 Sobre as relações dos dois Círculos cf. H. Spiegelberg, op. cit., 168-73. 11 J. Héring, «L a fénoménologie il y a trente ans. Souvenirs et réfle- xions d'un étudiant de 1909» (in Revue Internationale de Philosophie, Bruxelles, 1939), 369.

12 J. Héring, «Edm und Husserl. Souvenirs et réflexions» (in Edmund

Husserl. 1859-1959, La Haye, M. Nijhoff, 1959, Phaenomenologica 4), 26-7.

11 Editado com o título Die Idee der Phánomenologie. Funf Vorlestin-

g'en (E. Husserl, G. Werke, Haag, M. Nijhoff, 1947, Husserliana II).

14 «Ideen zu einer reinen Phánomenologie und phánomenologische Philosophie». Este 1." vol. das Ideias... foi publicado no n.° 1 do importante anuário de fenomenologia, então criado, o Jahrbuch fiXr Phánomenologie

und phãnomenologischen Forschung. O editor da revista foi Husserl, natu­

ralmente, com a colaboração de A. Pfánder e M. Geiger (de Munique), A. Reinach (de Gõttingen) e M. Scheler (de Berlim).

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X I I I do método fenomenológico, da fenomenología tal como Husserl a concebeu. Mas esta recusa, que não é só de Ingarden, como vimos, vem de muito antes!

Podemos imaginar sem custo o jovem estudante polaco chegando a Gõttingen, por volta de 1910, trazendo na bagagem as Investigações Lógicas (é ele quem o diz, algures) e verificando que o seu autor ultrapassara já a fase atingida p o r essa obra, fase pré-transcendental em que apenas se propusera estabelecer com rigor as bases de urna nova lógica e em .que ( herança do positivismo, já decadente, mas com muita força aínda) tentara manter-se numa neutralidade filosófica em relação ao Idealismo como ao Realismo.

Esta neutralidade, aliás, é discutível. Entre os especialistas de Husserl há quem veja, hoje, nas Investigações uma orientação idealista. Mas a primeira reacção foi diferente. E Husserl contri­ buiu muito para essa interpretação ao dizer «co m uma ironia séria»: «Os verdadeiros positivistas somos nós! » 15

A fenomenología das Investigações Lógicas ou a ilusão das terceiras vias! A Primavera de Gõttingen ou o desmoronar de mal-entendidos que, mais urna vez, Husserl foi o prim eiro a criar com a sua famosa palavra de ordem: Zu den Sachen selbst! Nada que não sejam as próprias coisas (die Sachen selbst), vistas em si mesmas e com um olhar novo. . . A intuição. . . A pura descrição das essências — e, para começar, das essências ou ideias lógicas.

Hegel provisoriamente expulso da circulação na Alemanha, Freud ensaiando os primeiros passos, Níetzsche, o obscuro, a poucos acessível, Kierkegaard ainda não descoberto senão no seu país, onde ninguém é profeta: a cena filosófica está vazia. Can­ sados dum kantismo que sobrevivia em comentários de comen­ tários ou em secundárias ramificações de escola, dum positivismo redutor e pobre, duma psicologia adolescente, ingênua e aguer­ rida que se julgava o centro do universo, compreende-se que os primeiros leitores e ouvintes de Husserl vissem nele o que os franceses viram em Bergson: um renovador. Um renovador que afirma a necessidade de regressar ao concreto, à experiência imediata: a intuição das essências; que recusa opções metafísicas; que introduz uma certa ordem na lógica, anexada pela psicologia; que forja ou renova noções que se consideram chaves capazes de abrir todas as portas. Antes de mais, a noção de intencionalidade.

Infelizmente para os primeiros entusiastas, em 1907 e em 1913 Husserl dá dois grandes passos na direcção do idealismo

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cendeníal. Regresso a Kant ou a algo de m uito parecido com a filosofia de K ant? Infidelidade ao ideal daí fenomenología como ciência rigorosa 16? Repúdio de uma concepção supostamente realista do princípio de intencionalidade?

Husserl é um eterno iniciador. Em cada obra se renova, em cada estudo recomeça a caminhada infatigável para fundar a filosofia. Um projecto inicial que se mantém, alargando-se sempre, em cada fase uma versão nova da fenomenología. Ê p o r isso que encontramos hoje tantas fenomenologías diferentes: a de Sartre, a de Merleau-Ponty e, muito antes, a de Reinach, a de Pfãnder, a de Nicolai Hartmann, a de Max Scheler. A de Roman Ingarden.

O mestre forneceu os materiais de base. Com eles, cada um dos ouvintes ou leitores m uito cedo foi para o seu canto traba­ lhar, erguer a sua tenda. A de Ingarden é uma entre tantas outras. Destrinçar o que nela há de autenticamente husserlíano e de elaboração pessoal, repetimos, seria matéria para um estudo profundo e extenso. Aqui, temos de nos lim itar a abrir caminhos. Mas o que fo i dito permite ir um pouco mais longe.

Nas suas linhas gerais, o problema põe-se mais ou menos nestes termos: enquanto Husserl se renova constantemente, Ingarden, de certa maneira, parou ao nível das Investigações

Lógicas e de Ideias I, muito mais perto da prim eira que da

segunda obra.

Não que Husserl fosse a única influência recebida. Igual­ mente importantes foram as de Pfãnder e de Bergson17. E o leitor pode verificar p or si a numerosa lista de outros autores citados neste volume. Também não pensamos que Ingarden tenha acei­ tado em bloco as Investigações, pois se afasta delas em pontos importantes. Sabemos, por outro lado, que é bom conhecedor de escritos posteriores de Husserl, publicados ou inéditos, alguns dos quais são aqui referidos. Queremos dizer que os problemas que mais fundamente o tocaram e suscitaram a sua reflexão vêm das Investigações Lógicas e de Ideias I. É dentro da problemática destas obras que se move, do seu conteúdo ou do impacto p o r elas produzido — dos aplausos, dúvidas, perplexidades, críticas, interpretações várias que suscitaram.

Quer as aceite, quer as rejeite ou discuta, é dentro deste horizonte que se mantém. Um exemplo do prim eiro caso, o «fan­ tasma» do psicologismo; do segundo, o debate entre Realismo e Idealismo.

16 «Philosophie ais strenge Wissenschaft», longo artigo de Husserl publicado na revista Logos em 1910.

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X V Diremos uma palavra sobre cada um deles, começando pelo último.

§ 2. O debate entre Realismo e Idealismo

O contributo mais original de Ingarden em fenomenología é talvez constituído pelas suas análises da obra de arte: literatura, para começar, mas também música, pintura, arquitectura. A sua obra fundamental, porém, diz respeito ao debate entre Realismo e Idealismo, problema de todos os tempos que retomou aguda actualidade com a adopção, por parte de Husserl, de um novo idealismo transcendental18. E Spiegelberg cita Der Streit um die

Existenz der Welt como o estudo mais significativo do pensador

polaco 19. J. Héring confirma este testemunho dizendo que todos os problemas suscitados pela nova atitude filosófica de Husserl, concretizada em Ideias I, são exaustivamente tratados no im por­ tante manuscrito de Ingarden e faz votos pela sua rápida publi­ cação em francês ou alem ão20.

Não conhecemos este livro, cujo título, A Controvérsia Acerca

da Existência do Mundo, só p or si remete para um problema

central de Ideias I. Algo se pode deduzir das referências que encontramos em A Obra de Arte Literária (notas da segunda edi­ ção), mas apenas um problema nos interessa agora: o que diz respeito ao ser da obra literária.

Basta consultar um Vocabulário de Filosofia para verificar como são múltiplas e p or vezes discutíveis ou pouco claras as noções de Realismo e de Idealismo. Assim, p or exemplo, importa não confundir o ponto de vista epistemológico com o ponto de vista ontológico, que são distintos, embora correlativos: uma teoria do ser está sempre ligada a uma teoria do conhecer. Não só é fácil misturar os dois planos como se tornaram correntes designações equívocas. A doutrina platónica das ideias, que aqui nos interessa de maneira especial, tanto pode ser considerada idealista (as ideias têm prioridade sobre os seres individuais e materiais, que apenas são o seu reflexo ou imagem) como realista (as ideias têm uma existência real e autónoma).

J. N. Mohanty afirma a propósito de Husserl: « Ele é um dos raros, entre os filósofos anteriores à filosofia analítica, que recusa

18 H. Spiegelberg, op. cit., 226. 19 H. Spiegelberg, op. cit., 226.

20 J. Héring, art. cit. (in Edmund Husserl. 1859-1959), 28. A obra, em dois volumes, foi publicada em polaco em 1947-48 e em alemão em 1964-65.

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qualquer classificação em “ ismo” . De facto, o método que lhe é próprio permitiu-lhe combinar na sua filosofia elementos tão diversos como “ realismo” e “ idealismo” , “ racionalismo” ' e “ empi­ rismo”, “positivismo” e “pragmatismo” , “ intuicionismo” e “ inte- lectualismo” .» 21 Em nossa opinião, já o dissemos, a filosofia de Husserl é essencialmente uma forma de Idealismo. Mas julgamos possível, como Mohanty, encontrar nela todas estas tendências — tensões internas que talvez nunca se resolvam. O que ajuda a explicar a pluralidade de «fenomenologías» a que Husserl deu origem, assim como a multiplicidade de interpretações (por vezes opostas) do seu pensamento.

Se isto se aplica à obra husserliana considerada no seu conjunto («o b ra » de que aliás se não pode falar enquanto houver inéditos não publicados...), aplica-se, de maneira especial, às

Investigações Lógicas.

Retomamos aqui o apontamento do parágrafo anterior, sobre as primeiras reacções a este livro, desenvolvendo um pouco o que atrás ficou dito. Houve quem nele visse um positivismo mais largo — que admitia, por exemplo, uma intuição intelectual — mas se abstinha de tomar posições metafísicas. Uma parte sig­ nificativa deste grupo interpretou a recusa do Idealismo e do Realismo como uma terceira via que liquidava definitivamente o dilema secular. Mas, ao contrário destes, muitos, e não só entre os discípulos da primeira hora, viram na fenomenología nascente uma abertura ao realismo epistem ológico22. Outros, porém, deram à famosa intuição das essências um sentido plato­ nizante ou «idealista»...

Podíamos continuar a lista, mas paramos aqui pois chegámos ao ponto que nos interessa.

31 Edmund Husserl’s theory of meaning (The Hague, M. Nijhoff, 1964, Phaenomenologica 14), 2.

22 J. Héring formula bem o problem a ao escrever: «II nous semblait que la phénoménologie était aussi compatible — et même m ieux— avec la thèse de 1’indépendance du monde ou avec celle de 1’interdépendance de la conscience et du monde», art. cit. (in Edmund Husserl. 1859-1959), 27.

A independência da consciência e do mundo caracteriza o realismo epistemológico medieval. Quanto à segunda alternativa aqui enunciada, cremos que ela se aplica com alguma exactidão à ontologia fenomenológica de Sartre. É uma interpretação grosso modo realista do princípio de intencionalidade qüe Sartre apresenta aos leitores franceses num célebre pequeno artigo de 1939: «Une idée fondamentále de la phénoménologie de Husserl: l’intentionnalité» (in Situations I, Paris, Gallimard, 1947), 31-5. De uma maneira geral, é esta a tendência que permanece na escola feno­ menológica francesa.

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X V I I N o respeitante ao últim o problema enunciado, encontrámos provàvelmente a posição de Ingarden. Urna nota do § 18 dá-nos conta de perplexidades e oscilações por que passou em épocas anteriores às da redacção de A Obra de Arte Literária. O certo é que, ao escrevê-la, compara o Idealismo das Investigações Lógicas com o idealismo transcendental (idealismo alargado. . . ) da Lógica

Formal e Transcendental. Mas só ao últim o faz sérias reservas.

Mais urna vez enunciamos um problema que vamos reduzir às suas linhas elementares.

Qual o ser da obra literária e (o u ) das objectidades que nela se manifestam? Os caps. 1 e 2 do presente livro (§§ 2-7) respondem à pergunta, numa reflexão cerrada e densa. Mas o problema fora posto logo no Prefácio e é retomado posterior­ mente, p or exemplo nos §§ 18 e 66.

N o essencial, a solução de Ingarden consiste em recusar a alternativa entre ser real e ser ideal para introduzir uma terceira modalidade de ser:, o puramente intencional, que caracteriza, entre outros, o ser da obra literária. Puramente intencional por­ que ontològicamente não autónomo mas dependente da cons­ ciência que o cria.

De certa maneira, esta nova modalidade de ser é também uma terceira via — que não exclui mas se acrescenta às duas zonas de ser consagradas por uma longa tradição. A analogia com a terceira via husserliana ou pseudo-husserliana permanece, contudo, no desejo de quebrar a alternativa entre Realismo e Idealismo, para admitir, neste caso, uma terceira dimensão ontológica.

Numa perspectiva puramente fenomenológica, seria a essên­ cia da obra literária a única a investigar e descrever. É nesta linha que devemos compreender a teoria dos estratos e outras ' análises dos últimos capítulos. Mas Ingarden afirma com fre­ quência que a mera descrição fenomenológica lhe não basta. P o r isso o objecto do seu estudò se insere num horizonte mais vasto, a análise fenomenológica é acompanhada — precedida — p or uma reflexão ontológica na qual, precisamente, tomam lugar e sentido a discussão do ser da obra literária.

Voltando às Investigações Lógicas, é curioso verificar que Ingarden as rectifica ou completa, mais do que as rejeita. Fala-nos das duas concepções opostas em lógica: a psicologista e a idea­ lista; esta última, afirma, tem o séu representante mais signifi­ cativo em E. Husserl e nos dois volumes de 1900-1901 (§ 18). E, se lermos algumas passagens atrás indicadas (Prefácio de 1930, §§ 18 e 66), parece-nos fácil concluir que Ingarden perfilha, de

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maneira muito menos inequívoca que Husserl, o platonismo das essências, quanto a nós erradamente atribuído ao mestre. Apenas faz algumas distinções, importantes mas secundárias, quanto ao assunto que estamos tratando. Retira às significações husserlia- nas a idealidade, isto é, a intemporalidade e a invariabilidade, mas para a atribuir ao que chama essências, conceitos, objectidades ideais. Esta zona da idealidade pura é apresentada em termos que nos parecem perfeitamente platonizantes, talvez melhor, agostinianos.

Poder-se-ia objectar que apela, neste caso, para a teoria da intersubjectividade, que cita mesmo as Meditações Cartesianas no § 66. É, sem dúvida, um contributo valioso para o problema de que se ocupa nesse parágrafo (e que retomaremos em breve). As suas observações têm actualidade e lêem-se com imenso inte­ resse. N o entanto, o apelo à intersubjectividade funciona também (sobretudo dentro da economia do livro) como um desvio que lhe permite regressar ao ponto de partida, p or outras palavras, que lhe serve para distinguir significação e conceito, para fazer do conceito o fundamento ontológico das unidades de significação e, finalmente, para manter as três zonas de ser: ser real, ser ideal, ser da (criado pela) consciência.

Sem poder concluir, pela leitura de A Obra de Arte Literária, quais as posições tomadas pelo filósofo polaco em todos os aspectos da controvérsia entre Realismo e Idealismo, parece-nos que a análise sumária que acabamos de fazer confirm a o que atrás dissemos sobre a fase da fenomenología husserliana que sobre ele teve influência decisiva. A comparação com Heidegger pode ser elucidativa. Enquanto o autor de Sein und Zeit faz, em relação ao mestre comum, uma opção comparável à de Ingarden mas cria uma metafísica com bases totalmente novas, este fica preso à problemática da sua juventude em Gõttingen.

Que a distinção entre intencional e puramente intencional (com as subdistinções que se seguem) não é husserliana, seria possível demonstrá-lo com facilidade. O próprio Ingarden o sugere, talvez, numa nota ao § 20. Aplicado à literatura, o pura­ mente intencional parece-nos corresponder à ficção de Husserl: literatura e artes em geral, embora Ingarden empregue as duas noções sem as distinguir claramente.

A ficção está ligada à modificação de neutralidade, modifiy cação do «quase», do «co m o se» (ais ob), passagem ao irreal ou puramente estético. Estas são as designações mais correntes em Husserl. Reconhecemo-las em muitas páginas deste livro, nomea­ damente nos §§ 25, 33-37, 63... Ingarden emprega ainda outras,

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X I X de origem lógica. N o § 33 parece marcar urna certa distância entre a sua teoria e a modificação de neutralidade husserliana. Tanto quanto uma leitura atenta nos permite concluir, Ingarden desenvolve e aplica a dominios concretos e diferentes dos de Husserl a teoria condensada nos §§ 109-111 de Ideias I e de outros escritos. Mas, no essencial, não vemos a menor diferença entre os dois autores. Há mesmo descrições da Neutralitátsmodifikation extremamente felizes e perfeitamente conformes à doutrina do mestre 23.

Só mais uma palavra a terminar este parágrafo. Que Ingar­ den, como tantos outros que o fundador da fenomenología, de perto ou de longe, tocou, tenha seguido o seu próprio caminho, é com ele e com os seus leitores. Mas, num país onde o pensa­ mento husserliano é tão mal conhecido, esta tradução pode cons­ titu ir um perigo grave: o de atribuir a Ingarden ideias que são de Husserl ou de pôr em circulação como husserlianas ideias e teorias que, de facto, o não são. E isto em pontos tão funda­ mentais como é, por exemplo, a intencionalidade.

Sem tratar a questão, parece-nos útil uma rectificação de princípio. Tratar o intencional (ou o puramente intencional, tanto faz, visto que esta distinção começa já p or não ser husserliana) 1 como um modo de ser é falsear Husserl, é colocar o problema num plano ontológico em que este nunca o co lo co u 24. A intencio­ nalidade husserliana é uma propriedade da consciência, proprie­ dade essencial que a define totalmente: a sua capacidade de referência ao ser, segundo modalidades ou intenções várias: perceptiva, imaginativa, estética, intenções afectivas que se diver­ sificam ao infinito, modos de intencionalidade puramente racio­ nais, como os que encontramos na lógica... Limitamo-nos a dar uma pálida ideia de um domínio por assim dizer ilimitado.

Mas esta é apenas uma primeira aproximação: porque, antes da redução transcendental, portanto, ao nível das Investigações, a intencionalidade é um encontro; depois, é uma constituição2S.

23 Permitimo-nos remeter para o nosso estudo L'imagination selon

Husserl (La Haye, M. Nijhoff, 1970, Phaenomenologica 34), especialmente

para o cap. IV, «Imagination et neutralisation», 175-246.

24 Que o idealismo transcendental de Husserl seja uma opção meta­ física é inegável. Assim como a maneira de conceber a consciência no tão discutido e discutível § 49 de Ideias I. Mas isso é outro problema.

25 P. Ricoeur, introdução à trad. franc. de Ideias I (Paris, Gallimard, 1950), X X . Para um conhecimento mais actualizado da intencionalidade recomenda-se o último volume da Phaenomenologica: D. Souche-Dagues,

Le développement de Vintentionnálité dans la phénomenologie husserlienne

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§ 3. Psicologismo, antipsicologismo, fenomenología A crise das ciências é um fenómeno bem conhecido que domina as últimas décadas do século passado e entra pelo século X X . Husserl é um dos que, ao lado de tantos outros, enfrentam esta crise e tentam resòlvê-la. P o r isso passa da mate­ mática à lógica, da lógica à fenomenología, numa motivação que permanece através de metamorfoses várias: a de introduzir ordem, clareza e rigor num edifício onde reina o caos.

Na sua tentativa para fundar a lógica em bases sólidas encontra o psicologismo, ou seja, o imperialismo da psicologia, que, juntamente com a história, tenta reduzir todas as outras ciências a meras províncias do seu império. Os leitores de fo r­ mação lingüística ou literária estão familiarizados com a abusiva pretensão da história, com o historicismo reinante na «filo lo g ia » e na crítica literária, sobretudo pelas reacções famosas e fecun­ das que provocou. Conhece menos o psicologismo, mas o modelo historicista apresenta características idênticas. Talvez se possa dizer que eram dois monopólios em concorrência, ou aliando-se por vezes, para tornar mais confusas as coisas.

O psicologismo lógico era, pois, uma realidade. Mas a ética, a estética, e assim p or diante, não escapavam ao seu projecto de dominação ou dominação efectiva. «O mundo é a minha representação», tal a fórmula corrente no final do século que condensa bem o psicologismo epistemológico. Esta tendência remonta a Hume e é dela. qtie fala Sartre no artigo citado páginas atrás (nota 22), que muitos leitores portugueses conhecem. «Que é uma mesa, um rochedo, uma casa? Uma certa reunião de “ con­ teúdos de consciência” , um arranjo destes conteúdos. Õ filosofia alimentar!» 26 «Contra a filosofia digestiva do empírio-criticismo, do neokantismo, contra todo o “ psicologismo” , Husserl não se cansa de afirmar que é impossível dissolver as coisas na cons­ ciência. » 27

Antecipando sobre o assunto do § 5, não convirá lembrar que a famosa « imagem acústica» de Saussure é um exemplo admirável da «filosofia alimentar» de que fala Sartre? Uma espécie de duplo (imagem), de cópia, de representação psíquica no interior da consciência concebida como armazém... Assim, Saussure escapou à tutela da história mas não escapou p or com­ pleto à psicologia dominante do seu tempo. Felizmente que há

26 Art. cit., 31. 27 Ari. cit., 32.

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X X I outras coisas, e bem melhores, no Cours de linguistique générale. A «imagem acústica» é, porém, umâ noção psicologista típica.

Quando Husserl escreve as Investigações Lógicas, o psicolo­ gismo, sob todas as suas formas, e especialmente o psicologismo lógico, é de facto um gigante que se torna indispensável derrubar, e vencer. A finalidade do vol. I, Prolegómenos à Lógica Pura, é precisamente esta: desembaraçar o terreno do mal-entendido que tudo adulterou ao reduzir os conceitos lógicos a meros produtos de operações psíquicas, a conteúdos de consciência. Confundir

facto e essência, afirma ainda Husserl em Ideias I, é misturar

os planos. As essências — e, para começar, as essências lógicas — devem ser compreendidas na sua pura idealidade, isto é, naquilo que são, tal como uma intuição pura as apreende, libertas da interpretação psicologista que as reduz a conteúdos psíquico Por isso as designa, nas Investigações, p or species ideales.

Em nosso entender, não há aqui nenhum realismo das essên­ cias ou «idealism o» de tipo platonizante. Husserl foi mal servido pela sua formação matemática e lógica. E, sobretudo, o desejo de restaurar a especificidade do conceito lógico, de o subtrair à zona de influência psicologista, levou-o sem dúvida a expressões ambíguas.

Seja como for, Ingarden aceita o Idealismo das Investigações

Lógicas, quando aplicado à zona das idealidades puras. Assim

como continua, trinta anos depois dos Prolegómenos, a esgrimir contra o psicologismo. Ê certo que esta tendência era profunda e, p or mais decisiva que tenha sido a influência de Husserl junto de estudiosos das mais variadas especialidades que se conver­ teram à fenomenología (dando origem a correntes de lógica feno­ menológica, de estética fenomenológica, etc., etc.), o psicologismo não morreu de vez. Posto sèriamente em causa, vai sobrevivendo.

O que era um gigante, no início do século, não se transforma em simples moinho de vento, três décadas depois. N o entanto, i sua persistência, menos generalizada, mais enfraquecida, não parece justificar totalmente a luta encarniçada que atravessa o presente volume. Com efeito, Ingarden não cessa de combater

d psicologismo, da primeira à última página de A Obra de Arte

Literária.

Porquê? Há razões objectivas para tal. Mas o nó da questão situa-se numa zona mais profunda, num debate interior que Ingarden trava consigo mesmo e que não acaba p or resolver, velo menos neste, livro. Ele reside, quanto a nós, no facto de não ter acompanhado Husserl na sua posterior evolução.

Só a teoria da redução transcendental (que põe a nu a zona ia consciência pura, onde esta se descobre a si mesma como

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poder constitutivo de todos os sentidos em que apreende o mundo e de todas as modalidades intencionais desta apreensão) permite a Husserl ultrapassar, de maneira definitiva, o nível psicológico.

Se é certo que as Investigações Lógicas destruíram o pres­ suposto psicologista, também é verdade que a fenomenología não logra ainda desprender-se por completo da descrição psico­ lógica.

Ora foi mais ou menos aí, dissemos, que Ingarden parou. Do antipsicologismo das Investigações e de Ideias I reteve certos elementos básicos e, em prim eiro lugar, a distinção entre objecto (cõnteúdo) intencional (de um acto ou de uma frase) e conteúdo real (entenda-se aqui real no sentido de psíquico, quase a resvalar para o fisiológico). P or outras palavras, o intencional é uma transcendência na imanência, algo que se manifesta ou aparece na consciência pura mas se distingue do seu fluxo imánente real.

Tudo isto adquire sentido na fenomenología husserliana da maturidade, assente nos dois pilares que são redução transcen­ dental e constituição. Mas Ingarden permanece na ambigüidade da primeira fenomenología (chamemos-lhe assim...), não se liber­ tando, pòr isso mesmo, da ameaça do psicologismo. São várias as perplexidades, explícitas ou implícitas, que o fazem oscilar perpetuamente entre uma descrição fenomenológica e uma des­ crição psicológica. È a ultima, contudo, que predomina em A Obra

de Arte Literária. N o único parágrafo introduzido em 1960,

segundo cremos, , o § 25a, chega a acusar Husserl e Pfãnder de se não terem libertado p or completo do psicologismo. P o r isso, a própria fenomenología, tal como a entende, é uma atitude que só assume a medo e quando não pode deixar de ser.

A este propósito queríamos chamar a atenção para dois problemas, sendo o prim eiro, como é natural, o da análise feno­ menológica que esperaríamos encontrar neste estudo. O segundo diz respeito à problemática da «ob ra aberta», para empregar uma expressão fam iliar aos nossos leitores.

N. Hartmann, M. Geiger, H. Conrad e outros aplicaram o método fenomenológico à estética em geral ou à exploração de domínios específicos da criação artística. Ingarden tem lugar neste sector, segundo H. Spiegelberg e R. Bayer28. Mas... il faut

y regarder de plus près, como diria Sartre.

N o Prefácio à terceira edição deste livro, o professor de Cracovia explica como, pouco a pouco e em diversos escritos, se

28 Cf. H. Spiegelberg, op. cit., 226; R, Bayer, Histoire de Vesthétique (Paris, A. Colin, 1961), 381.

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X X I I I foram delineando os contornos de uma estética fenomenológica, como ele próprio a entende. Só a totalidade destes estudos dará, pois, uma ideia exacta da sua doutrina. A Obra de Arte Literária é apenas uma fase num longo caminho. Impossível caracterizá-la fora de uma visão de conjunto. O que se pode verificar é que a análise fenomenológica só de longe em longe aqui aparece.

N o início do § 6 faz-se uma série de distinções importantes: ontologia da obra literária; psicologia da produção artística no domínio da literatura; análise dos actos de consciência que estão na origem da estruturação da obra literária; obra considerada em si mesma e distinta, tanto de um como de outro ponto de vista (o psicológico e o fenomenológico, segundo cremos). Estas distinções parecem-nos certas. Apenas lamentamos que o exces­ sivo receio do psicologismo tivesse impedido Ingarden de ir até ao fim das exigências do método fenomenológico. R. Odebrecht faz-lhe esta mesma crítica; Ingarden responde numa nota ao § 2 da segunda edição. Mas, por mais valiosa e penetrante que seja a teoria dos estratos, estes «pairam no ar», efectivamente. Assim como a análise horizontal da obra literária, a sua ordenação temporal e espacial (§§ 54-55). Aí deparamos com observações de real interesse que apontam para os estudos das estruturas narrativas de um Brémond, de um Barthes, de um Greimas (de Barthes, sobretudo, no famoso artigo de Communications 8) e para os que se relacionam com o tempo na obra literária, tais como os de J. Pouillon e G. Poulet. Mas de análise fenomenoló­ gica apenas alguns apontamentos esporádicos. Há a salientar os §§ 62 e 66, onde se condensa o que é possível colher fragmenta­ riamente, aqui e além, sobre uma fenomenología da obra literária, quer do ponto de vista do leitor, quer do ponto de vista do autor.

Falámos, no início deste Prefácio, da necessidade de certas recuperações fundamentais. Entre elas a do «a u tor».

A par de tentativas várias, mais felizes umas que outras, feitas sob o signo da psicanálise, e que, mesmo que o não queiram ou professem o contrário, visam, por uma necessidade interna, a esta recuperação — não poderíamos pensar na fenomenología como outra via diferente a tentar, com vista à mesma finalidade?

Passamos agora ao que chamámos a problemática da «obra aberta».

Nos caps. 13 e 14 (§§ 61-67), a propósito do terceiro estrato da obra literária, R. Ingarden põe o problema do estado de disponibilidade da obra, de certas zonas de indeterminação que

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nela encontramos, ou seja, em resumo, a possibilidade que esta oferece de leituras diferentes, quer pessoais, quer epocais. Im pos­ sível ler estas páginas sem pensar na teoria de Umberto E c o 29. Certas afirmações do cap. 13 poderiam ser atribuídas a Eco ou mesmo a Roland Barthes.

A distinção que faz entre a obra em si, idêntica a si mesma, e as suas concretizações, múltiplas e variáveis, continua em discussão. Uma interpretação husserliana levar-nos-ia a conside­ rar que um objecto X só se torna obra escrita pela leitura que dela fazemos, eventualmente obra literária, esteticamente positiva ou negativa, pelos juízos de valor que lhe atribuím os30. Ingarden aproxima-se desta solução no § 65. Afirma, mais de uma vez, que a obra apenas se manifesta ao leitor na sua concretização, isto é, no acto da leitura, o que está muito perto da teoria husser­ liana. Admite até que o papel activo do leitor e do crítico possam destruir a própria obra para produzir, em seu lugar, uma obra nova.

Tudo isto no cap. 13 (§§ 61-64). Mas, no início do cap. 14, § 65, eis que o perigo do psicologismo, com o seu corolário

— o subjectivismo — , lhe surge como ameaça à objectividade, à

identidade da obra. Procura então recuperar o terreno perdido (quanto a nós, ganho) recorrendo à idealidade do conceito.

lá foi dito que Ingarden distingue significação e conceito e que só ao último atribui o estatuto ontológico da. idealidade pura. Só o conceito ê imutável, invariável, intemporal, enquanto as sig­ nificações podem variar 3¡._ Mas o conceito é o fundamento da significação! Pela participação ao mesmo conceito, d.ois interlo­ cutores podem compreender-se empregando palavras que, em prin­ cípio, admitem significações diferentes. De maneira análoga, dois ou mais leitores podem ler o mesmo livro, cujo estrato significa­ tivo é susceptível de originar leituras várias, melhor: seria, mas não é. As significações remetem para os conceitos e estes são garantia de estabilidade. Assim se esconjura o risco da confusão, da pulverização subjectivista do objecto literário.

Esta a solução de Ingarden para restaurar e fazer valer os direitos da identidade da obra (§ 66).

29 L'oeuvre ouverte, trad. do italiano (Paris, Seuil, 1965).

50 Sobre a obra de arte em Husserl remetemos o leitor para o nosso estudo «O primado da percepção e a concepção da obra de arte em H usserl» (in Perspectivas da fenomenología de Husserl, Coimbra, Centro de Estudos Fenomenológicos, 1965), 73-106.

31 Retomaremos o problema no § 5: A teoria husserliana do signo

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X X V Convém parar um pouco e olhar para trás. Nos §§ 7 e 8 voltaremos ao 3.° estrato e então se verá melhor quais as possi­ bilidades reais que Ingarden concede à indeterminação da obra literária. Para já, não esquecer que a questão surgiu com esta motivação, circunscrita, pois, por limites relativamente modestos.

Aconteceu, porém, que a problemática se desprendeu do ponto de partida, foi alargada, formulada na sua dimensão má­ xima: a obra literária surgiu-nos como promessa de um espaço totalmente disponível o. uma pluralidade ilimitada de leituras. Mas a abertura concebida nestes termos foi logo neutralizada. Como vimos.

Que pensar da solução proposta por Ingarden? Ela apare­ ce-nos como uma tentativa arriscada, um percurso sinuoso que não acaba por nos convencer nem parece convencer por completo o próprio autor. O § 67, que fecha o capítulo 14, exprime mais dúvidas do que certezas. Reconheçamos, porém, que Ingarden teve o mérito de não fugir a um assunto difícil e escolheu um caminho que, sem ser indiscutível, merece reflexão.

A semântica moderna encontrou as mesmas dificuldades. Neste e noutros sectores de investigação da lingüística e da lite­

ratura diversas teorias foram propostas. Novos conceitos surgi- ram. A questão mantém-se no horizonte.

Ao problema da leitura se liga de perto o da leitura crítica, da análise literária. São conhecidas as divergências que dividem este sector e que é possível reduzir a duas tendências fundamen- lais: uma, um neo positivismo que busca critérios científicos de análise; e outra ou outras formas de abordagem do fenómeno literário que se arriscam a cair num neo-impr es sionismo.

Sem resolver o problema, é muito possível que o filósofo polaco nos marque o rumo certo ao afirmar que se torna indis­ pensável determinar os limites de variabilidade de uma obra literária (§ 64). P or outras palavras, e indo ao fundo da questão: há limites, fronteiras a estabelecer. Talvez com mais rigor, parece-nos indispensável, hoje, que ao abordar uma obra literária o façamos num projecto fundamental de ultrapassar o impres- sionismo fácil do passado. Para isso há apetrechamentos cientí­ ficos de inspiração vária que não é permitido desconhecer e entre os quais é possível escolher. Posto isto, e para além desta exigência fundamental, há ainda lugar para a subjectividade do leitor-crítico que se assume como sujeito. Gostaríamos de acres­ centar: que não pode deixar de. o fazer!

Não se julgue que esta precisão é um pormenor sem im por­ tância. Ê muito mais do que isso. Na verdade, cada leitor-crí­ tico não pode ler uma obra a não ser a partir da situação que

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ele mesmo è — situação sempre ligada a uma possibilidade de

opção — , situação e opção reveladas já, e antes de mais, no método que escolhe ou consente para se introduzir no universo a explorar.

§ 4. A teoria dos estratos

Impossível passar em silêncio, neste Prefácio, a famosa teo­ ria dos estratos, que constitui o travejamento fundamental de

A Obra de Arte Literária. Ainda aqui encontramos a influência

de Husserl32. Aliás, Pfãnder, Ingarden, Hartmann 33, outros talvez, foram todos beber à mesma fonte.

O livro Teoria da Literatura, de R. Wellek e A. Warren, foi, sem dúvida, o principal instrumento que divulgou junto do pú­ blico português o nome do filósofo polaco e quase exclusivamente a teoria dos estratos! Primeiro, a tradução espanhola, de 1953, que teve larga difusão nos nossos meios universitários. Anos depois, a tradução portuguesa. O original inglês é de 1942 e a ele se refere Ingarden no Prefácio à terceira edição do presente livro para rectificar interpretações que considera erradas ou superfi­ ciais do seu pensamento. A breve referência de Wellek-Warren não parece, de facto, uma boa introdução, mas a «análise enge­ nhosa e altamente técnica» 34 do antigo estudante de Gõttingen não torna muito acessível o seu trabalho.

Com efeito, a enumeração dos quatro estratos, que se encon­ tra no § 8, e à descrição dos quais é consagrada a quase totali­ dade do volume, suscita numerosas interrogações.

Num quadro de pensamento e terminologia tradicionais ( as unidades lingüísticas são ainda, neste livro, a palavra e a frase; as modernas noções de fonema, monema, morfema, sintagma, são-lhe desconhecidas) , Ingarden fala-nos, contudo, de problemas a que Saussure, Bühler, Jakobson, Eco, Greimas, Barthes... nos

32 H. Spiegelberg, op. cit., 226: «In these studies Ingarden made im- pressive use of the strata theory of pure logic as developed particularly by Pfãnder on the basis of Husserl’s first suggestions.» Spiegelberg refere-se não só a Das literarische Kunstwerk, mas aos estudo de estética em ge^ral de Ingarden.

33 R. Bayer, op. cit., 347, considera N. Hartmann como um dos repre­ sentantes da tendência fenomenológica em estética e refere-se à sua ma­ neira de conceber a complexidade do objecto estético explicando a sua estrutura por estratos.

34 R. Wellek, A. Warren, op. cit. (Lisboa, Publicações Europa-América, 1962), 188.

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X X V I I habituaram. A alguns se fez referência. Podemos acrescentar o problema do significado, o das funções da linguagem e outros.

A palavra função aparece-nos, por assim dizer, a cada página deste livro com sentidos diversos. Mas, com frequência, estratos e funções (no sentido, hoje corrente, de funções da linguagem) estão relacionados ou confundidos. Esta relação não é clara mas é profunda no espirito de Ingarden e vem de 1930. Numerosas passagens de A Obra de Arte Literária se ocupam da função expressiva ('Funktion des Ausdrückens ou Ausdrucksfunktdon por vezes, geralmente Funktion der Kundgabe ou Kundgabe-

funktionj. Encontramo-la nos §§ 9, 10, 12, 19, 26... O § 19 tem

especial interesse, pois refere um artigo de K. Bühler, de 1920, que contém um esboço do esquema que a Sprachtheorie difundiu em 1934: as três funções da linguagem. Mas a influência de Bühler não é única; outros autores são citados, no texto ou em notas, Husserl nomeadamente, no § 13. Esta última influência revela-se ainda na preocupação de Ingarden em distinguir a fun­ ção expressiva de outra — que passaremos a designar por função apresentativai5— , ou seja, a Darstellungsfunktion de Bühler, função denotativa ou referencial de Jakobson.

Tudo isto se tornará mais claro nos parágrafos seguintes ao considerarmos alguns problemas que a teoria dos estratos sus­ citou.

A fim de abrir caminho aos dois problemas que atrás mencio­ námos: o significado, as funções da linguagem, é útil chamar a atenção para duas notas acrescentadas à segunda edição, uma ao § 9, outra ao estudo de 1958, As funções da Linguagem no Es­

pectáculo Teatral, (§ 3 ), publicado em Apéndice.

Estas duas notas foram motivadas pelo sucesso da Sprach­

theorie, que apareceu pouco depois da obra de Ingarden; nelas

se encontram associados os nomes de Bühler, Husserl e Twar­ dowski. A intenção de Ingarden parece clara: Bühler não é tão original como se pensa porque, antes dele, Husserl tinha isolado, nas Investigações Lógicas, a função expressiva, que aliás se encon­ tra já em Twardowski numa obra de 1894lb. A segunda nota é mais extensa e pretende ser mais explícita que a primeira.

Ci-35 Ingarden emprega também, em geral, Darstellung, possivelmente por influência de Bühler. A tradução mais correcta seria representação. Mas a polissemia deste termo só gera confusões. Acresce que Reprasen-

tation (representação em sentido forte) convém com mais propriedade ao

3.° estrato. Acabámos por nos decidir por apresentação — designação que também não é isenta de ambigüidade (of. nota 79).

36 Husserl cita Twardowski nas Investigações Lógicas, II, 1, 50. N o que segue ocupar-nos-emos exclusivamente de Husserl.

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tando sempre as Investigações, acrescenta-se: Husserl ocupou-se aí minuciosamente, demoradamente (ausfürlich), de Ausdruck e

Kundgabe (podemos traduzir, respectivamente, por «expressão»

no sentido de expressão verbal e «expressão» ou «manifestação» no sentido de função expressiva). Husserl modificou esta termi­ nologia, numa época posterior, para Bedeutung e Ausdruck ( « significação» e «expressão»). Há aqui algumas confusões.

Mais uma vez, e generalizando, o que é e o que não é de Husserl? Sem descer a um estudo exaustivo, repetimos, tocare­ mos no assunto, e Husserl estará presente nos quatro pontos seguintes, todos eles suscitados pela teoria ingardiana dos estra­ tos, a saber: a teoria husserliana do signo lingüístico; percepção

e significação; estratos e funções da linguagem; para uma estética da intuição.

§ 5. A teoria husserliana do signo lingüístico

Na última nota citada no parágrafo anterior Ingarden mis­ tura dois problemas: o da função expressiva e o da expressão verbal. Vamos separá-los, deixando para o § 7 decidir se encon­ tramos ou não em Husserl a dita função. Do que não há sombra de dúvida é que Husserl formula em 1901 uma teoria do signo lingüístico que tem semelhanças notáveis e diferenças não menos importantes com a de Saussure.

Sem fazer uma análise exaustiva da questão, não queremos deixar de assinalar o facto, demasiado esquecido. Apenas alguns apontamentos, no desejo de que alguém os retome para estudo mais profundo e com p leto37.

Três pontos fundamentais parecem aproximar Saussure e Husserl: a descoberta de uma ciência dos sinais em geral; o princípio de imanência a presidir às relações entre significante e significado; o anti-historicismo dos dois pensadores, com a consequente preferência pela descrição sincrónica e sistemática das coisas mesmas.

Trata-se de afinidades, não de coincidências absolutas. Assim é que os três pontos acima indicados só podem ser tomados como tendências que vão no mesmo sentido. Muitas restrições, reservas e precisões há a fazer agora.

37 Supomos conhecido dos leitores, o Cours de linguistique générale, o que nos dispensará de citações constantes. Citá-lo-emos apenas quando houver problemas de interpretação ou quando isso nos interessar por razões especiais.

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