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Acerca desta proposta metodológica, e bem assim de toda a orien­ tação fundamental das investigações realizadas no presente livro, R Ode-

No documento Roman Ingarden - A Obra de Arte Literária (páginas 71-73)

Primeira Parfe Q UESTÕ ES PRÉVIAS

1 Acerca desta proposta metodológica, e bem assim de toda a orien­ tação fundamental das investigações realizadas no presente livro, R Ode-

brecht, na sua Ãsthetik der Gegenwart (19), pp. 25 e segs., escreveu: «Podemos virar-nos para «a coisa», valorizando-a, sem tomarmos o valor em si como objecto (Husserl). Isto exige de novo uma orientação própria «dbjectivadora». Este facto passa despercebido a todos os fenomenólogos, que, por exagerado receio do psicologismo, eliminam a vivência estética, ocupando-se do «portador» neutro do valor, como se o valor aderisse ao portador (como supõe a escola de Rickert) e dele pudesse ser arbi- tràriamente separado. A este erro de princípio não foge o trabalho de Roman Ingarden sobre a obra de arte literária. A investigação penetrante da estruturação multistratificada da obra literária, a caracterização de quatro estratos especiais (formações fónico-linguísticas, unidades de signi­ ficação, objectividades apresentadas, aspectos esquematizados), estética­ mente considerados, pairam no ar. N ão se pode considerar a obra ora simplesmente imaginável ora valiosa, porque se trata, neste caso, de dois «objectos» diferentes. Desde o início é preciso manter presente a dupla

intentio perante o objecto ideado como obra de arte.»

A isto tenho de observar que nem a Husserl (expressamente men­ cionado por Odebrecht) nem a mim passaram despercebidas a possibilidade e a diferença das duas atitudes perante o objecto de valor estético. Trata-se até mais exactamente — como eu julgo ter mostrado no meu livro, publi­ cado em 1937, em língua polaca: Sobre o Conhecimento da Obra Literária — de atitudes diferentes, muitas vezes entrelaçadas, relativamente à obra

§ 3. O problema do modo de ser da obra literária

A primeira dificuldade é-nos oferecida pela pergunta: Entre que objectos, reais ou ideais, devemos enumerar a obra literária?

A divisão de todos os objectos em ideais e reais parece ser a mais universal e, ao mesmo tempo, completa. Poderíamos, portanto, julgar ter afirmado algo de decisivo quanto à obra literária, após a solução deste problema. Todavia não é tão fácil de resolver. E não o é por duas razões: primeira, porque até hoje a determinação dos objectos ideais e reais segundo o seu modo de ser, apesar de muitas tentativas importantes, não chegou a ser definitivamente realizada. Em segundo lugar, não é, de mo­ mento, claro o que seja propriamente uma obra literária. Ainda que nos tenhamos de contentar, provisoriamente, com conceitos de objectividades reais e ideais não suficientemente clarificados, as tentativas fracassadas em considerar a obra literária como objectividade ideal ou "real mostrar-nos-ão, da maneira mais sensível, quão obscuro e insuficiente é o que sabemos da obra literária.

Mterária. N a verdade — como Odebrecht acertadamente v ê — , não se trata apenas de perceber a obra ora sem o valor «a ela aderente» ora com este mesmo valor. Conforme a atitude, chegamos a uma concretização da obra em causa de mui diferente contextura e de diversa configuração em muitas das suas linhas (o que ainda não foi possível discutir aqui, cf. adiante cap. 13.°). Isto, porém, não exclui a possibilidade da percepção puramente cognitiva da obra, enquanto fundamento último de todas as potenciali­ dades nela radicadas das concretizações constituídas na atitude estética e ainda na não-estética, tendo naturalmente em consideração os modos dife­ rentes em que a obra se nos apresenta nas diferentes fases da vivência estética. N o livro mencionado sobre o conhecimento da obra literária fiz, entre outras, uma análise pormenorizada da vivência estética. Apresentei dela um breve resumo ao 2.° Congresso Internacional de Estética e Ciência Geral das Artes, em Paris, em 1937. Quanto mais se exigir, no caso indi­ vidual, esta captação puramente cognitiva da obra para compreendermos d s modos de chegar às diferentes concretizações a partir da identidade ia cbra, tanto mais numa consideração totalmente universal da essência da obra literária (e também da obra de arte), como é escopo do presente livro. Que isto não é nenhum «erro», como Odebrecht julga, resulta do próprio facto de a obra literária entrar, por assim dizer, como esqueleto em qualquer concretização adequadamente constituída, que reveste este mesmo esqueleto apenas de traços e pormenores diferentes, como sucede num corpo vivo. Através deste revestimento, que encerra em si qualidades estéticamente valiosas e mostra o valor estético nelas fundado, o esqueleto :orna-se visível e pode até dele dissociar-se. Só na medida em que este esqueleto está contido na concretização e nela continua visível fica obvia­ mente assegurada a identidade da obra em todas as suas mutações durante a sua vida histórica.

Falamos aqui de objectividades reais e ideais apenas no sentido de algo que, no seu ser, é em si mesmo autónomo e independente de todo o acto cognoscitivo que o vise !. Se alguém não estivesse disposto a aceitar connosco a autonomia no ser dos objectos ideais2 teria de distinguir entre estes e as objec­ tividades reais, ao menos pelo facto de estas começarem num momento qualquer temporal, durarem algum tempo, se modi­ ficarem eventualmente durante ele e deixarem finalmente de existir3, não se podendo afirmar o mesmo a respeito dos objectos ideais.

Com a intemporalidade dos objectos ideais relaciona-se tam­ bém o facto de eles não poderem ser alterados, embora até agora não se tenha conseguido esclarecer qual a razão da sua inalterabilidade. Em contrapartida, os objectos reais — como foi já observado— podem, sem dúvida, sofrer alterações, e na realidade sofrem-nas, embora se possa de novo perguntar se eles devem sempre alterar-se por essência.

Pressuposto isto, perguntemos se determinada obra literária, p. ex. o Fausto de Goethe, é um objecto real ou ideal. Imedia­ tamente nos convencemos de que não nos podemos decidir segundo está alternativa. Por cada uma das possibilidades que mutuamente se excluem parecem militar importantes argumen­ tos. O Fausto foi redigido em determinado período. Podemos indicar com exactidão relativamente grande a época em que foi escrito. Estamos todos de acordo em que ele existe desde o tempo do seu aparecimento, ainda que não entendamos bem o que rigorosamente pode significar falar da sua existência. Talvez já não comungássemos com igual segurança da convicção de que esta obra-prima de Goethe, desde o tempo em que nasceu, está sujeita a estas e àquelas mutações e de que virá uma época em que deixará mesmo de existir. Contudo, ninguém negará

1 A senhora Conrad-Martius também acentua a «autonomia existen­

No documento Roman Ingarden - A Obra de Arte Literária (páginas 71-73)

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