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Isto diz sobretudo respeito a significações isoladas de palavras.

No documento Roman Ingarden - A Obra de Arte Literária (páginas 158-163)

109 puramente literários, em que não é possível apelar para resul­

1 Isto diz sobretudo respeito a significações isoladas de palavras.

artificial efectuada para fins de estudo. Procurámos, porém, conduzi-la de modo a não resultar nenhuma deturpação essencial das unidades de significação e, ao mesmo tempo, a salientarem-se as estruturas fundamentais dos seus diversos tipos. Contudo, não se pode negar que se dão transformações consideráveis nas significações das palavras pelo seu isolamento ou pela rein­ tegração na frase inteira. É nosso propósito imediato estudar agora estas transformações e em especial mostrar a que trans­ formações uma e a mesma palavra está sujeita na sua signifi­ cação e segundo os diversos lugares que ocupa na frase. Estas transformações resultam do facto de a palavra isolada não apa­ recer simplesmente numa frase (como, p. ex., uma coisa aparece numa classe de coisas) enriquecendo o conjunto sintáctico com mais um elemento de significação, mas exercer ao mesmo tempo esta ou aquela função na frase. Como estas funções são muito numerosas e variadas podemos tratar apenas de algumas delas como exemplos.

A integração das significações das. palavras na frase arrasta consigo uma transformação estrutural de cada uma delas.

Comparemos os dois exemplos seguintes:

1. a multiplicidade de palavras: «Cada. Corpo. É. Pesado.» e

2. a frase: «Cada corpo é pesado.»

Notamos imediatamente que enquanto em 1. cada signifi­ cação da palavra constitui um todo em si fechado este isolamento é rompido em 2. A palavra singular como elemento da frase não deixa de ser o que é e, apesar disso, a sua estrutura sofreu uma transformação sensível. A significação de uma palavra liga-se em sentido quase literal a outras significações e mais ainda estas unem-se entre si para formar uma única unidade de sen­ tido, em que não desaparecem por completo mas perdem apenas a sua delimitação estanque e recíproca. E só esta sua união torna possível a constituição de algo que se chama «frase». O modo como o «hermetismo» das significações singulares das palavras se rompe na frase é uma questão à parte que não pode ser aqui examinada nos seus pormenores. Como exemplo de uma análise inicial pode servir aqui o exame já feito das funções que as palavras singulares exercem numa expressão nominal composta *.

1 Por que operações subjectivas se efectúa esta transformação estru­ tural é outra questão de que não podemos tratar aqui pois abstraímos agora de todos os problemas fenómenológicos.

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As transformações, porém, a que estão sujeitas as signifi­ cações das palavras e particularmente as significações nominais na frase ultrapassam em muito o aspecto puramente estrutural. Comparemos as seguintes frases:

1. C. J. César, o cônsul romano, transpôs o Rubicão. 2. O cônsul romano exercia no Estado Romano grande

influência nos negócios políticos.

3. L. Bruto matou precisamente o cônsul romano. Comparemos a significaçao plena da expressão «o cônsul romano» nestas frases com aquela que possui quando aparece completamente isolada, 4. Em todos estes quatro casos o con­ teúdo material da sua significação é inteiramente idêntico. Ao contrário, a respeito dos restantes componentes da sua significação plena existem diferenças sensíveis. Quanto ao factor de direcção intencional este é variável e potencial nos casos 2. e 4., sendo os limites da sua variabilidade determinados pelo conteúdo material da expressão. Em contrapartida, nos casos 1. e 3. esse factor é actual e constante. Existe contudo uma dife­ rença entre estes dois últimos casos quanto ao factor de direc­ ção. Enquanto, graças à função especial desta expressão na frase 1., o factor não só indica um cônsul romano individual­ mente determinado mas ao mesmo tempo designa aquele, que é precisamente C. J. César, de maneira que em última análise este constitui o ponto final da sua direcção, na frase 3. também se dirige para um objecto individualmente determinado mas repousa nele porque do conteúdo da frase resulta indubitàvel- mente que Bruto só podia matar um cônsul individualmente determinado, mas não ressalta claramente da frase que o cônsul foi precisamente C. J. César. Só quando relacionássemos a frase 3. com outras (ou com os nossos conhecimentos históricos) o factor de direcção intencional seria absolutamente igual àquele que aparece na frase 1.

Esta particularidade do factor de direcção na frase 1. faz que as duas expressões «C. J. César» e «o cônsul romano» nesta frase se refiram a um e o mesmo objecto, ainda que os seus conteúdos materiais nada tenham de comum. Formam assim uma unidade de significação de ordem superior cuja constituição tem a sua base na função particular lógico-gramatical de aposto que a expressão «o cônsul romano» desempenha nesta frase. Assim, realiza-se pelas duas partes uma coincidência curiosa dos objec­ tos intencionais das expressões. Nada disto há nos outros casos. 8

Também a respeito de conteúdo formal da expressão estu­ dada podem assinalar-se diferenças significativas nestes casos diversos. Reparemos no seguinte: considerando nós a expressão estudada isoladamente, o seu conteúdo formal abrange aquele momento que determina o objecto intencionado como portador

autónomo em relação às qualidades que lhe advêm (nomeada­

mente à de ele ser cônsul romano). No caso 2. este momento é modificado. Continua a tratar-se de um portador autónomo de qualidades mas esta condição de portador entrelaça-se com o momento particular que a estrutura formal do objecto neces- sàriamente assinala, uma vez que este é tratado como sujeito de um predicado explícito com ele relacionado, como precisa­ mente acontece na frase 2. O mesmo momento da expressão 4. é modificado de um modo muito diferente no caso 1.: o objecto determinado pela palavra «cônsul» aparece aí certamente como portador de qualidades mas, ao mesmo tempo e de certo modo, já não é portador autónomo. A expressão «o cônsul romano» perdeu neste caso, por assim dizer, o próprio objecto autónomo. O último portador autónomo, que é ao mesmo tempo sujeito do predicado, é determinado pelo nome de «C. J. César»; é ainda este que é «cônsul romano», por outras palavras, é ele que desempenha um papel particular que mais exactamente o cons­ titui cônsul romano. Este papel encontra nele o fundamento do seu ser, está nele ontològicamente fundado.

Outra modificação ainda do mesmo momento do conteúdo formal da expressão estudada aparece no caso 3. Aqui também o objecto correspondente é captado como portador autónomo das suas qualidades, mas ao mesmo tempo apresenta-se como

objecto sobre que incide uma acção. Assim, o portador de qua­

lidades é transformado em sujeito que sofre as acções que lhe são dirigidas. Esta modificação provém da função lógico-grama­ tical do acusativo que a respectiva expressão exerce nesta frase e relaciona-se imediatamente com o conteúdo material e a fun­ ção do predicado «matou». Esta relação é tão estreita que a expressão «o côilsul romano» (no acusativo) seria essencialmente dependente se aparecesse plenamente isolada (portanto não inte­ grada na frase). A modificação a que acabámos de nos referir, proveniente da função sintáctica da expressão, é portanto tão radical que transforma uma expressão nominal autónoma em dependente, marcando-a, portanto, essencialmente como membro

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É preciso notar que as modificações indicadas do conteúdo formal, no fundo, significam um enriquecimento seu. Todas e.as provêm das funções especiais que as significações nominais 23.s palavras exercem na frase e são essenciais a estas funções.

Se estas funções desaparecerem as modificações estudadas tam­ bém deixarão de existir. O emprego da palavra isolada na estru- rjração da frase introduz várias modificações e momentos nas suas significações plenas que são alheios à palavra isolada. Se, portanto, nos encontramos perante a significação nominal de uma palavra que constitui um membro de uma frase devemos distinguir rigorosamente entre aqueles momentos do seu con- :eúdo formal que ela conservaria mesmo isolada e aqueles que só as funções sintácticas nela produzem. Esta distinção é de importância particular quando se passa para os correlatos inten­ cionais das significações das palavras e se investiga a estrutu­ ração formal das objectividades intencionais simples enquanto distinta da das «relações objectivas», dos «factos», etc.

Mostrar-se-á a seguir que também o conteúdo material da significação nominal da palavra pode ser sujeito de várias trans­ formações (em parte já indicadas atrás) quando é usado na estruturação de frases. Estas transformações, porém, geralmente só aparecem numa multiplicidade de frases correlacionadas. Remetemos por isso o seu estudo para altura própria dentro do plano do nosso livro (§ 23.°).

§ 18. Significações de palavras, frases e períodos como produtos de operações subjectivas

As investigações realizadas nos* últimos três parágrafos não só pretendiam familiarizar-nos com os traços essenciais das significações das palavras e da sua estrutura, mas tinham tam­ bém o propósito de chamar a atenção para uma série de factos que devem ser tidos em conta quando se trata de salientar a ideia universal da significação da palavra e nomeadamente quando se quer resolver o problema do seu modo de ser.

Nas investigações modernas das unidades de significação podem distinguir-se principalmente duas concepções radicalmente opostas: a psicologista, predominante entre os lógicos dos últi­ mos decênios do século xix, e a «idealista» — se é lícito cha­ mar-lhe assim — , cujo representante mais significativo é Edmund

Husserl nas suas Logischen Untersuchungen A sua crítica con­ vincente do psicologismo lógico parece ter superado definitiva­ mente a teoria segundo a qual as significações das palavras («conceitos», como então geralmente se dizia) e as frases seriam estados ou elementos psíquicos da corrente concreta de vivências. E aínda que o próprio Husserl rio vol. I I das Logischen Unter­

suchungen proceda à análise da «significação» a partir da inves­

tigação da essência dos actos intencionais da consciência — por­ tanto fenomenològicamente— , a sua teoría contudo culmina na afirmação de que as significações são «espécies ideais» de um tipo especial. Parecia também ser esta a única solução possível do problema desde que se não quisesse recair nos equívocos do psicologismo. Entretanto, pode perguntar-se . se Husserl aqui

— pelo menos na época das Logischen Untersuchungen — não teria ido longe de m ais2. É que independentemente do modo como se formou a doutrina das objectividades ideais e das «essen­ ciais» no próprio Husserl (posteriormente às Logischen Unter-

1 Nos anos trinta a concepção lógico-fisicalista da linguagem ganhou

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