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Estas dificuldades, de que já no ano de 1918 tomei consciência ao

No documento Roman Ingarden - A Obra de Arte Literária (páginas 164-168)

109 puramente literários, em que não é possível apelar para resul­

2 Estas dificuldades, de que já no ano de 1918 tomei consciência ao

começar a escrever um diálogo sobre a obra de arte literária, foram tam­ bém o primeiro passo para a intuição de que é preciso abandonar o ponto de vista «idealista» na concepção das significações das palavras. A prin­ cípio, porém, fui longe de mais na direcção oposta, de modo que na época em que escrevi as Questões Essenciais (1923) estava inclinado a negar absolutamente a existência das significações ou dos conceitos.

refere à explicitação concreta mais ou menos extensa do con­ teúdo material das significações correspondentes das palavras, quer a respeito do modo como o seu conteúdo formal é concre­ tamente pensado independentemente das múltiplas modificações claras e confusas que a esse respeito são possíveis. Em contra­ partida, falámos exclusivamente de transformações que se pas­ sam nas próprias significações quando estas ocupam lugares diversos numa frase ou em diversas frases e que resultam da análise do conteúdo total da significação de uma frase (ou de uma palavra) ainda que não saibamos do que se passa concre­ tamente na consciência do locutor. Apesar da diversidade das duas séries de transformações — por um lado, das unidades de significação e, por outro, das vivências concretas da consciência — existe a possibilidade de no caso de uma frase termos de lidar com algo que, segundo o seu modo de ser e ainda segundo as determinações do conteúdo e forma, está remetido para a exe­ cução de determinadas operações da consciência. Mas ainda no caso de esta possibilidade se revelar como um facto a frase com todas as suas partes e momentos forma uma unidade encerrada em si mesma que não pode ser identificada com quaisquer con­ teúdos concretos da consciência ou suas partes reais. Somente aqueles factos que se podem descobrir nesta unidade nos deverão fornecer o material para a solução do problema da sua ideali- dade ou da sua variabilidade e, portanto, da sua relação com operações concretas da consciência que se realizam no decurso do tempo.

2) Pergunta-se em que medida é lícito falar-se nos casos

discutidos da mudança de uma e a mesma significação da pala­ vra e logicamente se não seria mais correcto afirmar que as significações das palavras são absolutamente invariáveis, enquanto nós, os que pensamos, passamos de uma significação para outra ao servirmo-nos das significações das palavras para a construção das frases. Se de facto assim fosse o argumento contra a con­ cepção idealista das significações das palavras desapareceria e então toda a realidade se nos afiguraria (aparentemente) muito mais simples í.

Entretanto, esta proposta de solução leva a consideráveis dificuldades. Sobretudo seria preciso supor-se uma variedade muito mais numerosa de significações do que na hipótese das mudanças de significações por nós afirmadas. Em vez de uma

' Foi esta a solução que Husserl tentou nas suas Logischen Untersu-

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só significação da palavra «mesa», p. ex., seria preciso admitir tantas significações diversas, ainda que afins, quantas as modi­ ficações desta significação nos diversos casos do seu emprego K Seria também errado neste caso julgar-se que uma e a mesma palavra pudesse ter funções diversas ao ser empregada em frases diferentes. Deveríamos, pelo contrário, admitir que apenas um e o mesmo fonema significativo está ligado a significações diver­ sas e é, portanto, semánticamente polivalente. Isto em si ainda não seria absurdo. Já seria, porém, mais grave que tivéssemos, consequentemente, de falar também de duas significações quando se trata apenas da diferença do estado actual ou potencial de uma significação. Assim, não só chegaríamos a uma multiplicação enorme de significações mas seria também impossível indicar exactamente em que consiste uma significação segundo os seus elementos singulares, visto que só seria possível realizar isto recorrendo a outras significações diferentes dela. Também uma palavra isolada teria uma segunda significação diferente da que teria quando aparece na frase (em conseqüência das diferenças estruturais atrás indicadas). Neste caso haveria, por um lado, palavras que por sua essência apenas poderiam aparecer numa determinada frase, inseparáveis do seu contexto, e, por outro lado, palavras que nunca poderiam ser elementos de uma frase. Nesta ordem de ideias deveríamos supor uma multiplicidade infinita de frases que de antemão estariam «prontas», sendo por nós apenas descobertas. Mostrar-se-á, porém, que o conteúdo total do sentido de uma frase está sujeito a várias modificações, por vezes essenciais, únicamente pelo facto de a respectiva frase aparecer em determinado lugar dentro de uma multiplicidade ordenada de frases. Se aparecesse noutro lugar ou dentro de outra multiplicidade de frases o seu conteúdo de sentido seria outro. Dever-se-ia portanto — em conseqüência da tentativa de solução por nós refutada— falar, neste caso, também de duas «frases em si» ideais e diferentes. Por fim, seria preciso consi­ derar como formações acabadas, ideais, de existência intemporal todos aqueles conjuntos de frases que graças ao seu conteúdo total de sentido e à ordem da sua seqüência constituem um contexto de sentido de ordem superior (contexto sintáctico), enquanto não deixa de ser evidente que é possível formar, de qualquer maneira, a partir de tal contexto sintáctico grande número de outros conjuntos de frases pela modificação da ordem

1 Seriam, portanto, significações inteiramente diferentes: «a mesa», «um a mesa», «com pro uma mesa», «estou sentado à mesa», «a minha mesa é grande», etc.

dos membros. Se estivesse certa a tentativa de solução por nós combatida seria preciso considerar um escritor não como o autor da sua obra mas apenas como descobridor de contextos sintácticos.

Neste caso não seria absurda a ideia de as significações das palavras e todas as unidades de sentido de ordem superior serem produtos ideais invariáveis e de se efectuarem transições apenas temporais de uma unidade de sentido para outra. Mas nem tudo que não é absurdo é eo ipso verdadeiro. Se conseguíssemos mos­ trar que existem não somente transições de significações ou de frases para frases mas operações subjectivas realmente consti­

tutivas de frases disporíamos de um argumento decisivo para

afirmar que as unidades de significação de ordem superior e inferior não são espécies ideais.

3) Se, porém, as significações das palavras e as unidades de sentido de ordem superior não são nem elementos do ser psíquico, ou da consciência concreta, nem espécies ideais de um tipo especial, e se todavia a sua existência não pode ser negada, isto revela sobremaneira — porque de antemão é evidente que as unidades de significação não são objectividades físicas— que a divisão habitual de todas as objectividades em «reais» e «ideais» não é completa. É, portanto, necessário supor ainda outro tipo de objectividades. Por outro lado, também não é necessário negar a existência de conceitos ideais. Só é preciso distinguir rigorosamente entre estes e as unidades de significação.

4) Não pode ser nossa tarefa oferecer aqui uma análise feno- menológica das operações subjectivas de que provêm as unidades de significação de ordem inferior ou superior. Bastará apontar os seguintes factos:

O essencial da palavra reside em ter uma significação e, em virtude desta, ou em referir-se intencionalmente a um objecto, determinando-o material e formalmente, ou em exercer determi­ nadas funções intencionais em relação ao objecto já intencio­ nalmente projectado. Esta referência intencional vinculada ao fonema significativo não é — como atrás já se observou— ne­ nhuma qualidade fónica desse fonema; comparada com ele é de natureza completamente heterogénea e contudo não deixa de lhe estar ligado. É precisamente esta heterogeneidade que torna impossível ao fonema significativo relacionar-se, por assim dizer, por força própria (graças às qualidades que lhe compe­ tem) com a referência intencional ou exercer as diversas funções intencionais. Quando se estabelece esta vinculação, ou melhor, quando o fonema significativo é portador de significação isto só é possível por esta função lhe ser, por assim dizer, extrinse-

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camente imposta e atribuída. Esta atribuição só pode ser efec­ tuada por um acto subjectivo d í consciência. De facto, conhe­ cemos tais actos de consciência em que outorgamos um sentido, uma significação a um fonema significativo. Algo a princípio desprovido de sentido, que de modo algum é transcendente a si mesmo, é empregado como suporte exterior de algo que lhe é heterogéneo quando, p. ex., intencionalmente nos referimos a um objecto (nomeadamente a um objecto ausente) e então trans­ formando o material fónico em fonema significativo fazemos deste o «nom e» do objecto intencionalmente visado. A referência intencional contida na significação é, por assim dizer, o reflexo do pensar intencional contido no acto doador de significação A intencionalidade da palavra é uma intencionalidade emprestada pelo acto correspondente. Enquanto a referência intencional contida no acto da consciência constitui um momento concreto,

real do acto, partilhando com este do seu modo de ser absoluto

e autónomo (existindo no mesmo sentido que o próprio acto), a referência intencional outorgada à palavra não é apenas algo inteiramente transcendente ao acto da consciência mas ao mesmo tempo algo que existe de um modo inteiramente diferente, modo esse cuja objectividade em si mesma remete para outro ser em que tem a sua origem e de que depende. Aqui, o acto de cons­ ciência cria propriamente algo que anteriormente não existia, embora nada consiga criar que uma vez criado possa existir com autonomia no seu próprio ser. O criado neste caso em comparação com o ser real, o ser ideal e finalmente o da pura consciência é apenas algo análogo à «aparência», algo que apenas pretende ser alguma coisa sem todavia o ser no sentido da autonomia re a l2.

Qualquer significação da palavra tomada isoladamente é uma

unidade de sentido em si mesma acabada. Apesar disso, a grande

maioria delas — como as nossas análises demonstraram — en­ cerra uma multiplicidade de elementos heterogéneos, em espe­ cial quando se trata da significação nominal composta de uma palavra. Estes elementos são seleccionados pelo acto de consciência doador de significação de entre todos os elementos possíveis e reunidos numa unidade. Geralmente, isto sucede numa multiplicidade discreta de actos de consciência, de maneira

1 Cf. E. Husserl, Logischen Untersuchungen, vol. II, Investigações I

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