• Nenhum resultado encontrado

Uma investigação lógica de orientação noética teria de estudar exac­ tamente a estrutura essencial da operação mental construtora de frases

No documento Roman Ingarden - A Obra de Arte Literária (páginas 170-173)

109 puramente literários, em que não é possível apelar para resul­

1 Uma investigação lógica de orientação noética teria de estudar exac­ tamente a estrutura essencial da operação mental construtora de frases

e de salientar também as modalidades possíveis desta operação. Seria o oposto da «apofântica das frases» de orientação noemática no sentido de Husserl.

criado, podendo realizar-se também numa atitude puramente receptiva do Eu.

A operação construtora ou imitativa de frases, porém, na maioria dos casos é apenas uma fase relativamente dependente de uma operação subjectiva mais ampla de que resultam já não frases singulares desconexas mas sim períodos inteiros ou mul­ tiplicidades de períodos *. Se, p. ex., apresentamos uma «prova» ou desenvolvemos uma teoria científica ou apenas contamos um acontecimento geralmente temos desde o princípio em mente o todo que devemos «desenvolver» antes de formarmos as frases singulares em que o todo será «desenvolvido». Esta orientação mental no sentido do todo pode ter formas diversas de uma captação (representação) implícita mais ou menos consciente do todo. Vem-nos à mente determinado «tem a» que está diante de nós como algo que «deve ser tratado», que deve ser «desen­ volvido» e que se une ao impulso de efectuar este desenvolvi­ mento. Se cedemos a este impulso o tema transforma-se numa multiplicidade de frases que formamos sucessivamente e sempre em relação ao tema. Então, o mesmo tema pode ser «desenvol­ vido», «apresentado» de vários modos. Cada um deles exige outra ordem de frases, que devem ser diferentemente «form u­ ladas» de acordo com a ordem escolhida. Assim, a respectiva operação construtora de frases, por um lado, obedece à directriz daquilo que ainda deve ser exposto e, por outro, está sujeita à pressão daquilo que já foi apresentado e, portanto, relativamente dependente e suportada pelo impulso original para desenvolver um tema. Mas mesmo quando não temos nenhum tema proposto que apenas teríamos de «desenvolver» pode uma determinada operação mental construtora de frases ser de tal maneira que encerre, por assim dizer, em si germes para desenvolvimento ulterior. Neste caso arrasta consigo uma multiplicidade de outras operações produtoras de frases em que um tema começa por se cristalizar, conduzindo à formação de determinada «narração», de uma «prova» e coisas semelhantes. Aqui também as operações mentais individuais produtoras de frases obedecem ao impulso geral e são motivadas pelos precedentes e adaptadas nos seus pormenores ao objectivo vagamente ideado, só que neste caso em nenhuma fase actual fica inequivocamente estabelecido que operações subjectivas se seguirão umas às outras. Embora este objectivo se nos apresente obscura e indeterminadamente há

1 Quais as condições que devem ser satisfeitas pelas frases para poder resultar uma multiplicidade coerente de frases discutiremos mais adiante (§ 23.°).

125

sempre a tendência para realizar a operação produtora de frases que acaba actualmente de ser efectuada como algo que será seguido ainda por outras operações ou — caso se trate da cons­ tituição da «últim a» frase — para a constituir precisamente como «term o» de uma multiplicidade coerente de frases. O fenómeno conhecido por «interrupção» — quando porventura alguém nos dirige a palavra enquanto estamos a falar, a ler ou a escrever — só é possível precisamente porque a formação actual da frase constitui apenas uma fase de uma operação mais ampla cujas frases subsequentes, embora ainda não realizadas e frequente­ mente ainda não predeterminadas, de qualquer modo já se anunciam como iminentes, influenciando o já realizado actual­ mente.

Corresponde a cada uma destas operações < mentais mais amplas, cujas fases transitórias são formadas pelas operações individuais produtoras de frases, uma multiplicidade coerente de frases que é uma unidade de sentido de ordem superior:

uma narração, uma prova ou coisa semelhante K A sua estrutura,

o tipo de conexão das frases singulares, a ordem destas, etc., dependem absolutamente do decurso inteiro das operações sub­ jectivas que estão na sua base e são-lhes relativas. Pode narrar-se «o mesmo» de modos diversos, mas cada uma destas narrações constitui uma objectividade em si mesma que só existe porque foi formada precisamente de um modo e não de outro. E seria ridículo julgar-se que todas as maneiras diversas de tratar «o mesmo tema» existiriam, por assim dizer, desde todo o sempre como objectividades ideais, enquanto durante a narração temos a consciência inteiramente nítida de a podermos realizar de outro modo diferente e de estar em nosso poder, caso não seja­ mos perturbados por circunstâncias extrínsecas, dar à narração esta ou aquela forma. A «narração» deste modo produzida, a «prova», a «teoria», etc. — entendidas puramente como unidades de sentido de ordem superior, como multiplicidade de frases conexas — , não podem, portanto, ter qualquer pretensão a uma autonomia real menos ainda do que as frases isoladas. Daqui não se segue de modo algum que estejamos inteiramente livres e apenas obrigados a obedecer ao impulso criador ao realizar uma operação mental original que produz um complexo de frases. A respeito da limitação da nossa liberdade existem dife­ renças consideráveis nas operações mentais subjectivas que pro­ duzem os diversos tipos possíveis de conjunto de frases. Assim

como, por um lado, nunca somos inteiramente livres, por outro, também nunca estamos inteiramente vinculados aos limites da mais rigorosa teoria, podendo formá-la e transformá-la de modos diversos. E precisamente a possibilidade (e o facto) de urna tal transformação mostra da melhor maneira que as «teorías» por nos elaboradas (entendidas como multiplicidades de frases) não são objectividades ideais. Corroborá-lo-ão ainda as investigações

seguintes sobre as frases e os períodos.

A solução provisória do problema que nestes parágrafos nos preocupa é, portanto, do teor seguinte: O estrato da obra literária, estruturado por significações de palavras, frases e períodos, não tem um ser ideal autónomo mas é relativo a determinadas operações subjectivas da consciência quer pela sua gênese, quer pelo seu ser \ Por outro lado, não deve ser identificado com nenhum «conteúdo psíquico» concretamente vivido nem tão-pouco com qualquer ser rea l2. Estamos aqui perante algo de muito específico a cujo esclarecimento mais profundo, particularmente em relação ao seu modo de ser, vamos proceder.

Devemos penetrar mais profundamente no estrato das uni­ dades de sentido para revelarmos a sua função na obra literária.

1 Pode, naturalmente, duvidar-se de que em todas as espécies desses

No documento Roman Ingarden - A Obra de Arte Literária (páginas 170-173)

Outline

Documentos relacionados