• Nenhum resultado encontrado

T RIPARTIÇÃO DASF UNÇÕES NOE STADO E ASS ÚMULAS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "T RIPARTIÇÃO DASF UNÇÕES NOE STADO E ASS ÚMULAS"

Copied!
251
0
0

Texto

(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Daniel Mascarin Pires Kumasaca

A TRIPARTIÇÃO DAS FUNÇÕES NO ESTADO E AS SÚMULAS VINCULANTES: ANÁLISE HISTÓRICA E IMPACTOS NA ATUALIDADE BRASILEIRA

MESTRADO EM DIREITO

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Daniel Mascarin Pires Kumasaca

ATRIPARTIÇÃO DAS FUNÇÕES NO ESTADO E AS SÚMULAS VINCULANTES:

ANÁLISE HISTÓRICA E IMPACTOS NA ATUALIDADE BRASILEIRA

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Filosofia do Direito sob orientação do Prof. Dr. Cláudio de Cicco.

(3)

Banca Examinadora

______________________________

______________________________

(4)

AGRADECIMENTOS

“Do you hear the people sing? Singing the song of angry men? It is the music of a people who will not be slaves again When the beating of your heart echoes the beating of the drums There is a life about to start when tomorrow comes” (Do You Hear The People Sing? – Les Miserablés)

Após alguns bons anos de estudos, créditos cumpridos e boas lembranças, chega o derradeiro momento de encerrar essa bela caminhada trilhada ao longo do mestrado. Muitos me disseram que era muito cedo para assumir essa responsabilidade e não acreditavam que um jovem estudante recém-formado aos 24 anos conseguiria ingressar no mestrado.

Pois aqui estou eu, prestes a encerrar este capítulo de minha história que, espero eu, seja com chave de ouro, sem arrependimentos e de cabeça erguida, com a mesma força e ânimo desde o primeiro dia. Por este motivo, alguns agradecimentos devem ser feitos, pela lembrança e importância ao longo do mestrado e da vida.

Em primeiro lugar, à minha mãe, Suzy Mascarin, por todo o amor e carinho indispensáveis em minha formação, mas principalmente, por seu apoio incondicional independente das minhas escolhas, sempre confiando no bom resultado e nunca duvidando de minha capacidade, acreditando no meu potencial, se preocupando e se dispondo para o que fosse necessário ao meu bem-estar.

(5)

À minha tia, Maria Isabel, falecida aos 34 anos, alguns meses após minha aprovação no mestrado. Conviver com ela me ensinou a nunca desistir, independente do tamanho do problema, demonstrando sempre a alegria e felicidade de viver, mesmo com as dificuldades que a vida traz. Para além de um exemplo de determinação, um verdadeiro exemplo de vida.

À minha avó Vera Kumasaca, que sempre mostrou muito zelo com a questão dos meus estudos. Obrigado por sua preocupação e carinho.

Ao amigo e Professor Alvaro Luiz Travassos de Azevedo Gonzaga, por acreditar na minha capacidade, por ser meu orientador na graduação, despertando meu interesse pelo estudo das Súmulas Vinculantes e por me auxiliar a desenvolvê-lo e aprimorá-lo no mestrado, além de permitir que eu fosse seu assistente e o acompanhasse em suas aulas, contribuindo não somente para minha futura formação docente, como também pessoal, me aconselhando, trocando experiências e sempre disposto a ouvir um amigo, sendo um dos maiores incentivadores com relação ao ingresso no mestrado.

Ao Professor-Orientador Cláudio de Cicco, por acreditar em meu potencial e possibilitar a liberdade inerente à produção. Seus conselhos e o vasto conhecimento compartilhado foram imprescindíveis para enriquecer e agregar ao trabalho e à vida de um jovem estudande de Filosofia do Direito, matéria muitas vezes desvalorizada pelos profissionais da área do direito, apesar de sua grande importância. Foi uma alegria e satisfação conviver com o professor e receber seus elogios no decorrer da orientação, me dando ânimo para prosseguir em muitos momentos difíceis.

Ao amigo e Professor Wallace Ricardo Magri, mestre que tive o privilégio de conhecer logo em meu primeiro ano de graduação e com quem tive o prazer de ser assistente, dividindo aulas e aprendendo através de nossos respeitosos debates, agregando conhecimento variado, já que possuímos muitas posições distintas, o que não alterou nossa convivência e amizade.

(6)

com a filosofia, ao me emprestar a obra “A República”, de Platão, livro que jamais devolvi e despertou toda minha curiosidade com o mundo filosófico e jurídico.

À Osvaldo Viegaz, por sua amizade, pela revisão deste trabalho e por discordar de mim na maioria dos meus posicionamentos, gerando assim muitos debates e discussões de enorme valia para este trabalho e que levaram ao aprimoramento do conhecimento e a grandes resultados.

Por fim, à minha avó Fátima Faria, que faleceu enquanto eu caminhava no final desta jornada do mestrado. Pessoa de suma importância em minha vida e que costumava dizer-me sobre a muita sorte que tive na vida. Com certeza vejo que ela tinha razão: tive sorte por ter tantas pessoas queridas por perto e que sempre me estenderam a mão quando precisei, independente do motivo.

“From our lives' beginning on We are pushed in little forms No one asks us how we like to be In school they teach you what to think But everyone says different things But they're all convinced that They're the ones to see” (I Want Out – Helloween)

(7)

SUMÁRIO

Introdução 11

1. História do Pensamento do Estado Ocidental 15

1.1 Precursores da Antiguidade: O Modelo Grego 16

1.2 Aristóteles e o Pensamento Grego 19

1.3 Roma e as Edicta Pretorianas 35

1.4 Contratualismo e Revoluções Liberais no Estado Moderno 46

1.5 Thomas Hobbes e o Absolutismo do Estado Soberano 49

1.6 John Locke e os Pressupostos do Estado Moderno 54

1.7 Montesquieu, a “Separação dos Poderes” e o

Sistema de Freios e Contrapesos 59

1.8 Rousseau e o Contratualismo Social 70

1.9 Revolução Francesa e o Ideal Iluminista 87

2. O Estado Brasileiro e as Decisões Vinculantes 112

2.1 Brasil Colônia 114

2.2 Casa da Suplicação e os Assentos no Direito Português 122

2.3 Brasil Império 128

2.4 Brasil República 135

2.5 As Três Funções Brasileiras

e Suas Prerrogativas Típicas e Atípicas 151

3. Papel das Súmulas Vinculantes no Estado Brasileiro 160

3.1 Poder, Órgão ou Função? 161

3.2 Emenda Constitucional nº 45/2004 176

3.3 Súmulas Vinculantes e os Princípios Constitucionais 178 3.4 A Extrapolação do Judiciário e o Ativismo Judicial 185 3.5 Impactos na Organização do Estado

e na Tripartição das Funções 195

3.6 Usurpação de Funções Típicas:

(8)

4. A Filosofia Política e as Súmulas Vinculantes 220

Considerações Finais 238

(9)

RESUMO: O ordenamento jurídico brasileiro permite muitas interpretações do seu modelo, de suas instituições e de seu alcance na sociedade. Dentre os institutos, as Súmulas Vinculantes inseridas pela EC 45/2004, possibilitam a análise de todo o sistema político, social e jurídico brasileiro, vez que resultantes de anormalidades que podem abalar a segurança do Estado. A ideia é fomentar, através da discussão filosófica e da reconstrução histórica dos ideários sociais e políticos, como as súmulas vinculantes afetam a conjuntura atual da República Federativa do Brasil. Não se trata apenas de abordar o tema referente ao ativismo judicial decorrente das súmulas vinculantes, mas também e principalmente dissecar o instituto, enfrentar conceitos e derrubar teorias, embasados justamente no estudo dos modelos filosóficos tratados ao longo da dissertação. Para tanto, procuramos abordar não apenas os posicionamentos contrários às súmulas vinculantes, como de igual feita refutar os entendimentos favoráveis, que por evidência existem e se encontram na doutrina majoritária sobre o Direito Constitucional Brasileiro. Trabalhamos de forma a não nos concentrar somente nos institutos jurídicos, mas procuramos encontrar no âmago da própria sociedade as formas e a discussão sobre o alcance do poder e do seu funcionamento do Estado. Conceber a história, juntamente com o estudo filosófico, foram preponderantes para alcançar os resultados aqui elencados, desde a fundamentação teórica até o desenvolvimento crítico sobre os institutos, instituições e conceitos existentes no Brasil e é justamente no modelo tripartite de separação de funções em Executivo, Legislativo e Judiciário que a maior parte do trabalho se enquadra, sobretudo quando analisamos o ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal e a prerrogativa criada com as súmulas vinculantes, já que é ele a última ratio do sistema brasileiro, motivo pelo qual a análise em torno da Teoria Geral do Estado se coloca como fundamental para o entendimento final do trabalho.

(10)

ABSTRACT: The Brazilian legal system allows many interpretations of its model, its institutions and its scope in society. Among the institutes, the summary bindings introduced by EC 45/2004 make possible to do analysis of the entire political, social and Brazilian legal system, since they arise from abnormalities that may jeopardize state security. The idea is to promote, through philosophical discussion and the historical reconstruction of social and political ideals, how summary bindings affect the current landspace of the Federative Republic of Brazil. It is not just about addressing the issue related to judicial activism resulting from summary bindings, but also and mainly explores the institute, confronts concepts and puts down theories, grounded in the study of philosophical models treated along the dissertation. Therefore, we intend to address not only the positions against the summary bindings, as well as to refute the favorable understandings, which exist by evidence and are found in the majority doctrine of constitutional law Brazilian. We work in order to focus not only on legal institutions, but we try to find at the heart of the society itself, manners and the discussion about the scope of power and its way of working in the state. Conceiving the story, along with the philosophical study were outstanding to achieve the results listed here, from the theoretical foundation to the critical development of the institutes, existing institutions and concepts in Brazil and it is precisely the tripartite model of separation of executive functions, legislative and judiciary that the major part of this work is framed, especially when we analyze the judicial activism of the Supreme Court and the prerogative created with summary bindings, since it is the last resort of the Brazilian system, reason why the analysis about the State General Theory stands as crucial to the final understanding of the work.

(11)

INTRODUÇÃO

As Súmulas Vinculantes estão presentes no ordenamento jurídico brasileiro com a entrada em vigor da Emenda Constitucional 45, de 30 de dezembro de 2004 e, desde então, geram inúmeras discussões sobre o real papel a que o Judiciário e, mais especificamente sua instância máxima, o Supremo Tribunal Federal, têm em suas atuações na sociedade.

De uma forma ampla, as súmulas vinculantes constituem a jurisprudência produzida pelo próprio Supremo Tribunal Federal, que após reiteradas decisões naquele sentido, podem receber o efeito vinculante e, por conseguinte, se tornam um entendimento obrigatório no qual todos os demais tribunais e juízes, a Administração Pública Direta e Indireta, bem como o Legislativo na sua função atípica devem seguir.

Contudo, ela não possui força para vincular o Legislativo em sua função tipica, ou seja, legislar, uma vez que criaria uma indesejável petrificação nas disposições legais e tornaria tal procedimento muito mais gravoso do que já é. Tal afirmação é válida, já que o STF interferiria de maneira direta nas funções desempenhadas por aquele Órgão, obrigando-o a seguir e adotar o instituto das Súmulas Vinculantes no momento crucial do debate sobre futuras leis, levando a uma situação patológica de todo o sistema organizacional brasileiro.

Ao se tratar de tema tão relevante e atual, é necessário fazer uma busca nos primórdios do próprio direito brasileiro e suas relações com o direito alienígena, analisando as muitas nuances em que as decisões judiciais, o Judiciário e o Legislativo estavam inseridos, já que muito se pode basear na herança lusitana deixada pelas Ordenações e sua inspiração nos Direitos Canônico e Romano.

O direito brasileiro se mostra no compasso do continuísmo em muitos casos. Características marcantes do direito da Antiguidade, por exemplo, ainda podem ser encontradas na atualidade nacional, sobretudo quando analisamos as já citadas influências romanas e canônicas.

O desenvolvimento do direito no ocidente se deve principalmente a estes dois troncos, já que dominantes na Península Ibérica mesmo com a presença Moura por quase um milênio.

(12)

adequado à súmula vinculante, de modo que afetaria todos os casos que por ventura tratarem de determinado tema e nos quais já houve incidência desta Súmula Vinculante. Tal possibilidade de alteração, todavia, não torna menos grave o fato de a Corte Suprema Brasileira estar, atualmente, agindo como uma instância judicial-legislativa, numa clara usurpação de funções.

Essa afirmativa é válida e a história mostra como o instituto foi utilizado lastreado por conceituações não aplicáveis no direito brasileiro. Não se trata, pois, de fazer um transplante histórico e tentar adequar o direito de dois mil anos na situação fática atual, mas sim demonstrar que a conjuntura na qual o Brasil está inserido hoje não permite que a ação do Supremo Tribunal Federal não atinja, direta ou indiretamente, a independência das demais funções, sobretudo do Legislativo.

Desta forma, antes de inserirmo-nos no estudo das súmulas vinculantes propriamente ditas, é necessário utilizarmos um pouco da história ocidental para fundamentarmos dois momentos imprescindíveis para a compreensão do problema encontrado pelas súmulas vinculantes em vigor no ordenamento jurídico pátrio.

O primeiro diz respeito, antes de tudo, à formação do próprio Estado Ocidental. Não se trata de um debate puro e simples traçando a história da sociedade ocidental desde os seus primórdios gregos até chegarmos à Revolução Francesa e toda a sua influência na formação do pensamento moderno e contemporâneo.

Estamos diante de uma situação que não permite a simples formulação de hipóteses do nascimento do Estado. Precisamos analisar como a formação do Estado acompanhou o desenvolvimento do pensamento humano. É neste ponto que se une o nascimento com a história da sociedade ocidental, devendo sempre ter em mente que nenhum fenômeno, em hipótese alguma, deve ser explicado tão somente pela sua origem, mas também pelo estudo do seu momento.1

Para se compreender o atual estágio da política brasileira, não se pode considerar tão somente o passado, assim como não se pode analisar o presente de forma isolada. Ambos devem se complementar para alcançar o objetivo findo de contemplar como a figura brasileira aparece enquanto ente personificado pela vontade do povo. Com isso, devemos nos preocupar não somente com a teoria atual do Estado brasileiro, mas

1 Neste sentido: “Em suma, nunca se explica plenamente um fenômeno histórico fora do estudo do seu

(13)

também com as demais que foram utilizadas para fundamentar aquela que hoje se encontra em vigor.

Se considerarmos que as Teorias do Estado são tão antigas quanto o próprio Estado e que por vezes pressupõem a existência deste, estaremos em uma situação de análise privilegiada para encontrar na história os modelos nos quais o Brasil se adequou, chegaremos, com isso, na finalidade de analisar as súmulas vinculantes por sua questão teleológica, não somente por sua pura e simples inserção no ordenamento jurídico brasileiro por uma emenda constitucional, possibilidade esta prevista pela própria Constituição Federal de 1988.

O estudo histórico é preponderante para se compreender o desenvolvimento do instituto, mas acima disso, é importante para conhecermos os primórdios do direito e da filosofia na teoria geral do Estado, pois é partindo destes pressupostos teóricos que alcançaremos a fomentação do Brasil Político.

Já o segundo ponto se refere às questões jurídicas, isto é, de competências entre as formas instituídas pelo Estado que visam o seu regramento, sua organização e sua formação enquanto nação.

Este é um princípio elementar na configuração dos Estados modernos, como veremos ao estudar o pensamento contratualista, sobretudo com a Revolução Francesa, na qual a constituição dos órgãos que gerem o Estado se dá de forma independente e harmônica, mantendo-se o equilíbrio social e político.

E quando se estabeleceu essas características aos Três Órgãos da União se pretendeu propiciar a maior segurança possível aos homens constituídos em sociedade, vez que surge exatamente no período em que se coloca um ponto final no absolutismo do Estado.

Não obstante, no Brasil verificaremos que as inclusões de determinadas filosofias alienígenas nem sempre foram recebidas muito bem, principalmente quando atingia interesses das classes dominantes.

Vamos estudar com maior afinco este tema ao longo das páginas, mas desde já podemos afirmar, que todas as mudanças sociais e políticas do Brasil vieram de cima para baixo, ou seja, da classe dominante para os dominados. Não se mudou as estruturas, apenas houve a adequação das mesmas para manutenção do status quo.

(14)

E não se pode dizer que o Supremo Tribunal Federal, juntamente com o Judiciário como um todo, bem como o Executivo e o Legislativo não estão inseridos nesta conjuntura, pelo contrário, fazem parte e devem auxiliar na sua construção.

A contribuição que se pretende estabelecer nesta dissertação é a ideia de como um instituto jurídico pode causar abalos na ordem vigente instituída no país. O que teoricamente seria simples, pode ser um imenso problema.

Por isso não se pretende apenas e tão somente considerar as súmulas vinculantes inseridas no ordenamento brasileiro. Esta tarefa, além de simplória, não está imbuída do verdadeiro trabalho sistêmico e de contextualização inerentes para a total compreensão filosófica, política e social da realidade brasileira.

A nossa necessidade atual não se resume à análise das súmulas vinculantes como mais uma forma de inovação do Judiciário, mas sim verificar suas estruturas e concepções ao longo da história.

Não podemos esquecer que o Brasil possui uma Constituição Federal, uma Lei Maior que rege todo o país, lastreada pela legalidade de acordo com as especificidades de sua inserção no mundo.

De igual maneira, não queremos realizar comparações descabidas com formas jurídicas existentes na atualidade ou na história e sim analisar o instituto dentro do seu contexto, sem nos esquecer de outros momentos nos quais a ideia de “codificação jurisprudencial” foi colocada em prática.

Portanto, o trabalho procura abordar a história, tanto do ocidente como do Brasil, sem deixar de contextualizar e identificar os pontos de convergência e divergência existentes com o caso nacional das súmulas vinculantes.

Mais do que isso: é por meio da filosofia que buscamos as formas de analisar como o Brasil inseriu o modelo das súmulas vinculantes e procura com ele inovar no sistema jurídico.

(15)

1. HISTÓRIA DO PENSAMENTO DO ESTADO OCIDENTAL

Desde as primeiras reuniões do homem em grupos a organização social foi importante para delimitar direitos e impor obrigações. Não obstante, o próprio Estado surge com a necessidade de se concentrar em tais decisões e fomentar a possibilidade de criação de unicidade em torno das questões mais importantes e relevantes para um grupo de pessoas, de modo que a criação de funções estatais foi imperiosa para o seu desenvolvimento.

A distinção entre as funções que constituem um Estado nem sempre seguiram os moldes atuais de divisão entre o Executivo, Legislativo e Judiciário existentes no Brasil. Quando se tem a ideia de separar as funções, inicia-se pela concepção simplória de que existe no Estado funções distintas e dicotômicas, nas quais estavam todas as bases de governança daquele que detinha o controle.

Seu surgimento remonta à Antiguidade, ainda quando as civilizações não encontravam-se reunidas em Estados propriamente ditos e todas as prerrogativas de funções concentravam-se em uma única pessoa, sem distinções e/ou classificações.

O Estado ao longo da história se desenvolveu sempre lastreado pela classe dominante e seus interesses, sendo que por séculos não houve uma distinção clara de funções destinadas aos membros, cabendo-lhes desde a administração da Pólis, da Cidade-Estado, do Império e dos Reinos, até funções outras como legislar e por vezes julgar litígios, concentrando tudo numa mesma figura.

Dentro desta perspectiva, o liberalismo tem um papel salutar no desenvolvimento dos novos conceitos para a Tripartição das Funções, ainda mais com a prevalência dos direitos individuais, sobretudo com relação à liberdade e ao direito de propriedade, intimamente atrelados ao desenvolvimento do Estado e dos termos hoje conhecidos como República e Democracia, adequados a este sistema.2

2 Neste sentido: “Se pode caracterizar o Direito Moderno como direito estatal, centralizado, escrito,

(16)

Apesar desta identificação moderna e contemporânea no Brasil advinda da Revolução Francesa e baseada na maioria de seus pontos em Montesquieu, a história nos mostra que em outros momentos teorias desta monta surgiram e, mesmo não sendo aplicadas, criaram todo um arcabouço no qual sua releitura hoje nos traz uma compreensão melhor do modelo vigente no Brasil que, mesmo com a influência francesa, adaptou-se de modo diferente na realidade do país.

1.1 PRECURSORES DA ANTIGUIDADE: O MODELO GREGO

Os agrupamentos humanos remontam aos períodos mais remotos da pré-história, momento no qual nos escusamos de tratar com afinco pela simples razão de considerarmos desnecessário inferir fatos que não possuem dados maiores, já que a história propriamente dita se inicia com o desenvolvimento da escrita.

Isto não significa, todavia, que não existia entre esses grupos um ideário organizacional, desde sua economia interna até as relações com os demais, o que inclui por evidência formas de justiça.

As relações sociais nasceram desses agrupamentos e, mais tarde, passou de dentro do seio familiar para algo maior, que se constituiu na chamada Cidade Antiga, quando cada membro de cada família se unia sob as ordens patriarcais do chefe da família, formando o centro decisório, lastreados pelo fogo antigo que guiava suas vidas particulares e públicas.

Das famílias e de suas particularidades domésticas surgem as associações, que visam justamente continuar com os ideais familiares em âmbito público, fomando, com isso, tribos.

Cada fratria ou cúria tinha seu chefe, curião ou fratriarca, cuja principal função era a de presidir aos sacrifícios. Talvez, nos primórdios, suas atribuições tivessem sido mais amplas. A fratria tinha as suas assembleias, as suas deliberações, e podia promulgar decretos. Na fratria, como na família, havia um deus, um culto, um sacerdote, uma justiça e um governo. Era uma pequena sociedade modelada exatamente sobre a família. A associação continuou naturalmente a

particularidade individual, pois a aplicação da norma tem a pretensão de estender-se a uma quantidade indefinida de pessoas, de modo aleatório e não particularizado. Certamente que tais princípios de abstração, generalidade e impessoalidade têm no modelo liberal-individualista um significado ideológico, o de ocultar a desigualdade real dos agentes econômicos, para desse modo se conseguir a aparência de uma igualdade formal, a igualdade perante a lei. Tal ordenação privativista equipara, com uma mesma medida, as desigualdades e as diferenças, situa os indivíduos num mesmo patamar, sem questionar as distinções que fazem da organização social uma pirâmide”. (WOLKMER, Antonio Carlos.

(17)

crescer, sempre segundo o mesmo modelo. Diversas cúrias ou fratrias se agruparam, formando a tribo.3

Com efeito, sabemos que tais agrupamentos tiveram suas origens nas mais diversas regiões do mundo, da mesma forma que concebemos que as Cidades-Estados são assim denominadas por força das Civilizações Mesopotâmicas, de modo que o cerne inaugural destas concepções se encontra na África e na Ásia Menor.

São as chamadas civilizações Orientais e do Mediterrâneo que se fundam como formadoras do primeiro pensamento acerca da constituição do Estado, fazendo com que suas características política, religiosa e econômica particular se transfigurassem e se tornassem o apoio do bem público.

Com a designação de Estado Antigo, Oriental ou Teocrático, os autores se referem às formas de Estado mais recuadas no tempo, que apenas começavam a definir-se entre as antigas civilizações do Oriente propriamente dito ou do Mediterrâneo. A família, a religião, o Estado, a organização econômica formavam um conjunto confuso, sem diferenciação aparente. Em consequência, não se distingue o pensamento político da religião, da moral, da filosofia ou das doutrinas econômicas.4

Para efeitos didáticos e históricos, aqui consideraremos importante realizar um recorte profundo nessa significação, já que, neste trabalho, a conjunção crítica estará pautada no desenvolvimento dos Estados Ocidentais, motivo pelo qual encontraremos na Grécia o ponto de partida para nossos estudos.

No modelo Grego encontramos o acima elencado por Fustel de Coulanges acerca da formação da Cidade Antiga, sempre pautada na questão familiar e nos laços religiosos de seus membros (parentes no geral, em sua maioria), que fizeram surgir os agrupamentos, tribos e as Cidades-Estados.

Homero nos brinda com uma visão magnífica das relações existentes na Grécia em seu poema épico Ilíada, mostrando a importância da família e das religiões na consecução e compreensão da própria Pólis.

Mas uma coisa assevero e com jura solene o confirmo: Por este cetro que ramos nem folhas jamais, em verdade, reproduziu, dês que foi na montanha, do tronco arrancado, e que jamais brotará, pois o bronze, de vez, arrancou-lhe a casca e as folhas – a vida – e que os filhos dos nobres

[Aquivos, quando em função de juízes, empunham, fazendo que

3 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Editora Martin Claret, 2007, p. 130.

4 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Editora Saraiva, 1995,

(18)

[valham as leis de deus e os preceitos – solene é, repito, esta jura! – há de chegar o momento em que todos os nobres

[Aquivos hão de gritar por Aquiles, sem vires, então, nenhum modo de protegê-los, no tempo em que às mãos desse Heitor

[homicida uns sobre os outros caírem.5

O desenvolvimento da Pólis Ateniense passou muito por estas formações da cidade antiga, tanto que verificamos no trecho acima a instituição familiar do âmago desta civilização e sua predileção pelos deuses, as leis e a justiça divinas.

Cabe salientarmos, inclusive, que a segurança daqueles que formam a cidade é um importante fator para compreensão do desenvolvimento do seio familiar nas associações, agrupamentos, tribos e cidades, que passam a refletir exatamente o mesmo paradigma das relações particulares nos movimentos públicos.

A natureza unitária e a religiosidade se tornam características fundamentais da Pólis, que se constituiu como um intrincado sistema no qual o pensamento está diretamente ligado à religião, seja ele político, econômico ou social.

Embora seja comum a referência ao Estado Grego, na verdade não se tem notícia da existência de um Estado único, englobando toda a civilização helênica. Não obstante, pode-se falar genericamente no Estado Grego pela verificação de certas características fundamentais, comuns a todos os Estados que floresceram entre os povos helênicos. Realmente, embora houvesse diferenças profundas entre os costumes adotados em Atenas e Esparta, dois dos principais Estados gregos, a concepção de ambos como sociedade política era bem semelhante, o que permite a generalização. A característica fundamental é a cidade-Estado, ou seja, a polis, como a sociedade política de maior expressão.6

Contudo, é justamente desse “conjunto desconjuntado” que a filosofia política grega encontra supedâneo para alcançar seus melhores fundamentos, surgindo com isso importantes e vastas obras sobre a teoria do Estado.

Isto se dá por conta da forte noção de auto-suficiência na preservação do caráter da cidade-Estado grega, atingindo as finalidades instituídas. Tal fato foi importante na sua construção interna e nas relações externas, conquistas e dominações. Desta forma, o indivíduo, na concepção grega, tem importância capital na

(19)

Estado, seja no âmbito das relações públicas entre os demais cidadãos, seja no âmbito de suas relações particulares.

No Estado Grego o indíviduo tem uma posição peculiar. Há uma elite, que compõe a classe política, com intensa participação nas decisões do Estado, a respeito dos assuntos de caráter público. Entretanto, nas relações de caráter privado a autonomia da vontade individual é bastante restrita.7

A expansão territorial e a subjugação dos povos dominados, pautados nesta questão da autossuficiência da Pólis, foram essenciais quando do avanço do pensamento sobre o Estado no Mediterrâneo e de todas as teorias surgidas por este pressuposto.

Mormente esta questão, a civilização grega possui como pressuposto basilar do seu direito, além do fato religioso, o natural, em que o direito é colocado como imutável, enquanto a mutabilidade depende do desenvolvimento histórico.

Todos os povos iniciam sua trajetória com a ideia da sacralidade da moral e do direito, sendo este de natureza imutável, enquanto a mutabilidade nasce da contingência histórica. A observação de tal mutabilidade introduz a concepção de um direito natural (por comparação), uma noção de lei superior a ser procurada.8

Assim, devemos estudar, pelo menos, um pensador grego, que foi preponderante tanto para a Teoria Geral do Estado Ocidental e todas as formações decorrentes e pensadas para ele, como para as formulações sobre o direito natural, além de ser o primeiro pensandor a enxergar as três possiveis funções que serão tratadas no decorrer do trabalho.

1.2 ARISTÓTELES E O PENSAMENTO GREGO

Aristóteles foi um dos principais filósofos gregos e de todo o ocidente. Sua visão sobre a justiça, por exemplo, foi de suma importância ao longo dos séculos para o direito e ainda hoje influencia e se constitui como fundamento das concepções dos juristas, sobretudo com o jusnaturalismo.

Antes, porém, de tecermos considerações à ideia de justiça e de seus desdobramentos jurídicos, cumpre-nos analisar os sistemas de governo de acordo com o

7 DALLARI, Dalmo de Abreu. Ob. Cit. São Paulo: Editora Saraiva, 1995, p. 54.

8 CICCO, Cláudio de. História do Pensamento Jurídico e Filosofia do Direito. São Paulo: Editora

(20)

pensamento de Aristóteles, para então chegarmos aos seus conceitos de justiça e de direito inseridos nestas formas estatais.

A doutrina de Aristóteles centra a cidade como sendo uma associação de pessoas reunidas, motivo pelo qual a sua origem inicia-se dentro das próprias famílias e conforme se expande vai se configurando de outras maneiras, como as aldeias, até chegar ao seu fim que é a Pólis.

Importante mencionar que todo e qualquer agrupamento que vise a constituição de uma cidade, na doutrina aristotélica, deve ter teleologicamente a visão voltada para o bem comum ou, caso contrário, não haveria porque os cidadãos se reunirem em torno de ideais que não sejam estes, já que estariam perdendo suas virtudes em algo sem sentido.

A comunidade constituída a partir de vários povoados é a cidade definitiva, após atingir o ponto de uma auto-suficiência praticamente completa; assim, ao mesmo tempo que já têm condições para assegurar a vida de seus membros, ela passa a existir também para lhes proporcionar uma vida melhor. Toda cidade, portanto, existe naturalmente, da mesma forma que as primeiras comunidades; aquela é o estágio final destas, pois a natureza de uma coisa é o seu estágio final, porquanto o que cada coisa é quando o seu crescimento se completa nós chamamos de natureza de cada coisa, quer falemos de um homem, de um cavalo ou de uma família. Mais ainda: o objetivo para o qual cada coisa foi criada – sua finalidade – é o que há de melhor para ela, e a auto-suficiência é uma finalidade e o que há de melhor.9

Por isso Aristóteles considera que existe nos homens certa tendência de reunião, de modo a constituir e formar a família, o povoado e por fim a cidade (Pólis), pois esta seria o bem maior procurado pelos homens e, portanto, a finalidade última de sua necessidade de reunião em agrupamentos, de modo a propiciar a vida em torno (e em busca) do bem-comum, primeiro entre os seus (nas famílias), depois entre os próximos (nos povoados) e estendendo-se para os grupos maiores (Cidades-Estados).10

Ainda que estes homens não queiram e não necessitem de ajuda mútua, ainda assim desejam viver unidos. Esta é a finalidade dos homens reunidos em prol de algo

9 ARISTÓTELES. Política. Tradução de Mario da Gama Kury. Brasília: Editora Universidade de Brasília,

1985, p. 15.

10 Neste sentido: “Mesmo que os homens não necessitem de assistência mútua, ainda assim eles desejam

viver juntos. Ao mesmo tempo eles são levados a reunir-se por terem interesses comuns, na medida em que cada um deles pode participar de uma vida melhor. É este, então, o principal objetivo de todos e de cada um em separado na vida comunitária, mas os homens se reúnem e mantém a comunidade política apenas para viver, pois há certamente algo de bom no simples fato de estar vivo, desde que a vida não seja sobrecarregada de males penosos demais para serem suportados (é evidente que os homens em sua imensa maioria se apegam à vida ainda que tenham de enfrentar muitos infortúnios, como se ela contivesse em si mesma um certo encanto e doçura inerentes à sua própria natureza).” (ARISTÓTELES.

(21)

maior. A base da sociedade, contudo, está na justiça e na administração da mesma, vez que é ela a responsável por manter a ordem social e, por conseguinte, determinar o que é justo dentre aqueles que formaram a Cidade-Estado. Tal fundamento será indispensável para a compreensão da distribuição de funções de administração da Pólis, pois é a partir das virtudes dos homens que estas se darão.

É neste diapasão que a filosofia aristotélica considera que a cidade é o todo e, por este motivo, é composta de várias partes que unidas formam a cidade. Até mesmo as funções que são distribuídas e classificadas de acordo com sua aplicabilidade são partes integrantes desse todo, de modo que “a cidade é um complexo, no mesmo sentido de qualquer outras coisas que são um todo mas se compõem de muitas partes.”11

Antes disso, todavia, Aristóteles considera de salutar importância definir o conceito daqueles que formarão e ocuparão os cargos na cidade: os cidadãos. Para tanto, busca através das virtudes inerentes aos bons homens considerá-los por sua natureza voltados para o bem-comum e, se assim o são, não podem ter outro desígnio que não aquele pautado nas suas melhores qualidades.

Um cidadão integral pode ser definido por nada mais nem nada menos que pelo direito de administrar justiça e exercer funções públicas. [...] Afirmamos que aquele que tem o direito de participar da função deliberativa ou da judicial é um cidadão da comunidade na qual ele tem este direito, e esta comunidade – uma cidade – é uma multidão de pessoas suficientemente numerosa para assegurar uma vida independente na mesma.12

Temos que cidadão é todo sujeito capaz de participar e fazer política dentro da cidade. Sua atuação se dará naquela comunidade de pessoas como sendo a necessária para a administração e a justiça, ou seja, deliberará e decidirá de acordo com as virtudes inerentes à própria cidade, já que formada por homens (cidadãos) virtuosos. O cidadão administrador é parte fundamental do todo, que é a Cidade-Estado.

Cada cidadão age de acordo com suas virtudes podemos afirmar, então, que age de acordo com sua bondade, pois é esta que fundamenta cada tipo de constituição. Em Aristóteles, cada cidadão é diferente ainda que possua as virtus necessárias para a manutenção e continuidade da cidade e exatamente por este motivo existem vários tipos de constituição.

Aqui devemos entender constituição como formas de governo, de modo que estas se estabelecem e se perpetuam na cidade conforme as virtudes dos cidadãos, sendo

(22)

nestas que elas se fundam. A constituição, por ser a disposição das magistraturas na cidade, se torna o governo estabelecido neste lugar.

Uma constituição é o ordenamento de uma cidade quanto às suas diversas funções de governo, principalmente a função mais importante de todas. O governo em toda parte detém o poder soberano sobre a cidade e a constituição é o governo. Quero dizer que em cidades democráticas, por exemplo, o povo é soberano, mas nas oligarquias, ao contrário, uns poucos o são, e dizemos que elas têm uma constituição diferente. Usaremos a mesma linguagem a propósito de outras formas de governo.13

Assim, de acordo com as constituições de cada Cidade é que se define como cada função estatal será considerada para o bem comum, já que como anteriormente abordado, toda e qualquer união de homens virtuosos visa um bem maior, que necessariamente deve ser público, pois o bem privado e individualista que não visa a Pólis e por conseguinte o todo é uma forma desvirtuada de constituição.

É a estruturação dessas constituições que determinará se o objetivo é ou não o bem comum e, portanto, se assim são consideradas, estão corretamente estabelecidas, se baseando nos princípios essenciais da justiça e da equidade, fundamentais para a constituição de uma Cidade-Estado.

É óbvio, então que as constituições cujo objetivo é o bem comum são corretamente estruturadas, de conformidade com os princípios essenciais de justiça, enquanto as que visam apenas ao bem dos próprios governantes são todas defeituosas e constituem desvios das constituições corretas; de fato, elas passam a ser despóticas, enquanto a cidade deve ser uma comunidade de homens livres. 14

Tal fato é importante, vez que enquanto aqueles que exercem as funções públicas devem visar o bem comum e aqueles que são governados esperam que assim seja feito; da mesma forma, quando os cargos são exercidos de forma alternada, aqueles que anteriormente eram governados e passam a ser governantes devem visar o bem comum já que, enquanto uns governam, outros são governados e sempre estarão nesta relação e visando o bem comum aos governados enquanto governantes. Quando desejam ficar eternamente nos cargos por conta de vantagens particulares, não estão visando o bem comum e considerar-se-á como a desvirtuação do modelo constitucional perfeito, que é aquele voltado para o bem comum.15

13 ARISTÓTELES. Ob. Cit. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985, p. 89. 14 ARISTÓTELES. Ob. Cit. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985, p. 90.

15 Neste sentido: “Uma vez que constituição significa o mesmo que governo, e o governo é o poder

(23)

Se devemos pensar as formas de governo, devemos também considerar antes de qualquer coisa o que se deve ter como conceito de justiça, pois é a partir deste princípio que será guiado as formas de governo, isto dentro do sistema oligárquico e democrático, duas das formas de desvirtuação das espécies de governo. Tal fato ocorre porque, apesar de se apegarem ao princípio da justiça, não o concebem no todo, mas sempre em parte, na qual lhes convém.

Efetivamente, todos os homens se apegam à justiça, mas só avançam até um certo ponto e não dizem qual é o princípio de justiça absoluta em seu todo. Pensa-se, por exemplo, que justiça é igualdade – e de fato é, embora não o seja para todos, mas somente para aqueles que são iguais entre si; também se pensa que a desigualdade pode ser justa, e de fato pode, embora não para todos, mas somente para aqueles que são desiguais entre si; os defensores dos dois princípios, todavia, omitem a qualificação das pessoas às quais eles se aplicam, e por isto julgam mal; a causa disto é que eles julgam tomando-se a si mesmos como exemplo, e quase sempre se é um mau juiz em causa própria.16

A teoria da Justiça aristotélica baseia-se no direito natural, assim como dos povos de sua época antes das codificações legais iniciadas com Drácon e Sólon na Grécia e a Lei das Doze Tábuas em Roma. A historicidade do direito natural, portanto, consiste na ideia de que o direito dos cidadãos é anterior à própria sociedade, ou seja, os cidadãos possuem direitos porque é natural desde o início que eles o possuam.

da maioria, nos casos em que esta única pessoa, ou as poucas pessoas, ou a maioria, governam tendo em vista o bem comum, estas constituições devem ser forçosamente as corretas; ao contrário, constituem desvios os casos em que o governo é exercido com vistas ao próprio interesse da única pessoa, ou das poucas pessoas, ou da maioria, pois ou se deve dizer que os cidadãos não participam do governo da cidade, ou é necessário que eles realmente participem. [...] Os desvios das constituições mencionadas são a tirania, correspondendo à monarquia, a oligarquia à aristocracia, e a democracia ao governo constitucional; de fato, tirania é a monarquia governando no interesse do monarca, a oligarquia é o governo no interesse dos ricos, e a democracia é o governo no interesse dos pobres, e nenhuma dessas formas governa para o bem de toda a comunidade”. (ARISTÓTELES. Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985, p. 91).

16 ARISTÓTELES. Ob. Cit. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985, p. 91-2.

(24)

A natureza, para Aristóteles, ganha um relevo diferente daquele experimentado e idealizado por Platão, de quem foi discípulo. Enquanto a filosofia platônica centra suas atenções na subdivisão mundana, entre o real e as ideias, traduzido pelo mundo das essências, do qual o mundo aparente é apenas uma imitação, a questão da sobrenatureza ganha contornos importantes para a concepção do direito em Platão, pois é a manifestação do direito positivo com a própria natureza. “Desde então, uma vez que a lei era o lugar privilegiado dessa ‘imitação’, opor-se à lei positiva redundava em opor-se à lei inteligível.”17

De outra via, Aristóteles repensa a teoria de seu mestre, colocando a natureza não como uma realidade separada, e sim como parte integrante de um princípio organizacional. Diferente de Platão, Aristóteles não divide o direito positivo e o natural, mas o coloca como oriundos de um mesmo sistema e integrantes, de igual maneira, da vida em grupo. Esta proposição é importante por salientar que mesmo existindo um direito positivo, também o direito natural permanece com sua aplicabilidade, porém não de forma distinta do direito positivo e sim diretamente ligado a este.

Primeiramente, a filosofia aristotélica classifica e distingue o justo no seu sentido absoluto e o justo no seu sentido político. A concepção de justiça para o filósofo grego é preponderante, pois nela está inserida características outras, como a moral.

O justo no sentido absoluto tem um sentido moral, e é colocado sobre um modelo de proporção geométrica: trata-se de definir uma igualdade de relação. O justo é, pois, o igual. Esse é o justo natural. A redefinição do justo natural faz esperar uma repartição simétrica simples: o direito natural, fundado sobre o justo natural e absoluto, deveria ser oposto a um direito positivo, fundado sobre o justo político.18

Por isso Aristóteles prega a equidade da justiça entre todos os cidadãos, atingindo da mesma maneira a todos sem distinção. Ao diferenciar os tipos de justiça, Aristóteles acaba caindo na mesma divisão entre o direito natural e o direito positivo, de modo que é a partir de sua definição do justo no sentido político que vai se operar não a distinção, mas a articulação estreita entre o direito positivo e o direito natural.

Isto ocorre porque, de acordo com a filosofia aristotélica, o justo político nasce da união do natural com o positivado, ou seja, emprega em seus fundamentos tanto

17 BILLIER; Jean-Cassien; MARYIOLI, Aglaé. História da Filosofia do Direito. São Paulo: Editora

Manole, 2005, p. 80.

(25)

questões pertinentes ao direito natural, como ao direito positivo. Assim Aristóteles resolve o problema da distinção entre ambos ao uní-los quando no justo político.19

O direito natural, portanto, não se atrela àquela concepção tradicional que se liga a um direito universal, comum a todos e na grande maioria das vezes associado pelos gregos à esfera do direito não-escrito. Desta forma, temos a clássica distinção entre o que está devidamente (e legalmente) instituído e aquilo que está não-instituído, o que não significa, de modo algum, que não exista.

Se há por certo uma distinção fundamental, ela conduz ao instituído e ao instituído: o direito natural é por definição não-instituído, ao contrário do direito positivo. Se aceitamos a análise aristotélica de um direito natural concebido como lugar de conversiblidade dos direitos positivos, parece que esse direito deva ser pensado como o “horizonte” dos direitos positivos, ou ainda, para parafrasear Husserl, que os direitos positivos devem ser pensados “sobre o horizonte” do direito natural. Pode-se ainda conceber o direito natural aristotélico como uma “ideia reguladora”, no sentido kantiano, que permite dar sentido aos direitos positivos.20

Tal embate demonstrado por Aristóteles persiste ainda hoje, já que o positivismo jurídico preza pelo legalmente instituído e refuta aquilo que não está instituído, isto é, que não tem previsão legal escrita, pois se assim considerado, não haveria uma origem compreensível e palpável do direito natural.21

19 Neste sentido: “O justo político será, na verdade, em parte natural e em parte legal, quer dizer, positivo.

Estranha proposição: ela firma que a distinção entre direito natural e direito positivo não se passa ao exterior da legislação, mas no interior do justo político, ou seja, do domínio da legislação. Para esclarecer essa definição da articulação positivo/natural, Aristóteles nos convida a pensar o natural como o que tem em todo lugar o mesmo poder, e o positivo, o ‘legal’, como o que é colocado por convenção aqui e ali, e vem, pois, particularizar a justiça natural. As consequências imediatas dessa redefinição da articulação do natural e do positivo são claras: há entre eles apenas uma diferença de grau de generalidade, e não uma oposição radical, e o domínio da legalidade (o positivo, portanto) é a realização do justo natural. O raciocínio aristotélico remete a uma interpretação nova da ideia de natureza: se a natureza física é a mesma em todos os lugares (‘o fogo queima tão bem aqui quanto entre os persas’), a natureza humana é variável e sujeita a uma indeterminação essencial. A esse respeito, a ‘conformidade com a natureza’ não se pode pensar em termos de universalidade, mas antes de variabilidade. Em suma, o direito natural não deve ser compreendido como uma ‘universalidade separada’, sobre o modo platônico de uma supernatureza, mas antes como aquilo que acompanha a variabilidade do humano”. (BILLIER; Jean-Cassien; MARYIOLI, Aglaé. História da Filosofia do Direito. São Paulo: Editora Manole, 2005, pp. 82-3).

20 BILLIER; Jean-Cassien; MARYIOLI, Aglaé. Ob. Cit. São Paulo: Editora Manole, 2005, p. 84.

21 Considera Aristóteles as duas faces do direito (natural e positivo) e as classifica como o “puro

convencionalismo ou puro positivismo jurídico, que nega toda justiça natural, todo direito não-instituído; e a do naturalismo, que toma uma ‘origem’ incompreensível do instituído no não-instituído, ou ainda uma crítica das leis positivas em nome de um princípio separado. Com Aristóteles, é afligida de inanição tanto a redução do justo ao legal como a tentativa de introduzir uma legalidade natural. Permanece, pois, essa estranheza filosófica: um justo natural, mas mutável, e não imutável, e que não é outra coisa senão o que permite pensar o direito positivo como direito. (BILLIER; Jean-Cassien; MARYIOLI, Aglaé. História da

(26)

A política e o justo político devem possuir as qualidades inerentes à sua própria formação no Estado, não sendo uma ciência em si, mas sim uma maneira de suprir a generalidade constante nas leis, devendo observar sobretudo três pressupostos:

O apego à constituição existente, a capacidade de exercer as funções políticas e a virtude, posto que a capacidade política não se confunde com a virtude. Somente a deliberação permitirá compensar as lacunas da lei: a deliberação sobre os casos particulares prolonga a lei e a aperfeiçoa.22

Importante este raciocínio, pois percebemos que Aristóteles considera que a aplicabilidade da lei e as deliberações são essenciais para o prolongamento da mesma e o aperfeiçoamento no sistema jurídico. Em outras palavras, é o trabalho dos juízes e julgadores que faz a lei ser adequada a cada caso, o que não permite o engessamento de entendimento ou, caso contrário, não haveria aperfeiçoamento e sim um modelo estático de legislação, em que a aplicabilidade seria mecânica. Isso ocorre uma vez que a própria divisão do direito é equitativa e até mesmo sua divisão assim é considerada, sempre pautada na visão moral e ética do justo, isto porque a justiça não se distingue da virtude ética, sendo requisito para o homem político.23

Assim, para Aristóteles, o estadista (legislador) deve se atentar à melhor constituição, isto é, a melhor maneira de governo existente para a cidade, observando os modelos já preestabelecidos anteriormente e tendo em mente que este “Estado Ideal” pode não ser real e deve se ater às circunstâncias para identificar no modelo estabelecido de Pólis qual forma se adapta aos interesses comuns dos homens.

Aqui, cabe lembrar que o cidadão grego é todo aquele que está diretamente inserido na política, que é a vida, o escopo da Pólis. Mulheres, crianças e escravos não estavam inseridos na categoria cidadãos. Aristóteles classificou os vários tipos de justiça que deveriam gerir a Pólis grega, amparado no direito natural dos cidadãos,

22 BILLIER; Jean-Cassien; MARYIOLI, Aglaé. Ob. Cit. São Paulo: Editora Manole, 2005, p. 80.

23 Neste sentido: “Certamente, o jurista não é um moralista: ele não saberia tornar o homem justo, no

sentido das disposições interiores que permitissem a este efetuar atos justos. Mas se ele não se pode encarregar da “moralidade subjetiva”, ele é responsável pela justa repartição no seio de uma comunidade política que visa a uma Bem da natureza ético-política. Essa relação particular entre a esfera ético-política e a esfera da legalidade (sobre as quais sugerimos que sejam claramente distintas, mas não radicalmente separadas) é ligada à ideia de que o “bem individual” é submetido ao “bem coletivo” e pode ser descrito como uma regulação ética permanente. O legislador institui uma máquina política, seja por ciração, seja por retificação de um sistema já existente, e essa máquina será auto-regulada por um “feedback ético”: não somente a felicidade e a virtude dis cidadãos serão a prova de que o sistema político é excelente, mas são os efeitos éticos do funcionamento da máquina política que deverão dar informações ao legislador para modelar e modificar esse funcionamento.” (BILLIER; Jean-Cassien; MARYIOLI, Aglaé. História

(27)

sendo quatro tipos inicialmente: distributiva, corretiva, política e doméstica. A justiça política, pela sua amplitude, acaba por conceber outras duas formas: legal e natural.

Antes, porém, Aristóteles considera importante diferenciar o justo do injusto, já que é a partir dessa diferenciação que a justiça será devidamente aplicada, tanto àqueles que infringem a lei como àqueles que possuem o direito por esta infração.24

Segundo o filósofo, a Justiça Distributiva é o conceito de que cada um deve receber de acordo com o que é justo25. É uma proporção de que o governo deve reservar para que ela aconteça e que cada cidadão não seja prejudicado pela aplicação da justiça.

Neste tipo de justiça temos que todos os verdadeiros cidadãos da Pólis recebem, de maneira justa e de acordo com sua posição, aquilo que de direito o Estado lhes deve, isto é, bens, honrarias e cargos, mas também se refere à distribuição de responsabilidades acerca do funcionamento da Pólis, como deveres e impostos.

Uma das espécies de justiça em sentido estrito e do que é justo na acepção que lhe corresponde, é a que se manifesta na distribuição de funções elevadas de governo, ou de dinheiro, ou das outras coisas que devem ser divididas entre os cidadãos que compartilham dos benefícios outorgados pela constituição da cidade, pois em tais coisas uma pessoa pode ter participação desigual ou igual à de outra pessoa.26

Desta forma, a justiça distributiva é aquela na qual haverá, ao menos, um sujeito e um objeto; este sujeito receberá de acordo com o que lhe é de direito e de justiça um proporcional deste mesmo objeto e qualquer coisa além ou menor do que se deve distribuir-lhe será considerado injusto.

Nesta modalidade temos que as virtudes de cada cidadão devem ser levadas em consideração, vez que é a partir delas que se saberá o quanto será distribuído a este ou àquele e, como boa parte da doutrina aristotélica, esta divisão deve estar de acordo, ser

24 Neste sentido, diz Aristóteles: “O termo injusto se aplica tanto às pessoas que infringem a lei quanto às

pessoas ambiciosas (no sentido de quererem mais do que aquilo a que têm direito) e iníquas, de tal forma que as cumpridoras da lei e as pessoas corretas serão justas. O justo, então, é aquilo conforme à lei e correto, e o injusto é o ilegal e iníquo”. (ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996, p. 194).

25 Para Aristóteles, o justo é o igual, sendo este um meio termo entre o desigual por excesso e por falta.

Segundo o professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior: “Com efeito, argumenta Aristóteles, o justo corresponde ao igual. Mas o igual é um meio termo entre o desigual por excesso e por falta. O justo, pois, é um certo meio. Por outro lado, o igual supõe ao menos dois termos entre os quais se dá a relação de igualdade. Segue-se, necessariamente, que o justo, correspondendo à igualdade, é um meio relativo, isto é, ele é entre dois sujeitos ao mesmo tempo. Mas, posto que, enquanto meio, supõe o justo dois extremos (o mais ou menos), enquanto igual supõe ele duas coisas (que sejam iguais). O justo implica, pois, ao menos quatro termos: os sujeitos (dois) para os quais ele existe e as coisas (duas também) nas quais ele se manifesta”. (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito: Reflexões Sobre o

Poder, a Liberdade, a Justiça e o Direito. São Paulo: Editora Atlas, 2ª Edição, 2003, pp. 185-6).

(28)

justa, não apenas com o cidadão que recebe, mas com os demais membros da Pólis, isto porque seu destino, sua finalidade, é o bem comum.

O justo nesta acepção é, portanto o proporcional, e o injusto é o que viola a proporcionalidade. Neste último caso, um quinhão se torna muito grande e outro muito pequeno, como realmente acontece na prática, pois a pessoa que age injustamente fica com um quinhão muito grande do que é bom e a pessoa que é tratada injustamente fica com um quinhão muito pequeno. No caso do mal o inverso é verdadeiro, pois o mal maior, já que o mal menor deve ser escolhido em preferência ao maior, e o que é digno de escolha é um bem, e o que é mais digno de escolha é um bem ainda maior.27

Desta feita, temos que a forma de distribuição caracterizada pela doutrina aristotélica versa não apenas sobre a participação dos cidadãos nas honrarias da polis, mas também sobre as riquezas que esta possui.

Sendo o cidadão membro efetivo do corpo político, não pode caber-lhe apenas as honras sem os bônus advindos de sua participação, devendo também partilhar das riquezas, em conjunto com os demais cidadãos, daquilo que a polis proporcionava.

A justiça distributiva, além das honras, também diz respeito à distribuição das riquezas e outras vantagens entre os membros da comunidade. O cidadão, na Grécia antiga, era considerado um “acionista” da pólis e participava, assim, proporcional e diretamente, dos seus benefícios.28

Por sua vez, a Justiça Corretiva é a forma que a Pólis possui para punir, de acordo com a lei, sem que o juiz fuja dos preceitos legais que o cercam, não podendo deliberar da maneira que melhor lhe convém. É assim que o juiz não fere o Direito Natural e do bem geral inerente à Pólis, e por isso, não causa injustiças aos cidadãos.

Em outras palavras, a justiça corretiva é aquela que corrige as injustiças causadas, procurando restabelecer o equílibrio quebrado entre particulares e visando, com isso, a equidade aritmética como finalidade última.

Essa justiça é a que desempenha função corretiva nas relações entre as pessoas. Esta última se subdivide em duas: algumas relações são voluntárias e outras são involuntárias; são voluntárias a venda, a compra, o empréstimo a juros, o penhor, o empréstimo sem juros, o depósito e a locação (estas relações são chamadas voluntárias porque sua origem é voluntária); das involuntárias, algumas são sub-reptícias (como o furto, o adultério, o envenamento, o lenocínio, o desvio de escravos, o assassino traiçoeiro, o falso testmunho), e outras são

27 ARISTÓTELES. Ob. Cit. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996, p. 199.

28 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito: Reflexões Sobre o Poder, a

(29)

violentas, como o assalto, a prisão, o homicídio, o roubo, a mutilação, a injúria e o ultraje.29

Como podemos perceber, a justiça corretiva atinge tanto a matéria patrimonial do sujeito, como também sua honra, sua personalidade. Em Aristóteles vemos, pois, o que se consagra nos Romanos e ainda hoje temos: a justiça corretiva como maneira de restabelecer a ordem pela transgressão de um dano material ou moral.

A terceira forma concebida por Aristóteles é a Justiça Política, sendo ela a mais importante do ponto de vista do filósofo grego, porque a mesma está intrinsecamente ligada à Pólis, ou seja, a todos os cidadãos gregos indistintamente, aplicando-se no âmbito das relações entre esses sujeitos conforme o seu status quo.

Ela se apresenta entre as pessoas que vivem juntas com o objetivo de assegurar a auto-suficiência do grupo – pessoas livres e proporcionalmente ou aritmeticamente iguais. Logo, entre pessoas que não se enquadram nesta condição não há justiça política, e sim a justiça em um sentido especial e por analogia.30

É a medida de que o bem da Pólis, de todos os cidadãos, é mais importante do que o particular ou a prevalência de pequenos grupos. Esta é a personificação da justiça daquilo que Aristóteles concebeu como a própria Política na vida do cidadão, isto é, a busca incansável pelo bem comum acima do particular.

É neste ponto da Política que Aristóteles prossegue com uma forma de exclusão, já que a justiça política está diretamente ligada apenas aos cidadãos, sem inserir neste contexto mulheres, crianças, estrangeiros, escravos e todos os que não são livres, de modo que estes são atingidos indiretamente por esta justiça.

Cumpre ainda colocar as duas formas amplas de justiça na qual a política se encaixa: são as formas de justiça legal e de justiça natural, no já mencionado embate entre o direito natural e o direito positivado, de modo que a justiça política se insere em ambos os campos, sendo em parte natural e em parte legal.

A justiça política é em parte natural e em parte legal; são naturais as coisas que em todos os lugares têm a mesma força e não dependem de as aceitarmos ou não, e é legal aquilo que a princípio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra, mas depois de determinado já não é indiferente.31

(30)

Como bem sabemos, a justiça legal é aquela que tem fundamento na lei criada pelo legislador, possuindo força não natural e lastreada na convenção, sendo a vontade emanada do ato Legislativo soberana, pois fundada no consenso dos cidadãos. Já a justiça natural é aquela não fundada na convenção dos cidadãos ou elaborada pelos legisladores de determinada cidade, mas aquelas provenientes de algo maior e universal, com aplicabilidade a qualquer um.

Por fim, concebe a Justiça Doméstica, que é a forma de justiça reservada para as mulheres, crianças e escravos na Grécia Antiga no âmbito da casa. Embora não fossem consideradas escravas, as mulheres e crianças também não eram consideradas cidadãs, ficando em um meio termo, com um tipo de justiça particular.

A justiça do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho não são iguais à justiça política, embora se lhe assemelhem; na realidade, não pode haver injustiça no sentido irrestrito em relação a coisas que nos pertencem, mas os escravos de um homem, e seus filhos até uma certa idade em que se tornam independentes, são por assim dizer partes deste homem, e ninguém faz mal a si mesmo (por esta razão uma pessoa não pode ser injusta em relação a si mesma).32

Não podendo haver injustiça em nenhum grau na concepção de Aristóteles, temos que a justiça doméstica é aquela na qual o cidadão (inserido na Justiça Política) pratica a justiça dentro de sua casa. Essa ideia tem por base o que já estudamos acerca dos primeiros grupos que se reuniam em suas casas e depois em prol de um bem maior, formando as cidades. Fustel de Coulanges bem trabalha essa questão.

Portanto, a justiça é uma virtude geral e independente de seu gênero (distributiva, corretiva, política ou doméstica) e de sua forma (legal ou natural). Ela existe e abarca todas as pessoas, cidadãos ou não da Pólis.33

Assim, a justiça nasce da relação do individual com o universal, isto é, das ações e virtudes de cada cidadão isoladamente na Pólis e a junção de todas essas ações e virtudes que levam ao bem comum protegido pelas ações dos cidadãos em conjunto, formando a justiça, considerada a maior das virtudes, até porque reúne todas as melhores virtudes dos cidadãos em uma.

32 ARISTÓTELES. Ob. Cit. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996, p. 205.

33 Neste sentido: “Em geral, a maioria das disposições legais estão constituídas por prescrições da virtude

total, porque a lei manda viver de acordo com todas as virtudes e proíbe que se viva de conformidade com todos os vícios. E, das disposições legais, servem para produzir a virtude total todas aquelas estabelecidas sobre a educação para a vida em comunidade. Assim, a lei esgota o domínio ético do cidadão, sendo, por isso, a medida objetiva da justiça no seu mencionado sentido. A justiça geral consiste, pois, no cumprimento da lei. Inversamente, a injustiça total é a sua violação”. (ARISTÓTELES. Ética à

(31)

A justiça (e seu corretivo, a equidade, que a adapta aos casos particulares), é, por excelência, articulação do individual com o universal; virtude das relações humanas, ela harmoniza todas as outras virtudes em função do bem comum, pois o homem justo sempre e em toda parte faz o que se deve fazer e portanto extrai o melhor de todas as outras virtudes.34

Essas delimitações são importantes, pois influem no modo como Aristóteles pensará um modelo político para a Pólis assentado na forma com que as relações sociais são estabelecidas, isto é, na exteriorização das virtudes dos cidadãos reunidos em prol da Pólis e de todo o seu bem público que chega, por conseguinte, à justiça.

O legislador e estadista devem conhecer todas as formas de constituições e de possibilidades existentes a partir da análise do fenômeno que se apresenta à sua frente. De acordo com as necessidades da Pólis deve saber discernir qual o melhor modelo constitucional para ser aplicado ao caso concreto, o que leva, consequentemente, ao dever de saber quais as melhores leis existentes para este Estado, seja um novo surgindo deste momento em diante seja um que já existe e que pode ser melhorado.

Não se deve ignorar as diferenças entre as constituições, quantas são elas e as combinações possíveis entre elas. Depois disso deve ser usado o mesmo discernimento para distinguir as melhores leis e as adequadas a cada forma de constituição, pois as leis devem ser feitas, e todos as fazem, para adequar-se às constituições, e não as constituições para adequar-se às leis; com efeito, a constituição é a ordenação das funções de governo nas cidades quanto à maneira de sua distribuição, e à definição do poder supremo nas mesmas e do objetivo de cada comunidades; as leis, porém, distinguem-se dos princípios da constituição, e regulam a forma do exercício do poder pelos altos funcionários e a maneira de eles impedirem que elas sejam descumpridas.35

Conhecendo as disposições da Pólis, é possível estabelecer as demais funções inerentes à constituição do Estado, quais sejam, saber e estabelecer como se executam as leis, como se julga através destas e como se delibera para o seu surgimento.

Assim, temos que as primeiras bases teóricas para uma concepção de “Tripartição de Poderes” foram lançadas justamente por Aristóteles, em que vislumbrava a existência de três funções distintas exercidas pelo poder soberano, quais sejam: a função de editar as normas; a função de aplicar as normas ao caso concreto; e a função de julgamento, dirimindo os conflitos oriundos da execução das normas.

34 BARAQUIN, Noëlla; Jacqueline Laffitte. Dicionário Universitário dos Filósofos. São Paulo: Editora

Martins Fontes, 2007, pp. 18-9.

Referências

Documentos relacionados

Segundos os dados analisados, os artigos sobre Contabilidade e Mercado de Capital, Educação e Pesquisa Contábil, Contabilidade Gerencial e Contabilidade Socioambiental

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

Dessa forma, os níveis de pressão sonora equivalente dos gabinetes dos professores, para o período diurno, para a condição de medição – portas e janelas abertas e equipamentos

O valor da reputação dos pseudônimos é igual a 0,8 devido aos fal- sos positivos do mecanismo auxiliar, que acabam por fazer com que a reputação mesmo dos usuários que enviam

O IPCB “valoriza a atividade do seu pessoal docente, investigador e não docente, estimula a formação intelectual e profissional dos seus estudantes e diplomados,

O presente artigo se propôs a estabelecer as bases fundamentais do Direito & Literatura e, a partir delas, examinar relevantes aspectos da obra literária “1984” de

Το αν αυτό είναι αποτέλεσμα περσικής χοντροκεφαλιάς και της έπαρσης του Μιθραδάτη, που επεχείρησε να το πράξει με ένα γεωγραφικό εμπόδιο (γέφυρα σε φαράγγι) πίσω

São por demais conhecidas as dificuldades de se incorporar a Amazônia à dinâmica de desenvolvimento nacional, ora por culpa do modelo estabelecido, ora pela falta de tecnologia ou