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2. O E STADO B RASILEIRO E AS D ECISÕES V INCULANTES

2.4 B RASIL R EPÚBLICA

Desde sua formação a República conviveu com os mais diversos tipos de mentalidades na busca pelo poder. Esse choque de ideologias, normal em toda e qualquer sociedade, não foi assim considerado no Estado Brasileiro, que mantinha sua sociedade estratificada e as ideologias pautadas na busca do melhor interesse das classes dominantes e da manutenção de seu status quo.

Sua causa encontra-se na própria sociedade e na sua mentalidade. Como vimos, as dificuldades de inserção de novas ideologias foi extremamente complicada no período Imperial, em que as classes dominantes, desejosas do poder e da manutenção dos seus privilégios, freava todos e qualquer movimento no sentido de mudanças.

A modernização decorrente da industrialização , no entanto, esbarrava com a viva reação dos principais interessados na manutenção do statu

quo ante da economia agrária, escravocrata, patriarcal. Como são eles os líderes locais, cuja voz chega ao Parlamento, entende-se a forte corrente oposta a qualquer mudança legislativa em matéria de propriedade, família e sucessões.236

A posição social das classes dominantes do Império passou também pela República, até mesmo porque as oligarquias que predominavam desde a colônia, continuaram a se fazer presentes nos cenários Imperial e Republicano, tornando o ambiente político volátil.

235 HOBSBAWM, Eric. Nações e Nacionalismo Desde 1780: Programa, mito e realidade. São Paulo:

Editora Saraiva de Bolso, 2011, p. 29.

Esta instabilidade política e ideológica criou por vezes ambientes hostis, levando o governo a decretar, por inúmeras vezes, o estado de sítio em todo o território nacional, sempre tendo como intuito conter os ânimos e manter a ordem.

A bem da verdade, durante toda a Primeira República (1889-1930) poucas foram às vezes em que não houve o estado de exceção decretado, seja pelas revoltas monarquistas no início da República, seja pelo clamor popular ou o “terror do comunismo”; de alguma forma, justificava-se o uso do estado de sítio para apaziguar os ânimos e retomar a ordem.

A primeira Constituição Republicana trouxe consigo uma série de mudanças na legislação acerca do processo e julgamento das lides, o que influiu decisivamente na extinção dos assentos portugueses, visto que não guardavam mais relação com o novo modelo instituído.

Com a primeira Constituição Republicana, em 1891, adveio a dualidade das Justiças – Federal e Estadual (art. 34, n. 26), e também a dualidade processos (art. 34, n. 23), já que cada Estado ficava autorizado a legislar sobre processo e organizar sua justiça. Paralelamente, findou-se a aplicação dos assentos portugueses em nosso país, o que bem se compreende, já que a Constituição Republicana previra outro modus procedendi para se alcançar o ideal da uniformidade jurisprudencial, dispondo no art. 59, § 2º, que “nos casos em que houver de aplicar as leis dos Estados, a Justiça Federal consultará a jurisprudência dos tribunais locais e vice-versa, as justiças dos Estados consultarão a jurisprudência dos tribunais federais, quando houverem de interpretar as leis da União”.237

Tomado os assentos como obsoletos, a nova carta procurou, contudo, uniformizar a jurisprudência de modo a alcançar maior efetividade da justiça na aplicação do direito aos casos análogos.

Ainda, quando da Proclamação da República surgiu a dúvida sobre qual fim dar ao Poder Moderador. A resposta foi simples e rápida: imputar no Executivo todas as atribuições antes pertinentes ao Imperador, mas não de forma explícita em um dos Artigos ou Sessões da Constituição Republicana de 1891 e sim de maneira implícita, sem deixar que os demais poderes se sentissem “subjulgados”.

A prática, porém, mostrou justamente o contrário e o Executivo se colocou acima dos demais e subjugou-os, sobretudo o Judiciário, que viu cada vez mais sua atuação sendo diminuída e a importância de seus atos relevados.

237 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ob. Cit. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pp. 224-

Apesar de não existir mais o Poder Moderador, o Presidente, herdeiro desse poder absoluto, estava um pouquinho acima da lei e dos demais poderes: o que estava escrito no papel da nova Constituição não era suficiente para garantir o equilíbrio entre Executivo, Legislativo e Judiciário.238

O transplante realizado pelo Executivo em tomar para si, ainda que sem nenhuma determinação constitucional, as atribuições do Poder Moderador, não foi nenhuma novidade, já que os moldes estatais brasileiros sempre se propuseram a seguir as bases estrangeiras, principalmente europeias, no que houve uma total modificação para o enquadramento na realidade nacional, ou seja, todo e qualquer modelo não poderia interferir no já estratificado quadro social disposto no país.

Ainda nos primórdios da República, as instituições pretorianas, bem conhecidas e trabalhadas pelo Direito Romano, foram transpassadas ao direito brasileiro. O continuísmo jurídico é confirmado, da mesma forma em que ocorreu com o Código Civil (de 1916 e de 2002) e muitas outras criações jurídicas constantes dos institutos romanísticos.

O Decreto nº 1.030, de 14 de novembro de 1890239, véspera de aniversário de um ano da República, foi publicado na Sala das Sessões do Governo Provisório, tendo sido assinada pelo Presidente Manoel Deodoro da Fonseca e por seu Ministro da Justiça Manuel Ferraz de Campos Sales (posteriormente eleito o 4º Presidente da República, entre os anos de 1898 e 1902, após a entrega do poder à sociedade civil pelos militares).

A força legal do Decreto tinha por intuito organizar a Justiça no âmbito do Distrito Federal, de modo que as pretorias foram designadas para atender somente à Capital da República.240

238 ANDREUCCI, Álvaro Gonçalves Antunes. Ob. Cit. Dissertação de Doutorado. São Paulo: Faculdade

de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), 2007, p. 79.

239 BRASIL. Decreto 1.030, de 14 de novembro de 1890. Fonte: Câmara dos Deputados.

Organiza a Justiça no Districto Federal.

O Generalissimo Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil, constituido pelo Exercito e Armada, em nome da Nação, tendo ouvido o Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Justiça, resolve decretar a lei seguinte:

Organização da Justiça no Districto Federal

240 BRASIL. Ob. Cit. 14 de novembro de 1890. Fonte: Câmara dos Deputados.

Dispõe o Decreto 1.030, de 14 de novembro de 1890:

Art. 1º A Justiça civil e penal é distribuida no Districto Federal pelas seguintes autoridades: Pretores;

Juntas correccionaes;

Juizo dos Feitos da Fazenda Municipal; Tribunal civil e criminal;

Os pretores foram divididos de acordo com as circunscrições, que se subdividiam em urbana e suburbanas, correspondendo às vinte e uma freguesias do Distrito Federal (até então localizado no Rio de Janeiro), devendo cada pretor residir na circunscrição em que fora eleito.

Tal qual em Roma, em que os pretores eram divididos de acordo com a área e com o tipo de conflito, no Brasil Republicano o mesmo ocorreu, de modo que cada qual era responsável por uma das 21 circunscrições do Distrito Federal, no Rio de Janeiro.

Os pretores eram escolhidos, de acordo com o Art. 16, dentre os cidadãos brasileiros e com formação em direito241. Apesar de parecer uma regra evidente, um fato na República pode evidenciar a necessidade de especificar a formação para o cargo. Cândido Barata Ribeiro, médico baiano, chegou a ocupar em 25 de novembro de 1893 a cadeira vaga em decorrência do falecimento do Barão de Sobral, permanecendo no cargo por dez meses, até o Senado negar sua aprovação em 24 de setembro de 1894, por falta de notório saber jurídico.242

Outra característica dos pretores romanos e que foi mantida no Brasil está relacionada à sua eleição, já que ficavam no cargo por um período de quatro anos, quando não vitalícios, passando à vitaliciedade após esse período, ganhando prerrogativas do cargo, de acordo com o Art. 17:

Art. 17. O pretor que não for nomeado dentre os magistrados vitalicios, o será por quatro annos, durante os quaes é inamovivel, e só perde o logar por sentença, ou a seu pedido; e, findo o quatriennio, póde ser reconduzido com titulo de vitaliciedade.243

Contudo, a principal parte do Decreto está na jurisdição ao qual o pretor estava relacionado, bem como sua competência de julgamento nas áreas cível e criminal, de acordo com as especificidades dos casos. Tais dispositivos estão presentes no Título II, Capítulo I, entre os Arts. 49 e 51.

241 BRASIL. Ob. Cit. 14 de novembro de 1890. Fonte: Câmara dos Deputados.

Art. 16. Só pode ser nomeado pretor o cidadão brazileiro que for graduado em direito, e provar haver bem exercido, durante dous annos, pelo menos, a judicatura, o ministerio publico ou a advocacia, preferindo o que tiver titulo de exame ou habilitação.

242 Sobre o tema: Em decreto de 23 de outubro de 1893, foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal

Federal, preenchendo a vaga ocorrida com o falecimento do Barão de Sobral; tomou posse em 25 de novembro seguinte.

Submetida a nomeação ao Senado da República, este, em sessão secreta de 24 de setembro de 1894, negou a aprovação, com base em Parecer da Comissão de Justiça e Legislação, que considerou desatendido o requisito de “notável saber jurídico” (DCN de 25 de setembro de 1894, p. 1156). Em consequência, Barata Ribeiro deixou o exercício do cargo de Ministro em 24 do referido mês de setembro. Fonte: STF.

O pretor também era o Presidente das Juntas Correcionais, cabendo à ele desempenhar alguns outros atos que na atualidade são desempenhados pelos auxiliares da justiça, tais como oficiais de justiça, peritos e escrivães, além da própria função de julgamento da lide.

Os pretores tinham, assim, não apenas poderes administrativos, como também responsabilidade de julgamento e cuidados com os trâmites do processo, respeitando sempre sua jurisdição definida pela própria lei.

A característica mais marcante dos pretores romanos não ficou de lado no Brasil. Eis que a afixação do edital na porta da Pretoria foi instituída aos pretores brasileiros, tal qual com seus antecessores romanos.

Art. 114. Os pretores affixam tambem uma cópia do edital da convocação e participam ao juiz presidente, antes do dia da reunião, as notificação feitas.

[...]

Art. 149. Cada Pretoria, camara e conselho organiza annualmente os mappas estatisticos dos seus trabalhos judiciaes, e o presidente da Côrte de Appellação, recebendo-os, manda organizar o mappa geral, e o remette ao Governo com um relatorio circumstanciado do estado da administração da Justiça, mencionando as duvidas e lacunas encontradas na execução das leis.244

A vinculação decisória fica clara nestes dois artigos supracitados. Inclusive, assim como em Roma, os pretores brasileiros anexavam os editais na porta das Pretorias, de modo a cientificar a todos os cidadãos as determinações constantes para a aquela circunscrição.

Este é um exemplo claro não apenas do continuísmo das instituições jurídicas brasileiras, como também um claro indício de utilização de modelos arcaicos já abandonados, mas que por força da influência romana no direito português foi retomado como solução aos problemas.

Os juízes, atralados à estratificação legal pelos julgados, tornavam-se meros servos da burocracia estatal, que tinha como pressuposto a dominação pela racionalização dos procedimentos burocráticos do Estado, isto é, a complexidade e o alcance geral das ações racionalmente ordenadas sobre os indivíduos facilitou a dominação do Estado sob seu jugo.

A racionalização, indispensável para a implantação e funcionamento da dominação burocrática, impessoal, só se torna possível como legalismo e com a rígida compreensão objetiva da hermenêutica como uma análise gramatical ou sistêmica dos termos da lei, aplicando-a ao

caso proposto a julgamento perante um funcionário do Estado, o juiz, que, nessa ótica, age exatamente, embora em grau superior, como qualquer outro representante do Estado, a distribuir protocolos carimbados em seu guichê...245

Não obstante, é um fato consumado que a corrupção do Império passou às instituições republicanas da mesma forma que o Poder Moderador se transplantou direto para o Executivo. Os escândalos noticiados pela imprensa e que chegavam ao STF foram por vezes ignorados, sem que se houvesse uma punição, como ocorriam com as fraudes eleitorais e os votos de cabresto, demonstrando o amplo domínio pelas oligarquias cafeeiras de São Paulo e leiteiras de Minas Gerais.246

O conflito entre o Executivo e o Judiciário não se deu somente no plano ideológico, com os constantes entraves e recorrentes discussões acerca da delimitação de funções. A análise jurisprudencial é importante fator histórico deste período e denota todas as tensões que envolviam as disputas de poder pelas oligarquias e os embates que tais guerras causavam no âmbito legal.

Dentre os principais problemas está a questão do já citado estado de sítio, sob o qual esteve toda a Primeira República (1889-1930). Os atos do Executivo, na sua maioria das vezes, confrontava a atribuição constitucional conferida pela Carta de 1891 para regulação do Estado. O embate era evidente e foi por vezes alvo de discussões no Congresso e até mesmo na sociedade, através da imprensa.

Segundo informações da Biblioteca do Congresso Nacional, entre 1889 (Proclamação da República) e 1930 (Golpe de Vargas) foram encontrados 144 (cento e quarenta e quatro) decretos que, de alguma forma, aludem ao estado de sítio, sendo a maioria deles emanados do Executivo e alguns do Legislativo.247

Os julgamentos ganhavam ares de afirmação quando o Supremo Tribunal Federal, figura central do Judiciário nacional, passou a firmar posicionamento sobre

245 CICCO, Cláudio de. Ob. Cit. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 302.

246 Neste sentido: “A oligarquia cafeeira, como detentora dos maiores poderes políticos no período

imperial e no republicano, é responsável por algumas das deformações mais profundas da sociedade brasileira. A principal delas decorre de sua permanente disputa com o Estado pela apropriação da renda nacional, da sua arraigada discriminação contra os negros escravos ou forros e contra os núcleos caipiras que lhe resistiam, bem como contra as massas pobres que cresciam nas cidades. Nessa disputa e nessa discriminação senhorial é que devem ser procuradas as razões pelas quais o Brasil se atrasou tão gritantemente em relação aos demais países latino-americanos e a qualquer outro povo do mesmo nível de desenvolvimento, tanto na abolição da escravatura como na imposição ao Estado da obrigação de assegurar educação primária à população e na extensão aos trabalhadores rurais dos direitos de sindicalização e de greve”. (RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro – A Formação e o Sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2ª Reimpressão, 2007, p. 364).

muitos atos que antes eram tidos como excluídos da competência de julgamento, já que imbuídos do “Poder Moderador” do Executivo.

O respeito a estas atribuições constitucionais de cada órgão, contudo, é que parecia não estar tão delimitado, especialmente quando analisado o Executivo frente aos demais órgãos da União. Em todos os períodos da história brasileira, de alguma forma, o Poder Moderador, seja com essa nomenclatura ou não, passou pelo Executivo, em alguns pontos mais e em outros menos, prevalecendo sua superioridade e atendendo à classe dominante.

A Constituição Federal de 1891 estabeleceu (ou tentou) o Estado brasileiro nos moldes republicanos e foi influenciada pela sua antecessora, de modo que muitos dispositivos que serviam somente para o Império continuaram na República, o que também não se mostra como nenhuma novidade, uma vez que, conforme já analisado, todo o direito brasileiro decorre de uma linha sucessória imaginária que passa pelas Ordenações, pelo direito visigótico, canônico, germânico e romano.

Uma significativa alteração ocorreu na forma de configuração do Estado, deixando de ser um Estado unitário centrado na figura do imperador, para se constituir como uma federação, na qual os Estados-membros possuiriam seus representantes nas três funções de governo.

Dominando o poder, os presidentes implementaram políticas que beneficiaram o setor que os apoiava. Assim, criou-se a política do café com leite, que elegia presidentes de São Paulo e Minas Gerais, os Estados mais ricos na época e que dominavam o cenário político República. Tal política sofreu duras críticas de empresários ligados à indústria, que estava em expansão neste período.248

Os ideais conflitantes e as divergências ideológicas hoje são consideradas não apenas normais, como também saudáveis à sobrevivência da república e da democracia, mas a fase de transição entre o fim do Império e o começo da República foi extremamente conturbada, principalmente pelo domínio aristocrático dos cafeicultores, os mesmos que tentaram na Constituição Imperial tirar os poderes do Imperador, permitir alguns direitos individuais e ao mesmo tempo manter seu status.

O governo provisório instaurado quando da queda do Império foi encabeçado pelos militares, para depois então realizar a transição civil. Foi neste momento que o

248 CICCO, Cláudio de; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Ob. Cit. São Paulo: Editora Revista dos

então presidente, Marechal Deodoro da Fonseca, convoca a constituinte para elaboração de nova Carta Política.

O governo provisório do Marechal Deodoro da Fonseca teve a missão de legislar a Carta Política da época. Em 1890, foi nomeada uma constituinte encarregada de elaborar um projeto de Constituição. O resultado deste trabalho foram três projetos, revistos por Rui Barbosa, influenciado pelo modelo norte-americano presidencialista, federativo, bicameral e com a tripartição dos Poderes, que consistiram no texto final da Constituição promulgada em 1891.249

De uma maneira geral, percebe-se que a Primeira República vivia afundada na instabilidade de suas instituições, em que a grande maioria delas continuava com resquícios dos velhos ideais imperiais conservadores.

Esta Constituição, a primeira republicana, teve como escopo assegurar a manutenção do mesmo status quo agrícola perpetuado desde a Colônia, com o domínio dos latifundiários de São Paulo e Minas Gerais, mas agora sem o Imperador tentando ficar acima de seus interesses políticos.

A República sobrevivia da arbitrariedade do Estado, que transparecia em seus atos a fraqueza de suas instituições e do engajamento destas na luta pelo poder, já que tudo girava em torno de quem detinha o poder e, consequentemente, de quem ficaria com este ao ser eleito presidente.

A República não formaria partidos políticos. Apenas republicanos formados na propaganda ocupavam as lideranças, nas vagas deixadas pelos homens do Império. Aos donatários das Províncias monarquistas haviam sucedido primeiros os militares da confiança de Deodoro; depois de oligarcas consolidados pela política dos governadores. Houve mudanças de pessoas, mas não de processos. Ainda é Rui que escreve: “A verdade é que neste regime não existem as oposições, não existem os partidos, não existe a ação política, nem organizada nem popular, não existe nada senão o mecanismo oficial da administração do Governo, destinado a frustrar, a iludir os eleitores do país.”250

Ao longo da história da Primeira República, muitas foram às vezes que os atos do Executivo ficaram acima do julgamento do STF, mesmo que tais atos implicassem na violação de garantias constitucionais ou na usurpação de prerrogativas, quando cabia ao Executivo tanto a sua função típica, como a dos demais órgãos.

249 CICCO, Cláudio de; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Ob. Cit. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 4ª Edição, 2012, p. 122.

250 SILVA, Hélio. História da República Brasileira – O Levante da Escola Militar (1920-1922).

Sobrepondo-se aos demais Órgãos, o Executivo criava um ambiente hostil, em que a constitucionalidade de seus atos era questionada a todo instante pelas instâncias políticas e sociais, que viam no Judiciário um aliado importante para conter os ânimos e os atos contrários à legalidade instituída pela Constituição Republicana de 1891. O STF, por sua vez, começa a desempenhar papel fundamental nos cenários político e jurídico nacional, que serão mais claramente identificados com os eventos futuros da segunda década do Século XX.

Ainda em meio aos conflitos estatais e paralelos da década de 1920, encontramos a edição do Decreto nº 16.273, de 20 de dezembro de 1923, que tinha por escopo organizar a justiça no âmbito do Distrito Federal, inserindo ainda a figura do prejulgado em sua legislação processual, o que posteriormente seria copiado pelos demais Códigos Estaduais de Processo.251

Segundo suas disposições, quando o relator de determinado processo verificar a existência de divergência entre as Câmaras, poderá propor após a revisão da causa, que o julgamento seja realizado em sessão conjunta, de modo que tentava uniformizar a jurisprudência existente nos tribunais, além de possibilitar também a revisão dos julgados dos tribunais.252

O direito, neste período, pode ser visto como uma importante força que impede a