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C ONTRATUALISMO E R EVOLUÇÕES L IBERAIS NO E STADO M ODERNO

O período imediatamente posterior à queda do Império Romano foi por muito tempo chamado de obscuro, quando teoricamente a razão humana deu lugar ao ostracismo focado na religião e seus domínios. A Idade Média ficou por anos conhecida como Idade das Trevas, significação esta já refutada pelos historiadores e pesquisadores do período.

Apesar de sua importância histórica, até memo para compreensão das modificações e adaptações realizadas nos códigos e no direito romano como um todo64, consideramos desnecessário tecer explicações mais rebuscadas, já que não essenciais à estrutura específica deste trabalho.

De igual forma, mesmo sendo preponderante ao lançar as bases da construção do Estado Ocidental, não consideraremos a Renascença nestes estudos, ainda que nosso foco esteja também nas questões estatais.

Desta feita, passados a Idade Média e o período renascentista, que trouxe consigo um campo perfeito para a procriação de novas ideias e pensamentos que aos poucos se alastraram pela Europa, o Iluminismo atingiu diretamente a Inglaterra e a França, principais pontos dessas mudanças.

O ideário humanista do período fez com que o pensamento não mais se concentrasse no divino, campo predominante na Idade Média com a doutrinação católica, mas sim voltou-se para a racionalização do homem, ou seja, a razão colocou o homem e não deus no centro do universo.

64 “Na Alta Idade Média (séculos XI e XII), registrou-se um movimento de releiura das fontes romanas,

com os chamados glosadores – Irnécio e sua ‘Escola de Bolonha’ –, com destaque para Búlgaro, Martinus, Hugo e Jacob. Na sequência, advieram as glosas de Accursius, Cino de Pistoia e Bpartolo, que concentraram esforços no sentido de adaptar os textos romanos aos direitos emergentes e aos costumes locais. Nesse ponto, observa Paulo Dourado de Gusmão, estava ‘intorduzido o direito romano na Europa e fundada a jurisprudência ocidental’”. (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pp. 18-9).

O liberalismo, mais do que uma política econômica, se proliferou em todos os setores do pensamento, atingindo de forma significativa as questões políticas e sociais que se inflamaram e colocaram em voga a até então intocável estratificação da sociedade, sobretudo no seu modus operandi, isto é, na forma de governo e na disposição das classes dominantes e dominadas.

As Revoluções Inglesas colocaram em evidência o absolutismo reinante até aquele momento, de modo que o Estado, antes soberano, foi aos poucos tendo sua posição intocável abalada, reverberação essa que atingiu também as classes dominantes e pouco a pouco se espalhou pela Europa.

Com exceção da Grã-Bretanha, que fizera sua revolução no século XVII, e alguns Estados menores, as monarquias absolutas reinavam em todos os Estados em funcionamento no continente europeu; aqueles em que elas não governavam ruíram devido à anarquia e foram tragados por seus vizinhos, como a Polônia. Os monarcas hereditários pela graça de Deus comandavam hierarquias de nobres proprietários, apoiados pela organização tradicional e a ortodoxia das igrejas e envolvidos por uma crescente desordem das instituições que nada tinham a recomendá-las exceto um longo passado.65

Pela ideia de contrato (ou pacto), o ideal político se viu às voltas com inúmeros novos conceitos que, diferentemente daquilo existente até então, propunham uma ruptura com os modelos arcaicos e arraigados por um milênio na sociedade feudal.

Em um primeiro momento, encontramos ainda uma forma que procura conciliar o novo com o velho, em que o contrato da sociedade se estabelece com o Estado Soberano e absoluto, que passa a tomar as decisões e os rumos gerais, tirando todos os seres humanos do seu estado natural de guerra. Esta é, estritamente falando, a concepção hobbesiana do pacto entre a sociedade e o Estado.

Mas quando a ideia de contrato social se encontra com o modelo liberal idealizado por John Locke temos se não a total e completa ruptura, um avanço significativo para a formação do pensamento humano, o que com certeza influiu também para a fomentação do modelo político.

O iluminismo trouxe consigo o ideal do humanismo, enquanto o racionalismo nascente de René Descartes, lançou as bases para uma nova teoria, que atingiu seu ápice já no século XIX.

A origem desse movimento deve ser situada na Inglaterra, depois na Alemanha, alcançando, por fim, a França, a Itália, a Espanha e Portugal. Daí ganhou as duas Américas, influenciando vários

movimentos do séc. XVIII, como, por exemplo, a Inconfidência Mineira e a Independência dos Estados Unidos. O Humanismo antropocêntrico do séc. XVI, instigado pelas novas descobertas que questionavam o geocentrismo, levou ao racionalismo do séc. XVII, com René Descartes (1596-1650) e sua dúvida metódica, reduzindo a realidade ao pensamento matemático com tabula rasa de toda a tradição religiosa e política fundada em Aristóteles, Santo Agostinho e São Tomás.66

A partir do momento em que o foco de observação sofre essa mudança, o lócus do homem integra uma realidade diferente, na qual as questões sociais e políticas passam a fazer parte de sua realidade diária.

Este choque, por evidência, atinge toda a sociedade, uns mais e outros menos. Neste processo de reconfiguração social, política e econômica, a estrutura piramidal sofreu abalos que posteriormente serão sentidos no seu todo, desde o ápice até a sua base, fomentando as ideias e modelos que regem a contemporaneidade ocidental.

É das classes intermediárias da estratificada pirâmide social que surgem os responsáveis pela maioria dessas mudanças. A ascensão da burguesia inglesa e, sobretudo francesa, reflete exatamente esse momento e inaugura uma nova fase que culminaria nas revoluções liberais.

De suma importância a obra de Jean-Jacques Rousseau e do seu contratualismo humanista, que influencia a formação do pensamento francês e introduz o combustível que faltava para os movimentos burgueses de tomada do poder.

Temos que considerar que é com a liderança dessa classe que duas das principais mudanças ocorridas nos séculos XVIII e XIX e que ainda hoje influenciam nossas vidas cotidianas foram realizadas. A primeira delas foi a Revolução Francesa (1789), com os ideais de Igualdade, Liberdade e Fraternidade, quando a burguesia francesa toma o poder da monarquia. A ideia de soberania está intimamente ligada com o período.

Já a segunda ocorreu na Inglaterra, com a Revolução Industrial, na qual utilizaremos a abordagem consagrada pelo historiador Eric Hobsbawm67 de subdividi-la em dois momentos cruciais, quais sejam: (i) a Primeira Revolução Industrial (entre 1780 e algum momento até 1840), na qual o processo de manufatura foi inserido na produção; e (ii) a Segunda Revolução Industrial (entre 1840 e 1870), com a utilização das máquinas à vapor (sobretudo barcos).

66 CICCO, Cláudio de; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Teoria Geral do Estado e Ciência Política.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 4ª Edição, 2012, pp. 208-9.

67 HOBSBAWM, Eric. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Rio de Janeiro: Forense

O que significa a frase "a revolução industrial explodiu"? Significa que a certa altura da década de 1780, e pela primeira vez na história da humanidade, foram retirados os grilhões do poder produtivo das sociedades humanas, que daí em diante se tornaram capazes da multiplicação rápida, constante, e até o presente ilimitada, de homens, mercadorias e serviços. Este fato é hoje tecnicamente conhecido pelos economistas como a "partida para o crescimento auto-sustentável".68

Após a Revolução Francesa e a queda de Napoleão Bonaparte, outra figura surge como importante base na construção do pensamento político ocidental, principalmente com o advento das chamadas “monarquias constitucionais”, de modo que Charles de Montesquieu, muito influenciado pelos movimentos ingleses e pelo ideário liberal, doutrina aquilo que guiará a maior parte do ocidente nos próximos séculos.

Todos esses impulsos de transformações devem ser considerados na sua completitude e complexidade para analisarmos o desenvolver das coisas no Brasil, já que mesmo sendo Colônia de Portugal e posteriormente Império, de alguma forma foi atingido e influenciado pelas novas teorias europeias, razão pela qual seu estudo é preeminente para compreensão do trabalho.