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2. O E STADO B RASILEIRO E AS D ECISÕES V INCULANTES

2.1 B RASIL C OLÔNIA

Ao longo da história do Brasil, pouco ou quase nada se discute sobre a forma de poder e a separação das funções na Constituição Imperial de 1824. A pouca visibilidade se dá pelo fato de sua concentração encontrar-se na figura central do representante da Coroa em terras brasileiras o que, de forma alguma, significa que não havia o exercício dessas funções, ainda que atrelados ao Império Português Ultramarino.

Durante toda a colonização do território brasileiro os responsáveis pela administração estavam atrelados à Coroa Portuguesa, sejam eles os Capitães Donatários ou os Governadores-Gerais instituídos pela Metrópole para o povoamento e colonização do território, que somente passou a se intensificar na esperança de encontrar riquezas, tal qual o Reino da Espanha com as terras da América Central.

Apesar de muito bem delimitadas pelas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, a Colônia se assemelhava ao aparelho de administração encontrado na Metrópole, mesmo que a Família Real estivesse instalada em Portugal, isto porque o transplante realizado funcionou como uma máquina aos interesses monárquicos portugueses, não visando inovações.

Desde a colonização a figura do Judiciário se confundiu com a do Executivo, mais pelo papel dado aos representantes da Metrópole do que pelas atribuições de suas funções, isto é, não havia uma divisão ou delimitação de atividades a serem realizadas, havia, outrossim, as ordens superiores para serem cumpridas, já que independente do cargo ocupado, todos tinham como intuito buscar os melhores interesses da Coroa.

Devido à complexidade e especificidades das funções judiciais da época (as funções judiciais confundiam-se com as funções administrativas e também com as funções policiais) haviam outros responsáveis pela efetivação das atividades jurisdicionais nas comarcas: chanceleres, contadores e vereadores, que formavam os Conselhos ou Câmaras Municipais.198

Nas capitanias hereditárias, cabia ao capitão-donatário ser o representante do rei tanto nas questões administrativas como nas legais, transfigurando-se em sua pessoa o duplo papel de agente público e Judiciário. Eram os capitães que decidiam como se daria a organização dentro dos limites de sua capitania, nomeando ouvidores e instituindo Câmaras de Justiça responsáveis por fazer o elo entre a Colônia e a Metrópole, através das Ordenações vigentes.

Mais tarde, quando da instituição do Governador-Geral e do Ouvidor Geral nas províncias, símbolos da dominação portuguesa, as coisas somente pioraram e cada vez mais as funções se confundiam e não se ajustavam com a realidade colonial, sendo necessários outros tantos anos para a real estruturação das funções.

Durante todo o período colonial houve a figura da Casa da Suplicação e do Desembargador do Paço, ambos em Portugal, além da continuidade da produção em larga escala dos produtos escassos na Europa, que era o que ditava os rumos a serem tomados na Colônia. Apesar de algumas discordâncias pontuais das intromissões da Metrópole no desenvolvimento da Colônia, tudo foi aos poucos sendo abafado e as vontades reais se confirmavam, principalmente após a unificação jurisdicional realizada pelos Assentos Portugueses, obrigatórios na Metrópole e em todas as suas Colônias.

Aliás, é por meio das Ordenações que os Assentos foram instituídos no Brasil ainda no período colonial, de modo a deixar o direito aparelhado com as determinações da Coroa, ou ao menos foi o que se tentou.

Em nosso país esse direito constitucional-europeu aportaria por intermédio das “Ordenações” lusitanas que, no capítulo das

jurisprudências, apresentaram a importante contribuição dos assentos

obrigatórios e, de maneira geral, serviram como o elo que viria possibilitar a filiação do então incipiente Direito brasileiro à vertente dos países de Direito codicístico, ditos de civil law, ou seja, aqueles integrantes da “família romano-germânica”.199

198 CEZARIO, Leandro Fazollo. A estrutura jurídica no Brasil colonial. Criação, ordenação e

implementação. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 72, jan 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7088>. Acesso em 25/12/2013.

199 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ob. Cit. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pp. 19-

As Ordenações, inclusive, foram importantes institutos jurídicos presentes na realidade brasileira por longos períodos, até mesmo após a Proclamação da Independência, em 1822. A continuidade é latente e salta aos olhos. O direito brasileiro é totalmente pautado nas velhas instituições que passaram séculos se deteriorando.

A bem da verdade, numa análise crua, percebe-se, por exemplo, que o direito civil é uma continuidade secular que passou pelo direito romano, o direito canônico, por três ordenações (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) e toda a influência da imposição do pátrio poder na sociedade. Isso para falar de apenas uma subárea do direito brasileiro.

A configuração da Colônia era clara e não tinha outro intuito que não a produção de toda e quaisquer espécies de matérias capazes de gerar lucros à Coroa, seja na exploração do Pau-Brasil, no comércio açucareiro, na extração da borracha e, mais tarde, na produção do café, em que o país chegou a responder por mais de 70% da produção global.200

A despreocupação com as instituições que aqui se instalaram era patente. Enquanto a máquina continuasse produzindo e conseguisse resolver seus problemas internamente, sem influir ou despender de maiores atenções da Coroa, tudo caminhava na mais perfeita ordem.

Quanto ao direito, podemos encontrar o mesmo problema na formação e progresso deste no Brasil Colônia. É certo que as sociedades indígenas constituídas no território das Terras de Santa Cruz possuíam um regramento que atrelava toda a sua comunidade. Ainda que se fale das inúmeras tribos e ramificações do Tupi-Guarani, não se pode ignorar a existência de um direito, ainda que natural e costumeiro, destes povos, que com o advento da colonização foram subjugados aos desígnios de uma legalidade teoricamente mais importante.

Desde o início da colonização, instaura-se um processo normativo marcado por contradições: marginaliza-se as práticas costumeiras autênticas e nativas advindas das nações indígenas, mas se tolerava a proliferação de práticas locais baseadas nos privilégios, nos desmandos, compadrios e informalidades. De qualquer forma, é

200 Sobre o tema: “No último decênio do século XIX criou-se uma situação excepcionalmente favorável à

expansão do da cultura do café no Brasil. [...] A produção brasileira, que havia aumentado de 3,7 milhões de sacas (de sessenta quilos) em 1880-81 para 5,5 milhões em 1890-91, alcançaria em 1901-02 16,3 milhões.” (FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 34ª Edição, 2007).

“No café se apoiava a maior parte da existência do país, e para sustentar-lhe o peso era preciso estimulá- lo. Lança-se mão para isso, em diferentes épocas e sob diferentes formas, de expedientes de amparo e valorização. O resultado foi que desde 1925, a produção de café ultrapassa largamente as exportações.” (PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 18ª Edição, 1976, p. 294).

indiscutível a coexistência de ordens jurídicas diversas, delineada pela ambivalência, de um lado, do hegemônico ordenamento comum oficial; de outro, de certa pluralidade aberta e casuística, entre o direito informal do jeitinho (lei dos coronéis, dos grandes proprietários de terra) e o Direito comunitário autóctone não reconhecido.201

A legalidade dos atos jurídicos portugueses contrastavam com a legalidade encontrada nos aldeamentos indígenas. Ainda que baseado no costume, os nativos brasileiros possuíam um regramento, que foi ignorado para a introdução de uma estrutura que, posteriormente, passou a empregar atos contrários ao próprio ordenamento, tudo em função da prevalência dos interesses coloniais e pessoais.

Por isso, enquanto Colônia, o Brasil pouco se desenvolveu no sentido de Estado, já que repetia, nas suas instituições, as determinações advindas da Metrópole, sem constituir a sua própria identidade enquanto Estado e não se formando com bases sólidas, mas sim pautado no jogo de interesses particulares.

No que se refere à estrutura política, registra-se a consolidação de uma instância de poder que, além de incorporar o aparato burocrático e profissional da administração lusitana, surgiu sem identidade nacional, completamente desvinculada dos objetivos de sua população de origem e da sociedade como um todo. Alheia à manifestação e à vontade da população, a Metrópole absolutista instaurou extensões de seu poder real na Colônia, implantando um espaço institucional que evoluiu para a montagem de uma burocracia patrimonial legitimada pelos donatários, senhores de escravos e proprietários de terra.202

As determinações advindas da Coroa foram sempre no sentido de promover o mercantilismo e de produzir todas as mercadorias tropicais não existentes na Europa e que possuíam amplo mercado exploratório da atividade mercantilista, de modo que o Brasil se mostrou uma repetição da Metrópole, sem conseguir se articular em prol da sociedade e da população de seu território, pelo contrário, fazendo-o sempre aos interesses dos portugueses.

O absolutismo do Reino de Portugal fica evidente nas ações e formas de estruturação que aqui se instalaram, propiciando um aparato político-legal que lastreou todos os interesses da Coroa, sobretudo aqueles econômicos, no desenvolvimento de atividades lucrativas aos cofres públicos reais. A burocracia foi preponderante para atingir tais resultados, vez que atrelou todo o aparato como uma extensão dos poderes da Metrópole na Colônia.

201 WOLKMER, Antonio Carlos. Ob. Cit. Rio de Janeiro: Editora Forense, 7ª Edição, 2014, p. 54. 202 WOLKMER, Antonio Carlos. Ob. Cit. Rio de Janeiro: Editora Forense, 7ª Edição, 2014, p. 43.

Com relação à separação das funções, de igual maneira, não havia clara distinção entre elas. Por evidência, ainda não havia se instituído a teoria clássica de Montesquieu e as demais teorias existentes também não faziam efeito no Absolutismo Português, como também não o fez nas demais formas de absolutismo existentes.

Esta situação forjava um imaginário sobre o papel da justiça no Brasil identificada ao uso da força e do poder político. Havia dificuldade de entender a organização do Estado: o poder Judiciário e o Executivo andavam juntos, com funções mal delimitadas, parte de um todo unificado na mentalidade colonial. Um exemplo prático desta união é a figura do Governador-Geral, cujas atribuições administrativas, próprias do Poder Executivo, representante direto do rei e que, ao mesmo tempo, ocupava o cargo de Governador da Relação, chefe do poder Judiciário.203

Por esta razão é difícil se estabelecer uma clara distinção sobre as diposições das funções na Colônia. Mesmo com as Ordenações Portuguesas, sobretudo as Filipinas que vigoraram por um maior período de tempo no Brasil do que as demais instituições jurídicas, muito embora o continuísmo jurídico já citado fosse preponderante em todas as Ordenações e, posteriormente à elas, ao próprio direito brasileiro.

A perpetuação de ideias, aliás, é típica do Estado Português, que mesmo antes das Ordenações, com suas cartas legais, já possuía claro intuito de eternizar determinados institutos do direito romano.

A jurisprudência é uma delas, de modo que as influências culturais, sociais, históricas e jurídicas pelas quais a Península Ibérica passou influiu de forma determinante para certo endeusamento das instituições romanísticas, com o intuito de assegurar certeza e justiça na aplicação do direito.

Nessas primitvas normações já se denotava o germe da ideia que nos séculos vindouros se mostraria recorrente, a saber, a busca incessante de uma fórmula que assegurasse a prática do Direito de modo a preservar o binômio certeza-justiça, certo que, para tanto, se impunha encontrar técnica capaz de outorgar a desejável uniformidade

interpretativa, em face dos casos assemelhados.204

Este desequilíbrio é evidente por dois motivos: (i) a Coroa não tinha o interesse de estabelecer na Colônia instituições que possuía na própria Metrópole, motivo pelo qual não havia a necessidade clara de ter, na mesma proporção, as fortes delimitações constantes para o Reino de Portugal; e (ii) sendo uma Colônia de exploração, não

203 ANDREUCCI, Álvaro Gonçalves Antunes. Uma Cadeira de Espinhos: O Supremo Tribunal

Federal e a política (1933-1942). Dissertação de Doutorado. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), 2007, p. 48.

importava muito como a mesma se constituiria, desde que continuasse produzindo em larga escala os produtos escassos na Europa e que encontraram em solo brasileiro o terreno propício para o seu desenvolvimento.

Por mais de trezentos anos as terras brasileiras serviram unicamente ao propósito exploratório da Coroa Portuguesa. É bem verdade que o êxito na exploração em outras colônias foi bem mais sucedido, em termos de produção, do que no Brasil, mas também é um fato concreto que a amplitude do território brasileiro proporcionava ainda mais possibilidades aos ambiciosos desejos reais do que nos demais territórios.

Um fato ocorrido neste período ganha relevo importantíssimo do ponto de vista de formação do Estado brasileiro. Em 1808 a Família Real foge com toda a Corte Portuguesa e ruma ao Brasil devido à iminente invasão de Napoleão Bonaparte ao Reino, o que se concretizou pouco tempo depois, de modo que a situação do Brasil muda, sobretudo quanto à sua configuração enquanto Estado.

Com essa mudança, o Brasil passa a figurar não mais como Colônia da Metrópole, mas sim como a própria Metrópole, já que a transferência da Corte de Lisboa para o Rio de Janeiro configurou a transformação e elevação do Brasil de Colônia para Reino. Tal fato ocorreu em 1815, quando passou a ser denominado como Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Não se trata, aqui, de simples questão semântica. Para a organização do Estado foi preponderante a constituição do Brasil como Reino. Não apenas isso. Influiu para as políticas que posteriormente foram tomadas durante o Império, políticas essas basicamente inspiradas pelas instituições portuguesas que dominaram por longo período os órgãos de administração do país.

Apesar de considerarmos o Brasil como uma colônia puramente extrativista, onde o interesse de Portugal somente se manifestou pelas riquezas que aqui se produzia e pouco fez pelo desenvolvimento geral do território, não podemos deixar de notar a influência dos sistemas políticos e sociais da Coroa em solo tupiniquim.

Sérgio Buarque de Holanda, inclusive, traça importantes considerações sobre as contribuições deixadas pelo modelo de colonização espanhol e pelo modelo português, estabelecendo parâmetros e diferenciações deixadas ao longo dos séculos.

A tentativa de implantação da cultura europeia em extenso território, dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em consequências. Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas ideias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes

desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra.205

Foi realizado um verdadeiro transplante ultramarino de pessoas, coisas, ideias e mitos, que se chocaram com as pessoas, coisas, ideias e mitos já existentes nos povos tupiniquins, formando uma tríade ideológica: europeus, negros e indígenas, tudo junto e misturado, reunidos no mesmo território, ainda que com diferenças claras.206

O lusitanismo, por evidência, esteve presente na formação social e política do Brasil, assim como as derivações decorrentes das misturas e miscigenações advindas do contato com as diversas etnias que por aqui se aventuraram, em especial com os indígenas e, depois, com os negros africanos utilizados como mão de obra escrava nos canaviais e nas lavouras de café.

Outra característica influente na formação brasileira foi a chamada municipalização, ou seja, a divisão baseada em municípios como unidades descentralizadas que respondiam direto ao governo central. Esta forma, inclusive, pode ser vista como um aspecto da longa duração estrutural brasileira (embora sem a mesma significância do período), de modo que existem hoje 5.570 municípios, sendo que em 27 de agosto de 2014 a presidente Dilma Rousseff vetou o Projeto de Lei que possibilitava a criação de pelo menos 200 novos municípios o que geraria um gasto de mais 9 bilhões no orçamento.207

As 15 Capitanias Hereditárias se constituíram em grandes latifúndios que, internamente, se organizavam por meio das pequenas divisões territoriais, quando o próprio capitão donatário fundava vilas e nomeava funcionários, concentrando, assim, o caráter público de determinada região naquele local, que mais tarde seria elevado de categoria, passando de Vila para municípios e cidades, pelo menos assim sendo até a centralização pombalina do século XVIII.

205 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 26ª

Edição, 2008, p. 31.

206 Neste sentido: “Podemos construir obras excelentes, enriquecer nossa humanidade de aspectos novos e

imprevistos, elevar à perfeição o tipo de civilização que representamos: o certo é que todo o fruto de nosso trabalho ou de nossa preguiça parece participar de um sistema de evolução próprio de outro clima e de outra paisagem. Assim, antes de perguntar até que ponto poderá alcançar bom êxito a tentativa, caberia averiguar até onde temos podido representar aquelas formas de convívio, instituições e ideias de que somos herdeiros”. (HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 26ª Edição, 2008, p. 31).

207 HAUBERT, Mariana; GUERREIRO, Gabriela. Dilma Veta Criação de Novos Municípios e Abre Crise

com Congresso. In: Folha de São Paulo (versão online). Brasília: 27/08/2014. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/08/1506722-dilma-veta-criacao-de-novos-municipios-e-abre- crise-com-congresso.shtml>. Acesso em: 30/08/2014.

O que contribuiu para distanciar o regime vigente no Brasil da tendência absolutista que se implantava em Portugal, despotismo esclarecido, bem como em como em toda a Europa do, era a dificuldade de comunicação com a Metrópole, e a enorme extensão de nosso território. Pombal chegou a criar os juízes de fora para caçar sentenças de tribunais da colônia que contrariassem sua política centralizadora, mas realmente o golpe de misericórdia veio com a Constituição do Império que simplesmente ignorou o município.208

A característica de o Brasil possuir vasto território, que por força do Tratado de Tordesilhas (1494) era menor do que o encontrado atualmente, contribuiu não apenas para essa descentralização municipal das capitanias hereditárias, como também para distanciar-se um pouco do caráter absolutista do regime português. Para Darcy Ribeiro, essa é uma das causas que levaram ao “cunhadismo”, isto é, ao cidadão ser e ficar próximo dos governantes.

Essa relação de proximidade, com origem na convivência do indígena com seus pares e com os europeus, a proximidade se tornava quase familiar, sendo levado esse pressuposto depois para a política, em que os governantes são vistos como bons camaradas.

Tal qual pudemos observar ao analisar as transformações da Cidade Antiga, a Cidade se forma como uma ampliação do círculo familiar em que os líderes da cidade desempenhavam a “função” de chefe de família. Este ponto sobre o cunhadismo em específico demonstra como a “relação familiar” era também existente na política nacional nos tempos da Colônia.

A instituição que possibilitou a formação do povo brasileiro foi o

cunhadismo, velho uso indígena de incorporar estranhos à sua comunidade. Consistia em lhes dar uma moça índia como esposa. Assim que ele a assumisse, estabelecia, automaticamente, mil laços que o aparentavam com todos os membros do grupo. Isso se alcançava graças ao sistema de parentesco classificatório dos índios, que relaciona, uns com os outros, todos os membros de um povo. [...] Sem a prática do cunhadismo, era impraticável a criação do Brasil.209

Esta herança igualmente presente nos dias atuais pode ser vista sob dois pontos distintos: (i) o positivo, no qual a aproximação permite a maior cobrança e fiscalização dos atos praticados; (ii) e o negativo que, ao contrário, faz com que a cobrança e a fiscalização se tornem menores, já que o político não é concebido como alguém que