• Nenhum resultado encontrado

A E XTRAPOLAÇÃO DO J UDICIÁRIO E O A TIVISMO J UDICIAL

3. P APEL DAS S ÚMULAS V INCULANTES NO E STADO B RASILEIRO

3.4 A E XTRAPOLAÇÃO DO J UDICIÁRIO E O A TIVISMO J UDICIAL

O debate sobre as súmulas vinculantes possui contornos relevantes para além das questões processuais e em suas reverberações no ordenamento jurídico brasileiro, mas também na sociedade e no Estado. Como vimos, as Súmulas Vinculantes são jurisprudências, não devendo possuir força normativa, principalmente por atingirem todas as instâncias do Judiciário, da administração pública direta e indireta e o Legislativo em sua função atípica.

Num Estado Democrático e Social de Direito, como o Brasil está constituído, este instituto fere não somente o princípio constitucional de separação e harmonização das funções, mas igualmente diminui a importância do Legislativo frente aos demais, uma vez que sua função de certa forma está sendo exercida pelo Judiciário, ferindo sua independência por conta dessas “aventuras jurisprudenciais”.

No tocante ao processo legislativo, a Constituição Federal de 1988 traz em seu bojo qual o procedimento a ser realizado para consecução das leis, de modo a elencar todas as normas jurídicas existentes no ordenamento jurídico brasileiro, cabendo exclusivamente ao Legislativo confeccioná-las por sua função típica.318

O processo para elaboração e aprovação das leis é complexo e demorado, devendo respeitar ritos diferentes a depender da proposta de norma jurídica pretendida. As disposições constitucionais não trazem em seu bojo nenhuma referência às “súmulas” (independente de qual sua origem) como modelo de lei, muito menos confere ao Supremo Tribunal Federal a prerrogativa de integrar o procedimento em detrimento do Legislativo.

Desta feita, uma súmula vinculante não pode fazer o papel normativo característico da lei, seja ela qual for, de modo que o entendimento do STF sobre a lei não deve extrapolar a aplicação ao caso concreto. Não devemos esperar que as decisões

318 BRASIL. Ob. Cit. 5 de outubro de 1988. Fonte: Planalto.

Art. 59. O processo Legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição;

II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos Legislativos; VII - resoluções.

da Corte Suprema para um caso atinjam direitos de outros antes mesmos de serem analisados pelo Judiciário.

O Supremo, com 11 ministros, extrapola sua função constitucional de julgamento e cria por meio das Súmulas Vinculantes um instrumento com força normativa, invadindo a função típica do Legislativo, o que ocorre também quando analisamos o papel das Medidas Provisórias e a extrapolação do Executivo.

Temos, portanto, que é a Constituição Federal Brasileira de 1988 que disciplina tudo o que será considerado norma jurídica, para que não haja confusão com outras disposições que teoricamente podem versar sobre direitos, mas que se constituem como abusos, usurpação e extrapolação perpetrados pelos demais órgãos do Estado, caso este das Súmulas Vinculantes.

É importante, para salvaguarda da liberdade humana, que não se confira o título de norma jurídica a mandamentos que não sejam normas. Decretos arbitrários são mandamentos, mas não são mandamentos normativos. Em verdade, são desmandos. São atos atrabiliários, repugnantes a concepções arraigadas e gerais. Logo, não são normas jurídicas. Mesmo quando recebem o nome de leis, tais mandamentos não são normas de Direito. São arbitrariedades, são contrafações, e nada mais.319

A questão da politização do Judiciário e o ativismo judicial ganha cada vez mais destaque nos estudos que tratam das Três Funções e suas disposições constitucionais. Tal problema inicia-se quando o Judiciário passa a exercer determinadas funções e recebe competências que lhe são estranhas. Essas nuances entre a verdadeira atividade judicial e a atividade advinda dos demais órgãos constitucionais deve ser considerada e analisada cuidadosamente.

Quando a Constituição atrela cada um dos seus órgãos a uma competência distinta e os faz se vigiarem uns aos outros evita-se a possibilidade de golpes e abusos de poder. Não somente isso: uma vez delimitado seu raio de atuação, consequentemente se impede que um órgão interfira nos demais e abale o sistema existente.

O que ocorre, porém, é que por conta do ativismo judicial, os limites criados para delimitar as funções de cada um dos órgãos estão sendo ultrapassados e o Judiciário está se comportando de maneira a interferir diretamente nas funções exercidas pelos demais, abalando as estruturas das linhas demarcatórias das competências constitucionais.

Ao se fazer menção ao ativismo judicial, o que se está a referir é a ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas, também, da função administrativa e, até mesmo da função de governo. Não se trata do exercício desabrido da legiferação (ou de outra função não jurisdicional), que, aliás, em circunstâncias bem delimitadas, pode vir a ser deferido pela própria Constituição aos órgãos superiores do aparelho Judiciário, e sim da descaracterização da função típica do poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes. A observância da separação dos Poderes importa, dentre diversos outros consectários, na manutenção dos órgãos do Judiciário nos limites da função jurisdicional que lhes é confiada e para cujo exercício foram estruturados.320

Enquanto o Judiciário invade as demais esferas constituídas no Estado Brasileiro, sua atuação compromete todo um sistema que procura dar mobilidade aos órgãos no exercício de suas funções. Apesar do dever de vigilância entre eles, a independência é a chave principal para o exercício do papel do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

Com as súmulas vinculantes o que acontece é justamente o contrário, com o Judiciário invadindo a seara do Legislativo, fazendo com que a própria Carta Política caia em descrédito decorrente da usurparção de função por um órgão e o desrespeito aos preceitos constitucionais nela resguardados, relevando-se sua importância a segundo plano em nome de uma ordem deturpada instaurada pela possibilidade de criação de súmulas que vinculam todo o Estado.

Certo é que o embate entre os órgãos e os limites de suas funções existe desde antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004. Soma-se ainda o fato de as questões que não pertencem à seara do Judiciário, mas sim do Executivo e do Legislativo, reverberam na sua atuação, isto porque, ao atuar politicamente, denotam o seu ativismo judicial em casos que não lhe incumbem sua atuação.

Quanto à judicialização da política, consiste na transferência ao Poder Judiciário da apreciação de questões de caráter político, cuja análise seria, em regra, de competência dos poderes Executivo e Legislativo. Com isso, ao se judicializarem questões políticas, dá-se ao Poder Judiciário uma dimensão política, com afastamento de sua postura até então vista como neutra, já que ele passa a realizar julgamento que transcende a perspectiva da legalidade, ingerindo-se em seara de mérito administrativo, procedendo a avaliação de caráter político, ou seja, de conveniência e oportunidade, o que gera sua politização. Ao se atribuir ao Judiciário tarefas que violam as regras da separação dos

poderes, a politização da justiça leva a uma situação de estresse institucional.321

Com as Súmulas Vinculantes ocorre justamente este fenômeno, uma vez que confere ao Judiciário a possibilidade de, ainda que de forma indireta quanto ao Legislativo, exercer a função típica deste, isto porque suas decisões vinculadas possuem efeitos erga omnes e sua força normativa acaba por lhe empregar a generalidade que somente a lei deve possuir, em detrimento da especificidade de cada caso necessária nas decisões judiciais.

Tal fato reforça o entendimento sobre o ativismo do Judiciário. Ao vincular todas as instâncias inferiores ao entendimento petrificado de suas cátedras, o Tribunal retira toda e qualquer possibilidade de que uma especificidade processual possa acarretar em um entendimento diverso daquele ensejado na Súmula Vinculante.

A decisão passa a não mais velar sobre um processo, mas sobre todos em que o assunto seja o mesmo. Contudo, como já defendemos, ainda que se considere temas conexos em processos similares, cada caso possui peculiaridades diferentes que devem ser consideradas quando das análises judiciais. Por mais similares que um caso possa ser a outros, não pode-se afimar e tratá-los como sendo idênticos em todos os sentidos.

Em regra, em virtude de esse modelo ser realizado através de um caso concreto, a eficácia da decisão fica restrita às partes que figuraram no referido processo, sem transcender sequer a casos idênticos, não possuindo força para vincular a decisão de outro magistrado, ou mesmo do próprio magistrado que a proferiu, em um caso idêntico, mas com outras partes.322

O ativismo do STF com relação aos temas constitucionais configura transmutação de competência, em que o Judiciário se aproveita de “brechas constitucionais” para garantir a efetividade de suas decisões que, seguindo a liberalidade de seus membros, podem receber o efeito vinculante.

Nesta acepção, alguns julgados merecem destaque justamente por imprimirem o impulso do Supremo Tribunal Federal quando diante de uma suposta omissão dos outros órgãos da União o que, por certo, não lhe confere o direito constitucional de

321 COL, Juliana Sípoli. Politização do Poder Judiciário e Ativismo Judicial. In Anais do VII Encontro

Internacional de Produção Científica Cesumar (VII EPCC) Centro Universitário de Maringá. Editora Cesumar. Maringá: 2011, p. 2.

322 ROMANIUC, Jefson Márcio Silva. Ativismo judicial e o Supremo Tribunal Federal: Visão crítica

sobre os limites da atuação judicial. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 97, fev 2012. Disponível

em: <http://www.ambito-

juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11081&revista_caderno=9>. Acesso em 15 de maio 2013.

tomar para si a competência e realizar os atos típicos dos demais órgãos como algo normal e comum ao Judiciário.

Tem-se, pois, que o Supremo Tribunal Federal adota o ativismo judicial com vistas a dar efetividade às normas constitucionais, precipuamente, em face da omissão dos demais Poderes. Nesse sentido interessante citar recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, nas quais se verifica o ativismo judicial, em virtude da matéria que abordam. São elas, dentre outras: a) Instituição de contribuição dos inativos na Reforma da Previdência – ADI 3105/DF; b) Criação do Conselho Nacional de Justiça na Reforma do Judiciário – ADI 3367; c) Pesquisa com células-tronco embrionárias – ADI 3510/DF; d) Interrupção da gestação de fetos anencefálicos – ADPF 54/DF; e) Restrição do uso de algemas – HC 91952/SP e Súmula Vinculante nº 11; f) demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol – PET 3388/RR; g) Vedação ao Nepotismo – ADC 12/DF e Súmula Vinculante nº 13.323

O caráter que possui a decisão de restrição às partes é consagrado no direito brasileiro como princípio da congruência, em que o juiz deve ficar adstrito aos fatos narrados e aos elementos instrutivos do processo que lhe garantem a especificidade. Ao se deparar com a Súmula Vinculante temos uma afronta a este princípio quanto às peculiaridades de cada caso. Não é demais afirmar que cada processo é único e assim deve ser tratado pelos juízes, independente da instância em que se encontrar.

Nada poderá garantir em hipótese alguma que todos os casos de uma determinada matéria conterão as mesmas características e especificidades que fazem outros serem vinculados a uma decisão do Supremo Tribunal Federal sem nem mesmo serem analisados. Nada, seja na legislação, na sociedade, nas muitas teorias sobre o processo ou nos artigos científicos, monografias, dissertações de mestrado, teses de doutorado ou pós-doutorado poderá cometer tamanha afronta.

Não se pode tratar como sendo iguais todos os processos que versem sobre um mesmo tema. São diferentes em sua essência e é justamente essa característica essencial de cada caso que cria a peculiaridade e a especificidade que somente guardará relação com aquele caso e nenhum outro mais.

Importante mencionarmos também que essa diferença dificilmente é percebida por um desembargador ou mesmo um ministro, sendo certo que o juiz de primeiro grau no exercício de sua função, é aquele que mais se aproxima de identificar as nuances de diferenciação, haja vista que é dele a prerrogativa de possuir a única chance de contato

323 SOUSA JUNIOR, Arthur Bezerra de; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. O Ativismo Judicial do

Supremo Tribunal Federal. In: Vladmir Oliveira da Silveira (Org.). Anais do XXII Encontro Nacional do CONPEDI Curitiba-PR: Fundação Boiteux, 2013, pp. 12-3.

do Judiciário com as partes envolvidas no processo quando da realizaçao da audiência, facultando-lhe por isso um momento diferenciado para perceber situações que os demais julgadores não possuem condições, já que as partes do processo são representadas por seus advogados e tanto desembargadores como ministros, por suas atribuições, não terão contato com elas.

Sobre esse ativismo judicial do STF, muitos oferecem como “desculpa” que a omissão dos demais órgãos confere-lhe competência para interferir nas suas funções e atribuições. Isso serve para dar efetividade às normas constitucionais que devem ser cumpridas a qualquer custo, seja pelo órgão responsável, seja pelo STF.

Contudo, uma vez constantes no Texto Constitucional, incumbe ao Supremo Tribunal Federal o dever constitucional de zelá-los e efetivá- los. Uma Constituição inoperante e ineficaz não pode ser considerada uma Constituição zelada. E para não incorrer neste risco, o Supremo Tribunal Federal preenche os espaços deixados pelos demais poderes e zela pela Constituição da República, no momento que a torna efetiva. Todavia, a questão ganha novos contornos quando se está diante da proteção de direitos sociais constitucionalmente previstos e que, na maioria das vezes, implicam na elaboração e execução de políticas públicas. Em face da omissão dos outros Poderes nessa matéria, o Supremo Tribunal Federal quando provocado torna efetivos tais direitos adentrando na seara dos demais Poderes e se utilizando do ativismo judicial.324

Destarte, a politização do Judiciário pelo STF acaba por impactar a própria ordem constitucional dos fatores, colocando em voga a aderência legal das suas decisões, isto porque o seu entendimento jurisprudencial estará conflitando com a necessidade de regulamentação legal de determinados assuntos e isto ocorre quando a existência de uma súmula vinculante influencia e impede de alguma maneira a edição de uma lei que vise aprimorar o ordenamento jurídico brasileiro.

O fato de que muitas matérias não possuem a necessária legislação regulatória não abre margem para a Corte Suprema sair a torto e à direita com suas prerrogativas procurando entendimentos sobre o assunto e, mais do que isso, colocando-os em súmulas vinculantes, atrelando toda a sociedade às suas decisões.

Assim, o Supremo Tribunal Federal, embora seja guardião da Constituição Federal, logo, com o dever institucional de tutelar-lhe, evitando mudanças inconstitucionais, acaba, por força da politização, gerando mudanças constitucionais, embora não seja o poder competente para essa função. E, na medida em que transcende os

324 SOUSA JUNIOR, Arthur Bezerra de; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. Ob. Cit.. In: Vladmir

Oliveira da Silveira (Org.). Anais do XXII Encontro Nacional do CONPEDI Curitiba-PR: Fundação Boiteux, 2013, pp. 10-1.

limites legais, atesta-se seu ativismo judicial, aferível em diversos casos, como na formulação da Súmula Vinculante nº 13 que disciplina o nepotismo, embora não haja disposição constitucional sobre a matéria, o que deixa indubitável seu ativismo no caso, em que a Corte Constitucional ter-se-ia, embora não reste explicitamente claro na súmula, embasado no princípio da moralidade, inscrito no caput do Art. 37 da CF/88, para regulamentar essa matéria, como se pode depreender dos votos exarados pelos Ministros do Supremo no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 12, considerada como um dos precedentes para edição da Súmula Vinculante nº 13, a qual evidencia o ingresso do Poder Judiciário na seara legislativa, já que, partindo de um princípio constitucional, formulou um enunciado normativo.325

A citada Súmula Vinculante nº 13, que passou a “disciplinar” o nepotismo, é um exemplo claro de como pode ocorrer a usurpação de função pelo Supremo Tribunal Federal, já que, ainda não possuindo leis sobre determinado assunto, o Tribunal editou a súmula com seu entendimento, que assim deve ser acompanhado por todos os órgãos do Estado e pela sociedade com efeito erga omnes.

Vivemos em um sistema híbrido com a Civil Law e a Common Law constantemente em choque, o que se torna visível no exercício da advocacia, quando muitos advogados antes mesmo de consultarem uma lei sobre o assunto, consultam diretamente as jurisprudências dos tribunais, buscando o melhor entendimento para seu caso concreto, ainda que estas não possuam o efeito vinculante.

À exemplo da Súmula Vinculante nº 13, que versa sobre o nepotismo, temos ainda o Enunciado Sumular nº 11, que trata sobre o uso de algemas, quando não existe lei sobre o assunto para que o STF exponha seu entendimento sobre o assunto. A inferência jurídica sumulada pelos ministros surge com base nos Direitos Humanos e no Pacto de San José da Costa Rica. Contudo, se assim considerarmos sempre que o Supremo decidir por criar uma Súmula Vinculante, deveriam fechar todos os presídios existentes no país, já que a condição da população carcerária é mais desumana do que o uso de algemas em determinadas situações.

Interessante notarmos que com relação à súmula vinculante nº 13 houve a edição do Decreto nº 7.203, de 4 de junho de 2010326, que versa sobre o nepotismo na administração pública direta e indireta no âmbito federal e, apesar disso, o enunciado sumular permanece em vigor sem qualquer alteração.

325 COL, Juliana Sípoli. Ob. Cit. Maringá: 2011, p. 3.

Podemos resumir que o ativismo judicial como sendo “uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na efetivação dos valores constitucionalmente estabelecidos, ou seja, uma maior atuação do Judiciário em um espaço que, em um primeiro momento, está reservado aos outros poderes”327. Usar como pretexto a efetivação dos valores constitucionais não pode abrir margem para que o Judiciário atue com suas decisões nas esferas Executiva e, sobretudo, Legislativa, não abrindo margens à independência e harmonia dos mesmos, mas ao contrário, contribuindo para a confusão entre eles.

O importante jurista Hans Kelsen trabalhou o importante tema sobre a individualização da sentença judicial, isto é, a produção de efeitos da aplicação do direito apenas entre as partes litigantes e atendendo a especificidade de cada caso para que somente se produza os efeitos nesses casos.

A decisão judicial é claramente constitutiva na medida em que ordena que uma sanção concreta seja executa contra um delinquente individual. Mas ela possui um caráter constitutivo também na medida em que averigua os fatos que condicionam a sanção. No mundo do Direito não existe nenhum fato “em si”, nenhum “fato absoluto”, existem apenas fatos averiguados por um órgão competente num processo prescrito pelo Direito.328

Kelsen apresenta de forma enfática que na Ciência Jurídica nenhum fato pode ser absoluto, o que nos leva a crer que a aplicação da norma deve atender a cada caso em suas peculiaridades. Ao fazer do direito um fato absoluto, se retira não da norma, mas do caso, toda a especificidade com que ele deve ser tratado.

A norma, mesmo que geral, não pode ser absoluta e, por isso, a decisão judicial só pode trazer efeitos de maneira absoluta entre as partes litigantes. A decisão judicial que procura ser absoluta e sai da esfera da particularidade de cada caso, tal qual as Súmulas Vinculantes, não constitui um Direito, mas impede o mesmo de se manifestar.

Quando o Supremo Tribunal Federal atrela suas decisões por meio das Súmulas Vinculantes, impede os tribunais de aplicarem o seu entendimento sobre o direito, retirando do julgador a liberdade para o exercício de suas funções, uma vez que sua decisão não estará livre, mas vinculada a outra decisão do maior órgão do Judiciário pátrio, suprimindo a atuação do magistrado de primeira instância e de todas as demais.

Ao vincular a certos fatos certas consequências, a ordem jurídica deve também designar um órgão que tem de averiguar os fatos de um caso

327 COSTA, Andreia Elias da. Estado de direito e ativismo judicial. São Paulo: Editora Quartier Latin,

2010, pp. 52-3.

concreto e prescrever o processo que o órgão tem de observar ao fazê- lo. A ordem jurídica pode autorizar esse órgão a regular o processo de