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Micropolítica e processos de trabalho de um centro de atenção psicossocial : experiências dos trabalhadores

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

DOUTORADO EM SAÚDE COLETIVA

EM ASSOCIAÇÃO AMPLA DE IES (UFC/UECE)

MARIA GABRIELA CURUBETO GODOY

Micropolítica e processos de trabalho de um Centro de Atenção

Psicossocial: experiências intersubjetivas dos trabalhadores

FORTALEZA – CEARÁ

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

MARIA GABRIELA CURUBETO GODOY

Micropolítica e processos de trabalho de um Centro de Atenção

Psicossocial: experiências intersubjetivas dos trabalhadores

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Saúde Coletiva por Associação Ampla de IES (UFC/UECE) como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Saúde Coletiva.

Orientadora: Prof. Dra. Maria Lúcia Magalhães Bosi

FORTALEZA – CEARÁ

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FICHA CATALOGRÁFICA

G534m Godoy, Maria Gabriela Curubeto Experiências intersubjetivas de trabalho na micropolítica cotidiana de um Centro de Atenção Psicossocial / Maria Gabriela Curubeto Godoy. Fortaleza. 2009. Mimeo. 248 p.

Orientadora: Maria Lúcia Bosi

Tese de Doutorado – Dept o. De Saúde Comunitária. Universidade Federal do Ceará

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

DOUTORADO EM SAÚDE COLETIVA

EM ASSOCIAÇÃO AMPLA DE IES (UFC/UECE)

Título da Tese: “Micropolítica e processos de trabalho de um Centro de

Atenção Psicossocial: experiências intersubjetivas dos trabalhadores”

Nome da Mestranda: Maria Gabriela Curubeto Godoy Nome da Orientadora: Maria Lúcia Magalhães Bosi

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Saúde Coletiva por Associação Ampla de IES (UFC/UECE) como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Saúde Coletiva.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________

Profa. Dra. Maria Lúcia Magalhães Bosi

(Orientadora e Presidente)

_______________________________________________

Profa. Dra. Vládia Jamile dos Santos Jucá

(1º membro da banca)

________________________________________________

Prof. Dr. Luis Fernando Farah de Tófoli

(2º membro da banca)

________________________________________________ Profa. Dra. Maria Salete Bessa Jorge

(3º membro da banca)

________________________________________________

Prof. Dr. Ricardo José Soares Pontes

(4º membro da banca)

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Dedico este trabalho a minha amada avó, Lela, que me instigou a curiosidade e com seu amor preencheu a minha infância, que meu agradecimento a alcance onde quer que esteja. Ao meu companheiro Alcides, com quem compartilho esse amor imenso e intenso que se refina e fortalece ao longo dos anos, agradeço sua solidariedade e paciência no decorrer deste trabalho. Aos meus amados filhos Gabriel, Moara e Thiago, minha gratidão pela paciência que tiveram no decorrer da elaboração deste trabalho e a minhas dificuldades na gestão de um tempo que deixou de ser compartilhado.

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AGRADECIMENTOS

Uma tese nada seria se não fossem tantos os que nela estão.

Aos trabalhadores do CAPS, que abriram as portas de suas experiências, permitindo-me adentrar e conhecer suas alegrias, tristezas, projetos, dificuldades, desejos e esperanças.

Aos meus amigos do Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim, por nutrir-me com seus/nossos sonhos e pelo apoio no decorrer do trabalho.

A todos os amigos e colegas da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, por seus investimentos concretos e afetivos ao buscar construir um sistema municipal de saúde mais inclusivo e solidário.

Ao meu amigo Odorico, por sua ousadia e visão, pois ao investir em processos de educação permanente para os trabalhadores, apoiando iniciativas como a do meu doutorado, reforça a coerência de investir nas pessoas para a construção de uma cultura de paz e a mundo melhor.

A minha amiga e orientadora, Maria Lúcia, que acompanhou paciente e dialogicamente meus deslocamentos, deslocando-se junto comigo, por seu rigor epistemológico e metodológico que me serviu de referência para aprofundar o meu próprio olhar.

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“Não há como escapar à

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RESUMO

Esta investigação discorre sobre as experiências intersubjetivas de trabalho situando-as na micropolítica cotidiana de um CAPS que vem reorganizando algumas de suas ações. Buscamos compreender tais experiências articulando-as às posições e disposições dos agentes que as vivenciam, o que nos levou a identificar algumas configurações relacionais relevantes entre os trabalhadores. Dialogamos com diversos autores que vem abordando a temática do trabalho em saúde no Brasil e em equipes comunitárias de saúde mental na literatura estrangeira. A literatura nacional neste campo, caracterizada por uma propositividade importante para a constituição de um ideário sobre o trabalho em saúde, apresenta, no entanto, lacunas em relação a estudos empíricos que enfoquem ambivalências e contradições emergentes nos microprocessos cotidianos. Isto nos levou a trilhar uma trajetória alternativa, referenciada no percurso histórico da constituição do trabalho em saúde e dos processos de profissionalização, de maneira a enfocar as interações estabelecidas entre os trabalhadores considerando as relações e conflitos interprofissionais, bem como as concepções, dificuldades e limites do trabalho coletivo e multiprofissional em saúde mental. Utilizamos um referencial metodológico fundamentado na hermenêutica crítica, de maneira a compreender as experiências intersubjetivas de trabalho nas suas diferentes versões emergentes entre os trabalhadores. Apresentamos uma contextualização de âmbitos sócio-históricos, locais e singulares de maneira a inscrever processual e dialeticamente tais experiências, dotando-as de múltiplos sentidos. As experiências intersubjetivas de trabalho são permeadas por ambivalências e contradições emergentes no cotidiano que representam limites e possibilidades para a constituição de uma nova práxis coletiva entre os trabalhadores. Às dimensões éticas e políticas que referenciam o trabalho em saúde, devem associar-se dimensões afetivas, por compreender o afeto como uma potência mobilizadora de disposições e de posições que permitem reconfigurações em relações de saber/fazer/poder estabelecidas.

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ABSTRACT

This reasearch investigates the intersubjective experiences of work in the cotidiane micropolitical processes of a community mental health service. We tried to understand the experiences in articulation to the dispositions and positions of the workers. This process conducted us to the identification of some relevant relational configurations considering the perspective of the workers. We established a dialogue with several authors that investigate the health work in Brazil and the mental health community work in other countries. The national literature presents a propositive tendency that contributes to the elaboration of some principles for the health work. However, new empirical studies are necessary to understand the ambivalences and contraditions that appear in the cotidiane between the health workers. Thus, we decided to study this subject considering the historic process of health work and profissionalization, in order to understand interprofessional interactions and conflicts that affect conceptions and establishe possibilities and restrictionas for the constitution of a collective multiprofessional work in mental health. We used a critical hermeneutic approach presenting the multiple versions of the workers experiences relating them to different contexts. Ambivalences and contradictions are relevant in the intersubjective experiences of work and they represent restrictions and possibilities for the constitution of a new praxis among the workers. Ethical and political dimensions of the health work may be associated to affective dimensions, understanding the affect as a potent agent in the mobilization of positions and dispositions that may conduct to reconfigurations of established relations.

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APRESENTAÇÃO

Esta investigação foi fruto de múltiplos deslocamentos de seu objeto e do meu desejo. Foi nessa trajetória truncada de rupturas e descontinuidades que me permiti trilhar atravessamentos possibilitando encontros e distanciamentos ao longo de uma trajetória iniciada na Medicina, que me levou a percorrer outros caminhos, com incursões pela Antropologia da Saúde, a Psiquiatria, a Saúde Mental e a Saúde Coletiva, seguindo minhas tendências de estabelecer um olhar interdisciplinar sobre questões que me rodeiam.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ______________________________________________ 14 2 MARCO TEÓRICO 2.1 A Reforma Psiquiátrica revisitada ________________________________________________ 24

2.1.1 O campo da Saúde Mental no Brasil _________________________________________ 24

2.1.2 A Reforma Psiquiátrica no Brasil ___________________________________________ 25

2.1.3 Modelos de atenção em Saúde Mental _______________________________________ 31

2.1.4 O lugar do CAPS em redes territoriais de saúde ________________________________ 39

2.1.5 A Reforma Psiquiátrica em Fortaleza e o lugar dos CAPS ________________________ 42

2.1.6 Alguns desafios para a Reforma Psiquiátrica brasileira __________________________ 53

2.2 O TRABALHO EM SAÚDE _________________________________________ 55 2.2.1 Algumas concepções sobre o trabalho em saúde ________________________________ 55

2.2.2 Do trabalho médico ao trabalho coletivo e multiprofissional em saúde ______________ 61

2.2.3 Trabalho em saúde, processos de profissionalização e autonomia __________________ 65

2.2.4 Algumas contribuições para a micropolítica do trabalho em saúde _________________ 73

2.2.5 O trabalho em saúde e a tradição das organizações públicas no Brasil ______________ 77

2.3 EXPERIÊNCIA E INTERSUBJETIVIDADE NO PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE ______________________________________________________________ 81 2.3.1 Experiência e intersubjetividade ____________________________________________ 81 3 METODOLOGIA _______________________________________________ 87

3.1 ALGUMAS PREMISSAS ____________________________________________ 87 3.2 FUNDAMENTAÇÃO EPISTEMOLÓGICA ___________________________ 88 3.3 CARACTERÍSTICAS DO ESTUDO __________________________________ 91 3.3.1 Cenário do estudo ________________________________________________________ 91

3.3.2 Os informantes do estudo __________________________________________________ 94

3.3.3 Trabalho de campo _______________________________________________________ 95

3.3.4 Construção, processamento e interpretação do material empírico __________________ 97

3.3.5 Processamento e interpretação do material ___________________________________ 100

3.3.6 Aspectos éticos do estudo ________________________________________________ 101 4 CONTEXTO HISTÓRICO DO CAPS _____________________________ 102

4.1 A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO CAPS ____________________________ 102 4.1.1 A primeira ‘fase’ do CAPS _______________________________________________ 102

4.1.2 A segunda ‘fase’ do CAPS ________________________________________________ 104

4.1.3 A terceira ‘fase’ do CAPS ________________________________________________ 106

4.2 O PROCESSO DE REORGANIZAÇÃO DAS AÇÕES DO CAPS _________ 108 4.2.1 Revisão da situação dos usuários cadastrados no CAPS _________________________ 108

4.2.2 Reorganização e diversificação das atividades no CAPS ________________________ 110

4.2.3 Integração profissional no CAPS ___________________________________________ 111

4.2.4 Articulação de uma atuação mais territorial __________________________________ 111

4.2.5 Reorganização das listas de espera para acolhimento e triagem ___________________ 112

4.3 DISCURSOS QUE FUNDAMENTAM O PROCESSO DE REORGANIZAÇÃO DAS AÇÕES DO CAPS ___________________________________________________ 113

5 ALGUMAS INTERPRETAÇÕES POSSÍVEIS DE DIMENSÕES

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5.1 ESPAÇOS COLETIVOS INTRA-INSTITUCIONAIS: REUNIÕES DE

EQUIPE 120

5.2 INTEGRAÇÃO INTERPROFISSIONAL _____________________________ 135 5.2.1 Os Processos de trabalho integrados no CAPS ________________________________ 135

5.3 EXPERIÊNCIAS INTERSUBJETIVAS E CONFIGURAÇÕES RELACIONAIS EMERGENTES NO CAPS ________________________________________________ 141

5.4 OS TRABALHADORES ENVOLVIDOS NO PROJETO COLETIVO DO CAPS __________________________________________________________________ 144

5.4.1 Compreensões emergentes sobre o envolvimento entre os trabalhadores ___________ 146

5.4.2 Algumas características relevantes e recorrentes entre os trabalhadores mais envolvidos

______________________________________________________________________________ 151

5.4.3. Algumas distinções entre os trabalhadores mais envolvidos _____________________ 158

5.5. PROFISSIONAIS “PSI” ___________________________________________ 166 5.5.1 O ‘uso do jaleco’ _______________________________________________________ 169

5.5.1 Principais aspectos identificados entre os profissionais “psi” _____________________ 173

5.6. OS PSIQUIATRAS ________________________________________________ 175 5.6.1 Breve descrição do trabalho médico no CAPS ________________________________ 175

5.6.2. A carga horária dos médicos ______________________________________________ 178

5.6.3. A “pouca integração” dos médicos _________________________________________ 183

5.6.4. A “pouca integração” na perspectiva dos médicos ____________________________ 184

5.6.5 A “pouca integração” na perspectiva de outros profissionais _____________________ 189

5.6.6. Ambivalências, contradições e o processo de trabalho médico ___________________ 196

5.6.7 Principais aspectos identificados entre os psiquiatras __________________________ 210

5.7 OS TRABALHADORES DE NÍVEL MÉDIO NO CAPS _________________ 212 5.7.1 Principais aspectos identificados entre os trabalhadores de apoio _________________ 221 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS _____________________________________ 225 REFERÊNCIAS _________________________________________________ 228 ANEXO A _________________________________________________________________ 241

ANEXO B _________________________________________________________________ 242

APENDICE 1 ______________________________________________________________ 243

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1

INTRODUÇÃO

Esta investigação busca compreender experiências intersubjetivas de trabalho situando-as na micropolítica cotidiana1 emergente em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) que vem reorganizando algumas de suas ações. Pretendemos, assim, contextualizar tais experiências intersubjetivas considerando as posições ocupadas pelos trabalhadores, de maneira a identificar algumas configurações relacionais vigentes nos microprocessos de trabalho.

Compreendemos a subjetividade também como intersubjetividade (GADAMER, 1999, 2007), pelo fato de a primeira não estar restrita apenas a uma dimensão individual, já que também permeia e circula por territórios2 existenciais e relacionais coletivos (GUATTARI, 1991). Diversos autores apontam para a importância de deslocamentos que possibilitem novos enfoques sobre a temática do trabalho em saúde, destacando a necessidade de considerar a subjetividade dos trabalhadores nos microprocessos cotidianos que envolvem a produção do cuidado3 (CAMPOS, 2000a; FRANCO, 2006; MERHY, 1997, 2003, 2007a).

Contudo, a incorporação de dimensões subjetivas / intersubjetivas nos estudos que abordam o trabalho no campo da Saúde Coletiva é relativamente recente no Brasil, tendo predominado inicialmente estudos inspirados em referenciais sociológicos e filosóficos oriundos do materialismo histórico e dialético, com ênfase nos aspectos macrossociais referentes a essa temática. Investigações clássicas sobre o trabalho médico (DONNANGELO, 1975) e sobre os processos de trabalho em saúde (MENDES GONÇALVES, 1994), constituíram assim, uma tradição importante no Brasil.

Embora inspirados também nessa tradição, outros autores do campo da Saúde Coletiva têm estabelecido novos diálogos, interessando-se por aspectos micropolíticos e

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Adotamos o conceito de cotidiano de Agnes Heller (HELLER, 1994), que compreende a vida cotidiana como o conjunto de atividades que caracterizam as reproduções particulares a partir das quais se cria a possibilidade de reprodução social. Para Heller é na vida cotidiana que se produzem as relações sociais entre os homens.

2 Para GUATTARI & ROLNIK (2005:388) o território pode ser relativo a espaços vividos e existenciais,

sendo “sinônimo de apropriação subjetiva, de subjetivação fechada sobre si mesma (...) que pode desterritorializar-se, abrir-se em linhas de fuga. A reterritorialização consiste em uma tentativa de recomposição de um território engajado em um processo desterritorializante.”

3 Compreendemos aqui o cuidado como categoria ontológico-existencial que relaciona as práticas de

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subjetivos relacionados ao tema (MERHY, 1997, 2007a, 2007b; CECILIO, 1999; CAMPOS, 2000a; FRANCO, 2006; entre outros). Ao enfatizar a importância de dimensões micropolíticas do trabalho em saúde, tais autores dialogam com diversas vertentes, utilizando referenciais oriundos da análise institucional4 e da esquizoanálise5, dentre outras, destacando justamente a necessidade de resgatar o lugar do sujeito no processo de produção do cuidado em saúde.

Paralelamente, as investigações situadas no intercruzamento entre Saúde Mental e Saúde do Trabalhador fundamentam-se em diferentes referenciais (RAMMINGER, 2008). Tais estudos focalizam: processos de trabalho e suas práticas (OLIVEIRA & ALESSI, 2005a, 2005b; BICHAFF, 2006; FIGUEIREDO, 2007; MELO & FUREGATO, 2008; dentre outros); o sofrimento psíquico dos trabalhadores (FERRER, 2007); a satisfação e o estresse no trabalho em saúde mental (REBOUÇAS et. al., 2007, 2008; RIGOTTO et. al., 2008); as vivências dos trabalhadores sob perspectivas fenomenológicas e hermenêuticas (GARCIA & JORGE, 2007; SCHNEIDER, 2007; SILVA, 2007); os modos de subjetivação dos trabalhadores de Saúde Mental (NARDI & RAMMINGER, 2007); as concepções dos trabalhadores sobre a produção de serviços em saúde mental (CAMPOS & SOARES, 2003); as dimensões políticas do trabalho em saúde mental (HONORATO & PINHEIRO, 2008); o risco como positividade no trabalho em saúde mental (ANDRADE, 2007; bem como a satisfação de trabalhadores de CAPS (GUIMARÃES, 2007), dentre outros.

Contudo, são escassos os estudos que aprofundam interações estabelecidas no cotidiano entre os trabalhadores de Saúde Mental (ABUHAB et al., 2005). Já a temática referente ao trabalho em equipe de saúde vem sendo abordada por autores como: CANOLETTI (2008), que fez um detalhado estudo de revisão; por PEDUZZI (2001), que realizou uma investigação teórica e empírica em diferentes equipes de saúde; por BOLDANI (2007), que também realizou um estudo empírico sobre o tema; e por diversos autores que propõe algumas premissas teóricas de base ético-política para o

4 A Análise Institucional se constituiu a partir de um conjunto de disciplinas e movimentos que ocorreram

na sociedade francesa, a partir dos anos 40 e 50, sendo um campo de conhecimento formado a partir da psicanálise, das ciências sociais, e da filosofia. Articula um instrumental de análise e intervenção em instituições, visando potencializar grupos e comunidades para processos de mudança.

5 A esquizoanálise, baseada na filosofia da diferença de Deleuze e Guattari trata-se de uma análise,

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trabalho em saúde, como LOPES et al. (2007), GOMES et al. (2007), BARROS & BARROS (2007) e HONORATO & PINHEIRO (2008), entre outros.

Estudos mais específicos sobre esta temática no campo da Saúde Mental adotam diversos enfoques. Dentre eles encontramos: a leitura institucionalista sobre um Núcleo de Apoio Psicossocial de Santos (NAPS) de KODA & FERNANDES (2004); o estudo sobre o trabalho em equipe em um CAPS III de ABUHAB et. al. (2005); e o estudo de MILHOMEM (2007) sobre as condições e relações de trabalho nos CAPS de Cuiabá.

Entretanto, não encontramos estudos enfocando as interferências dos processos de profissionalização abordados pela Sociologia do Trabalho e suas expressões na micropolítica do trabalho em equipe de saúde. A isso também se adicionam lacunas empíricas em relação a propostas operacionais para a análise da micropolítica cotidiana das relações e dos processos de trabalho vigentes nos serviços de saúde.

Embora referenciais advindos da Psicologia do Trabalho apresentam grande influência de vertentes funcionalistas ligadas às Teorias das Organizações, outras leituras também podem contribuir para a compreensão das experiências dos trabalhadores e da micropolítica cotidiana estabelecida nos serviços de saúde. Com esse intuito, pretendemos explorar algumas das lacunas acima apontadas, incorporando contribuições oriundas de vertentes sociológicas inspiradas em Pierre Bourdieu e Norbert Elias, autores interessados no estudo das interações sociais, bem como vertentes da Sociologia do Trabalho, que enfocam os processos de profissionalização.

A partir desses referenciais pretendemos delinear uma possível contextualização de dimensões singulares emergentes no CAPS investigado, de maneira a situar as experiências intersubjetivas de trabalho e as configurações relacionais6 que as ativam e também são ativadas por elas considerando questões sócio-históricas que repercutem no cotidiano dos serviços de saúde e de seus trabalhadores.

Embora nesta investigação estejamos enfocando os trabalhadores envolvidos diretamente com o cuidado, reconhecemos a importância de outros agentes, como usuários e gestores – estes últimos também trabalhadores – considerando que todos eles são importantes para o processo de produção social de saúde (MERHY, 2003). Há, porém, distinções entre eles, relacionadas aos objetivos visados, aos recursos

6

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mobilizados e às posições ocupadas, sendo os trabalhadores mais envolvidos na produção do cuidado aqueles que operam tecnologias em saúde estabelecendo microprocessos de trabalho orientados tanto para a produção do cuidado quanto para a sua própria produção/reprodução enquanto sujeitos (CAMPOS, 2000a; MERHY, 2003). Os trabalhadores são, então, fundamentais para a materialização de práticas de saúde que podem produzir ou não novos agenciamentos7 no cuidado em saúde. No entanto, reiteramos que, ao enfocar os trabalhadores, não pretendemos desconsiderar outros atores como os usuários e gestores, desde já assinalando a importância de outros estudos que possam lhes dar a merecida atenção.

Segundo FRANCO (2006), o trabalho em saúde constitui-se a partir de uma

micropolítica8, ou seja, um agir cotidiano e relacional dos sujeitos entre si e com os cenários nos quais estão inseridos, que apresenta características rizomáticas9. Diversos tipos de encontros entre os próprios trabalhadores, e destes com os usuários, desencadeiam fluxos operativos, políticos, comunicacionais, simbólicos e subjetivos que formam uma intrincada rede de relações, constituindo o trabalho em saúde (FRANCO, 2006).

Embora em seu texto FRANCO (2006) não explicite sua noção de encontro, tomamos como referência Martin Buber (1974), que compreende o encontro como um evento relacional inquietante e indispensável, que ‘acontece’ como episódio singular. Para BUBER (1974:18) “relação é reciprocidade”, atuação recíproca entre o EU e o TU. “O instante atual e plenamente presente, dá-se somente quando existe presença,

encontro relação. (...) Presença não é algo fugaz e passageiro, mas o que aguarda e permanece dentro de nós. Objeto não é duração, mas estagnação, parada, interrupção,

“O agenciamento é uma noção mais ampla do que as de estrutura, sistema, forma, processo, montagem, etc. Um agenciamento comporta componentes heterogêneos, tanto de ordem biológica, quanto social, maquínica, gnosiológica, imaginária.” (GUATTARI & ROLNIK, 2005:381).

8 Para Guattari (GUATTARI & ROLNIK, 2005: 149) a micropolítica trata-se da questão da "analítica

das formações do desejo no campo social".

9 FRANCO (2006) retoma o conceito de rizoma de DELEUZE & GUATTARI (1995), autores cuja

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enrijecimento, desvinculação, ausência de relação, ausência de presença. O essencial é vivido na presença, às objetividades no passado (...), o EU se realiza na relação com o TU; é tomando EU que digo TU” (BUBER, 1974: 13-14). Contudo, BUBER também

admite que a presentificação contínua sob a forma da relação EU- TU não é possível, alternando-se com a objetificação EU- ISSO. O pensamento deste autor leva-nos a questionar, entretanto, sobre os riscos da predominância do EU-ISSO nas relações estabelecidas no cotidiano dos serviços de saúde e entre os próprios trabalhadores. Por outro lado, MERHY (2007a) atenta para a possibilidade de encontros violentos, caracterizados pela dominação, pela exclusão e pela interdição.

Os encontros fazem parte das dimensões micropolíticas cotidianas e subjetivas do trabalho em saúde, sendo constituintes do que SILVA & FONSECA (2005) denominam de determinantes singulares do processo de trabalho, relacionados a um

coletivo institucional (OURY, 1986 apud SILVA & FONSECA, 2005: 442), que diz

respeito ao que "permanece e se enraíza nos indivíduos envolvidos por uma dinâmica

institucional [...] algo deste imperativo coletivo que também poderia exercer-se de modo a solapar, a obliterar ou simplesmente dilapidar as vontades em jogo num espaço institucional".

Para essas autoras, o processo de trabalho em saúde mental também seria composto por outros 2 determinantes: 1) estruturais (princípios e diretrizes do SUS e da Reforma Psiquiátrica, leis, normas e regulamentações da saúde e saúde mental); e 2)

particulares (função do serviço na rede local de atenção, dispositivos de

interdependência ou colaboração das ações no sistema de saúde). Além disso, um conjunto de aspectos sócio-históricos vinculados a questões gerais, conjunturais e contextuais, também contribuem para condicionar / determinar possíveis desdobramentos dos processos de trabalho em saúde.

Deste modo, o trabalho em saúde mental nos CAPS se descortina ante um panorama multifacetado. É no palco relacional cotidiano que emergem as tensões entre novos e velhos modos de produção de subjetividade, novas e velhas formas de relação com a alteridade e o desafio de lidar com paradoxos de múltiplas ordens. Além disso, embates atuais inseridos em um contexto de agudização de tendências neoliberais também afetam o mundo do trabalho e, conseqüentemente, os trabalhadores de serviços públicos de saúde mental.

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saúde mental no Brasil podem ser caracterizadas como transicionais10. Experiências que se pretendem inovadoras11 e convocam os trabalhadores em saúde mental a realizar deslocamentos assumindo novos agenciamentos implicam em lidar com as contradições, ambigüidades e ambivalências pessoais e coletivas emergentes em seus processos de trabalho.

No caso do trabalho em saúde mental, deslocar a experiência de exclusão social da loucura exige, sobretudo, desconstruir os manicômios mentais12 (PELBART, 1991) e os desejos de manicômio (ALVERGA & DIMENSTEIN, 2006) passíveis de reprodução em diversos territórios concretos e subjetivos, inclusive, no território cotidiano de dispositivos psicossociais que se pretendam inovadores no campo da saúde mental, como é o caso dos CAPS.

Assim, a Reforma Psiquiátrica Brasileira depara-se, na atualidade, com diversos desafios, entre eles, o de favorecer a constituição de um trabalho multiprofissional coletivo e integrado, que possibilite uma atuação territorial e intersetorial (BEZERRA JÚNIOR, 2007). Contudo, dispositivos psicossociais de cuidado como os CAPS, agregam trabalhadores portadores de diferentes concepções e práticas, não sendo, portanto, surpreendente a coexistência de modelos de atenção, por vezes antagônicos13 em um mesmo estabelecimento de saúde (NUNES, 2008).

São os trabalhadores os que se deparam ante o desafio cotidiano de implementar novas perspectivas, convivendo em equipes multiprofissionais das quais se pretende

10 CAMPOS & BARROS (2000) destacam a coexistência de diferentes modelos de atenção

influenciando as ações dos trabalhadores de um mesmo serviço. Para estas autoras, a visão de mundo dos profissionais será determinante para a escolha do que tomarão como objeto e finalidade de sua atuação.

11 Baseados em Boaventura Santos, PINHEIRO & MATTOS (2006:13-14) concebem a idéia de inovação

como as tensões, rupturas e transição com o paradigma instituído. Estes autores definem as inovações como “um conjunto de saberes e praticas social e historicamente construídas, num dado espaço-tempo, no plano molecular – ou seja, nas relações/interações entre sujeitos em suas práticas no cotidiano das instituições, com as quais se comporia o solo epistêmico dos planos micro e macropolíticos.”

12 PELBART (1991) distingue o louco (personagem social discriminado, excluído e recluso) da loucura

(desrazão). O louco seria um personagem criado no século XVII, recebendo a incumbência de encarnar em seu corpo a desrazão. Ao excluí-lo da sociedade visava-se à exclusão da loucura, que para Pelbart seria uma dimensão essencial de nossa cultura. Assim, a desconstrução da experiência manicomial passa pela necessidade de desconstruir os manicômios mentais e subjetivos de maneira a permitir um novo exercício do pensar e das práticas sociais, “uma nova forma de relacionar-se com o Acaso, como Desconhecido, com a Força e com a Ruína.” (PELBART, 1991:136)

13 Grosso modo, segundo COSTA-ROSA (2000) e COSTA-ROSA et al. (2003), encontramos como

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uma atuação integrada que apresenta múltiplas possibilidades e percalços em sua efetivação. Além disso, diversos interesses, disputas e assimetrias de poder constituídos historicamente na divisão do trabalho coletivo em saúde exigem reposicionamentos subjetivos mais profundos e escolhas que talvez nem todos os envolvidos percebam ou queiram efetuar.

Assumir a construção de novos agenciamentos exige identificar e lidar com prováveis capturas, criando novas linhas de fuga, desterritorializações e

reterritorializações (GUATTARI & ROLNIK, 2005) que, por vezes, colocam os

trabalhadores ante o olho do furacão14 (MERHY, 2007b). Cabe assim, averiguar como os próprios trabalhadores compreendem esse lugar de protagonismo15 atribuído aos mesmos no âmbito do SUS, destacado em políticas oficiais como a Política Nacional de Humanização (BRASIL, 2006). Dar voz aos trabalhadores, por serem operadores16 fundamentais desse processo, possibilita compreender alguns desdobramentos, possibilidades, limites e desafios que estão colocados para a consolidação do SUS e da Reforma Psiquiátrica brasileira.

Diante do exposto, esta investigação aborda as experiências intersubjetivas de trabalho em um CAPS situado em um contexto municipal de ampliação e organização da rede de saúde em Fortaleza, cujos porta-vozes assumem seu alinhamento ao ideário do SUS e da Reforma Psiquiátrica (ANDRADE et al., 2007). Nesse sentido, abordar o tema do trabalho em saúde visa compreender para transformar (CLOT, 2006),

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O olho do furacão foi o termo utilizado por alguns médicos para caracterizar seu trabalho no Programa Saúde da Família (PSF) de São Paulo ao ter que lidar com condições de trabalho precárias associadas a novas demandas e a formas transicionais de organização de seus processos de trabalho CAPOZZOLO (2003). MERHY (2007b) retoma esta expressão ao analisar a experiência dos trabalhadores de CAPS.

15 Termo encampado pela Política Nacional de Humanização (BRASIL, 2006: 47), definido como sendo

“a idéia de que a ação, a interlocução e a atitude dos sujeitos ocupa lugar central nos acontecimentos”. GOHN (2005:9) distingue os protagonistas dos atores ao retomar o sentido etimológico grego, onde o protagonista era o lutador principal de um torneio e posteriormente o personagem principal de uma peça de teatro. Desse modo, os protagonistas se distinguem como atores principais de determinados processos sociais que congregam outros diferentes tipos de atores.

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entendendo a transformação na perspectiva de emancipação17.

Tomamos assim, como questão norteadora desta investigação: Como podem ser compreendidas as experiências intersubjetivas de trabalho face à micropolítica cotidiana emergente no CAPS investigado, considerando a perspectiva dos trabalhadores?

Adotando a concepção de intersubjetividade de Gadamer e uma concepção de

experiência inspirada em Husserl, compreendemos esta última como modo essencial de estar no mundo e de ser-com-outros, estando necessariamente vinculada ao seu

contexto social (ALVES et al., 1999). Por outro lado, a experiência inclui dimensões pré-reflexivas, não objetiváveis e intangíveis, não sendo possível apreendê-la completamente em um processo de investigação (ALVES et al., 1999).

Embora a experiência inclua dimensões instransponíveis para a linguagem, consideramos possível e viável compreender algumas das suas dimensões de modo a construir versões de sentido - sempre transitórias - que também refletem nossa leitura crítica enquanto sujeito epistêmico da investigação.

Ao adotar esta posição, assumimos o limite de saber que estaremos apreendendo apenas algumas interpretações e reinterpretações a respeito das experiências dos trabalhadores. Contudo, tais interpretações e reinterpretações também possibilitam o deslocamento da experiência em direção à linguagem e, deste modo, “em um para além

da subjetividade” (GADAMER, 2007: 27).

Em termos metodológicos e interpretativos, adotamos um referencial fundamentado na hermenêutica de Hans Georg Gadamer. Tal escolha referenda possibilidades de ir além de uma compreensão meramente fenomênica da experiência, permitindo situá-la junto a uma conjunção de condições que a circunscrevem e delineiam, dotando-a de sentido.

No decorrer deste trabalho, aprofundaremos o diálogo com a literatura no capítulo do marco teórico, apresentando o estado da arte a partir de textos oriundos de autores nacionais e internacionais que se debruçam sobre a temática do trabalho em

17 17 Emancipação é aqui entendida como "... um conjunto de lutas processuais, sem fim definido"

(23)

saúde, sobre serviços comunitários em saúde mental e sobre a micropolítica do trabalho em saúde, apresentando interlúdios com os campos da Saúde Coletiva e da Saúde Mental no Brasil.

O marco teórico deste estudo revisitará inicialmente o campo da saúde mental no Brasil, de maneira a discutir criticamente o processo de Reforma Psiquiátrica e o lugar dos CAPS na rede de saúde. Apresentaremos algumas propostas referentes aos modelos de atenção em saúde mental, seguindo-se uma breve reconstituição da Reforma Psiquiátrica em Fortaleza, município que sedia o CAPS investigado. Finalizaremos esta primeira parte do marco teórico expondo alguns desafios contemporâneos para o processo de Reforma Psiquiátrica.

Subseqüentemente discutiremos algumas concepções e perspectivas sócio-históricas do trabalho em saúde, passando pelos processos de profissionalização em saúde demarcando categorias como: autonomia profissional, interprofissionalidade,

interdisciplinaridade, núcleo profissional e campo interprofissional. Na seqüência

apresentaremos uma leitura sobre a micropolítica do trabalho em saúde utilizando referenciais oriundos de Pierre Bourdieu e Norbert Elias. Finalizaremos esta segunda parte do marco teórico apresentando algumas características sobre os trabalhadores e os serviços públicos no Brasil, pelo fato desta temática apresentar dilemas com os quais o trabalho no SUS também se depara.

Passaremos, então, para a terceira parte do marco teórico apresentando a noção de experiência intersubjetiva em Husserl e de intersubjetividade em Gadamer, de maneira a articular a micropolítica do trabalho em saúde com dimensões intersubjetivas subjetivas que serão retomadas na exposição de nossos principais achados.

(24)

1.1 OBJETIVO

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2 MARCO TEÓRICO

2.1 A Reforma Psiquiátrica revisitada

Neste tópico apresentaremos uma leitura crítica sobre a Reforma Psiquiátrica no Brasil tecendo brevemente sua trajetória histórica. Discutiremos sobre os modelos atenção em Saúde Mental e, na seqüência, realizaremos uma análise sobre a reforma Psiquiátrica em Fortaleza dialogando com a literatura, para finalmente expor algumas tendências atuais que instigam o processo de Reforma Psiquiátrica em direção a novos desafios.

2.1.1 O campo da Saúde Mental no Brasil

Utilizar o termo saúde mental incita-nos a algumas reflexões. Limitações de ordem etimológica - que evidenciam certa cisão cartesiana corpo-mente, e limitações históricas - pela emergência do referido termo em associação a vertentes congruentes com a adaptação e normatização como forma de lidar com o desvio e a loucura (GUINSBERG, 2004), poderiam induzir-nos a restringir a sua utilização.

No entanto, segundo AMARANTE (2007), a saúde mental no Brasil vincula-se a um campo ou área de conhecimento e de atuação técnica no âmbito das políticas públicas de Saúde. Essa idéia instiga-nos inicialmente a problematizar a noção de

campo, pouco explorada pelo referido autor. Reportando-nos a BOURDIEU (1996),

consideramos a concepção de campo como um espaço social cujos atores apresentam disposições, posições e interações em torno da detenção de certo tipo de capital (simbólico, econômico, político e outros).

Tal perspectiva também reitera a pluralidade e complexidade vigente no campo da Saúde Mental observada por AMARANTE (2007). Este campo conjuga, assim, comunidades científicas - representativas de diversos saberes disciplinares, bem como comunidades praxiológicas - representativas de conhecimentos práticos e de uma ação política. Tal conjugação produz, como uma de suas possíveis expressões, a institucionalização de determinadas propostas através da formulação de políticas públicas de Saúde Mental.

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Coletiva, lembramos que para PAIM & ALMEIDA FILHO (1998) e CAMPOS (2000b) este último campo representaria a conjugação de um campo científico e um movimento ideológico em aberto. Contudo, parece-nos que último componente enunciado pelos mereceria, a nosso ver, maior discussão.

Tanto a Saúde Mental quanto a Saúde Coletiva se configuram enquanto campos interdisciplinares, com pretensões transdisciplinares18 (PAIM & ALMEIDA FILHO, 1998; CAMPOS, 2000b), por incorporar e articular saberes e práticas oriundos de diversos campos do conhecimento, dentre eles, as disciplinas científicas. Apesar das convergências entre esses campos no que tange a dimensões coletivas presentes em ambos, a clínica individual é um componente fundamental no campo da Saúde Mental. Contudo, a clínica psicossocial conjuga arranjos tecnológicos individuais e coletivos, além de ser perpassada por aspectos ético-políticos (BEZERRA JUNIOR, 2001) que se aproximam da noção de clínica ampliada referendada por autores da Saúde Coletiva como CAMPOS (2003) e autores que tem investido em aproximações entre a Saúde Coletiva e a Saúde mental, como ONOCKO CAMPOS (2001).

2.1.2 A Reforma Psiquiátrica no Brasil

Revisitar a Reforma Psiquiátrica instiga-nos a uma releitura crítica de um projeto coletivo que inspirou experiências muito heterogêneas. Caberia, então, falar em

reformas no plural, engendradas a partir de um ideário impregnado pela influência da

Psiquiatria Democrática Italiana e sua proposta ético-política de

desinstitucionalização19.

O processo de Reforma Psiquiátrica engendrou um acúmulo discursivo e uma ação política que inspirou experiências pioneiras no país. Essas ‘reformas’

18 Grosso modo, a interdisciplinaridade pressupõe uma articulação entre diversas disciplinas e torno de

um problema comum, enquanto a transdisciplinaridade representa o borramento das fronteiras disciplinares (FURTADO, 2007).

19

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materializaram práticas que reinterpretaram o ideário original, instituindo processos locais singulares, compostos de múltiplos atores a partir dos quais surgiram, segundo BRAGA CAMPOS (2001) diferentes ‘modelagens’ de reformas.

Uma delas, mais focalizada, foi a do CAPS Luiz da Rocha Cerqueira, criado em 1987 em São Paulo, primeiro dispositivo cuja proposta clínica se fundamentava em uma prática centrada na vida cotidiana da instituição e do usuário, de modo a permitir o estabelecimento de uma rede de sociabilidade capaz de fazer emergir a instância terapêutica (LUZIO & L’ABBATE, 2006). A partir da experiência desse CAPS surgiu também a Associação Franco Basaglia, composta por usuários e familiares (LUZIO & L’ABBATE, 2006).

Posteriormente, o município de São Paulo organizou uma rede de assistência em saúde mental integrando as unidades de atenção básica, ambulatórios, hospitais-dia e alguns hospitais gerais, bem como criou centros de convivência e cooperativas (LOPES, 1999). Paralelamente, o município de Campinas também articulou uma rede de saúde mental vinculada à rede de atenção básica e demais serviços do SUS.

No entanto, para BRAGA CAMPOS (2000), Campinas representou uma proposta híbrida de reforma, por assumir a co-gestão de um hospital psiquiátrico. Esta autora considera que tanto São Paulo quanto Campinas apresentaram certa influência preventivista na organização da assistência à saúde mental, por situar a rede de atenção básica de saúde como porta-de-entrada dos serviços de saúde mental e referendar uma concepção de saúde-doença fundamentada na História Natural da Doença. Entretanto, LUZIO & L’ABBATE (2006) sugerem que ao se estabelecer a atenção básica como porta-de-entrada havia também o intuito de ampliar o acesso e a cobertura em relação aos problemas de saúde mental da população.

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O ideário da Reforma Psiquiátrica começou a se delinear em um tempo de lutas e sonhos coletivos. Aos sonhos é permitido transitar por onde lhes aprouver. E mesmo sonhos coletivos, formulados por diversos sonhadores, sofrem algumas capturas ao transmutar-se em políticas e práticas histórica e socialmente situadas. De maneira que a institucionalização do processo de Reforma Psiquiátrica brasileira não escapa a essa dialética de qualquer processo social, gerando hiatos entre um ideário e sua materialização nas práticas.

Sendo um processo complexo que envolve diversos atores, a institucionalização gradual do ideário da Reforma teve a influência de diversas vertentes na formulação das políticas nacionais de Saúde Mental. De maneira que são diversos os campos discursivos que inspiram a proposta oficial de Reforma Psiquiátrica, gerando algumas contradições que pretendemos subseqüentemente explorar.

Para NARDI & RAMMINGER (2007) há três discursos vinculados a diferentes regimes de verdade historicamente instituídos no âmbito da saúde mental, gerando distintas formas de cuidado e intervenção sobre a loucura. Estes autores identificam um

discurso religioso, que concebe o cuidado da loucura como caridade; um discurso psiquiátrico, que adota uma leitura científica sobre o cuidado da loucura; e um discurso da Reforma, que inscreve esse cuidado no âmbito social e na discussão sobre direitos

humanos e cidadania.

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inclusive, de novos serviços de Saúde Mental20 (AGUIAR, 2004).

Assim, embora a Psiquiatria Democrática Italiana tenha sido a grande inspiradora do principal movimento social e político da Reforma – o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, ao apontar influências de vertentes preventivistas21 na condução sutil da política oficial de assistência psiquiátrica brasileira, BORGES (2007) indiretamente se aproxima de IMPAGLIASSO (2005), que reitera uma possível captura das políticas de Saúde Mental ao assinalar sua contradição com princípios do SUS.

Esta última autora questiona a ênfase à priorização de portadores de transtornos mentais graves e persistentes vigente no discurso, nas ações e nas estratégias das políticas oficiais de Saúde Mental. Para ela, tal ênfase contradiz o discurso inclusivo e integral do SUS, pautado pela preocupação em atender a diversos problemas psicossociais da população. Nessa perspectiva, problemas psicossociais situados fora do espectro dos transtornos graves e persistentes priorizados pela política oficial não estariam sendo contemplados em termos de sua resolução.

Essa priorização seleciona a demanda a partir da oferta, e, caso não atenda outros problemas psicossociais, engendra uma focalização das ações em torno de grupos específicos da população, alinhando-se à perspectiva preventivista de

priorização, ao relegar o cuidado do restante da população. Outra via de aproximação

com o preventivismo, que convive muito bem com vertentes organicistas, dá-se pela reaproximação do atual objeto da Psiquiatria - o transtorno mental também presente nos enunciados oficiais.

Embora uma defesa possível dessa priorização possa pautar-se pela idéia de

eqüidade, justificando-se pela maior vulnerabilidade de pessoas com problemas

psicossociais graves estarem sujeitas a cuidados excludentes em hospitais psiquiátricos,

20 Vale ressaltar que as vertentes organicistas e biológicas da Psiquiatria contemporânea convivem e

co-existem muito bem com propostas de Psiquiatria Reformada, como as que caracterizam , para ROTELLI et al. (1990) modelos de reforma psiquiátrica efetivados, por exemplo nos EUA – cujas bases se fundamentaram a Psiquiatria Preventiva e Comunitária-, e na França – como a psiquiatria de setor e institucional. Para ROTELLI (1990) a Psiquiatria Reformada se caracteriza pela coexistência e complementaridade entre serviços territoriais e hospitais psiquiátricos, com a psiquiatrização de problemas sociais, e com a criação de um circuito psiquiátrico que abandona alguns pacientes e cronifica novos problemas, como os vinculados à drogadição.

21 As críticas à psiquiatria preventiva e comunitária norte-americanas enfocam sua lógica economicista,

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mesmo assim, a priorização acaba gerando uma tensão permanente com o princípio da

integralidade. Tal tensão tenderia a ser minimizada com a implementação de ações e

dispositivos articulados em arranjos organizacionais pautados por uma co-responsabilização (como o apoio matricial), a partir dos quais seria possível acolher e cuidar diversos tipos de demandas e necessidades psicossociais da população. Contudo, para superar essa captura preventivista, caberia realinhar as políticas oficiais de Saúde Mental de maneira a ampliar o diálogo com outras políticas sensíveis a questões do campo psicossocial, entre elas, a Política Nacional de Humanização (PNH) e a Política de Educação Permanente do SUS.

No entanto, as políticas oficiais geralmente expressam a institucionalização de experiências previamente realizadas. Ou seja, na constituição histórica do SUS, primeiro acontecem as experiências e posteriormente estas são institucionalizadas através de marcos jurídico-normativos, burocráticos e financeiros que permitem sua ‘replicação’ e propagação.

Um exemplo de ‘captura’ relacionado a esse processo de institucionalização oficial de determinadas experiências trata-se da síntese híbrida que gerou os CAPS na portaria GM 224/1992(AMARANTE & TORRE, 2001). Fruto da fusão de duas experiências epistemológica, operacional e politicamente distintas - os NAPS de Santos e o CAPS de São Paulo - o surgimento dos CAPS/NAPS ilustra o exercício burocrático-normativo e homogeneizador que tem caracterizado a produção infraconstitucional do SUS. Por outro lado, esse processo também expressa uma síntese possível de dissensos dentro do próprio movimento da Reforma Psiquiátrica, tendo como decorrência o surgimento ao longo da década de 90 de inúmeras experiências distintas unificadas sob o mesmo nome ‘fantasia’ NAPS/CAPS (SANTOS, 1997).

Apesar desse viés da portaria SAS 224/1992, tanto esta quanto o relatório final da II CNSM reiteravam a importância de criar uma rede de diversos dispositivos articulados além dos CAPS/NAPS que acabou não vigorando na indução financeira estabelecida pela política oficial de Saúde Mental. Além disso, essa portaria tampouco garantiu a entrada da Reforma Psiquiátrica na agenda estatal, justamente pela falta de linhas de financiamento especificas para a área, embora a portaria SNAS 189/1991 já tivesse incluído o pagamento de procedimentos de Saúde Mental realizados fora de hospitais psiquiátricos na tabela SIH/SUS.

(31)

de momento germinativo da política oficial da reforma, caracterizado por uma tendência de desospitalização e de organização da assistência hospitalar. Foi, entretanto, na virada do século, através de uma conjunção de fatores como: a aprovação da Lei 10.216, a III Conferência de Saúde Mental e a portaria GM 336/2002, que se consolidou a entrada da Saúde Mental na agenda do SUS, com uma nítida indução na expansão do CAPS como dispositivo central da política oficial de Saúde Mental.

Uma nova regulamentação dos CAPS vinculada à garantia de linhas de financiamento específicas extra-teto regulamentou estes serviços, estabelecendo uma nova tipologia que subdividiu os CAPS em 3 tipos, considerando o perfil dos problemas atendidos e as faixas etárias – CAPS adulto, CAPS infantil e CAPS para problemas de Álcool e Drogas; e as áreas de cobertura populacional - CAPS tipo I, CAPS tipo II e CAPS tipo III (maiores detalhes sobre os tipos de CAPS constam no ANEXO II).

Essa indução financeira possibilitou o crescimento exponencial do número de CAPS no Brasil, que passou de 197 em 1997 para 1326 no final de 2008. Outras estratégias, programas e políticas voltados para a desospitalização e a redução de leitos psiquiátricos também foram sendo encampados pela política oficial de Saúde Mental. Entre eles o Programa de Volta para Casa, os Serviços Residenciais Terapêuticos e a reorientação da assistência hospitalar.

Paralelamente surgiram ações voltadas para a reinserção social e laboral de usuários e a adoção da estratégia de redução de danos como política oficial. Por outro lado, outras áreas como a Atenção Básica têm criado novos dispositivos como os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), incorporando profissionais e ações de apoio matricial em Saúde Mental.

Uma singularidade no processo de Reforma Psiquiátrica brasileira trata-se do fato de que o mesmo ocorreu simultânea e convergentemente com a criação de um sistema nacional e público de saúde. Isso vem acarretando a aproximação com outras áreas da saúde implicando em novos desafios para o campo da Saúde Mental, tanto por possibilitar maior permeabilidade de suas fronteiras, quanto por certo risco de diluição e perda de suas especificidades.

(32)

integrada e integral composta por diversos pautados por um cuidado orientado ético-politicamente em direção a uma perspectiva psicossocial.

2.1.3 Modelos de atenção22 em Saúde Mental

Diversos autores do campo da Saúde Coletiva apresentam formulações sobre os

modelos de atenção ou modelos assistenciais (PAIM, 2002; MERHY, 1997, 1998;

CAMPOS, 1992; SCHRAIBER, 1990) afirmando que estes representam um ideário sócio-historicamente situado e orientam os sistemas de saúde. No caso brasileiro, o SUS apresenta princípios e proposições que defendem a emergência de dada consciência sanitária, a participação cidadã e a vinculação da saúde com lutas políticas e sociais mais amplas (PAIM, 1997).

Para MERHY (1998), um modelo de atenção se refere aos modos como a sociedade e o Estado desenvolvem e utilizam tecnologias para produzir e distribuir ações de saúde. Estes modelos se materializam e conformam nos micro-espaços e no cotidiano dos serviços, expressando-se por um conjunto de processos de trabalho e de práticas de saúde. A análise destes modelos deve levar em consideração os seguintes aspectos: as concepções de saúde em vigor, os saberes/instrumentos/trabalhadores que estão envolvidos, e as disputas presentes no contexto sócio-histórico (MERHY, 1998).

Nessa mesma linha, PAIM (2002: 374) concebe que o “modelo de atenção é

uma dada forma de combinar técnicas e tecnologias para resolver problemas de saúde e atender necessidades de saúde individuais e coletivas”. Este autor também ressalta

que os modelos de atenção não se constituem enquanto um padrão. Eles representam uma racionalidade, uma razão de ser, ou seja, uma lógica orientada para a ação.

PAIM (2002:338) identifica 3 concepções de modelos assistenciais ou modelos de atenção, correspondendo a: “(1) uma noção genérica oficial, que enfatiza a

organização de serviços, a gestão e o planejamento (em documentos oficiais); 2) uma

22

(33)

noção mais ampla, que reconhece intermediações entre o técnico e o político (em Gastão Campos Wagner); 3) uma noção mais precisa, delimitada pela dimensão técnica das práticas de saúde (em Lilia Schraiber)”.

Para CAMPOS (1992) os modelos de atenção se inscrevem em um movimento que nunca se completa, em um processo produtor de ações de afirmação deliberadas que deve manter dispositivos críticos, também produtores de negatividade, de maneira a garantir a abertura para a mudança, a projeção para o devir. Considerando que as técnicas e tecnologias estão relacionadas a questões sociais mais amplas, os modelos de atenção possuem um triplo caráter administrativo, técnico e político (MERHY, 2003).

PAIM (2002) assinala que os modelos de atenção hegemônicos e os alternativos expressam determinados interesses e se inscrevem em determinados contextos históricos que favorecem sua emergência. Modelos hegemônicos e alternativos também apresentam distinções referentes a aspectos tais como: seus propósitos em relação à alteração nos problemas de saúde; seus métodos e processos de trabalho predominantes; e suas formas de organização e gestão dos serviços (PAIM, 2002).

Além disso, para CAMPOS (2000a), os modelos alternativos devem pressupor uma produção de cuidado centrada nos usuários, mas também devem considerar a realização dos trabalhadores. Essa centralidade no usuário deve ser compreendida não apenas como a resolução de seus problemas mais imediatos, mas o estímulo à sua maior participação e protagonismo na reflexão e ação sobre a saúde como direito e responsabilidade de todos. Pressupõe o desenvolvimento de uma consciência sanitária que permita ampliar suas concepções de mundo e seu envolvimento na busca por uma sociedade mais justa e democrática (CAMPOS, 2000a).

Diversas convergências podem ser estabelecidas entre as concepções dos autores acima apresentados. Todos eles assinalam que um modelo de atenção deve ser orientado por um ideário discursivo ético-político, operacionalizando-se a partir de processos de trabalho e tecnologias que materializam práticas de cuidado visando justamente aproximar-se do ideário proposto.

Entre os diversos autores também há distintas caracterizações de modelos tradicionalmente hegemônicos. PAIM (2002) designa esse modelo hegemônico de

médico assistencial-privatista, contextualizando-o em relação à conformação das

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assistência filantrópica e da medicina liberal, não sendo representativo apenas do setor privado, pois também se reproduz no setor público. Caracteriza-se por ser centrado na demanda espontânea ou numa oferta de serviços dependente da lógica de mercado, sendo um ato produzido institucionalmente, mas operado individualmente na consulta direta do médico.

Outros autores como SÁVIO & GULJOR (2004), assinalam variações dentro do que denominam de modelo médico hegemônico, tais como os dispositivos assistenciais ambulatoriais, visto estes ficarem circunscritos a ações pautadas exclusivamente em consultas médicas ou psicológicas respaldadas teoricamente no paradigma racionalista

problema-solução, tomando como objeto de cuidado a doença mental (SÁVIO &

GULJOR, 2004: 222).

O modelo médico hegemônico se fundamenta teoricamente na racionalidade médica moderna, que inspirou o modelo biomédico e o modelo psiquiátrico tradicionais. Estes operam com uma concepção reducionista de saúde e loucura, adotando uma visão mecânica e cindida entre corpo e mente, e ambos estabelecem o hospital como seu cenário primordial de práticas, estendendo-se aos ambulatórios médicos. Neste modelo o processo de trabalho em saúde é centralizado na figura do médico e os demais profissionais entram como co-adjuvantes. O modelo asilar ou psiquiátrico tradicional representa um equivalente deste modelo médico hegemônico no campo da saúde mental.

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Quadro 1 – Modelos de Atenção Psiquiátrica.

Período Pressupostos Serviço

Até os anos 70 Preventivismo

Especialização

Simplificado Hospícios

Anos 70 – 80 Especialização Hospícios ou Ambulatórios

Anos 80 – 90

Setorização Racionalidade Regionalização Hierarquização Intensidade Especializados Porta de entrada Rede serviços regionais Referência / contra-referência

Anos 90

Território Diversificação Complexidade

Responsáveis regionais Único / integral

Rede social

Tendência no ano 2000 Inversão

Cidade saudável

Modelo PSF / PACS Sem serviço

Internação domiciliar Fonte: ALVES (2001:167-168).

Para ALVES (2001), os modelos de atenção em saúde mental devem contemplar a integralidade em suas dimensões ideológicas e técnicas. A integralidade em saúde mental é considerada um operador teórico e prático fundamental, situando-se como horizonte ético e político a ser buscado na construção de novos modelos de atenção (MÂNGIA & MURAMOTO, 2006). A integralidade é compreendida assim, não apenas como uma diretriz, mas como bandeira de lutas e imagem-objetivo (MATTOS, 2001), devendo ser buscada em cada ação desencadeada pelo sistema de saúde em qualquer âmbito, local ou global, individual ou coletivo. Para isso, torna-se necessário transformar as tecnologias empregadas, a organização dos serviços, os processos de trabalho em saúde, a formação dos profissionais e as relações estabelecidas entre profissionais de saúde e usuários (MÂNGIA & MURAMOTO, 2006).

Retomando SARACENO (2001), ALVES (2001) considera que a integralidade está associada à qualidade em saúde mental, vinculando esta à noção de acessibilidade, composta por três (3) fatores (SARACENO, 2001): a) Geografia (local; fluxo viário; barreiras físicas ou outras); b) Turnos de funcionamento (serviço único ou integrado); c) Menu de programas (assistência; reinserção; lazer; hospitalidade; trabalho).

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autonomia.

Já no campo da Saúde Coletiva autores como BOSI & UCHIMURA (2007) também aprofundam a discussão sobre a qualidade articulando-a com a questão da subjetividade e da humanização. As autoras referendam a qualidade como termo polissêmico de caráter multidimensional que origina novos construtos, abrangendo dimensões objetivas e subjetivas de fenômenos complexos como a saúde. Isto implica reconhecer e considerar os processos simbólicos e as práticas discursivas valorizando a percepção dos atores envolvidos.

Outro autor, COSTA-ROSA propõe uma sistematização de modelos de atenção antagônicos a partir de alguns analisadores que distinguem um paradigma23 asilar de outro psicossocial. Como analisadores teríamos, então (COSTA-ROSA, 2000: 143): “((1) a definição de um objeto e dos meios teórico-técnicos de intervenção, o que inclui

as formas de divisão de trabalho interprofissional; 2) as formas de organização dos dispositivos institucionais; 3) as modalidades de relacionamento com os usuários e a população; 4) as implicações éticas dos efeitos de suas práticas em termos jurídicos, teóricos, técnicos e ideológicos.”. Esses analisadores se aproximam daqueles propostos

por TEIXEIRA et al. (1998), para quem qualquer modelo de atenção precisa ser composto por: ‘Sujeito, Objeto, Meios de Trabalho e Formas de Organização”.

No quadro 2 detalhamos os analisadores propostos por COSTA-ROSA (2000) COSTA-ROSA et al. (2003), distinguindo dois modos de atenção em saúde mental que nos parecem representar duas polaridades entre as quais muitas nuances são possíveis.

23 Em outro texto, YASUÍ & COSTA-ROSA (2008:27) explicitam sua concepção de paradigma como a

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Quadro 2 – Principais características dos modelos de atenção asilar e psicossocial

OBJETO DE TRABALHO

MODO ASILAR MODO PSICOSSOCIAL

Doença/Transtorno Mental Sofrimento/ Existência

Meios de trabalho

Recursos multiprofissionais Divisão tradicional e fragmentada do trabalho em saúde

Médico-centrado Medicação e controle disciplinar como principais instrumentos de trabalho

Recursos multiprofissionais

Integração dos processos de trabalho Centralidade no usuário

Técnico de referência (função

intercessora e facilitação de vínculos) Conjunto amplo de dispositivos de reintegração sociocultural

Cenário de

práticas Hospital Psiquiátrico Serviços territoriais abertos Organização

institucional (relações intra-institucionais)

Organogramas piramidais ou verticais

Amálgama entre poder decisório e de coordenação Estratificações de poder e saber

Organograma horizontal

Diferenciação entre poder decisório e de coordenação

Ênfase à participação popular

Horizontalização das relações de poder

Relacionamento com a clientela

Instituição como locus depositário da clientela potencial

Interdição de espaços aos usuários e população em geral Interdição do diálogo

Reprodução de relações intersubjetivas verticais

Espaços de interlocução horizontais Suporte transferencial compatível com a singularidade

Finalidade Cura

Subjetivação da queixa Desospitalização Desmedicalização

Implicação subjetiva e sócio-cultural

Efeitos terapêuticos e éticos (fins políticos e socioculturais) Supressão sintomática Cronificação Reposicionamento subjetivo Reinserção sócio-cultural

Adaptado de COSTA-ROSA (2000) e COSTA-ROSA et al. (2003).

No campo da Saúde Mental, a efetivação cotidiana de novos modelos de atenção depende, sobretudo, de tecnologias leves24 - constituídas por relações intercessoras, que se efetivam através do encontro, do diálogo, do acolhimento e são realizadas através do trabalho vivo em ato. Há também tecnologias leve-duras - que abrangem os saberes técnicos estruturados (MERHY, 1997). Ou seja, mais do que o espaço físico onde

24 A concepção de tecnologia aplicada não apenas a instrumentos e maquinaria, mas também ao

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acontecem as práticas, são as relações e as próprias práticas os aspectos que garantem a efetivação de um novo modelo de atenção.

Assim, podemos encontrar serviços extra-hospitalares desenvolvendo práticas predominantemente asilares. LOBOSQUE (1997) também alerta a este respeito e sugere os princípios da singularidade, do limite e da articulação para nortear uma clínica antimanicomial. O princípio da singularidade convoca a interpelar e convidar o sujeito a sustentar tal singularidade com um estilo que é seu (LOBOSQUE, 1997:22), sem precisar excluí-lo do convívio social. O princípio do limite trata da possibilidade de reinventar os limites, de buscar o traçado de um contorno e não de processar uma exclusão. Este princípio convida a cultura a conviver com certa falta de cabimento, de maneira a fazer caber o louco na cultura. Intervenções antimanicomiais podem recorrer a formas de contenção de graus variados, utilizando a medicação, a internação eventual, a assistência em um serviço de saúde mental, desde que não o façam pelo viés da autoridade, mas pelo delineamento de um contorno sem proceder a uma exclusão LOBOSQUE, 1997).

O princípio da articulação introduz uma reflexão crítica sobre a sociedade em que vivemos, estimulando parcerias com segmentos alinhados ao combate a diversos dispositivos de exclusão LOBOSQUE (1997: 24). Assim, a clínica tem o desafio de estabelecer uma interlocução interdisciplinar, atenta às descobertas de diferentes disciplinas sem confundir-se ou subordinar-se a elas. Contudo, o principio da

articulação não se limita a uma dimensão epistemológica, nem se reduz a uma

interlocução no plano teórico. Deve preocupar-se também em modificar questões públicas indispensáveis para garantir um trabalho em uma perspectiva antimanicomial.

Os aportes de LOBOSQUE (1997) confluem com aspectos propostos nos analisadores dos modelos de atenção de COSTA-ROSA (2000), autor retomado por NUNES et al.(2008), que realizaram um estudo etnográfico sobre um CAPS na Bahia verificando a coexistência de diferentes modelos de cuidado implementados por diferentes grupos de trabalhadores. Nesse estudo, os autores publicizam achados voltados para os propósitos e resultados das ações produzidas nos serviços de saúde, havendo pouca ênfase a respeito dos processos de trabalho e dos processos de gestão. Entre os modelos concorrentes por eles observados estão:

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pedagógica que prioriza uma mudança de comportamentos, objetivando torná-los compatíveis com a reinserção social. Neste modelo se encontram ações bem intencionadas, embora geralmente normalizadoras e pouco críticas.

2) Um "Modelo psicossocial com ênfase na instituição", associado a uma concepção mais psicossocial de cuidado e em uma prática institucional pouco orientada para as ações territoriais. Os agentes deste modelo têm uma influência mais pronunciada da clínica psicanalítica e uma preocupação com mudanças no fazer terapêutico, embora estas pareçam estar mais adscritas a uma esfera teórico-técnica. Segundo NUNES et al. (2008) este modelo parece mais próximo da psicoterapia institucional francesa, priorizando as mudanças intra-institucionais.

3) Um "Modelo psicossocial com ênfase no território" ou “Modelo

territorializado", que valoriza os aspectos sociais do adoecimento, não

concebendo um cuidado em saúde mental desvinculado do âmbito familiar e comunitário. Alem disso, os agentes deste modelo parecem preocupados com a esfera político-jurídica do mesmo. Este modelo aproxima-se do italiano, com ênfase anti-institucional, pautando-se na reinserção social do doente mental.

Ainda segundo NUNES et al. (2008), os agentes dos três modelos reconhecem a importância de incluir outros atores no processo de cuidado e valorizam o formato aberto da instituição. Contudo, os agentes dos modelos médico humanizado e psicossocial com ênfase na instituição parecem perceber as mudanças já adquiridas como conquistas, expressando menor inquietação e insatisfação com a limitação espacial/territorial do projeto.

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grupo e também intergrupos.

Como tipologias, os modelos de atenção e de cuidado representam uma abstração, servindo para apontar algumas tendências, lógicas e culturas organizacionais vigentes nos serviços de saúde. Não cabe assim, a pretensão de buscar modelos “puros”, que não se materializam nas práticas, visto a configuração de novos modelos ocorrer processualmente, permitindo justamente a coexistência de modelos e praticas permeados de a ambigüidade, a ambivalência e contradição.

Vale lembrar também, que as propostas de modelos de atenção são reconfiguradas a partir de práticas e processos de trabalho e de cuidado atravessados por relações intersubjetivas estabelecidas no cotidiano dos serviços, perpassadas por diferentes interesses que ajudam a entrelaçar as tramas das tendências que se expressam nos serviços de saúde. Esses modelos de atenção também estão vinculados a mutações sócio-históricas que deslocam o lugar dos CAPS à medida que estes se articulam a novas redes territoriais de saúde ainda em constituição.

2.1.4 O lugar do CAPS em redes territoriais de saúde

O que é um lugar, senão uma possibilidade? Um lugar não está necessariamente dado, mas pode ser fugaz, mutável, oscilante, fluido. Ao abordar o lugar do CAPS em redes territoriais de saúde não o fazemos de maneira pré-determinada, assumindo rigidamente um determinado lugar. Pelo contrário, acreditamos que um lugar é uma construção, um devir que se espacializa em territórios físicos, sociais, existenciais e simbólicos. Daí, para pensar o lugar do CAPS, seria necessário percorrer os lugares que ele já ocupou situando-os historicamente, de maneira a esboçar os que porventura se pretende que ele venha a ocupar. E pensar em rede de saúde é pensar em uma trama que entrelaça fluxos que sustentam novas possibilidades de cuidado e potência de vida.

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TABELA 1 – Distribuição dos trabalhadores do CAPS segundo seu tipo e vinculo e tempo   TIPO DE VINCULO / Nível  Nível Médio  Nível
Tabela 2 – Distribuição dos trabalhadores do CAPS segundo a categoria profissional/função e a  carga horária semanal
Tabela  3 – Trabalhadores integrantes dos grupos focais

Referências

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