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5.3 EXPERIÊNCIAS INTERSUBJETIVAS E CONFIGURAÇÕES RELACIONAIS EMERGENTES NO CAPS

5.4 OS TRABALHADORES ENVOLVIDOS NO PROJETO COLETIVO DO CAPS

5.4.3. Algumas distinções entre os trabalhadores mais envolvidos

As distinções internas deste grupo de trabalhadores se dão por conta de variações quanto: à experiência em saúde mental (novatos e veteranos), ao tipo de vínculo (trabalhadores terceirizados e efetivos), bem como à própria clareza na participação do projeto coletivo.

A distinção relacionada a certa experiência de trabalho em saúde mental remete tanto para certa antigüidade74, no sentido de maior prestígio, mas sobretudo, de dominar determinado saber-fazer para o qual não é necessário ser antigo no CAPS. Esse domínio remete para a “experiência”, que sobrepuja o tempo de trabalho no CAPS, sendo o que distingue os novatos dos veteranos, como ilustra o diálogo a seguir:

“Existem os novatos, normalmente os novatos que entram (nos grupos) eles entram junto com alguém com mais experiência. (TNS 7) Quanto aos veteranos, são definidos como mais experientes:

“Mais experiência na prática né? Mais segurança no traquejo. O [profissional] é assim, ele é capaz de conduzir um grupo sozinho ta entendendo?,Como as meninas, a gente considera que são capazes de

74 A antigüidade vinculada a certa tradição como diferencial em termos de poder e prestigio entre grupos semelhantes sob outros aspectos foi considerada como relevante por Norbert Elias (2000) ao analisar as configurações relacionais estabelecidas em uma comunidade de operários ingleses.

conduzir um grupo sozinho, e já tem gente que não tem capacidade

de conduzir um grupo sozinho. Tá começando, tá chegando na área de saúde mental agora, né? Por exemplo, o [outro profissional] que tá comigo, não tem condição ainda de conduzir um grupo sozinho...” (TNS 7)

Estas questões foram reforçadas por um trabalhador novato que não era da área da saúde mental e expressou insegurança a respeito de como proceder durante diversos momentos ao longo da pesquisa. Entre as estratégias encontradas por este trabalhador para lidar melhor com essa questão ele optou por sua incursão em um curso de capacitação em saúde mental de maneira a adquirir noções a respeito da psicopatologia e dos diagnósticos psiquiátricos.

Embora seja importante a disseminação e o compartilhamento de conhecimentos de diversas áreas, este fato chamou-nos a atenção por parecer que é a partir do discurso psiquiátrico que se obteria certa segurança e autorização para trabalhar no CAPS na visão de alguns trabalhadores. Não pretendemos com isso descartar a necessidade de englobar o conhecimento psiquiátrico no repertório de saberes que devem compor o trabalho em saúde mental, mas apenas refletir sobre certa supremacia que advém do mesmo ante outros conhecimentos.

As distinções relacionadas ao tipo de vínculo empregatício são percebidas como problemáticas, sobretudo pelo fato de o CAPS comportar trabalhadores com diferentes

tipos de vínculos; por discussões sobre a produtividade, que não é paga aos

terceirizados; e pelo fato de a terceirização gerar insegurança entre os trabalhadores nessa situação, levando-os a evitar explicitar suas idéias.

Algumas dessas distinções, percebidas tanto por trabalhadores terceirizados quanto por efetivos, são ilustradas a seguir:

“Infelizmente aqui ou felizmente, não sei, esse serviço, ele agrega pessoas vindas dos mais variados é.... vínculos empregatícios, desde os concursados do nível municipal ou federal, ou, prestadores de serviço...Então, essa diversidade, muitas vezes ao meu ver também, atrapalha um pouco, né, porque, são interesses do ponto de vista financeiros um pouco diferenciados (...)” (TNS 1)

No entanto, alguns trabalhadores consideram as questões salariais resolvidas na gestão atual do CAPS:

“Né, tem algumas desigualdades do ponto de vista salarial, que já

foram contornadas do ponto de vista da bagunça... que era da, da gratificação de... produtividade, principalmente aqui nesse serviço onde se tinham profissionais das mais variadas fontes, união, estado, prefeitura, terceirizados e tudo mais, então que era um caldo de todas as origens que pudessem existir de vinda dos profissionais e isso implicava de certa forma, em desigualdade salarial, em termos de carga horária, isso também foi um grande problema. E que atualmente já... foi encontrado muito sabiamente uma forma de equilibrar ou equiparar tudo isso...Então uma série de coisas já contornou, já avançou, né, e eu acho que daqui pra frente é controlar, é discutir mais... e colocar o serviço pra frente.” (TNS 1)

Já outros trabalhadores não compartilham da mesma opinião: “Às vezes a gente fica aqui, não sei se chega a ser uma reclamação ou um direito, mas assim, como é que eu posso te dizer, nós do serviço terceirizado ficamos até meios inibidos de falar alguma coisas, a gente se sente um pouco assim em desvantagem mesmo. Mas eu acho que isso também é geral em todo lugar, e também a questão da produtividade que nós não recebemos e isso magoa um pouco. (...) Eu já tenho relato de outros serviços que as pessoas recebem mesmo não sendo concursadas (...,)mas também a gente não vai falar e tudo porque a gente não se sente a vontade e não se sente muito segura com relação a isso, mas que existe essa coisinha arranhada, existe arranhamento aí, esse aspecto que incomoda a gente e a gente até já comentou também, mas houve muita resistência também das outras pessoas que são concursadas porque é aquela estória amigos, amigos e negócios a parte.” (TNS 11)

Como podemos observar, desigualdades relacionadas à terceirização são referendadas por colegas da equipe, que no caso do CAPS tem a ver com a produtividade. MILHOMEM (2007) discute os problemas da precarização e terceirização do trabalho em saúde apontando que as mesmas dificultam formas mais coletivas para o enfrentamento de situações vivenciadas pelos trabalhadores, estimulando a busca de soluções individuais e despolitizadas. Além disso, as desigualdades reforçam relações de subordinação e poder que dificultam o trabalho em equipe.

trabalhadores efetivos os que se posicionam como porta-vozes de descontentamentos que afligem o grupo, como no que se refere às questões que envolvem os médicos. Isto reforça certa ascendência já vigente entre os trabalhadores efetivos, que também aglutinam a posição de serem os mais antigos e também os mais experientes no trabalho em saúde mental.

Em seu estudo sobre as condições de trabalho de equipes de saúde mental de Cuiabá, MILHOMEM (2007) observou que a questão do vinculo representa uma das primeiras condições de trabalho à qual é submetido o trabalhador. Segundo a autora, o vínculo empregatício tem influência central na produção de cuidado em Saúde Mental.

Esta autora constata que equipes contratadas precariamente (terceirizadas ou submetidas a contratos temporários e flexíveis) não costumam se responsabilizar pela missão institucional e nem com movimentos de mudança, pré-requisitos fundamentais para a atenção psicossocial. Por outro lado, parece-nos que a terceirização também pode induzir certa responsabilização ‘imposta’, efetivada pela necessidade de garantir o emprego mais do que por compromisso com uma perspectiva de atenção psicossocial.

MILHOMEM (2008) também destaca que o trabalho precário em saúde tem sido identificado como obstáculo para os avanços do SUS, com reconhecimento dessa situação inclusive pelo Ministério da Saúde, que tem encampado a questão da desprecarização do trabalho em saúde como pauta na sua agenda governamental.

NARDI & RAMMINGER (2007) constatam que experiências mais recentes que investiram em projetos desinsitucionalizantes se caracterizam por uma flexibilidade para contratação de trabalhadores mais sensibilizados e identificados com o ideário da Reforma Psiquiátrica, levando estes autores a problematizar se o perfil de trabalhador- militante seria uma condição necessária para o avanço da desinstitucionalização.

Contudo, se por um lado, a flexibilização na contratação possibilita levar em conta critérios desconsiderados nos concursos públicos, como certo compromisso e envolvimento do trabalhador, por outro reiteramos que tal flexibilização pode gerar uma adequação forçada ao posto, no sentido do compromisso estar mais vinculado a

resguardar o emprego75 conquistado, do que ao compartilhamento de um determinado ideário discursivo. Além disso, a flexibilização na contratação costuma implicar em uma precarização76 das relações de trabalho, com novos tipos de desgaste, sofrimento e desigualdades entre os trabalhadores, gerando novas contradições e dificuldades para o trabalho em saúde mental (NARDI & RAMMINGER, 2007).

Face ao acima exposto, observamos contradições na gestão municipal do trabalho em Saúde Mental em Fortaleza77, sendo a precarização uma das principais causas de insatisfação dos trabalhadores nos estudos de GUIMARÃES (2007) e de JORGE et al. (2007). Questões de âmbito geral, relacionados a um contexto neoliberal de mutações no mundo do trabalho acabam repercutindo no trabalho em saúde, gerando novos conflitos e contradições no cotidiano dos serviços de saúde mental.