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CATEGORIAPROFISSIONAL /FUNÇÃO NUMERO DE ENTREVISTADOS

4.1 A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO CAPS

4.1.1 A primeira ‘fase’ do CAPS

Esta ‘fase’ durou cerca de 3 anos, iniciando-se com a criação do serviço a partir da iniciativa de um grupo de trabalhadores vinculados a uma instituição de ensino. Com o pouco apoio do município, o CAPS só funcionava pelas manhãs, dependendo mais da boa vontade de seus trabalhadores. Por ser o único serviço deste tipo no município, ele passou a atender qualquer demanda de saúde mental que chegasse, independentemente do local de moradia dos usuários.

Acorriam assim, pessoas de todo o município e de municípios circunvizinhos, o que rapidamente sobrecarregou o serviço. Duas características importantes nesse processo foram, então, o fato do CAPS não ser territorializado e também não

discriminar um perfil de clientela prioritária, atendendo a todo tipo de demanda em

saúde mental e também alguns casos de Neurologia (epilepsias).

italiano65

também evitaram uma priorização dos problemas e uma hierarquização entre os serviços de saúde mental, sob a alegação de incorrer no risco de fragmentação das ações e do cuidado em intervenções de caráter seletivo e especializado, produzindo uma seleção dos problemas de acordo com as ofertas específicas das agências sanitárias e sociais em detrimento das necessidades da população.

Entretanto, a falta de priorização do CAPS não parece ter se baseado nessa discussão, tendo decorrido mais de certo espontaneísmo e inércia do que de uma filiação a determinadas correntes desinstitucionalizantes. Assim, em um contexto de ausência de serviços extra-hospitalares de saúde mental e face à grande demanda reprimida, o CAPS rapidamente ‘inchou’, passando a funcionar em uma lógica assistencial ambulatorial ‘massificada’.

Entretanto, um terceiro fator, de caráter singular, que pode ter contribuído para a indução de uma lógica assistencial ambulatorial. Trata-se da trajetória profissional dos

trabalhadores que compuseram a equipe inicial do CAPS, a maioria dos quais era

oriundo de um hospital geral, instituição que historicamente pautou seus processos de trabalho a partir de um trabalho médico coletivo. Embora imbuídos de boa vontade, talvez estes profissionais tenham acabado por reproduzir aquilo que já sabiam fazer ao ter que dar conta da grande demanda qual o serviço estava submetido.

A esses fatores acima apontados adicionaram-se a ausência de uma política municipal de saúde mental, o descaso da gestão, a falta de condições de trabalho, a inexperiência organizacional da equipe e a ausência de uma supervisão clínico- institucional. O que pareceu reforçar tendências ambulatoriais ante as quais a boa- vontade destes primeiros trabalhadores não teve força instituinte suficiente para estabelecer novos vetores em direção a um modelo de atenção mais psicossocial.

Assim, devemos atentar-nos para a constatação de que os momentos iniciais de uma proposta podem consolidar determinadas perspectivas institucionais que deixam rastros importantes na dinâmica institucional. Essa questão também revela a importância e a necessidade de cuidado no início de determinados processos, já que

65 O modelo italiano faz criticas explicitas à psiquiatria preventiva e comunitária norte-americanas, que operacionaliza suas propostas através de uma priorização e hierarquização das ações e serviços (ROTELLI et al., 1990). A priorização de casos graves e persistentes tem sido incorporada no discurso oficial que fundamenta os CAPS ao que parece por dois motivos principais: um de racionalidade econômica, em face de serviços e recursos limitados, e o outro de base ético-política, que justifica a priorização de casos graves e persistentes em função da necessidade de promoção de maior equidade e justiça em relação a populações historicamente excluídas.

características precocemente institucionalizadas geralmente representarão resistências e dificuldades futuras em face de novas perspectivas de mudança. Como o CAPS atualmente vem passando por uma tentativa de modificação em relação à sua atuação, estes aspectos merecem ser levados em consideração.

Contudo, caracterizar o CAPS como um serviço com tendência preponderantemente ambulatorial não significa desconsiderar iniciativas de profissionais que tentavam oferecer alternativas e recursos terapêuticos para além do médico e do remédio. Implica, no entanto, em reconhecer que estas provavelmente não tiveram força instituinte suficiente para estabelecer novos fluxos no serviço.

Outra característica deste CAPS está relacionada com a diversidade de vínculos empregatícios vigentes entre seus trabalhadores ao longo de sua história. Com uma equipe composta por trabalhadores de diferentes esferas de governo e diferentes tipos de vínculos, a gestão do trabalho foi um desafio neste serviço, devido Às diferenças salariais e de carga horária. Algumas coordenações anteriores resolveram essas diferenças através de acordos ora individuais ora coletivos, informalmente estabelecidos entre os trabalhadores. Entretanto, tais diferenças e suas repercussões salariais estabeleceram hierarquizações internas entre os trabalhadores, associadas a outros tipos de hierarquizações que serão posteriormente apresentadas.

Quanto às reuniões de equipe, neste primeiro período do CAPS houve inicialmente encontros semanais sistemáticos que posteriormente descontinuaram. A irregularidade das reuniões também se associou gradualmente a um caráter mais administrativo e pouco resolutivo das mesmas, gerando um desgaste e esvaziamento na participação dos trabalhadores que parece ter predominado durante a maior parte da história do serviço. Outra questão ressaltada foi a erraticidade e quase ausência de uma supervisão clínico-institucional, nesse primeiro período do serviço. Este problema se manteve nos períodos posteriores, sendo sanado apenas na terceira faze do CAPS.